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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.13 no.2 Rio de Janeiro ago. 2013

 

ARTIGOS

 

Afetividade na aprendizagem da leitura e da escrita: uma análise a partir da realidade escolar

 

Affection in the learning of reading and writing: an analysis based on the school reality

 

 

Elvira Cristina Martins Tassoni*

Pontifícia Universidade Católica de Campinas-PUC-Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta resultados de pesquisa que objetivou identificar os sentimentos dos alunos, dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ao se confrontarem com as atividades de leitura e escrita em sala de aula. Trata-se de pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, realizada em uma escola pública estadual em Campinas (SP). A coleta de dados envolveu observações das atividades propostas em cada classe do 1º ao 5º ano e entrevistas semi-estruturadas com parte dos alunos de cada turma. As entrevistas identificaram a forma como as atividades afetavam a relação dos alunos com a leitura e a escrita, por meio das interpretações que faziam das atividades propostas. Os resultados apontaram para os diversos sentimentos produzidos tanto durante as atividades de ensino, como nas relações com a professora e a família, dando visibilidade às experiências que podem criar maior afinidade e aproximação entre os alunos e as práticas de leitura e escrita na escola.

Palavras-chave: Afetividade, Aprendizagem, Leitura e escrita, Sentimentos.


ABSTRACT

This paper presents research results that aimed to identify the students' feelings from Elementary School's early years, when facing the reading and writing activities in the classroom. This is a qualitative research of exploratory nature, held on a state public school in Campinas (SP). Data collection involved observation of the activities proposed in each class from the 1st to the 5th years and semi-structured interviews with part of the students of each class. The interviews identified how the activities affected the relation between the students and the writing and reading, through their interpretation of the proposed activities. The results pointed out some different feelings produced both during the teaching activities as well as in the relations with the teacher and the family, providing visibility to the experiences that may improve the affinity and the approach between the students and the reading and writing practices in the school.

Keywords: Affection, Learning, Reading and writing, Feelings.


 

 

1 Introdução

Na busca pela compreensão do indivíduo em sua complexidade, observa-se uma ampliação das discussões sobre as relações entre afetividade e os processos cognitivos. Mas, teorizar a respeito dos fenômenos afetivos é um desafio tanto no que se refere à conceituação, quanto à análise. Muitas vezes, no senso comum, afeto, afetividade, emoções e sentimentos são usados como sinônimos.

Para Wallon (1995a) a afetividade refere-se a uma gama de manifestações, revelando a capacidade do ser humano de ser afetado pelos acontecimentos, pelas situações, pelas reações das outras pessoas, bem como por disposições internas do próprio indivíduo. Segundo o autor, a afetividade envolve as emoções, os sentimentos e a paixão. As emoções são manifestações de estados subjetivos, acompanhadas de componentes orgânicos. Os sentimentos surgem relacionados aos elementos simbólicos, à possibilidade de representação, como por exemplo, lembrar-se de alguém e sentir saudades. A paixão, por sua vez, refere-se ao aparecimento do autocontrole necessário para se dominar certa situação. Implica em perceber a situação e agir de forma a atender as necessidades afetivas pessoais. Por exemplo, na situação em que uma criança pede à mãe um copo de água para tirá-la de perto do irmão menor que está recebendo a atenção dela.

Na perspectiva de entrelaçamento entre os aspectos afetivos e cognitivos, algumas pesquisas e estudos recentes (FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010; VERAS; FERREIRA, 2010; LEITE; KAGER, 2009; GUIMARÃES, 2008; TASSONI, 2008 e 2000; COLOMBO 2007; ALMEIDA; MAHONEY, 2007) têm discutido a afetividade na escola, demonstrando a sua influência nos processos de ensino e aprendizagem.

Tais pesquisas promovem uma discussão sobre a influência da afetividade no desempenho dos alunos, na qualidade da aprendizagem e nos movimentos de aproximação ou afastamento entre eles e os objetos de conhecimento. Ou seja, as experiências vividas em sala de aula contribuem para o tipo de relação que os alunos podem estabelecer com os conhecimentos.

Ao pensar no trabalho realizado na escola, pode-se destacar uma série de aspectos que passam pelas escolhas do professor. São decisões que envolvem o planejamento e o ensino, levando a uma determinada configuração das experiências vividas, das relações e do ambiente de sala de aula. Há na dinâmica escolar uma série de acontecimentos que, em conjunto, afetam as relações dos alunos com os objetos de conhecimento.

É esta discussão que este artigo pretende fazer: o que afeta os alunos, dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no processo de aprendizagem da leitura e da escrita? Para isso, o objetivo da pesquisa foi identificar os sentimentos dos alunos ao se confrontarem com as atividades de leitura e escrita em sala de aula. Ou seja, que sentimentos perpassam os processos de aprendizagem da leitura e da escrita de alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental? A escolha pelos anos iniciais do Ensino Fundamental e pela aprendizagem da leitura e da escrita ocorreu em razão das dificuldades enfrentadas pela escola em seu trabalho de ensinar os alunos a ler e escrever. Além disso, os anos iniciais do Ensino Fundamental têm como objetivo tal ensino, visando à formação do leitor e escritor. Assim, os sentimentos que surgem na relação dos alunos com as práticas escolares de escrita e leitura influenciarão tal formação.

