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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.10 no.2 Rio de Janeiro ago. 2010

 

ARTIGOS

 

Ritmo social e suas formas de mensuração: uma perspectiva histórica1

 

Social rhythm and theirs measurement types: a historical overview

 

 

Regina Lopes SchimittI,*; Maria Paz Loayza HidalgoII,**; Wolnei CaumoIII,***

I Doutoranda do PPG Ciências Médicas FAMED da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
II Professora adjunta do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil
III Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo descrever o conceito de ritmo social e suas formas de mensuração descritas na literatura dentro de uma perspectiva histórica. Ritmo social não é um ritmo biológico, mas interfere na sincronização de ritmos biológicos e caracteriza-se pela regularidade da vida diária determinada pelas relações sociais, ou seja, exposição regular aos zeitgebers sociais, estes definidos como agentes sincronizadores externos inseridos em um determinado contexto social. O estudo do ritmo social pode trazer reflexões sobre a organização temporal da sociedade, revelando os efeitos perniciosos da incompatibilidade entre demandas sociais e ritmos biológicos no campo do trabalho, esclarecendo de que maneira o estabelecimento das relações pode ter impacto na qualidade de vida e possibilitando que as pessoas possam repensar sua organização.

Palavras-chave: Ritmo social, Zeitgebers sociais, Cronobiologia, SRM-17, Aferição.


ABSTRACT

The present study aims to describe the concept of social rhythm and theirs measurement types described in the literature under a historic perspective. Social rhythms is not like biological rhythms, however they interfere in the biological rhythms synchronization and they are characterized by regularly social zeitgebers exposure defined as external synchronic agent inserted in a determinated social context. Studying of social rhythm can bring reflexions about temporal organization of society, revealing the noxious effects of incompatibility between social demands and biologic rhythms in work field, clearing how the relationships can make impact in quality of life and allowing that people can think about their organization.

Keywords: Social rhythm, Social Zeitgebers, Chronobiology, SRM-17, Assessment.


 

 

Introdução

O ritmo social se expressa através da organização temporal de atividades determinada pelas relações sociais, de forma a estabelecer uma rotina (regularidade da vida diária), o que permite uma previsibilidade comportamental. O conceito de Ritmo social integra a relação entre fatores sociais e os marcadores de tempo endógenos. Os hormônios são exemplos de sincronizadores endógenos (LESTIENNE, 1995). Os sincronizadores exógenos são também denominados de zeitgebers, termo alemão cunhado por Aschoff nos anos 70, que significa doadores de tempo e podem ser fóticos (luz) e não fóticos (temperatura, alimentação, exercícios e fatores sociais). Essas pistas imprimem forte influência na expressão dos ritmos biológicos em humanos, pois têm o intuito de adaptar a função dos sistemas orgânicos ao meio externo. A compreensão dessa interação tem sido alvo de áreas voltadas ao estudo do comportamento, como a neurociência, a psiquiatria e a psicologia. Presume-se, então, que o ritmo biológico humano é o resultado da interação entre marcadores de tempo endógenos e exógenos (ex: zeitgebers fóticos, ritmo social).

 

Sistema Temporizador

O sistema temporizador é formado por uma rede complexa de relógios biológicos que são responsáveis pela organização temporal dos ritmos das funções biológicas. Um exemplo de relógio biológico é o núcleo supraquiasmático (NSQ), que funciona como um marca-passo, integrando as informações externas às vias neurais, sincronizando a ritmicidade individual (RALPH; FOSTER; DAVIS; MENAKER,1990).

O NSQ está formado por dois núcleos simétricos, ovalados, situados na parte inferior do hipotálamo, ao lado das paredes inferiores do terceiro ventrículo e dorsalmente ao quiasma óptico.

A variação da atividade dos neurônios do NSQ é essencialmente regulada pela luz e proporcional à intensidade de luz que entra na retina (WHITMORE; FOULKES; SASSONE, 2000). A maioria deles aumenta a freqüência da descarga com a luz, enquanto uma pequena porcentagem a diminui. Os animais que podem codificar a iluminação que recebem, são sensíveis às transições entre dia e noite (RALPH; FOSTER; DAVIS; MENAKER, 1990). A estrutura funcional do NSQ é a de um sistema multi-oscilador, onde cada célula pode atuar como um oscilador independente, gerando um ritmo circadiano na sua atividade elétrica. A interação entre toda a rede neuronal produz o sinal rítmico sensível a estímulos externos (NOGUERA; RIU; HORTENSI; CUCURELLA, 1999; REDFERN, 1997; GLASS, 2001).

