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Estudos e Pesquisas em Psicologia

On-line version ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.12 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2012

 

ARTIGOS

 

A noção de esquema corporal na filosofia de Merleau-Ponty: análises em torno da Fenomenologia da percepção

 

The notion of body schema in Merleau-Ponty's philosophy: analyses regarding the Phenomenology of perception

 

 

Danilo Saretta Verissimo*

Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, Assis, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ao longo da obra de Merleau-Ponty, além de conceitos filosóficos e imagens do seu pensamento, evidenciam-se alguns dispositivos teórico-antropológicos que revelam sua aproximação com as ciências humanas. Este é o caso da noção de esquema corporal. Interessados em discutir o papel que o desenvolvimento crítico desse conceito possa ter desempenhado na passagem do primeiro momento da sua obra ao período em que o filósofo vê-se em condições de esboçar uma nova ontologia, no presente artigo estudamos a presença da noção de esquema corporal na Fenomenologia da percepção. Mostramos que, neste livro, Merleau-Ponty dessubstancializa a noção em questão, que, de núcleo cognitivo organizador da nossa experiência corporal, passa a expressão da permeabilidade das partes do nosso corpo umas em relação às outras, mas, igualmente, da permeabilidade do corpo em relação ao mundo e a outrem.

Palavras-chave: Merleau-Ponty; fenomenologia; esquema corporal.


ABSTRACT

The Throughout the work of Merleau-Ponty, besides philosophical concepts and images of his thinking, some theoretical-anthropological devices exist that reveal his approximation of human sciences. That is the case of the notion of body schema. Interested in discussing the role the critical development of this concept may have played in the passage from the first phase of his work to the period when the philosopher finds himself able to outline a new ontology, in this paper, we study the presence of the body schema notion in the Phenomenology of perception. We show that, in this book, Merleau-Ponty unsubstantiates the notion under analysis which, from a cognitive core that organizes our bodily experience, turns into the expression of our body parts' mutual permeability, but also of the body's permeability towards the world and other people.

Keywords: Merleau-Ponty; phenomenology; body schema.


 

 

1 Introdução

Entre conceitos filosóficos e figuras ou imagens do pensamento de Merleau-Ponty, evidenciam-se, ao longo de sua obra, alguns dispositivos teórico-antropológicos que revelam sua aproximação com as ciências do homem. É o caso da noção de gestalt, o mais notório entre esses dispositivos. Destacam-se também as noções de função simbólica e de esquema corporal. Noutros trabalhos (VERISSIMO, 2009; 2011) mostramos que a noção de função simbólica, que começa a ser tratada n'A estrutura do comportamento (1942/1967), não resiste à crítica operada por Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção (1945). Vimos ainda que, no interior deste livro, o declínio da função simbólica é acompanhado pelas primeiras reflexões acerca da noção de esquema corporal. Em textos elaborados no momento de sua candidatura ao Collège de France, os comentários de Merleau-Ponty dedicados à sua Fenomenologia da percepção dão destaque, justamente, ao corpo como esquema corporal1. Daí em diante esta noção ocupará uma posição de relevo nas investigações realizadas pelo filósofo. A abordagem do esquema corporal faz-se presente nos Cursos da Sorbonne (MERLEAU-PONTY, 2001) realizados entre 1949 e 1952dedicados, sobretudo, à psicologia infantil; e reaparece maciçamente nos Cursos do Collège de France (MERLEAU-PONTY, 1994; 2011) dedicados aos conceitos de expressão e de natureza. Ela está presente também em O visível e o invisível (MERLEAU-PONTY, 2006), obra inacabada em função da morte prematura do autor. Saint Aubert (2004; 2005; 2006) fala da importância de estudos acerca do esquema corporal em Merleau-Ponty para que possamos compreender melhor as "raízes sensório-motoras" do nosso ser no mundo. O pesquisador comenta: "[...] é fundamental, aqui, restituir a influência considerável, sobre Merleau-Ponty, da teoria do esquema corporal de Henry Head e Paul Schilder" (Saint Aubert, 2005, p. 247, grifo do autor). 

Outros autores preocuparam-se com a abordagem merleau-pontiana da noção de esquema corporal. Morris (1999), por exemplo, dedica a ela um trecho de seu artigo e afirma que o esquema corporal reflete a síntese percepto-motora – de ordem não reflexiva – que se constitui em nossa presença no mundo e que "[...] co-sintetiza o corpo e o mundo" (MORRIS, 1999, p. 281). Carman (2006, p. 344), interessado em distinguir a abordagem do corpo em Husserl e em Merleau-Ponty, afirma que, para o último, "[...] o esquema corporal não é um produto, mas a condição da cognição". Vale destacar também os trabalhos de Gallagher (2006) e de Gallagher e Meltzoff (1996) que, a partir de pesquisas empíricas amparadas na noção de esquema corporal, discutem a abordagem merleau-pontiana do tema face às atuais ciências cognitivas.   

Contudo, propomo-nos estudar longitudinalmente a presença da noção de esquema corporal no interior da filosofia de Merleau-Ponty.  Interessa-nos, especialmente, investigar o papel que o desenvolvimento crítico da noção de esquema corporal possa ter desempenhado na passagem do primeiro momento da sua obra, comumente designado pelo seu caráter arqueológico-descritivo (BARBARAS, 1998; 2001), ao período em que o filósofo vê-se em condições de esboçar uma nova ontologia.

No presente artigo estudamos a presença da noção de esquema corporal na Fenomenologia da percepção, que corresponde ao período inicial da filosofia de Merleau-Ponty. Veremos que ela ganha importância, primeiro quando o filósofo caracteriza o corpo próprio fora dos liames do pensamento objetivo e define uma intencionalidade corporal; segundo, quando o autor passa a uma análise do mundo percebido e mostra que a sua unidade é análoga à unidade sinérgica do corpo próprio; e, por último, quando, no interior dessa análise do mundo percebido, Merleau-Ponty discute nossa experiência perceptiva de um mundo humano, ou seja, de um mundo marcado pela presença de outrem. Nesses três momentos, cremos encontrar em estado nodoso "a coexistência carnal com as coisas percebidas" (SAINT AUBERT, 2006, p. 113) e com os outros, o que caracteriza o corpo vivo nos escritos da fase final da obra de Merleau-Ponty e que, podemos afirmar, se funda significativamente sobre a noção de esquema corporal.    

