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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.14 no.3 Rio de Janeiro dez. 2014

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Cidadania e cidadania organizacional: Questões teóricas e conceituais que cercam a pesquisa na área

 

Citizenship and organizational citizenship: Conceptual and theoretical questions concerning the research field

 

Ciudadanía y ciudadanía organizacional: Cuestiones conceptuales y teóricas sobre el campo de la investigación

 

 

Ana Cristina Passos Gomes*; Antônio Virgílio Bittencourt Bastos**; Euclides José de Mendonça Filho***; Igor Gomes Menezes****

Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, Bahia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A investigação da cidadania e cidadania organizacional é marcada por uma grande complexidade em sua conceitualização. Apesar da polissemia da definição do construto, muitos autores concordam na definição da cidadania organizacional enquanto comportamentos que não fazem parte da definição formal do cargo, podem ou não ser recompensados e são benéficos à organização. Assim, a ideia mais presente nos estudos de cidadania organizacional está ligada aos comportamentos de colaboração dos indivíduos para com outros indivíduos e para com a empresa, porém este conceito não abarca toda complexidade do construto. Este trabalho buscou a aproximação entre o conceito de cidadão organizacional com as perspectivas mais modernas sobre o tema. Apontando, assim, a tendência de modificação do construto à luz das mudanças sociais, políticas e econômicas que colaboram para o desenvolvimento de estudos teóricos e empíricos favorecendo o contínuo repensar de uma definição mais clara sobre a cidadania organizacional.

Palavras-chave: cidadania, cidadania organizacional, delimitação conceitual.


ABSTRACT

Citizenship and organizational citizenship investigations are characterized by the great complexity in its conceptualization. Despite the polysemy of the definition of the construct, many authors agree on the definition of organizational citizenship as behaviors that are not part of the formal definition of the job position, may or may not be rewarded, and are beneficial to the organization, thus, the most common idea in studies of organizational citizenship behavior is linked to the collaboration of individuals to other individuals and to the company, but this concept does not cover the whole complexity of the construct. Thus, this study aimed the rapprochement between the concept of organizational citizen with modern perspectives on the topic, highlighting the trend of the construct's modification given social, political and economic changes that contributes to the development of theoretical and empirical studies, promoting the continued rethinking of a clearer definition of organizational citizenship.

Keywords: citizenship, organizational citizenship, conceptual delimitation.


RESUMEN

La investigación de La ciudadanía y la ciudadanía organizacional se caracterizan por la gran complejidad en su conceptualización. A pesar de la polisemia de la definición del constructo, muchos autores coinciden en la definición de ciudadanía organizacional como comportamientos que no son parte de la definición formal del posición laboral, pueden o no ser recompensados​​, y son beneficiosos para la organización, por lo tanto, la idea más común en los estudios de comportamiento de ciudadanía organizacional está ligada a la colaboración de los individuos ante otras personas y de la empresa, pero este concepto no cubre toda la complejidad de la construcción. Por lo tanto, este estudio tuvo como objetivo el acercamiento entre el concepto de ciudadano organizacional con perspectivas modernas sobre el tema, destacando la tendencia de la modificación de la construcción dados los cambios sociales, políticos y económicos que contribuyen al desarrollo de los estudios teóricos y empíricos, promoviendo el repensar continuo de una definición más clara de la ciudadanía organizacional.

Palabras clave: ciudadanía, ciudadanía organizacional, delimitación conceptual.


 

 

1 Introdução

A partir de 1980, uma nova tendência de investigação sobre a conduta humana no trabalho ganhou espaço dentro do campo do comportamento organizacional, tendo como objetivo explicar as razões pelas quais alguns membros das organizações se limitam a realizar as atividades prescritas nos contratos formais de trabalho, enquanto outros, espontaneamente, excedem estes limites, a partir de contribuições informais para a organização à qual pertence. Este fenômeno, denominado por comportamentos de cidadania organizacional (CCO)ou somente cidadania organizacional, consiste na manifestação de comportamentos benéficos voluntários que transcendem as obrigações formais e possíveis garantias de recompensas contratuais.