 

Fatores externos que modulam o sistema de temporização

Os Zeitgebers sociais são estímulos externos capazes de sincronizar a função do meio interno (MONK; FLAHERTY; FRANK; HOSKINSON; KUPFER, 1990a; MONK; KUPFER; FRANK; RITENOUR, 1990b; MONK; KUPFER; FRANK; POTTS; KUPFER, 2002). Isso se refere a atividades desenvolvidas dentro dos limites de tempo socialmente convencionado para a hora de dormir ou fazer refeições, por exemplo, podendo ou não haver interação social direta nesses momentos. Relógios são exemplos explícitos de zeitgebers sociais que não necessariamente implicam em interação social (ROENNEBERG; WIRZ-JUSTICE; MERROW, 2003), assim como feromônios são exemplos de zeitgebers sociais que implicam em interação social, embora sejam estímulos sutis (MISTLBERGER; SKENE, 2005).

Quanto mais complexa a estrutura social, mais preponderante é a influência do zeitgeber social em detrimento dos zeitgebers naturais, tais como a luz do sol. Apesar da variação da luz ser o principal zeitgeber em humanos, a organização arbitrária do tempo decorrente das demandas sociais interfere na sincronização, muitas vezes competindo com o ritmo claro-escuro. Isso tem sido demonstrado em estudos que comparam estruturas sociais distintas (ROENNEBERG; KUMAR; MERROW, 2007). Em grandes conglomerados urbanos, onde a estrutura social é mais imperativa do que a luz do sol, tem havido um enfraquecimento, por assim dizer, da capacidade do zeitgeber natural em sincronizar ritmos biológicos e o fortalecimento do zeitgeber social que se sobrepõe ao ciclo claro-escuro circadiano (que completa um ciclo em aproximadamente 24 horas), às vezes coincidindo com ele, outras vezes invertendo-o completamente. Um exemplo da inversão completa de fase é o dos trabalhadores em regime de trabalho em turno invertido. Nesse caso ocorre uma ruptura nas relações de fase entre os ritmos biológicos, processo denominado dessincronização (MARQUES; MENNA-BARRETO, 2003).

 

Materiais e Métodos

Procedeu-se à revisão da bibliografia por meio da leitura crítica de artigos publicados na literatura internacional nas bases de dados PUBMED, LILACS, SCIELO e SCIRUS, nessa ordem, estabelecendo-se como limites que os artigos fossem referentes a estudos em humanos realizados a partir de 1998. Foram selecionados artigos escritos em inglês e português usando as seguintes palavras-chave: social rhythm/chronobiology; social rhythm assessment; social rhythm metric; social zeitgebers; ritmo social.

As referências bibliográficas dos artigos identificados foram revisadas para localizar aquelas não contempladas na busca. Também foram utilizados livros-texto para a descrição de conceitos, bem como material extraído de comunicação pessoal com autor de artigo.

Foram incluídos artigos que de alguma forma abordassem o conceito de ritmo social, bem como formas de mensuração, num enfoque cronobiológico.

Na base de dados Pubmed foram localizados 294 artigos, sendo 28 selecionados para leitura e 8 incluídos nas referências bibliográficas. No LILACS, estabelecendo-se como limites saúde pública, nenhum artigo foi encontrado usando os descritores acima. No Scielo foram localizados 17 artigos excluídos por não preencherem os critérios de inclusão. No SCIRUS foram localizados 269 artigos, tendo sido 23 selecionados para leitura. A maior parte deles já constava na base Pubmed, razão pela qual foram incluídas apenas duas referências bibliográficas adicionais. O restante dos artigos foi localizado a partir da revisão das referências dos artigos selecionados.