As pesquisas de cunho científico sobre as quais Merleau-Ponty se debruça servem de estímulo ao seu pensamento (LACAN, 1961). Este é o caso no que concerne à literatura médica e psicológica acerca da noção de esquema corporal revisada pelo autor. Mas não é apenas isso. Interessa-nos também reforçar, por meio do uso que Merleau-Ponty faz dessas pesquisas, aquele que era o seu propósito – às vezes claro, às vezes tácito – em relação às ciências humanas e, em particular, em relação à psicologia: estimular a constante revisão das antinomias clássicas no interior da sua prática científica. Se a corporeidade configura um objeto de estudo com valor heurístico inegável à psicologia (BRUCHON-SCHWEITZER, 1990), acreditamos que esse valor apenas pode se revelar plenamente fora dos limites da relação entre sujeito e objeto.

 

2 O esquema corporal, a espacialidade e a motricidade do corpo próprio

Logo na introdução do capítulo A espacialidade do corpo próprio e a motricidade, na Fenomenologia da percepção (1945), Merleau-Ponty inicia uma abordagem da unidade do corpo com base na noção de esquema corporal.

Nosso corpo é um ser ambíguo, mostra o autor. Podemos considerá-lo em meio aos objetos que o cercam, podemos ver as partes do nosso corpo em meio a esses objetos. Mas não podemos dizer que meu braço encontra-se ao lado do cinzeiro do mesmo modo que o cinzeiro encontra-se ao lado do telefone. Isso porque, diz Merleau-Ponty (1945, p. 114), as partes de nosso corpo "[...] ligam-se umas às outras de uma maneira original: elas não se encontram estendidas umas ao lado das outras, mas envolvidas umas nas outras". Nem as partes de cada membro dele compõem um "mosaico de valores espaciais" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 114), nem nosso corpo como um todo representa um conjunto de órgãos justapostos. "Eu o tenho numa posse indivisa e conheço a posição de cada um dos meus membros por um esquema corporal em que eles estão todos envolvidos", enuncia o filósofo (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 114, grifo do autor). Começa, por parte de Merleau-Ponty, a preocupação com as ambigüidades da noção de esquema corporal na literatura psicológica e médica. 

Merleau-Ponty logo de início invoca trabalhos de Henry Head, discriminados entre aqueles que dão os primeiros contornos à noção de esquema corporal. Head e Holmes (1911) empregam a palavra "esquema" na tentativa de definir modelos psíquicos organizados de nós mesmos e dependentes de trajetos nervosos aferentes encarregados de encaminhar as sensações das diversas partes do corpo ao cérebro. Os autores falam, por exemplo, em representações ou imagens motoras de nossas posturas e movimentos prévios sobre as quais todo novo posicionamento corporal pode ser reconhecido. Eles afirmam: "Toda mudança reconhecível entra na consciência já carregada de suas relações a algo que ocorrera antes, como em um taxímetro a distância já nos é apresentada transformada em schillings e em pence" (HEAD; HOLMES, 1911, p.187)2. Além disso, os autores consideram a existência não de um, mas de vários esquemas corporais. Contaríamos com um modelo postural, com um modelo motor, bem como com um modelo topográfico de nós mesmos.

Fica claro que inicialmente a noção de esquema corporal vai sendo construída sobre a órbita epistemológica empirista. Merleau-Ponty trata essa primeira definição do esquema corporal como associacionista. Num longo trecho, ele comenta:

[...] a noção de esquema corporal é ambígua como todas aquelas que aparecem nas reviravoltas da ciência. Essas noções apenas poderiam ser inteiramente desenvolvidas por meio de uma reforma dos métodos. Elas são, pois, primeiro empregadas em um sentido que não é seu sentido pleno, e é o seu desenvolvimento imanente que faz rebentar os métodos antigos. Inicialmente, entendia-se por "esquema corporal" um resumo da nossa experiência corporal, capaz de oferecer um comentário e uma significação à interoceptividade e à proprioceptividade do momento. Ele deveria fornecer-me a alteração de posição das partes do meu corpo para cada movimento de uma delas, a posição de cada estímulo local no conjunto do corpo, o balanço dos movimentos realizados a cada momento de um gesto complexo, e enfim uma tradução perpétua em linguagem visual das impressões cinestésicas e articulares do momento. Falando do esquema corporal, primeiramente apenas se cria introduzir um nome cômodo para designar um grande número de associações de imagens e apenas se desejava exprimir que essas associações eram fortemente estabelecidas e constantemente prontas a atuar. [...] Sua representação fisiológica não podia ser mais do que um centro de imagens no sentido clássico (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 114-115, grifo do autor).

Segundo Merleau-Ponty, a utilização da noção de esquema corporal pelos psicólogos ultrapassa as definições teóricas de cunho empirista. Com efeito, essa utilização invoca não um arranjo ascendente em que sensações se associariam para formar um "desenho do corpo", mas antes um arranjo descendente em que as associações seriam reguladas por uma "lei única". Dessa maneira, fenômenos patológicos como a aloquiria e o membro fantasma poderiam ser melhor compreendidos. Na aloquiria, o indivíduo, privado de sensibilidade numa determinada parte do corpo, localiza as estimulações daquela região numa parte simétrica do corpo. Se a disfunção da sensibilidade dá-se no seu pé direito, o estímulo dessa região pode ser localizado um pouco mais acima, na perna, ou mesmo no pé esquerdo (HEAD, 1893; SCHILDER, 1935/1968; LHERMITTE, 1939/1998). Ora, como falar em "transferência de sensações", como o faz Schilder (1935/1968) a propósito da aloquiria, sem pressupor uma consciência global do corpo? O mesmo vale no tocante ao membro fantasma, fenômeno no qual, malgrado a supressão de um membro do corpo, o paciente continua a senti-lo de modo mais ou menos fiel à presença do membro "real" de outrora. Neste caso devemos considerar o esquema corporal como um "resíduo" de impressões cinestésicas anteriores? Não se ganha algo considerando-o justamente como a "lei de constituição" das experiências cinestésicas e proprioceptivas, qualquer coisa como uma forma no sentido da psicologia da Gestalt, diz Merleau-Ponty (1945), e que no caso dos pacientes amputados resiste à mudança anatômica?