Embora as pesquisas sobre comportamentos de cidadania organizacional tenham se desenvolvido de forma mais acelerada a partir dos anos 1980, suas raízes podem ser identificadas no conceito de cidadania cívica, nas teorias de trocas sociais (Blau, 1964) e nos primeiros estudos organizacionais, que estabeleceram a importância dos comportamentos voluntários dos indivíduos para a eficácia organização (Barnard, 1938; Katz & Kahn, 1966, 1978; Roethlisberger & Dickson, 1939). A partir dessas concepções, diversas pesquisas foram desenvolvidas com o objetivo de explicar a manifestação de tais comportamentos (Bateman & Organ, 1983; Organ, 1988, 1997; Podsakoff & Mackenzie(1997); Rego, 2002a, 2002b; Smith, Organ & Near, 1983; Van Dyne, Cummings, & Mclean-Parks, 1995). A investigação dos comportamentos de cidadania organizacional é marcada por envolver uma grande complexidade em sua conceitualização, o que reflete na dificuldade de delimitação teórica e consenso em torno de sua dimensionalidade.

Em face da polissemia que cerca o uso do construto e da falta de consenso entre os pesquisadores do tema, faz-se importante uma revisão das origens do termo cidadania e das questões que envolvem o seu uso na área organizacional. Assim, busca-se neste artigo mapear o conjunto de questões teóricas e conceituais presentes na pesquisa sobre cidadania organizacional, apoiando-se inicialmente em uma revisão histórica do próprio conceito de cidadania.

Cidadania: Origens e Amplitude do Conceito

A palavra cidadão deriva do latim civis ou civitas significando um membro de uma cidade estado antiga da república romana. Civitas foi uma representação latina do termo grego polites que refere-se a um membro de uma polis (cidade) grega, para a língua portuguesa cidadania é usada para designar qualidade ou estado do cidadão, ou seja, o pleno gozo de todos os direitos civis e políticos do cidadão de um país (Ferreira, 1975).

A expressão cidadania está relacionada intimamente à concepção de classes sociais embutida no antigo Direito Romano. No período correspondente à realeza (735-510 a.C.), a estrutura social de Roma previa a existência de alguns homens livres. Dos que possuíam a liberdade, os patrícios eram a classe privilegiada, eles eram considerados opressores dos plebeus e ocupavam o topo da pirâmide social dos habitantes de Roma (Dallari,1985). Para Siqueira, Gomide e Oliveira (2001), é a partir de reflexões desse ordenamento político, da sociedade e de concepções relativas à natureza social do homem romano que floresceram as bases ideológicas para construir o conceito de cidadania atual.

De acordo com Miller (2002), a cidadania assume, hoje, diferentes formas, dentre as mais discutidas estão a cidadania política e a econômica. A cidadania política está relacionada a práticas como o voto, representatividade governamental e garantias de segurança física. Já a cidadania econômica abarca questões como empregabilidade, saúde, segurança e aposentadoria. Além dessas formas, destacam-se outros tipos de cidadania: a cidadania sexual (Lister, 2002), a cidadania cultural (Miller, 2002), a cidadania multicultural (Joppke, 2002), a cidadania ecológica (Curtin, 2002), dentre outras. Subjacente a esses diferentes tipos de cidadania está a noção da liberdade individual e a de que os homens, inseridos em diferentes contextos sociais, possuem tantos direitos quanto deveres a seguir.

Na idade moderna, a história da cidadania é mais comumente apresentada em termos de uma comparação entre suas formas antiga e moderna. Na cidadania antiga, existe um poder soberano demarcado, pela lógica do governante e do governado, em que a participação do cidadão é passiva e os governantes possuem a custódia da autoridade do povo. A cidadania moderna concebe os cidadãos como conscientes de que todos possuem uma obrigação primordial de obediência a algum governante ou soberano supremo (Burchell, 2002). Neste modelo, a soberania é descrita como pertencente ao próprio povo, e a sua participação ocorre somente no contexto de um sistema elaborado de representação política à distância representado por um aparato administrativo. Assim as duas formas de cidadania (antiga e moderna) se aproximam, na medida em que o papel do cidadão e a cidadania são expressos de maneira passiva.