Assumindo o pressuposto walloniano de que a afetividade refere-se à capacidade do ser humano de ser afetado pelos acontecimentos ao redor, bem como por aspectos internos relacionados ao seu funcionamento psíquico, os sentimentos são sinalizadores que mostram como o indivíduo está sendo afetado (WALLON, 1995a). Portanto, as experiências vividas em sala de aula evocam sentimentos, que vão marcando as relações dos alunos com o conhecimento.

A afetividade, nesta discussão, não se refere apenas a ser carinhoso e agradar o aluno. Este equívoco impõe a necessidade de pesquisas que demonstrem que

a afetividade também se expressa através de outras dimensões do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula. Na realidade (...) está presente em todos os momentos ou etapas do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor(LEITE; TASSONI, 2002, p. 129).

Conhecer os sentimentos dos alunos em relação às atividades que envolvem a leitura e a escrita possibilita refletir sobre quais delas mais contribuem para o envolvimento dos mesmos e podem promover um aprendizado mais efetivo.

Muitas vezes, observa-se um grande interesse por parte das crianças em aprender a ler e escrever. Geralmente se mostram curiosas em compreender o funcionamento da escrita. Mas, todo esse entusiasmo vai transformando-se, às vezes, em apatia, desmotivação, insegurança e medo. Situações assim têm colocado em discussão o que é trabalhado e a forma como é trabalhado, dando destaque para a afetividade, discutindo os sentimentos que envolvem o ensinar e o aprender.

 

2 Afetividade na aprendizagem da leitura e da escrita

Wallon (1978, 1995a, 1995b) e Vigotski (1991, 1993, 1998) contribuíram muito para as discussões sobre a afetividade. Ambos defendem a integração dos aspectos afetivos e cognitivos e assumem uma perspectiva de desenvolvimento para as emoções e sentimentos.

Para Wallon (1978) a afetividade desempenha papel fundamental na constituição e funcionamento da inteligência, ao determinar os interesses e necessidades individuais.

Vigotski (1991), ao defender que a construção do conhecimento ocorre a partir de um intenso processo de interação entre as pessoas, coloca em destaque o papel do Outro no processo de construção do conhecimento e na constituição do próprio sujeito e de suas formas de agir.

Assim, as experiências vivenciadas com as pessoas não envolvem apenas os aspectos cognitivos. São "relações interpessoais densas, mediadas simbolicamente, e não trocas mecânicas limitadas a um patamar meramente intelectual"(OLIVEIRA, 1992, p. 80).

Portanto, as experiências vivenciadas com as pessoas marcam e conferem aos objetos um sentido afetivo, determinando a qualidade das representações do objeto que são internalizadas. Tais experiências acumuladas constituem a história de vida de cada um e possibilitam a (re)significação individual do produto internalizado.

Vigotski (1998) criticou o reducionismo biológico no estudo das emoções, apontando que as manifestações emocionais são de natureza orgânica, transformando-se ao atuarem no universo do simbólico, ampliando-se as formas de vinculação afetiva. Defendeu que as emoções evoluem para o universo do simbólico, entrelaçando-se com os processos cognitivos e acompanham a distinção que fez entre os processos psicológicos superiores e inferiores.

Por isso, os processos afetivos e cognitivos se constituem em um par inseparável e, participam igualmente dos processos de ensino e aprendizagem. A qualidade das interações em sala de aula refere-se a relações intensas entre professores e alunos, proporcionando diferentes experiências, que vão influenciar a qualidade da apropriação do objeto de conhecimento.

Signorini e Dias (2002), ao analisarem diferentes fatores que interferem no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, destacam os de natureza afetiva. Salientam que um histórico de fracassos e constrangimentos leva a um estado de ansiedade tal que, conduz ao nervosismo, ao erro e à autorrecriminação. As consequências são desastrosas tanto para o processo de aprendizagem como para a construção que cada aluno faz de sua própria imagem. O alfabetizando ao justificar seu erro e/ou sua falta de habilidade por meio da incapacidade, compromete a imagem que faz de si, tanto diante da escola como também diante do conhecimento trabalhado. A frequência com que se expõe a cada nova tentativa infrutífera, a cada insucesso, afeta negativamente a motivação, o interesse, a vontade, a disposição de aprender.

É importante destacar que a afetividade envolve um conjunto amplo de manifestações ligadas a tonalidades agradáveis e desagradáveis. O que se ressalta no momento é que em se tratando de situações de ensino e aprendizagem, as experiências que evocam sentimentos agradáveis podem marcar de maneira positiva os objetos culturais.

Portanto, as relações entre alunos, professores, conteúdos, livros, escrita, etc. não acontece puramente no campo cognitivo. Existe uma base afetiva permeando todas elas. "O trabalho que o professor realiza concretamente – como ele interage, como trata o conteúdo, que tipo de atividades utiliza, como corrige, como avalia, etc. – influenciará a construção dessa relação" (TASSONI, 2001, p. 227).

 

3 Afetividade e aprendizagem à luz da realidade escolar

Há algum tempo, a pesquisa em educação tem se preocupado em captar a dinâmica do fenômeno educacional e a realidade complexa do dia-a-dia das escolas, dando voz aos sujeitos que lá se encontram. A pesquisa realizada priorizou a perspectiva dos alunos, buscando identificar seus sentimentos ao se confrontarem com as atividades de leitura e escrita em sala de aula.

A investigação se deu numa Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, localizada na cidade de Campinas (SP), escolhida em razão de a direção mostrar-se prontamente disposta a propiciar as condições necessárias para o desenvolvimento do estudo.