Para Merleau-Ponty (1945), o simples fato de se ter sentido a necessidade de introduzir um novo nome para significar a unidade sensório-motora do corpo revela a precedência dessa unidade em relação aos seus possíveis elementos constitutivos. Contudo, essa modificação, que define o esquema corporal como forma ou como consciência global das partes do corpo, desloca o problema em direção a formulações de cunho intelectualista, reeditando as oscilações antinômicas clássicas que o filósofo pretende combater. Afirmar que o esquema corporal é uma forma não é suficiente. Merleau-Ponty apega-se, pois, a análises que enfatizam o cunho dinâmico do esquema corporal. O autor vê nelas o princípio daquilo que lhe parece ser o sentido verdadeiramente profícuo da noção em questão: a afirmação do caráter intencional do corpo próprio.

Essa dinamicidade aparece claramente quando levamos em conta a incorporação de instrumentos e de ornamentos. Lhermitte (1939/1998, p. 143) afirma que "[...] o esquema corporal não pode ser considerado um sistema rígido [...]". Com efeito, nossa sensibilidade se expande para além das fronteiras de nossos órgãos sensíveis. Ela estende-se aos objetos, que em função da sua utilidade imediata, afirma ele, passam a fazer parte de nós. O cego sente a aspereza do solo a partir da extremidade de sua bengala assim como o cirurgião não se encontra confinado à sensibilidade dos seus dedos, mas a dilata até a ponta de seu bisturi.

Segundo Merleau-Ponty (1945) a anexação de instrumentos oferece grandes dificuldades tanto a abordagens mecanicistas quanto a abordagens intelectualistas. As teorias de cunho mecanicista não dão conta do caráter sistemático da aprendizagem. Adquirimos um poder de responder à forma das situações, como no caso do organista que, habituado ao instrumento no qual pratica diariamente, não necessita de mais do que uma hora para ser capaz de executar um programa num órgão em que o teclado e os pedais encontram-se dispostos de modo diferente. Nesse caso, não há como supor a substituição de uma montagem motora por outra em tão pouco tempo. Dever-se-ia, por outro lado, pressupor como base dessa anexação um ato de entendimento responsável por organizar os elementos perceptivos e motores? Seríamos devedores de atos operativos que se ocupariam da transposição de movimentos, da relativização espacial, da comparação entre objetos, etc? Merleau-Ponty (1945, p. 167) escreve:

É o corpo [...] que "apanha" (kapiert) e que "compreende" o movimento. A aquisição do hábito é de fato a apreensão de uma significação, mas é a apreensão motora de uma significação motora. O que se quer dizer precisamente com isso? Uma mulher mantém sem cálculo um intervalo de segurança entre a pluma de seu chapéu e os objetos que poderiam danificá-la, ela sente onde está a pluma como sentimos onde está nossa mão. 

Em nossa experiência corporal efetiva, o espaço, os objetos que nos servem de ornamento ou de instrumento e o nosso corpo não são definidos por relações objetivas recíprocas. Aqueles, antes, "[...] inscrevem em torno de nós o alcance variável de nossos objetivos ou de nossos gestos" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 168). Há uma voluminosidade do corpo próprio ou uma espessura do ser no mundo que não corresponde a parâmetros físicos e que pode ser dilatada pelo fato de que fazemos certos instrumentos participarem dela, isso em função da nossa situação no mundo. O intelectualismo, mostra Merleau-Ponty, não possui outro recurso senão o de reduzir a anexação de instrumentos a um processo de julgamento. Tudo se passa como se, por exemplo, no caso da exploração do ambiente por meio de uma bengala, baseássemo-nos na interpretação em cadeia das pressões da bengala sobre a mão enquanto signos da posição do instrumento e estes, por sua vez, como signos de um objeto exterior. O filósofo afirma:

Mas essa análise deforma ao mesmo tempo o signo e a significação, ela separa um do outro objetivando-lhes o conteúdo sensível, que já é "pregnante" de um sentido, e o núcleo invariante, que não é uma lei, mas uma coisa: ela mascara a relação orgânica do sujeito e do mundo, a transcendência ativa da consciência, o movimento pelo qual ela se lança em uma coisa e em um mundo por meio de seus órgãos e de seus instrumentos (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 178).

Queremos salientar que caminhamos rumo à definição de um diálogo entre sujeito e objeto fundado numa unidade corporal que já constitui, desde o início, unidade com o mundo.

Não é outra coisa que se expressa na negação da mutilação e da deficiência. Lhermitte (1939/1998) já afirmava que o fenômeno do membro fantasma poderia ser melhor esclarecido com base na noção de esquema corporal. "Esse membro fantasma, em realidade, o que é ele, pois, o que representa, senão a persistência de uma parte de nosso esquema corporal?", pergunta o autor (LHERMITTE, 1939/1998, p. 125). Em outro trecho afirma: "O que resulta, em última análise, da consideração da ilusão dos amputados, é que a imagem de nosso corpo aparece muito mais resistente à destruição que nossa morfologia" (LHERMITTE, 1939/1998, p. 126). Malgrado o fato de sua concepção de esquema corporal basear-se na conjugação de fatores orgânicos e psicológicos concebidos e analisados sob a órbita empirista, Lhermitte já destaca uma estrutura corporal distinta do corpo morfológico. Essa estrutura, diz Merleau-Ponty, só pode ser compreendida na perspectiva do ser no mundo, ou seja, a partir da constatação de que a recusa da amputação coincide com "[...] um Eu engajado num certo mundo físico e inter-humano" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 97), que com efeito, permanece atrelado ao campo prático anterior à mutilação. Ora, isso apenas é possível porque o corpo é o "termo despercebido" (MERLEAU-PONTY, 1945, p.97) em torno do qual os objetos se mostram. É com base nesse anonimato do corpo que Merleau-Ponty fala num "corpo habitual" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 97) ou no corpo como "complexo inato" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 99), referindo-se a uma despersonalização no coração do sujeito perceptivo, a uma ligação mais primordial entre meu corpo e o mundo do que aquela devida a minhas funções pessoais. O autor fala de um "[...] eu natural, uma corrente de existência dada, de sorte que jamais sabemos se as forças que nos dirigem são as suas ou as nossas – ou, antes, que elas não são jamais nem suas nem nossas inteiramente" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 199, grifo do autor).