 

Aferição de ritmo social: Perspectiva Histórica

A relação entre ritmo social e ritmos biológicos já é conhecida desde que Aschoff (ASCHOFF; FATRANSKÁ; GIEDKE; 1971) observou, em 1970, que zeitgebers sociais podiam sincronizar os ritmos circadianos da temperatura corporal, cortisol, catecolaminas e sódio sob escuro constante (GRANDIN; ALLOY; ABRAMSON, 2006). Desde então, diversos pesquisadores ao longo do tempo, vêm desenvolvendo instrumentos de aferição não invasivos que incluem ritmo social entre outras variáveis ou de forma isolada (LITLNER; KUSHIDA; ANDERSON; BAILEY; BERRY, et al, 2002; TOGEIRO; SMITH, 2005; HORNE; OSTBERG, 1976; ROENNEBERG; WIRZ-JUSTICE; MERROW, 2003; MOTOHASHI; MAEDA; YUASA; HIGUCHI, 2000; BROWN; HARRIS, 1978; FRANK, 2005; MONK; FLAHERTY; FRANK; HOSKINSON; KUPFER, 1990; STETLER; DICKERSON; MILLER, 2004).

Uma forma de aferição que merece ser considerada à parte é a actimetria, que se diferencia por utilizar um aparelho, o actígrafo, e não um questionário ou escala. O primeiro actígrafo (Procédé à Biovibrations Humaines, 2007)  foi desenvolvido em 1922 por Szymansky para detectar movimentos do corpo em um estudo sobre o sono. Porém, seu uso foi abandonado em favor da polissonografia feita por eletroencefalograma. Posteriormente, entre os anos 70 e 80, a actimetria foi retomada com a invenção do actígrafo de pulso pelo Instituto de Pesquisa Militar Walter Reed, em Washington, com o objetivo de monitorar a atividade física de militares. Embora a actimetria ainda seja mais utilizada em estudos do ciclo sono-vigília, é uma técnica de avaliação do ritmo circadiano através da detecção da atividade motora por meio do acelerômetro. Esse aparelho é preso ao punho, como um relógio de pulso, e registra os movimentos durante as 24 horas do dia. Esses registros podem ser transferidos ao computador, permitindo a análise de informações como tempo total de sono, tempo total acordado, número de despertares, latência para dormir e características do ritmo de atividade-repouso (amplitude, acrofase, nadir e percentual de ritmicidade)2 (MARQUES; MENNA-BARRETO, 2003; LITLNER; KUSHIDA; ANDERSON; BAILEY; BERRY; DAVILA; HIRSHKOWITZ; KAPEN.; KRAMER; LOUBE; WISE; JOHNSON, 2002; TOGEIRO; SMITH, 2005). É uma técnica econômica e pouco invasiva que permite obter registros de séries temporais durante vários dias.

Para efeitos didáticos os demais instrumentos podem ser divididos em dois tipos: os que levam em consideração ou enfatizam a exposição ao zeitgeber fótico e os que enfatizam o zeitgeber social.

 

Ritmo social e zeitgeber fótico

Neste primeiro grupo incluem-se o Morningness-Eveningness Questionnaire, o Munich Chronotype Questionnaire e o Biossocial Rhythm of Daily Living in the Disabled Elderly.

O Morningness-Eveningness Questionnaire (HORNE; OSTBERG, 1976), ou MEQ, elaborado em 1976 por Horne; Ostberg, consiste em um questionário objetivo auto-aplicável onde constam 19 questões específicas relativas à investigação do cronotipo por intermédio das preferências individuais para organização temporal de atividades como sono, exercícios, vigília subjetiva e atividades noturnas e mentais, além de questões demográficas preliminares.

Cronotipo refere-se ao padrão fisiológico do ciclo sono-vigília, e apresenta um amplo espectro de variabilidade dentro de duas classificações extremas: matutinos, para indivíduos que tendem a ser mais produtivos e alertas na primeira metade do dia, e vespertinos, para indivíduos que tendem a ser mais alertas e produtivos na segunda metade do dia. Escores baixos sugerem maior vespertinidade, enquanto altos escores sugerem maior matutinidade. Os tipos vespertinos são freqüentemente referidos como corujas, enquanto os matutinos são referidos como cotovias.

Uma questão relevante em relação a esse instrumento é que, apesar de levar em conta o contexto social, não é planejado para aferir a variabilidade do ritmo social, pois não faz distinção entre dias de trabalho e dias livres. Além do mais, o tempo de exposição ao zeitgeber fótico não é contemplado, na medida em que não é possível inferir, a partir das questões, a quantidade de tempo em que a pessoa está exposta à luz do dia (ROENNEBERG; WIRZ-JUSTICE; MERROW, 2003). Existe uma versão informatizada em português (GMDRB, 2008).