Foram realizadas observações nas classes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, registrando, em diário de campo, as atividades de leitura e escrita propostas pelas professoras e que foram desenvolvidas em sala de aula. Tiveram por objetivo conhecer mais de perto o trabalho realizado, fornecendo informações importantes para a elaboração de um roteiro para nortear as entrevistas que aconteceram, numa segunda etapa, com alguns alunos.

As atividades observadas, independentemente da frequência com que foram realizadas, serviram de referência e de material concreto para ser explorado nas entrevistas semi-estruturadas, gravadas em áudio, com 36 alunos, individualmente, que receberam nomes fictícios. O período de coleta de dados aconteceu de agosto de 2010 a junho de 2011.

Os alunos foram escolhidos de forma aleatória, tendo como critério estar cursando um dos anos iniciais do Ensino Fundamental e demonstrar livre interesse em participar da pesquisa.

Participaram das entrevistas cinco alunos do 1º ano; cinco cursando o 2º, seis alunos no 3º ano; oito cursando o 4º ano e doze deles no 5º ano. As entrevistas sempre iniciavam com a pesquisadora comentando a respeito das atividades observadas na sala de aula frequentada pelo aluno entrevistado. Tinham o caráter de uma conversa levando o aluno a se lembrar das atividades e, na sequência, era incentivado a comentar sobre as mesmas, destacando o que aprendia com cada uma, o que sentia enquanto as realizava, quais eram as suas preferências, quais delas contribuíam mais para que compreendesse a linguagem escrita e quais que não contribuíam para isso e por quê.

O material coletado foi transcrito e submetido a leituras sucessivas a fim de se elaborar categorias de análise, que pudessem contribuir para identificar os sentimentos que perpassavam os processos de aprendizagem da leitura e da escrita desses. Optou-se por identificar os contextos indutores de sentimentos diversos que afetavam as relações dos alunos com a escrita e a leitura. Mas, antes disso, é importante destacar que os dizeres dos alunos evidenciaram o grande valor que atribuem à escola, ao ensino e à aprendizagem da leitura e da escrita. Tal valorização exerceu grande influência nos sentimentos identificados nos alunos.

A partir dos dizeres dos alunos entrevistados confirmou-se a valorização da escola como lugar de aprender e, por isso a consideração das atividades como um meio importante para tal.

Observou-se que desde cedo as crianças reconhecem que saber ler e escrever é a porta de acesso aos saberes acumulados histórica e socialmente. Expressaram a preocupação com o futuro, relacionando o ler e escrever bem, com as oportunidades que poderão vir a ter:

Cada vez que eu vou escrevendo eu vou sabendo mais. Acho importante porque meu pai sempre fala que no futuro se você não estudar você não vai trabalhar, não vai saber nada. Então é bom estudar pra você ter um trabalho bom. (João, 4º ano)

Vai que você quer uma profissão e precisa ler e escrever aí você não vai poder ser aquela profissão. (Gisele, 4º ano)

Feita essas considerações, os dados obtidos foram organizados em 3 categorias de análise, tendo como eixo norteador os elementos que influenciaram a relação dos alunos com a escrita: as atividades de ensino, a professora, a família. As três categorias indicam as situações indutoras de sentimentos diversos que perpassavam as relações dos alunos com a escrita e a leitura. Os sentimentos identificados nas situações vivenciadas foram: alegria, entusiasmo/ânimo, orgulho, satisfação, segurança, empenho, tranquilidade, envolvimento, confiança, apoio, admiração, nervosismo, medo, insegurança, vergonha, desânimo, tristeza e dor. Cada categoria de análise é discutida a seguir.

3.1 As atividades de ensino

Os alunos, ao comentarem sobre as atividades realizadas em sala de aula, expressaram sentimentos agradáveis e desagradáveis em relação a elas. Tais sentimentos relacionaram-se às experiências de sucesso, conquistas, situações de erro ou fracasso.

As atividades comentadas pelos alunos foram as que envolviam a leitura, a produção de texto, as que exploravam tanto a convenção ortográfica como a textual, as cópias da lousa e o material didático.

Nas atividades de leitura o que se identificou foi que os alunos se sentiam mais seguros e confiantes quando a professora se apresentava como um modelo de leitor:

A professora lê pra gente, às vezes ela dá uns livros. E ela também lê vários livros pra gente, ela lê histórias. A gente vê ela ler e a gente vai conseguindo entender como ela lê. Tipo, ela para no ponto final e a gente para do jeito que ela para e aí a gente vai sabendo como ler (João, 4º ano).

A importância do professor destacada pelo aluno vai ao encontro de estudos (GROTTA, 2006), os quais apontam para as experiências de leitura com o professor, como constitutiva da formação de alunos leitores.

Segundo Moraes (apud LEITE; HIGA, 2011, p. 155)

no nível afetivo também, a criança descobre o universo da leitura pela voz, plena de entonação e de significação, daqueles em quem ela tem mais confiança e com quem se identifica. Para dar o gosto das palavras, o gosto do conhecimento, essa é a grande porta.

As entrevistas realizadas demonstraram ainda que a leitura quando explorada com finalidades de busca de informação ou fruição promove sentimentos que contribuem para uma relação positiva entre alunos e o próprio ato de ler:

Eu gosto de ler textos porque a gente aprende mais sobre as coisas (Amanda, 3º ano).