De fato, é essa organicidade entre sujeito e mundo que encontramos nesses estudos da espacialidade e da motricidade do corpo próprio. Nem o movimento nem o espaço corporal são pensados ou representados. A necessidade de representá-los através de atos operativos expressos é justamente o que se encontra em casos de perturbação do esquema corporal. Schneider3, o célebre paciente de Gelb e Goldstein, se indagado a respeito da localização de seus membros ou daquela de um estímulo tátil, vê-se em necessidade de, através de movimentos preparatórios, fazer de seu corpo um objeto expresso de percepção de modo a dar conta do problema proposto. Ora, o reconhecimento normal do corpo implica sua apreensão imediata por parte do sujeito. Tomar o ato expresso de representação do corpo enquanto atividade de coordenação dos elementos corporais pela operação fundamental daquele reconhecimento significa comparar o procedimento normal com o exercício funcional que subsiste na condição patológica. O mesmo é válido em relação à motricidade. Esta não pode ser reduzida a uma "serva da consciência" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 161), responsável por levar o corpo a um ponto representado do espaço objetivo. Do mesmo modo que o esquema corporal é essa função de transposição tácita fundada "[...] sobre a unidade e a identidade do corpo como conjunto sinérgico" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 366), o movimento forma com os fenômenos exteriores um sistema unificado. 

Em casos patológicos, como os relatados por autores em que se baseara Merleau-Ponty (1945), o que assistimos é a desintegração dessa unidade pré-reflexiva entre sujeito e mundo. O paciente afásico estudado por Woerkom (1919) apresentava perturbações topognósicas, o que significa que sua capacidade de orientar-se em relação à sua superfície corporal encontrava-se bastante perturbada. Nos termos de Woerkom, o paciente perdera a capacidade de projetar sobre a imagem do próprio corpo as sensações que era capaz de reconhecer. A mesma deficiência dessa faculdade de projeção era identificada no tocante ao que o pesquisador chamou "sentido geométrico". O paciente era incapaz de evocar no espaço as direções de orientação principais como acima, abaixo, à esquerda ou à direita. Lhermitte e Trelles (1933), em estudo sobre a apraxia, associavam mais claramente os distúrbios do "pensamento espacial" à assomatognose, ou seja, os distúrbios das representações do espaço e dos objetos nele contidos aos distúrbios da representação do próprio corpo ou da noção de nossa "personalidade física", do esquema corporal. Os autores comentam:

Evidentemente, a noção do esquema do corpo é indispensável para a realização de movimentos intransitivos ou refletidos, mas a somatognose não é menos indispensável para a realização de movimentos transitivos. Com efeito, a iniciação de um movimento não supõe o conhecimento do esboço do movimento, o qual se apóia sobre uma somatognose geral ou parcial normal, ou seja, sobre a imagem inteira do corpo, ou, ao menos, sobre a imagem dessa parte do corpo que realiza o movimento? (LHERMITTE; TRELLES, 1933, p. 427).

Malgrado o recurso à representação do corpo e do espaço como idéia chave na leitura que os autores promovem acerca das patologias em questão, Merleau-Ponty (1945) interessa-se pela cumplicidade que tais estudos revelam entre o corpo e o mundo. E na medida em que se afasta de uma "intencionalidade das representações", Merleau-Ponty começa a delinear o que chama de "intencionalidade motora". Com isso o autor efetua um distanciamento em relação a sínteses perceptivas operadas pela consciência e aproxima-se do que ele considera como sínteses corporais, fazendo do corpo "o sujeito da percepção" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 239)4, de sorte que a noção de esquema corporal é incluída na atividade intencional do sujeito psicofísico.

 

3 Em torno da intencionalidade motora

Merleau-Ponty (1945), por meio da noção de intencionalidade motora, desloca as análises de cunho intelectualista da motricidade pautadas no conceito de função simbólica em direção ao caráter intencional da atividade motriz. Neste contexto, análises como a que opera uma distinção entre movimentos concretos e abstratos dão lugar à compreensão de que nossos movimentos ocorrem no quadro de uma simbiose entre nosso corpo e o mundo. Isso implica considerar a noção de esquema corporal não apenas numa dimensão restrita à nossa experiência do corpo, mas na dimensão de nossa experiência do corpo voltado inextricavelmente ao mundo.

A distinção entre movimentos concretos e movimentos abstratos nascida em meio a estudos sobre a apraxia foi atribuída à desorganização de uma função simbólica, responsável por nossa capacidade de nos guiarmos não apenas pelo ambiente imediato que frequentamos, mas por elementos representados (WOERKOM, 1919; LHERMITTE; LÉVY; KYRIAKO, 1925; LHERMITTE; TRELLES, 1933; GOLDSTEIN; SCHERER, 1971). Tal distinção explicava como os pacientes podiam ser capazes de realizar a contento atividades como pentear os cabelos e acender um cachimbo e porque, quando se tratava de realizar atividades destituídas desse caráter concreto, falhavam ou lançavam mão de subterfúgios. Eles teriam perdido a capacidade de se guiar apenas por elementos simbólicos. A simples determinação de levantar o braço durante a entrevista médica, tarefa destituída de uma função vivida e concreta, poderia exigir do paciente grande esforço, primeiro para "encontrar" o membro implicado na tarefa, depois para "encontrar" sua cabeça, indício do "acima", e, por fim, para realizar as oscilações corporais que poderiam culminar no movimento esperado. O que Merleau-Ponty (1945) nos faz ver é que a distinção entre o comportamento concreto e o comportamento abstrato fundada numa faculdade simbólica nos encaminha de volta a uma distinção de ordem ontológica entre o ser como coisa e o ser definido "pelo ato de significar" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 141), entre o automatismo e a consciência. Ora, diz o filósofo, o paciente a quem se tenha ordenado levantar o braço compreende essa demanda e quando seus esforços resultam naquilo que lhe foi solicitado, ele é capaz de reconhecê-lo. Daí a seguinte afirmação: "[...] se a ordem possui para ele [o paciente] uma significação intelectual, ela não possui uma significação motora, ela não é falante para ele como sujeito motor [...]" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 128, grifo do autor). E o filósofo continua:

O que falta a ele não é nem a motricidade, nem o pensamento, e somos convidados a reconhecer entre o movimento como processo em terceira pessoa e o pensamento como representação do movimento uma antecipação ou uma apreensão do resultado assegurada pelo próprio corpo como potência motora, um "projeto motor" (Bewegungsentwurf), uma "intencionalidade motora" sem a qual a ordem permanece letra morta (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 128).  