Sob proposta semelhante Roenneberg, Wirz-Justice; Merrow (2003) elaboraram o Munich Chronotype Questionnaire, ou MCTQ, um questionário objetivo com cerca de trinta questões, que procura confrontar o papel do ritmo social com o do zeitgeber fótico no estabelecimento de um cronotipo. Portanto, também não é um instrumento criado especificamente para aferir ritmo social. O enfoque desse instrumento é o entendimento da base genética da organização temporal em humanos. O mesmo avalia cronotipos dentro de uma abordagem mais aproximada da realidade, por assim dizer, pois dias livres e dias de trabalhos são considerados separadamente. O tempo de exposição ao zeitgeber fótico também é contemplado. Esse questionário também tem sua versão informatizada em português (EUROCLOCK, 2008).

À parte, Motohashi; Maeda; Yuasa; Higuchi (2000) desenvolveram no Japão o BRDLDE, Biossocial Rhythm of Daily Living in the Disabled Elderly, questionário potencialmente auto-aplicável, com o propósito específico de determinar o ritmo biossocial de idosos incapacitados, que vivem em instituições de cuidado e assistência. Consiste em dezoito questões objetivas que levam em consideração as atividades da vida diária, a exposição à luz e o contato e suporte social como agentes sincronizadores de ritmos biológicos, além do estado geral de saúde física e mental do respondente.

 

Ritmo social no processo saúde-doença

Neste grupo situam-se os instrumentos concebidos para a investigação da etiologia dos transtornos de humor em que o conceito de ritmo social inicialmente assumiu uma posição de maior importância. Até o surgimento da teoria do zeitgeber social, os transtornos de humor ou eram atribuídos a um desequilíbrio neuroquímico, ou considerados uma resposta comportamental a situações desfavoráveis da vida (GRANDIN; ALLOY; ABRAMSON, 2006; EHLERS; FRANK; KUPFER, 1988; FRANK; ANDERSON; REYNOLDS; RITENOUR; KUPFER, 1994).

Inicialmente Dohrenwend; Dohrenwend (apud GRANDIN; ALLOY; ABRAMSON, 2006) propuseram o conceito de Eventos Estressantes da Vida, mais tarde simplesmente chamados Eventos da vida, que não são quaisquer eventos, mas aqueles ocorridos antes do início de um episódio de transtorno de humor, temporalmente próximos o suficiente para serem passíveis de ser apontados como desencadeantes.  Ezquiaga, Gutierrez e López (apud GRANDIN; ALLOY; ABRAMSON, 2006) refinaram o conceito, dizendo que Eventos da Vida "são circunstâncias pontualmente situadas no tempo que induzem estresse e requerem o uso de mecanismos de adaptação, ou estresse crônico em circunstâncias que se mantém ininterruptamente por um tempo prolongado".

Posteriormente Brown e Harris (1978) investigaram a razão pela qual alguns eventos negativos ou estressantes desempenhavam um papel importante no início de episódios depressivos, e desenvolveram um instrumento para avaliar esses eventos, a Life Events Difficulties Schedule do Bedford College, ou LEDS. Trata-se de uma complexa entrevista semi-estruturada com mais de uma centena de itens entre questões e subquestões. A LEDS cobre uma série de eventos na vida de uma pessoa e, para cada evento estressor, assinala o momento e o contexto mais amplo da vida, considerando seu significado para o indivíduo e circunstâncias de sua biografia. Há instruções específicas para cada item, distribuídas por dez domínios: educação; trabalho; reprodução; vida doméstica; vida financeira; vida legal, saúde; vida conjugal; outros relacionamentos e miscelânea/morte. As informações são registradas de forma narrativa pelo entrevistador e revistas em um painel consensual. Eventos negativos ou estressores são classificados de acordo com a ameaça que representam para a estabilidade psíquica e a capacidade de desencadear transtornos de humor. A escala em que são pontuados vai de um, marcada ameaça, até quatro, pequena ou insignificante ameaça (FRANK; ANDERSON; REYNOLDSF; RITENOUR; KUPFER, 1994; JOHNSON; MILLER, 1997; MALKOFF-SCHWARTZ; FRANK; ANDERSON; HLASTALA; LUTHER; SHERRILL; HOUCK; KUPFER, 2000). A autorização para utilização do instrumento implica em um programa de treinamento realizado no Bedford College de Londres com a equipe que desenvolveu a escala.