Eu tô lendo um livro que são 3 livros: Crepúsculo, Lua Nova e Eclipse e Amanhecer. Eu tô no livro 2. Tem umas palavras difíceis que nem o personagem entende. Daí o outro personagem explica e eu aprendo (Juliana, 5º ano).

Sentir a sua própria evolução ao ler livros cada vez mais grossos, ao aprender coisas novas quando lê são aspectos importantes para a formação do leitor. Os dados revelaram que as situações de leitura contextualizadas aumentam o interesse dos alunos e mais que isso, dão indícios de modificações em seu modo de pensar e de ser.

As situações de leitura em que havia uma exposição maior do aluno, quando este era solicitado a ler em voz alta para a classe, algumas vezes foram consideradas atividades que geravam sentimentos de vergonha, medo ou insegurança:

Eu tenho vergonha de ler pros outros. Prefiro ler sozinha pra mim mesmo (Ana, 4º ano).

O comentário de Ana leva à reflexão sobre o planejamento e a forma de realização, na medida em que não se sair bem em uma situação dessas, de maneira recorrente, pode trazer um ônus de natureza afetiva que deve ser considerado. É um desafio para os educadores pensarem sobre as possibilidades de preparação dos alunos para os momentos de leitura, dando oportunidade para que leiam em casa, estudem, exercitem antes de ler para a classe. Esse planejamento pode gerar maior segurança, permitindo ao aluno se perceber preparado ou não para enfrentar tal situação, possibilitando que o professor o encoraje, o apóie, investindo em procedimentos que o ajudem a evoluir.

Segundo Leite e Higa (2011, p. 142)

os indivíduos constituem-se como leitores a partir de uma história favorável de interação com a leitura e suas práticas sociais, por intermédio de diversos agentes mediadores; entre os quais, destaca-se, sem dúvida, o professor no seu trabalho pedagógico desenvolvido na escola.

Quanto às produções de texto, a maioria dos comentários dos alunos indicou que essa atividade é considerada difícil de fazer, mas muito significativa para que avancem na compreensão da escrita, como bem elucida o depoimento abaixo:

Escrever história ajuda porque a gente vai sabendo mais, vai aprendendo como faz uma história, sobre como fazer parágrafo, ponto de interrogação, ponto final, essas coisas. Isso é importante porque a gente vai escrevendo e uma pessoa vai falar e não põe o travessão, fica uma frase como se você estivesse contando. Tem que ter o travessão pra você saber e a professora entender (João, 4º ano).

Destaca-se a satisfação em aprender os aspectos formais da escrita e do texto, trazendo a possibilidade de o aluno sentir entusiasmo por ser capaz de fazer, de pensar sobre o fazer, de fazer para o outro entender. Evidencia-se o desejo e a satisfação de aprender.

Nesse sentido, os exercícios que exploravam a ortografia foram valorizados pelos alunos, pois traziam sentimentos de tranquilidade, evitando a vergonha do erro ou do não saber:

Exercício de completar eu acho ótimo, porque quando a gente se confunde com S/Z, você tem que observar bem o som e escrever. Eu gosto porque a gente aprende a escrever mais, é como lembrar das palavras do texto. (José, 5º ano)

É importante escrever bem, porque vai que você escreve uma carta pro namorado e ele fala: – Ai! Eu não vou namorar essa menina burra! Você não passa numa prova, repete. Eu não gosto de escrever mal. (Vivian, 5º ano)

Por outro lado, os dados apontaram que, provavelmente, as atividades de ensino que se mantêm, de maneira recorrente, como uma experiência sem reflexão e, por isso sem sentido, podem gerar cansaço e desinteresse. A cópia, por exemplo, foi uma atividade apontada pela maioria como promotora de sentimentos desagradáveis:

Gosto mais ou menos porque é muita lição e eu canso (Maria, 1º ano).

Copiar eu não gosto. A professora põe muitas palavras na lousa isso eu acho que não ajuda porque eu fico cansado com a mão (Gustavo, 2º ano).

Para alguns alunos a cópia apresenta-se como uma atividade sem finalidade clara e sem reflexão, gerando cansaço e dor. Provavelmente, da forma como ocorre, a cópia pouco contribui para que o aluno avance na compreensão da escrita. Aqui, surge outro desafio à prática docente: como tornar a cópia uma atividade de reflexão mais significativa, considerando que envolve habilidades importantes para a aprendizagem da escrita?

A pesquisa indicou que quando os objetivos de se copiar estão mais explícitos e relacionados com o desejo de aprender a convenção e não errar mais, os sentimentos mudam:

Quando a professora corrige meu texto ela fala que está bom. Tem alguns errinhos, ela corrige e fala que está bom e eu fico contente. A gente tem que copiar 5 vezes as palavras erradas. Isso ajuda não errar mais. É bom (Vivian, 5º ano).

O depoimento destacou que atividades bem justificadas para os alunos, que vão ao encontro das suas necessidades e da vontade de aprender podem gerar sentimentos que os deixam mais disponíveis à aprendizagem.

Os dados apontaram que é fundamental acreditar na capacidade das crianças de aprender e, para isso,

é necessária uma mediação qualificada dos processos que, por sua vez, só é possível se houver planejamento, organização intencional e sistemática do trabalho a ser realizado com as crianças em sala de aula (GONTIJO, 2008, p. 198).