A idéia de intencionalidade motora é delineada a partir de um trabalho de Grünbaum5 em que o autor se contrapõe à noção de simbolismo em neurologia. O objeto desse trabalho é a discussão do gesto de preensão fora dos parâmetros que haviam sido estabelecidos principalmente por Goldstein, a saber, que o gesto de pegar implicaria uma espécie de reatividade concreta e imediata do organismo, enquanto o ato de mostrar implicaria um exercício simbólico que caracterizaria nossas capacidades psíquicas superiores. Para Grünbaum, ao contrário, alcançar um objeto com a mão pressupõe uma ligação tal entre "espaço próprio" e "espaço estrangeiro" que o gesto de preensão não pode configurar outra coisa senão uma fonte de doação de sentido. O autor propõe uma união essencial entre motricidade e significação, mostrando que esta encontra-se implicada naquela (FOREST, 2005). É o que fica patente na descrição do caso de um paciente que era capaz de estabelecer distinções espaciais como, por exemplo, desenhar o mapa da enfermaria, inclusive restituindo pela memória a posição relativa dos objetos, mas que, todavia, era incapaz de fazer uso desse mapa, ou seja, era incapaz de se orientar corporalmente na enfermaria. Caso houvesse em seu caminho objetos que servissem como pontos de apoio, o paciente podia movimentar-se nela com algum sucesso, mas negava-se a entrar num corredor vazio. Na interpretação intelectualista a concepção abstrata ou simbólica das relações espaciais é condição necessária e suficiente para que haja uma experiência coerente do espaço. Já Grünbaum, diante de fatos como os descritos anteriormente, vê-se em condições de afirmar que é o esquema corporal a fonte primordial das distinções espaciais e que a perturbação observada em seu paciente reside não no âmbito da representação do espaço, mas na impossibilidade de transferir e de aplicar as potencialidades motoras no meio. 

Se o espaço e o movimento podem possuir uma definição objetiva para o doente sem que isso constitua uma garantia de que ela seja aplicada ao seu próprio corpo, Merleau-Ponty compreende que o corpo possui um mundo sem se subordinar a uma função simbólica. O autor afirma: "[...] é visível que essa função geral não explica a ação adaptada" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 165). E em outro trecho comenta: "A experiência motora do nosso corpo não é um caso particular de conhecimento; ela nos fornece uma maneira de ter acesso ao mundo e ao objeto, uma ‘praktognosia' que deve ser reconhecida como original e talvez como originária" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 164, grifo nosso). Essa função mais profunda e "mais originária" também é definida, segundo as palavras de Grünbaum (1930 apud MERLEAU-PONTY, 1945, p. 166), como a "capacidade de diferenciação motora do esquema corporal dinâmico". O esquema corporal torna-se, para Merleau-Ponty (1945, p. 165), um "[...] sistema de equivalências, esse invariante imediatamente dado pelo qual as diferentes tarefas motoras são instantaneamente transponíveis". 

É curioso notar que na estrutura do comportamento, Merleau-Ponty já caracteriza o corpo próprio como um "invariante imediatamente dado". Todavia, nessa obra, nossa capacidade de "[...] encontrar no objeto exterior, sob a diversidade de seus aspectos, um invariante comparável ao invariante imediatamente dado do corpo próprio [...]" (MERLEAU-PONTY, 1942/2006, p. 128) repousa ainda sobre a função simbólica, estrutura de comportamento inacessível aos animais, o que fundamentaria a sua impossibilidade de ultrapassagem do modo de abordagem do meio prescrito pelos instintos. Na Fenomenologia da percepção, abandonada a função simbólica, Merleau-Ponty delineia uma intencionalidade motora pautada no esquema corporal. Ou seja, não se trata apenas de abordar nossa experiência do corpo, mas nossa experiência do corpo no mundo. A espacialidade e a motricidade do corpo próprio não são posicionais, mas situacionais, "[...] e o ‘esquema corporal' é finalmente uma maneira de exprimir que meu corpo está no mundo" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 117). Em outras palavras, o sentido verdadeiramente profícuo da noção de esquema corporal, para Merleau-Ponty, repousa em seu caráter intencional. A sinergia que caracteriza o corpo próprio, o conhecimento dinâmico que suas partes possuem umas das outras, enfim, a "unidade pré-lógica do esquema corporal" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 269), começam a configurar a parte que caberia ao sujeito no a priori correlacional fundamental definido por Husserl, a saber, a correlação entre o ser transcendente, ou seja, aquilo que aparece e a diversidade de suas aparições subjetivas (BARBARAS, 2008)6.  Com efeito, este a priori correlacional vai sendo redesenhado por Merleau-Ponty, que afirma:

O espaço corporal pode distinguir-se do espaço exterior e envolver suas partes ao invés de desdobrá-las porque ele é a obscuridade da sala necessária à claridade do espetáculo, o fundo de sono ou a reserva de potência vaga sobre as quais se destacam o gesto e a sua meta, a zona de não-ser diante da qual podem aparecer os seres precisos, figuras e pontos (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 117, grifo do autor).    

Vejamos doravante como Merleau-Ponty concebe a parte que caberia ao ser transcendente, ou seja, o mundo que se anuncia a esse sujeito que deixara de ser um sujeito epistemológico e passara a se configurar como sujeito fundado no "saber latente" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 269) que o corpo possui de si mesmo. Veremos mais claramente, conforme afirmação de Barbaras (1998), que a existência do corpo próprio em realidade desarticula a dualidade entre a imanência constituinte, que configura o sujeito transcendental, e o transcendente constituído, ou seja, o mundo.  

 

4 A unidade do mundo percebido: análoga à unidade do corpo próprio

Na segunda parte da Fenomenologia da percepção (1945), Merleau-Ponty realiza uma analítica do mundo percebido correspondente à analítica do corpo apresentada na primeira parte da obra. Nesse contexto, segundo Bimbenet (2004, p. 175) o mundo aparece como "[...] mundo organicamente centrado sobre este corpo, de parte a parte ‘incorporado' nele".