 Isso forneceu subsídios para que Ehlers, Frank e Kupfer (1988) pudessem integrar os modelos teórico-biológicos e sociais na teoria do Zeitgeber social (FRANK, 2005), segundo a qual, eventos negativos da vida estão implicados na etiologia dos transtornos de humor na medida de sua capacidade de afetar zeitgebers sociais. Segundo estes pesquisadores, a perda de um zeitgeber social aciona uma cascata de eventos onde a mudança na estabilidade do ritmo social leva a uma desestabilização dos ritmos biológicos com decorrentes sintomas somáticos, entre os quais a depressão, em indivíduos vulneráveis. Com base nisso desenvolveram um instrumento, a Social Rhythm Disruption Rating, ou SRD (MALKOFF-SCHWARTZ; FRANK; ANDERSON; SHERRILL; SIEGEL; PATTERSON; KUPFER, 1998; MALKOFF-SCHWARTZ; FRANK; ANDERSON; HLASTALA; LUTHER; SHERRILL; HOUCK; KUPFER, 2000; FRANK, 2005), um questionário desenvolvido baseado na LEDS, utilizando os mesmos dez domínios desta. Esse instrumento rastreia eventos da vida causadores de ruptura no ritmo social e que possam ser passíveis de ser associados com a ruptura do ritmo do sono como primeiro indicador de dessincronização.

Os eventos, da mesma forma que na LEDS, são classificados em graus de severidade dentro de uma escala de um a quatro, em que um representa alto potencial de ruptura do ritmo social e quatro representa pequeno ou nenhum potencial de ruptura. Enquanto a LEDS avalia cronicidade, a SRD investiga a forma aguda com que eventos da vida têm impacto sobre o padrão de sono. A SRD também é utilizada incorporada à LEDS (FRANK, 2008, informação verbal).

Ainda dentro da teoria do zeitgeber social, Monk, Flaherty, Frank, Hoskinson; Kupfer (1990) elaboraram a Social Rhythm Metric, ou SRM (MONK; FLAHERTY; FRANK; HOSKINSON; KUPFER; 1990a; MONK; KUPFER; FRANK; RITENOUR, 1990b; STETLER, DICKERSON; MILLER, 2004). Trata-se de um questionário auto-aplicável, preenchido todos os dias durante um determinado período de tempo, que pretende aferir quantos e quais são os eventos, da rotina diária de um indivíduo, capazes de estabelecer um padrão rítmico de comportamento. A SRM é uma lista com 15 atividades específicas e duas individuais em que a pessoa, ao final de cada dia, relata ter ou não realizado, a que horas e com quem. Além de prover informações sobre interações sociais a escala apura dois índices: o ALI (Activity Level Index), que é o montante de atividades desenvolvidas obtido mediante simples contagem, e o Hit, conceito para o qual não há equivalente satisfatório em português. Se uma atividade ocorre mais de três vezes por semana no mesmo horário ou dentro de uma faixa temporal que abrange os 45 minutos anteriores e posteriores a uma hora calculada como habitual, ela é considerada um Hit. A quantidade de Hits representa a regularidade na vida de um indivíduo e é o índice mais importante da escala, obtido através de um algoritmo mais complexo. A SRM passou a ser denominada de SRM-17, para diferenciá-la de uma versão mais breve a SRM-5. No entanto, deve ser enfatizado que a SRM-17 é um instrumento prático e objetivo que avalia o ritmo social de forma exclusiva. Essa característica a torna um instrumento particularmente construído para mensurar o ritmo social, à parte de outras variáveis que poderiam interferir na sincronização de ritmos biológicos, diminuindo a possibilidade de confusão. A adaptação transcultural deste instrumento foi realizada pelo Grupo de Cronobiologia Humana do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (SCHIMITT; HIDALGO, 2009, in press).

Além disso, existe uma versão mais curta desse instrumento, a SRM-5 (MONK; KUPFER; FRANK; POTTS; KUPFER, 2002), também um questionário auto-aplicável a ser preenchido diariamente dentro de um período específico de tempo. O questionário compreende apenas cinco questões, o que o torna prática e de fácil aplicação para aferir o ritmo social. Isso possibilita ainda que a escala possa ser informatizada, como já foi feito (STETLER; DICKERSON; MILLER, 2004).