Um último aspecto que se evidenciou nos comentários dos alunos foi em relação ao material didático. Este pode despertar uma atração no aluno em razão dos recursos e possibilidades que traz em seu uso:

Eu gosto do livro porque tem animais e tem aqueles bonequinhos. Eu gosto de fazer as coisas no livro, mas no caderno não. No livro tem letras e a tia lê pra gente. O livro me ajuda a aprender (Maria, 1º ano).

O que se destacou foram sentimentos positivos, produzidos talvez pela ludicidade que as imagens trouxeram ao material. Também é possível inferir que as possibilidades de compreensão da escrita aumentam e trazem maior condição de obter sucesso, quando o aluno se apoia nas imagens que a acompanham. Nesse sentido, torna-se possível a professora ler para a classe os textos contidos no material, gerando, assim, algum tipo de satisfação. Diferentemente do livro, o caderno fica marcado como um material menos interessante. Será que as cópias da lousa contribuem para que o caderno seja visto negativamente? Será que a falta de propostas para que os alunos desenhem e escrevam colaboram para que o caderno seja visto apenas como um material para se escrever?

Conhecer os sentimentos produzidos nas diferentes atividades propostas possibilita pensar em como conduzi-las, com que frequência, bem como pensar nas diferentes formas de afetar os alunos em sua relação com a escrita e a leitura.

3.2 A professora

Esta categoria refere-se às formas de agir da professora como fator influenciador da relação dos alunos com as situações de leitura e escrita, produzindo diversos sentimentos. Está subdividida em duas: a relação estabelecida com a professora e os aspectos da correção feita por ela.

3.3 A relação com a professora

A disponibilidade da professora em explicar, ensinar, ajudar, responder e elogiar foram os aspectos evidenciados nos dizeres dos alunos. A maior parte dos comentários em relação às professoras se referiu ao seu papel mediador.

Acho importante escrever bem porque ganha elogio da professora: – Você tá muito bom! Eu gosto. Isso me dá mais ânimo! (Fernando, 5º ano).

Ela explica e se alguém não entendeu, vai passando um por um e explica de novo. Assim fica fácil. Eu estudei em outra escola e a professora explicava uma vez só (Vivian, 5º ano).

Eu vou fazendo e vou gostando e vou aprendendo. Eu errei só uma vez. Porque ela [a professora] me ajuda a escrever eu vou aprendendo e fazendo com a minha mão (Sara, 1º ano).

Os dados possibilitaram identificar uma forte relação entre gostar de escrever e a forma de ensinar, como também entre aprender e gostar, o que leva a supor que um ensino que promove a compreensão resultando em aprendizagem efetiva, contribui para uma aproximação maior entre os alunos e a escrita, levando-os a gostar mais. A pesquisa revelou que algumas formas de atuação das professoras promoviam maior motivação, estabeleciam maior confiança, legitimando o papel do professor como mediador mais experiente da relação.

Mais um desafio se coloca aos professores – assumir o papel de mediador. Ou seja, intervir, questionar, mostrar como faz, mostrar novas maneiras, explicar; enfim, ensinar. Os dados apontaram que sentimentos de admiração surgiam quando os alunos reconheciam que a professora tinha um conhecimento valorizado por eles:

A professora ajuda a dizer palavras modernas, mais bonitas pra eu usar no texto. Ela empresta o dicionário. Isso ajuda (Fernando, 5º ano).

Gosto quando ela lê pra gente em voz alta, eu gosto de acompanhar (Michele, 4º ano).

Vigotski (1991) ao tratar do conceito de mediação traz contribuições para a reflexão do papel do professor em sala de aula. Segundo o autor, as formas mais refinadas e complexas de ação só serão apropriadas por um sujeito se este estiver em relação com outras pessoas mais experientes que promovam experiências que ampliem seu repertório inicial. Assim, o professor ao assumir seu papel de mediador possibilita a apropriação de conhecimentos, valores, formas de agir, pensar e sentir.

Os dados obtidos demonstraram que nas interações com as professoras a produção de conhecimentos era acompanhada de sentimentos que, dependendo de sua natureza contribuíam ou não para a atividade cognitiva. Tal questão vai ao encontro do pressuposto walloniano a respeito do poder de contágio das emoções. Segundo Wallon (1995b) os adultos, no convívio com crianças, estão expostos a um contágio emocional, e vice-versa. Dantas (1992, p. 89) denomina de circuito perverso da emoção a tendência desta "surgir nos momentos de incompetência, e então, devido ao seu antagonismo estrutural com a atividade racional, provocar ainda maior insuficiência". O comentário abaixo exemplifica tal questão:

Tem aluno que atrapalha, porque fica só em pé e a professora grita. É ruim, atrapalha. Ela grita e acaba com tudo, com todas as ideias. Quando ela lê o texto e explica tudo direitinho, sem gritar aí eu acerto quase todas. (Igor, 5º ano)

Evidenciou-se aqui que o gritar da professora deixa o ambiente mais tenso e, consequentemente afeta alguns alunos, contagiando-os. A tensão gera dúvidas e confusão nas formas de pensar.

Os dados apontaram mais um desafio aos professores – a importância de assumir que há, nas relações de sala de aula, uma troca de sentimentos e emoções, que deve ser objeto de reflexão. Ter consciência de que todos estão expostos ao contágio das diferentes tonalidades emocionais, pode levar a uma reflexão mais criteriosa da prática pedagógica, a fim de identificar sentimentos e emoções que possam inibir/travar os processos cognitivos. Promover um contágio emocional positivo contribui para um bom desempenho cognitivo.