Na primeira parte do livro, Merleau-Ponty (1945, p. 86) declara: "[...] o corpo, retirando-se do mundo objetivo, arrastará os fios intencionais que o ligam ao seu entorno e finalmente nos revelará o sujeito que percebe como o mundo percebido". Nas páginas que introduzem a parte dedicada ao mundo percebido, o autor diz: "A teoria do esquema corporal é implicitamente uma teoria da percepção" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 239). Com efeito, queremos salientar que Merleau-Ponty empenha-se em mostrar que o conhecimento que possuímos do nosso corpo, conhecimento este de ordem pré-tética, e que a sinergia que caracteriza a "conexão viva" de suas partes formam com a percepção exterior um sistema, que a percepção exterior e a percepção do corpo próprio constituem "[...] as duas faces de um mesmo ato" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 237). A unidade do objeto percebido encontra-se entrelaçada à coesão de nossa experiência corporal, expressa na teoria do esquema corporal. Este é o fato primordial, afirma Merleau-Ponty, e não a objetividade da coisa percebida, seja ela devida a análises objetivistas que afirmam a existência do objeto em si – um "primeiro dogmatismo", segundo as palavras do filósofo – seja ela devida a análises reflexivas que reduzem a síntese do objeto, bem como do corpo, a processos de pensamento. O autor comenta: "A consciência perceptiva não nos dá a percepção como uma ciência, a grandeza e a forma do objeto como leis, e as determinações numéricas da ciência repassam sobre o pontilhado de uma constituição do mundo já feita antes delas" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 348).

Os fenômenos de sinergia tais como a síntese de um objeto único na visão binocular constituem, para Merleau-Ponty (1945), argumento contrário às tentativas intelectualistas e naturalistas de explicar a coesão do mundo percebido. O filósofo parte de um exemplo simples: pensemos no fato de que se interponho um de meus dedos diante de meu olhar fixo no horizonte tenho uma imagem dupla do meu membro. Mas, se meu olhar o fixa, as duas imagens se aproximam e se unem na percepção de um único dedo. Ora, se essa síntese consistisse num ato de reflexão, no momento em que reconheço, em pensamento, a unidade das imagens, mesmo com meu olhar fixo no horizonte as imagens deveriam se fundir imediatamente. Mas isso não é o que ocorre; ela depende da fixação do olhar. Se, por outro lado, resolvo atribuí-la a um dispositivo do sistema nervoso central que unifique a contribuição sensitiva dos dois olhos numa excitação única, resta explicar como a diplopia é possível. É preciso discernir o "agenciamento anatômico do aparelho visual" do seu funcionamento, bem como do uso que dele faz o sujeito psicofísico no movimento geral de ser no mundo. Daí a seguinte afirmação de Merleau-Ponty (1945, p. 269): "Retiramos a síntese do corpo objetivo apenas para atribuí-la ao corpo fenomenal, ou seja, ao corpo enquanto ele projeta em torno dele um certo ‘meio', enquanto suas ‘partes' conhecem dinamicamente uma a outra e que seus receptores se dispõem de maneira a tornar possível, por sua sinergia, a percepção do objeto".

Vemos que a noção de esquema corporal e os fenômenos sinérgicos adquirem seu sentido pleno desde que abordados fora dos liames do pensamento objetivo. Entranhados na dimensão fenomenal podemos ver emergir o caráter intencional do que chamamos esquema corporal. Quando Merleau-Ponty (1945, p. 268) faz referência a uma afirmação de Déjean7, "É preciso ‘olhar' para ver", está interessado em atestar que a unidade do objeto é intencional. Ela não é o resultado da fixação, mas é antecipada no próprio ato de se fixar o olhar. A diplopia é experimentada como um desequilíbrio da visão e a orientação rumo ao objeto único implica a "resolução dessa tensão" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 268). Dito isso, o mais importante é mostrar que essa síntese intencional nada deve ao sujeito epistemológico. Merleau-Ponty (1945, p. 269) declara: "Não é o sujeito epistemológico que efetua a síntese, é o corpo quando se retira de sua dispersão, se reúne, se dirige por todos os meios para um termo único do seu movimento, e quando uma intenção única se concebe nele pelo fenômeno de sinergia".   

Com efeito, para Merleau-Ponty os gestos e as palavras, a visão, a audição e o tato, a sexualidade, a motricidade e as possibilidades intelectuais, são aspectos uns imediatamente simbólicos dos outros, termos de uma relação mais ampla e mais fundamental que é a do corpo com o mundo. O autor escreve:

Com a noção de esquema corporal, não é apenas a unidade do corpo que é descrita de uma maneira nova, é também, através dela, a unidade de sentidos e a unidade do objeto. Meu corpo é o lugar, ou antes a atualidade mesmo do fenômeno de expressão (Ausdruck), nele a experiência visual e a experiência auditiva, por exemplo, são pregnantes uma da outra, e seu valor expressivo funda a unidade antepredicativa do mundo percebido, e, por ela, a expressão verbal (Darstellung) e a significação intelectual (Bedeutung). Meu corpo é a textura comum de todos os objetos e ele é, ao menos em vista do mundo percebido, o instrumento geral da minha "compreensão" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 271-272).

Esta "compreensão" de ordem pré-reflexiva de que fala Merleau-Ponty é também essencialmente ambígua e instala o equívoco no centro da existência8. Ora, se a transcendência é justamente o movimento através do qual a existência faz sua uma situação de fato9, se ela se opõe à reflexão que cinde a ligação entre o sujeito e o objeto, como diz Merleau-Ponty (1945, p. 232) na frase que marca a passagem da análise do corpo próprio à análise do mundo percebido, "A obscuridade ganha o mundo percebido inteiro". Se o sujeito da percepção coincide com "[...] a unidade ela própria aberta e indefinida do esquema corporal" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 270), devemos dizer também que "[...] a síntese perceptiva não possui o segredo do objeto" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 269) e somos levados a afirmar, juntamente com Merleau-Ponty, que a unidade pré-objetiva do corpo tem como seu correlato a unidade pré-objetiva da coisa10.

Chegamos ao ponto de atestar a correspondência entre o ser transcendente e o caráter aberto e inacabado de nossa existência encarnada. Merleau-Ponty (1945, p. 239) comenta o seguinte: "Se agora, como vimos, o corpo não é um objeto transparente e não nos é dado como o círculo ao geômetra por sua lei de constituição, se ele é uma unidade expressiva que apenas se pode aprender a conhecer assumindo-o, essa estrutura vai comunicar-se ao mundo sensível". 