 

Discussão e Perspectivas Futuras

É interessante observar que a maioria dos instrumentos disponíveis que podem rastrear zeitgebers sociais avalia múltiplas variáveis conjuntamente, principalmente exposição ao zeitgeber fótico. Apenas os instrumentos elaborados a partir da teoria do zeitgeber social permitem a avaliação da variável de forma isolada. Destes, apenas a Escala de Ritmo Social (SRM-17) e, sua versão breve, põe em evidência o aspecto rítmico do zeitgeber social, o que a torna um importante instrumento de pesquisa em cronobiologia, uma vez que se sabe que ausência, irregularidade ou fragmentação de zeitgebers tem conseqüências adversas para a saúde na medida em que afetam o sistema temporizador circadiano (SOMEREN; RIEMERSMA-VAN DER LEK, 2007). Assim, a avaliação do ritmo social interessa não somente à cronobiologia enquanto instrumento de investigação de uma variável que atua de forma significativa na sincronização de ritmos biológicos, mas também à psicologia e à psiquiatria, devido à importância do zeitgeber social na etiologia e recuperação de transtornos de humor.

Num sentido mais amplo, o estudo do ritmo social pode trazer reflexões sobre a organização temporal da sociedade, revelando os efeitos perniciosos da incompatibilidade entre demandas sociais e ritmos biológicos no campo do trabalho, esclarecendo de que maneira o estabelecimento das relações pode ter impacto na qualidade de vida e possibilitando que as pessoas possam repensar sua organização (MARQUES; MENNA-BARRETO, 2003).

 A investigação do ritmo social pode ainda contribuir para a prevenção de muitos problemas de saúde, decorrentes da dessincronização de ritmos biológicos, e auxiliar na melhoria da qualidade de vida das pessoas na medida em que propõe uma quebra de paradigma na forma como a sociedade se estrutura temporalmente.

Perspectivas futuras em pesquisa devem investir no desenvolvimento de formas de avaliar os efeitos dos zeitgebers no sistema circadiano, as conseqüências da exposição irregular aos mesmos e instrumentos mais sensíveis a alterações sutis na relação entre zeitgebers e ritmos biológicos (SOMEREN; RIEMERSMA-VAN DER LEK, 2007). Um instrumento adequado permitiria tirar conclusões a respeito de ritmo e força do zeitgeber social além de traçar comparações entre: força do zeitgeber social e força do zeitgeber fótico; as relações destes com a clínica (MONK; KUPFER; FRANK; RITENOUR, 1990; EHLERS; KUPFER; FRANK; MONK, 1993; MONK; PETRIE; HAYES; KUPFER, 1994) e performance em atividades de estudo e trabalho (MONK, 2000) e ainda as relações destes com envelhecimento (MONK; REYNOLDS III; KUPFER; HOCH; CARRIER; HOUCK, 1997).

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
Regina Lopes Schimitt
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Maria Paz Loayza Hidalgo
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Wolnei Caumo
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Endereço eletrônico: caumo@cpovo.net

Recebido em: 30/10/2008
Aceito para publicação em: 27/01/2010
Acompanhamento do processo editorial: Anna Paula Uziel

 

 

Notas

* Psicóloga. Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica pelo CELG-UFRGS..
** PhD.
*** PhD. Coordenador do Programa de Medicina Perioperatória do Serviço de Anestesia do HCPA. Anestesiologista, TSA/SBA. Especialista em Tratamento de Dor e Medicina Paliativa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)-AMB.
1 Agradecimentos: Aos Drs. Thimothy Monk e Ellen Frank, da Universidade de Pittsburgh; à Dra. Tirril Harris, do Bedford College de Londres; aos Drs. Till Roenneberg e Karla Allebrandt, da Universidade de Munique.
2 Amplitude é a diferença entre os valores máximo – ou mínimo – e médio da curva ajustade de um ritmo biológico qualquer; acrofase é a medida de tempo transcorrido entre um instante – fase – de referência e a fase na qual é maior a probabilidade de ser encontrado o valor mais elevado de uma variável, a partir da curva senoidal ajustada aos dados; nadir é o ponto mais baixo da curva rítmica.

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