3.4 A correção das atividades

Optou-se em destacar as ações específicas de corrigir as atividades, porque em se tratando de uma investigação sobre os sentimentos que perpassam a relação dos alunos com as práticas de uso da leitura e da escrita na escola, era importante identificar a forma como eles consideravam as correções feitas pelas professoras e os sentimentos advindos dessa experiência. Os comentários apontaram para a satisfação em acertar, remetendo às experiências de sucesso e à vontade de ler ou escrever sempre mais, como também a importância da correção para que soubessem como fazer, como escrever e como estavam se saindo em relação ao que era esperado deles. Observou-se certa ambiguidade, pois ao mesmo tempo em que os alunos valorizaram a correção buscando a informação correta, por outro lado, explicitaram o medo de errar e a tristeza ao ver os erros apontados, passando pelos sentimentos de vergonha e nervosismo.

Portanto, em alguns momentos as correções das professoras foram muito valorizadas, evidenciando-se a importância dada ao escrever conforme a convenção:

É importante saber como escreve. Se a professora não corrige a gente não aprende como que é (Betina, 4º ano).

Observou-se que os momentos em que a professora corrige são reconhecidos pelos alunos como um procedimento importante para a aprendizagem da escrita. Parte deles expressou um desejo em saber como funciona a convenção na escrita das palavras. Mais uma vez, o papel mediador do professor foi evidenciado.

Os alunos apontaram ainda algumas atividades e estratégias em que a correção da professora acontecia de maneira mais eficiente:

Eu gosto de ditado. A gente escreve e a professora corrige e a gente aprende melhor (Amélia, 5º ano).

Quando a gente faz uma redação a gente leva pra ela e ela corrige pra gente passar a limpo. Assim a gente aprende. Ela ajuda falando qual é o certo (Juliana, 5º ano).

Quando ela corrige coloca um risquinho embaixo pra gente poder entender, aí a gente tem que corrigir e aí dependendo de quantos erros que a gente errou, ela dá nota. Gosto que ela corrige porque eu vejo no que tô ruim e no que eu tô boa (Catarina, 4º ano).

Por outro lado, há aspectos da correção explicitados por outros alunos, evidenciando sentimentos de vergonha, nervosismo e medo:

Às vezes era pra eu tirar nota maior, mas por causa dos errinhos bobos que faço eu não tiro. Fico com vergonha de errar essas coisinhas (Manuel, 5º ano).

Quando eu tô escrevendo texto às vezes eu fico meio nervosa, porque fico com medo de errar (Michele, 4º ano).

Em alguns momentos o constrangimento do erro pode estar relacionado à nota, mas em outros se relaciona às situações de exposição diante da classe. Às vezes, a correção em público pode gerar sentimentos desagradáveis:

Antes eu tava muito ruim de leitura. Eu tinha medo de ler em voz alta, tinha medo de errar. Quando eu ia ler eu lia só a primeira sílaba e chutava o resto. A professora me corrigia eu ficava com vergonha (Michele, 4º ano).

A princípio, a ação de correção da professora foi destacada como importante para que os alunos aprendessem efetivamente. As experiências relacionadas à correção/avaliação podem ser muito negativas se as consequências do processo avaliativo recaem sobre o aluno. Segundo Leite e Tassoni (2002, p. 135) "esta é a lógica do modelo tradicional de avaliação: o professor ensina e avalia; se o aluno for bem, é sinal que o professor ensinou de forma adequada; se o aluno for mal, é o único responsabilizado". Quando a avaliação/correção é assumida numa perspectiva a favor do aluno, considera-se como parte do processo a revisão, o passar a limpo, visando ao aprimoramento do processo de apropriação do conhecimento. "Somente assim o professor poderá desenvolver as atividades de mediação de forma adequada, no sentido de possibilitar um crescente envolvimento afetivo do sujeito com o objeto de conhecimento em questão" (id. ibid).

Outro aspecto evidenciado nas correções que trouxe certa preocupação para parte dos alunos entrevistados foi a forma como os erros eram destacados, bem como à quantidade de apontamentos:

Quando eu escrevo várias palavras, a professora corrige de caneta, assim várias. Eu vejo muito erro com S e eu fico muito chateado, porque eu quero acertar e não consigo. Aí eu fico lendo, lendo, pra ver se eu não erro mais. Escrever mais ajuda e quando a professora corrige ajuda a guardar a palavra na cabeça. Eu não gosto porque eu erro, mas pra guardar a palavra na cabeça pra aprender isso eu gosto (João, 4º ano).

Mais uma vez, a ambiguidade de sentimentos em relação às situações de correção aparece. O aluno espera ser corrigido para que possa aprender como se escreve. Assim, a forma de corrigir se configura como mais um desafio ao professor, devendo ser objeto de reflexão na escola como um todo, colocando em discussão, por exemplo, critérios que possibilitem estabelecer prioridades – que aspectos da língua serão selecionados nesse momento para serem discutidos e analisados? Além disso – que outras formas de sinalizar o erro são possíveis/viáveis/interessantes de serem usadas? No dizer do aluno tanto as sinalizações em caneta feitas pela professora para destacar o erro, como a quantidade de erros apontados, são situações que marcam as relações com a escrita, produzindo sentimentos referentes à sua capacidade, ao seu desempenho e consequentemente, ao seu sucesso ou fracasso em relação à aprendizagem.