No momento de tematizar a unidade das coisas e do mundo percebido, Merleau-Ponty (1945) vale-se de alegoria semelhante. Segundo o autor essa unidade não é comparável à concepção de um geometral cuja lei de construção prevê todas as suas apresentações possíveis. Conforme Barbaras (1998), a consciência constituinte aparece diante do fenômeno da encarnação como um horizonte teleológico da existência corporal e não como fonte absoluta. Da mesma forma, o puro objeto ao qual se encaminham tanto o intelectualismo quanto o realismo existe tão somente como horizonte. Com efeito, os objetos não abandonam jamais "[...] sua inscrição no ser-no-mundo" (BARBARAS, 1998, p. 118). Se se fala em objeto puro é apenas na medida em que se opera um movimento de objetivação que decompõe a unidade viva entre o corpo e seu mundo. Ora, tal movimento somente pode ser fundado em nossa própria experiência primordial do mundo. Tratar o mundo como uma série de perfis que se sucedem diante de nós em virtude da nossa condição de seres ancorados num ponto do espaço objetivo e que devem ser unidos por operações lógicas implica colocar abstratamente no centro dessa nossa experiência bruta a dimensão que advém dela no modo de horizonte racional11. Da mesma maneira que o esquema corporal configura uma estrutura de transposição de sentidos vivos, as coisas possuem unidade na medida em que suas partes são continuamente reenviadas umas às outras. Merleau-Ponty (1945, p. 216) expressa-se da seguinte forma:

A identidade da coisa através da experiência perceptiva é apenas um outro aspecto da identidade do corpo próprio no curso dos movimentos de exploração; ela é portanto do mesmo tipo que esta: como o esquema corporal, a chaminé [um objeto percebido qualquer] é um sistema de equivalências que não se funda no reconhecimento de alguma lei, mas na experiência de uma presença corporal.

Se desvelamos a vida intencional que engendra as certezas objetivas, se exploramos o fato de que, por exemplo, não conhecemos ao certo nem os limites do nosso campo visual, dado que a partir do nosso ponto de vista habitamos "o mundo inteiro" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 380), descortina-se um mundo de indeterminação.

 

5 O esquema corporal e nossa experiência de outrem

Até aqui vimos que as partes do corpo encontram-se envolvidas umas nas outras configurando o esquema corporal como um sistema de equivalências imediatas, uma "função geral de transposição tácita" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 196). Essa unidade pré-lógica original, e pode-se dizer originária, revela-se na "unidade de um ‘eu posso'" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 363), portanto, na sua dimensão intencional12. Vimos também que a síntese do nosso mundo é análoga à síntese do nosso corpo.  Agora, acompanhando Merleau-Ponty, trata-se de considerar o fato de que não vivemos num mundo físico ou natural, mas num mundo cultural, ou seja, num mundo repleto de marcas da ação humana. Mais do que isso, trata-se de realizar uma análise da percepção que temos de outrem. E é o que queremos sublinhar, essa percepção aparece, desde a obra que nos ocupa, mediada pelo esquema corporal.

A propósito da nossa percepção de outrem, novamente Merleau-Ponty esforça-se em demonstrar os limites do pensamento objetivo. No interior desses limites concebem-se apenas dois modos de ser: o ser em si, ou seja, o dos objetos lançados no espaço e o ser para si, o da consciência constituinte. Nesse contexto, no que diz respeito ao nosso ser haveria de um lado nosso corpo enquanto maquinário organizado conforme aquilo que nos mostram os compêndios de anatomia e de fisiologia e, por outro, a consciência, capaz de fundar o mundo e o nosso corpo segundo um "sistema de correlações objetivas" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 401). No que tange nossa percepção de outrem, a antinomia do pensamento objetivo leva-nos a afirmar, por exemplo, que reconhecemos e compreendemos a existência "estrangeira" por uma espécie de raciocínio por analogia. Reconheço a mímica de um outro corpo – e o fato de que por trás dela há uma consciência que move o corpo – a partir do momento em que sou capaz de identificar os fatos psíquicos que sustentam minha possibilidade de realizar um comportamento análogo ao que percebo.

Para Merleau-Ponty (1945, p. 404) "[...] o raciocínio por analogia pressupõe aquilo que ele devia explicar", a saber, nossa participação no mundo como "sujeitos anônimos da percepção" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 406). Não somos transparentes para nós mesmos e nem constituímos um mundo assentado em limites definidos. Esta simples constatação torna possível que o outro exista para mim, pois, se não sou uma subjetividade absoluta, ele não é um objeto em relação a mim e vice-versa. Além disso, se nosso mundo não é a somatória de visadas em perspectiva sobre um mundo em si, mas um deslizar temporalmente unitário e espontâneo em que uma perspectiva reenvia-nos à outra, outrem pode naturalmente fazer parte desse sistema de relações internas que nos direcionam a um só mundo. Esse tecido de experiências primordiais é que torna possível, segundo o exemplo utilizado por Merleau-Ponty, que um bebê de quinze meses, cuja face jamais fora plenamente reconhecida num espelho, abra a boca quando, brincando, colocamos um dos seus dedos entre nossos dentes.

É que sua própria boca e seus dentes, comenta Merleau-Ponty, tais como ele os sente do interior, são para ele instantaneamente aparelhos de morder, e que minha mandíbula, tal como ele a vê de fora, é para ele instantaneamente capaz das mesmas intenções. A "mordida" tem imediatamente para ele uma significação intersubjetiva. Ele percebe suas intenções em seu corpo, meu corpo com o seu, e através disso minhas intenções no seu corpo (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 404).

Ademais, se o bebê possui ao seu redor uma infinidade de objetos que prescindem de significado, Merleau-Ponty (1945, p. 407) afirma que "[...] o esquema corporal assegura a correspondência imediata daquilo que ele [o bebê] vê fazer e daquilo que ele faz e que, através disso, o utensílio se precisa como um manipulandum determinado e outrem como um centro de ação humana". Aqui aparece novamente o caráter intencional do corpo próprio, que forma um sistema com o mundo, mas também com os outros corpos que habitam o mundo. Merleau-Ponty (1945, p. 406) escreve o que se segue:

[...] é justamente meu corpo que percebe o corpo de outrem e nele encontra como que um prolongamento miraculoso de suas próprias intenções, uma maneira familiar de tratar o mundo; doravante, como as partes de meu corpo formam juntas um sistema, o corpo de outrem e o meu são um único todo, o verso e o reverso de um único fenômeno e a existência anônima da qual meu corpo é a cada momento o rastro habita doravante esses dois corpos a uma só vez.