Portanto, os momentos de correção produzem sentimentos muito ambíguos, mas são fundamentais para situar o aluno diante das expectativas em relação ao ano em que está cursando, em relação a si mesmo, bem como o que precisa ser revisto, (re) pensado, (re) elaborado, contribuindo para que o aluno se desenvolva. A questão é: qual será a melhor forma de fazer?

Considera-se que as elaborações de Vigotski (1991) sobre o conceito de zona de desenvolvimento proximal podem contribuir para essa reflexão. Segundo o autor, é necessário que se priorizem atividades que serão relevantes para a aprendizagem e, nessa direção, colocam-se em pauta as atividades que possibilitam a produção de significados e sentidos. "São essas atividades que conduzirão [o aluno] [...] à habilidade de planejar e regular suas próprias ações" (STOLTZ, 2010, p. 178). Segundo Stoltz (id.ibid) "a forma como o professor organiza o conteúdo e permite o acesso do estudante a diferentes instrumentos têm relação com a criação de significados e a consequente aprendizagem".

Nesse sentido, considerar a lógica do erro cometido na escrita é o ponto de partida para uma intervenção pedagógica que transite entre os conhecimentos cotidianos e os conhecimentos científicos num movimento em que os últimos promovem a reinterpretação dos primeiros (STOLTZ, 2010). Essa é a chave para a produção de significados e o caminho para que o desenvolvimento potencial torne-se real, num curto espaço de tempo (VIGOTSKI, 1991).

 

4 A família

Nesta categoria, reúnem-se os dizeres dos alunos referentes às reações da família que marcaram de maneira importante as relações dos alunos com a escrita e a leitura, produzindo sentimentos diversos. Aqui se destacou o reconhecimento, por parte dos alunos, da importância do domínio da leitura e da escrita para a inserção na sociedade atual e para ser valorizado pelas pessoas. Destacou-se ainda o papel da família no processo de formação de alunos leitores e escritores.

Nos dizeres dos alunos, foi evidenciada a importante participação dos pais como incentivadores e modelos de leitores:

Eu leio bastante livro. Minha mãe compra livro e já comprou um de 180 páginas. Eu li em três dias. Aí eu tenho bastante ideia. Minha mãe gosta de ler e meu pai também (Igor, 5º ano).

Meu pai lê um pouco pra mim, pra eu ir aprendendo (Janine, 2º ano).

Além dos pais serem considerados uma referência nas práticas de leitura, evidenciou-se nos comentários dos entrevistados, o papel mediador dos pais, corrigindo, dando dicas e alertando para não errarem na escrita das palavras. Esse tipo de interação demonstra acolhimento, apoio, cumplicidade, trazendo segurança e confiança aos alunos:

Minha mãe que me ajudou nos acentos e eu ganhei o concurso da FEAC. Daí ganhava três livros e um iPod. O tema era Minha família na escola. Eu ganhei em 3º lugar (Juliana, 5º ano).

Minha mãe pediu pra eu fazer assim: – Quando você não sabe se é um "R" ou dois "RR", você fala e percebe pelo som (Manuel, 5º ano).

Às vezes eu esqueço algumas palavras e meus pais me ensinam. Eles falam que têm palavras que em vez de usar SS é com Ç (Daniela, 4º ano).

As informações da família sobre as convenções ortográficas, os incentivos, os momentos de leitura para/com os filhos, geralmente cria um clima bastante favorável para a produção de sentimentos agradáveis. A família pode se constituir num ambiente mediador e educativo que promove experiências sociais de uso da escrita e da leitura. No contexto pesquisado, o sucesso nessas experiências produziu sentimentos agradáveis que podem marcar positivamente as relações das crianças com a leitura e a escrita.

Outro aspecto destacado pelos alunos foi a alegria e satisfação de seus pais em vê-los aprendendo a ler e escrever:

Eu fui ler pra minha mãe e ela disse – nossa você lê bem (Betina, 4º ano).

Aprender a escrever, mãe se alegra. Ela fala assim: filha lê isso pra mamãe. Quando eu crescer eu vou saber ler e não vou precisar ficar perguntando pra ninguém (Janine, 2º ano).

Na fala Janine, nota-se a satisfação de alegrar sua mãe por ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, identifica-se um desejo de, talvez, não repetir a trajetória da própria mãe ou outra pessoa da família de não saber ler e ter que perguntar a alguém.

Em alguns comentários foi possível identificar certa preocupação em relação à família, no que se refere à possibilidade de ajudar financeiramente em casa, com um bom emprego. Os alunos expressaram uma expectativa, como já apresentado anteriormente, que sabendo ler e escrever podem ter melhores condições de conquistar um bom espaço profissional:

Porque eu quero começar a trabalhar logo pra ajudar meus pais. Por isso eu me esforço para ficar cada vez melhor. Minha mãe fala que eu escrevo bem (Juliana, 5º ano).

Outra preocupação que surgiu foi em relação a atender às expectativas da família:

Quero ver se tiro 10 no próximo bimestre. Meu pai pediu (Manuel, 5º ano).

Uma mistura de desejo, empenho, receio e medo de não conseguir surge em situações como essa. Nesses momentos o importante é saber como lidar quando os resultados obtidos não correspondem à expectativa. É fundamental que a família dê condições para que a criança possa enfrentar o desafio, como também reflita com ela como buscar tais condições quando não se sai bem. O foco das atenções deve ser o objeto de conhecimento em questão – no caso, a leitura e/ou a escrita. Tanto os elogios, recompensas, incentivos, quanto à análise das fragilidades e equívocos devem estar centrados nos usos da língua, realmente apresentados. Quando isso não acontece, as recompensas e punições recaem em aspectos que não estão diretamente envolvidos com a escrita ou a leitura, impedindo que a criança desenvolva relações de reciprocidade e de consequência no que se refere aos seus saberes produzidos, ao seu empenho e dedicação. Quando as crianças cumprem tarefas para ganhar ou não perder coisas das quais gostam, as possibilidades de se desenvolver ações mais autônomas e intrinsecamente motivadoras em relação à leitura e à escrita podem diminuir:

Eu fico meio nervosa, porque fico com medo de errar. Se eu tiro menos de 9, a minha mãe deixa eu sem assistir TV, ou sem mexer no computador (Michele, 4º ano).

Os dados da pesquisa apontaram que os sentimentos produzidos nas interações em sala de aula marcam de maneira significativa a relação dos alunos com os objetos de conhecimento em geral – aqui, de maneira especial a escrita e a leitura. Saber ler e escrever é a porta de entrada para saber sobre as coisas do mundo. Como já apresentado, os alunos entrevistados demonstraram reconhecer que o domínio da leitura e da escrita é condição para a inserção na sociedade atual. Isso, já produz alegrias e desejos, receios e preocupações.

No que se refere à participação da família, considera-se importante destacar que o interesse das crianças pela leitura e pela escrita, os conhecimentos produzidos em relação às funções e usos constituídos contam com a participação ativa do adulto. Kleiman (2009, p. 182) evidencia que "a família letrada constitui a agência de letramento mais eficiente para garantir o sucesso escolar". Nesse sentido, portanto, a parceria família-escola pode tornar-se uma efetiva contribuição para o processo de aprendizagem, desde que cada instância comprometa-se, em seu âmbito, a assumir sua função.

 

5 Considerações finais

Conhecer os sentimentos dos alunos, refletindo sobre a afetividade no processo de ensino e aprendizagem, é um caminho importante para se pensar as práticas escolares de leitura e escrita, a mediação pedagógica e a orientação às famílias, buscando contribuir para a construção de relações de aproximação cada vez maiores entre os alunos e as práticas de leitura e escrita.

Discutir a afetividade nas interações em sala de aula leva a refletir como alunos e professores significam as experiências vividas. Coloca em relação o individual e o social. O que se faz, diz, pensa, sente, aprende referem-se a processos sociais que compõem a história de cada sujeito envolvido, assim como este também interfere na constituição do contexto em que as situações ocorrem.

Tais experiências envolvem não só informações sobre o mundo, mas a forma como são expressas pelas pessoas e, ainda, as reações destas em cada contexto. Os alunos elaboram ideias sobre o mundo e sobre si mesmos – suas dificuldades e superações. Essas ideias produzem sentimentos agradáveis e desagradáveis, que colocam em relação os processos afetivos e cognitivos, possibilitando que os alunos percebam sua própria evolução. Aqui, especialmente, tratou-se da evolução em escrever e ler cada vez melhor, compreendendo mais e mais os aspectos formais da escrita e do texto. Os sentimentos agradáveis e desagradáveis também surgiram nos processos de mediação feitos pelas professoras nas situações em que os alunos se expõem; erram; realizam atividades que contribuem ou não para a compreensão da escrita, colocando em relação o sentir e o pensar.

Desta forma, entre os principais desafios à prática docente, a pesquisa revelou que há aspectos fundamentais no processo de aprendizagem da leitura e da escrita que marcam as aproximações e os afastamentos dos alunos com esses objetos de conhecimento. Constituem-se fatores significativos, na forma como os alunos se relacionam com a leitura e a escrita, os procedimentos de ensino, envolvendo a seleção das atividades, as formas de correção da professora e o tipo de experiência que se pode promover em relação à compreensão do objeto de conhecimento em questão. Ainda se destaca o papel mediador tanto do professor como da família.

A pesquisa demonstrou que é fundamental, no contexto escolar, o olhar atento do professor, sua escuta, suas intervenções, traduzindo as expectativas dos alunos, dúvidas e necessidades. A escola é um local de interações sociais intensas e variadas e é neste espaço que os alunos desenvolvem suas potencialidades, transformam ou concretizam a imagem que trazem de si mesmos. Por isso, as confirmações a respeito do próprio trabalho, as respostas às suas dúvidas, as intervenções que promovem compreensão são ações pedagógicas de natureza também afetiva.

 

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Endereço para correspondência
Elvira Cristina Martins Tassoni
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Campus I - Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CCHSA)
Rodovia D. Pedro I, km 136- CEP 13086-900 -  Parque das Universidades - Campinas - SP
Endereço eletrônico: cristinatassoni@puc-campians.edu.br

Recebido em: 14/03/2012
Reformulado em: 15/06/2012
Aceito para publicação em: 26/08/2012
Acompanhamento do processo editorial: Adriana Benevides Soares

 

 

Notas

* Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (São Paulo-Brasil)
** Todos os alunos entrevistados participaram da pesquisa com a autorização dos pais e/ou responsáveis, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado no processo 630/10, do Comitê de Ética.
*** Este texto é uma sistematização e aprofundamento de trabalho apresentado na 34ª Reunião Anual da ANPEd, no GT20.