Merleau-Ponty lembra-nos que perturbações do esquema corporal podem ser diagnosticadas ao se solicitar ao doente que indique no corpo do médico a parte que fora tocada em seu próprio corpo. Vale lembrar os exames relatados por Head (192613 apud CASSIRER, 1972) segundo os quais os pacientes falhavam ao, de frente para o médico, repetir os gestos realizados por este. Eles apenas realizavam movimentos especulares; de sorte que, se o médico levantava sua mão direita, o paciente levantava sua mão esquerda14.

Em suma, a percepção, que no capítulo da Fenomenologia da percepção intitulado A coisa e o mundo natural fora definida como "um acoplamento de nosso corpo com as coisas" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 370), doravante implica o acoplamento com outrem, fechando um sistema entre o sujeito, que é seu corpo, o mundo e outrem. Grande parte das discussões de Merleau-Ponty no período intermediário de sua obra, entre 1945 e 1952, no que tange à noção de esquema corporal, envolve o problema da intercorporeidade, ou, conforme as palavras de Saint Aubert (2005), do empiétement de esquemas corporais, particularmente discussões pautadas em estudos acerca do desenvolvimento infantil. 

 

6 Considerações finais

A noção de esquema corporal sofre uma importante modificação ao longo do texto de Merleau-Ponty. O filósofo depara-se com ela em meio ao realismo cientificista que fundamentava as neurociências no limiar do século XX. Esse realismo caracteriza-se por descrições abstratas, em que os fenômenos são desconectados de seu contexto de aparição e abordados segundo uma "tomada de partido" teórico pré-fixada, bem como por análises que consideram as categorias estudadas como fragmentos reais do mundo "em si". Merleau-Ponty opera uma dessubstancialização da noção de esquema corporal. De representação ou de núcleo cognitivo organizador da nossa experiência corporal, ela passa a função pré-cognitiva, expressão da permeabilidade das partes do nosso corpo umas em relação às outras, mas, igualmente, da permeabilidade do corpo em relação ao mundo e a outrem. A investigação sistemática dessa permeabilidade por parte de Merleau-Ponty leva-lo-á ao centro de sua ontologia, que caracteriza a parte final da sua obra e que gira em torno de figuras conceituais como a noção de carne e, por que não, tal como sugere Saint Aubert (2004; 2005; 2006), a idéia de empiétement

Podemos dizer que a teoria do esquema corporal é uma importante expressão daquilo que o filósofo denomina corpo-cognoscente. Ele escreve: "O mundo e o corpo ontológicos que reencontramos no coração do sujeito não são o mundo em idéia ou o corpo em idéia, são o mundo ele próprio contraído numa tomada global, são o corpo ele próprio como corpo-cognoscente" (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 467). Não se trata de afirmar que o esquema corporal configura a lei ideal da unidade que encontramos no corpo próprio da mesma forma que as perspectivas possíveis de um cubo são descritas em sua estrutura geométrica. Trata-se, antes, de reafirmar que o corpo não é o corpo para uma subjetividade, mas um corpo que é, ele mesmo, sujeito. Essa expressão aparentemente excêntrica, corpo-cognoscente, revela o esforço para se exprimir uma única "coesão de vida". Com efeito, o corpo-cognoscente coincide com o corpo que somos, com nosso esquema corporal. Ambas as expressões significam que, se por um lado pode-se dizer que somos constituintes do nosso corpo, caso contrário ele não seria o corpo de ninguém, por outro somos nosso corpo sem sermos capazes de acompanhar a sua constituição. A unidade do corpo é minha, trata-se do corpo que sou, sem que, contudo, eu possa dizer que a constitua ou que acompanhe a sua gênese claramente. E é graças a isso que partilhamos com outrem a unidade de um mesmo mundo. Vale dizer do esquema corporal aquilo que Merleau-Ponty (1945, p. 439) diz da subjetividade: "que ela envolve o infinito, que ela é uma síntese jamais acabada e que se afirma, embora seja inacabada".

 

Referências

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Endereço para correspondência
Danilo Saretta Verissimo
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP, Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar, Av. Dom Antônio, 2100, Parque Universitário, CEP 19806-900, Assis – SP, Brasil
Endereço eletrônico: danilo.verissimo@gmail.com

Recebido em: 03/08/2010
Reformulado em: 16/12/2010
Aceito para publicação em: 16/12/2010
Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo

 

 

Notas

* Docente do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Assis - UNESP. Possui graduação, mestrado e doutorado em psicologia pela FFCLRP-USP, e doutorado em filosofia pela Université Jean Moulin – Lyon 3.
1 Cf. MERLEAU-PONTY, 2000, p.18, 39.
2 Esta mesma frase será citada por Merleau-Ponty (1945). Cf. p.162-163.
3 Schneider fora vítima de um estilhaço de obus que lhe causara uma lesão na região occipital do córtex cerebral, e, em vista disso, apresentava perturbações em diversos domínios do comportamento.
4 A respeito dessa inversão que vai da consciência ao corpo como sujeito da percepção, cf. MOUTINHO, 2006, p.134 et seq.
5 GRÜNBAUM, A. Aphasie und motorik. Neurologie und Psychiatrie, v. 12, 1930.
6 Para Husserl, a intencionalidade é justamente o que "qualifica o ser do sujeito como visada do transcendente", comenta Barbaras (2008, p.13).
7 DÉJEAN, R. Étude psychologique de la distance dans la vision. Paris: PUF, 1926.
8 Cf. MERLEAU-PONTY, 1945, p. 197.
9 Cf. MERLEAU-PONTY, 1945, p. 197.
10 MERLEAU-PONTY, 1945, p. 363.
11 Cf. MERLEAU-PONTY, 1945, p. 379-380.
12 Cf., ainda, MERLEAU-PONTY, 1945, p. 165, 216, 269 e 407.
13 HEAD, H. Aphasia and kindred disorders of speech. 2 vols. Cambridge: Cambridge University Press, 1926.
14 Para Head, tal insuficiência de seus pacientes devia-se à impossibilidade de fazer mediar a ação segundo uma formulação simbólica, responsável pela inversão da relação especular entre o corpo do outro e o próprio corpo.