Embora essas concepções sejam classicamente construídas, conceitos elaborados a partir de uma atuação mais ativa do cidadão também foram elaborados. Para exemplificar essa mudança, pode-se remeter à definição de cidadania de Janoski e Gran (2002), na qual cidadania é definida como a participação passiva e ativa dos indivíduos em um Estado-Nação com direitos universais e obrigações em um nível especificado de igualdade. Este conceito envolve quatro pontos importantes, em que para existir a cidadania, é preciso haver: um indivíduo; a capacidade ativa de influência política e direitos passivos de existência sob um sistema legal; direitos de cidadania que são universalistas – direitos transformado em lei e aplicadas para todos os cidadãos; e uma declaração de igualdade, com direitos e deveres equilibrados.

Para Isin e Turner (2002), as teorias e práticas a respeito dos direitos e deveres que compõem a cidadania não são mais capazes de captar as mudanças naturais ocorridas no século XXI. Nas duas últimas décadas do século XX, a pós-modernização e a globalização desafiaram as nações como únicas fontes de autoridade e democracia. Sob essa pressão, os limites dos direitos e deveres implicados na noção de cidadania e as formas de democracia associadas a estes limites e deveres trouxeram o debate para o meio político e intelectual, ampliando a forma com que a cidadania era entendida e debatida. Para os autores, atualmente, mais do que focar nos aspectos legais da cidadania, é preciso que ela seja definida como um processo social, por meio do qual os indivíduos e grupos sociais se engajam para reivindicar e expandir seus direitos.Outros conceitos compreendem que algumas pessoas sejam "verdadeiros" cidadãos quando contribuem para o bem-estar da comunidade ou para qualquer tipo de associação humana. Esta perspectiva representa uma mescla da concepção republicana de cidadania participativa com a concepção atual que utiliza cidadania para se referir à adesão a qualquer tipo de agrupamento humano (Isin & Turner, 2002).

Em síntese, o conceito de cidadania assume no presente uma maior amplitude dos significados classicamente a ele associados. Isto acaba proporcionando o uso, cada vez mais frequente, do termo cidadania para quando se reporta às relações entre indivíduos e outros contextos. Desta maneira, o conceito de cidadania passou a ser utilizado não apenas para especificar a relação que um indivíduo mantém com seu Estado-País, passando também a subsidiar teoricamente a compreensão sobre determinados comportamentos que são emitidos em ambientes específicos, tais como associações, grupos ou instituições de trabalho.

 

2 Cidadania organizacional: história do construto e suas bases teóricas

Considerando os estudos gerais de cidadania, a cidadania organizacional parece compreender o trabalhador de forma a aproximá-lo mais das perspectivas contemporâneas sobre o tema. O termo cidadania, no contexto das organizações, foi inserido como uma analogia ao tipo de relação que um cidadão civil mantém com o Estado. A organização, dentro desta lógica, representaria o próprio Estado e o indivíduo dentro dessa organização, ao reconhecer a legitimidade de suas normas, poderia exibir comportamentos de cidadania organizacional (CCO).

O emprego da terminologia cidadania no âmbito dos estudos organizacionais designa uma modalidade de atos que resultariam em benefícios ao sistema organizacional (Bateman & Organ, 1983; Organ, 1988; Organ, Podsakoff,  & Mackenzie, 2006; Smith et al.,1983; Taylor, 2013). Embora as tentativas de mensuração da cidadania organizacional e a relação empírica deste construto com outras variáveis do comportamento organizacional tenham iniciado nos anos 1980, os principais argumentos que construíram sua base teórica são discutidos na sociologia, na psicologia industrial, na psicologia social e na economia há mais de 70 anos.

Tido como precursor das ideias que compõem o construto cidadania Chester Barnard, com seu estudo clássico The Functions of the Executive de 1938,  propõe a diferenciação das abordagens contemporâneas sobre a natureza das organizações pelo fato dessas enfatizarem a estrutura formal e o controle como essência da organização (Barnard, 1938). Para este autor, embora a estrutura formal e o controle tenham sua importância, eles não definem a essência do sistema cooperativo, já que o sistema não se sustentaria sem a boa vontade das pessoas envolvidas para construí-lo.

Outro marco dos estudos pioneiros de cidadania organizacional pode ser identificado no trabalho de Roethlisberger e Dickson, (1939), os autores comunicaram os resultados de um experimento longitudinal, realizado a partir de 1927, em uma fábrica de Chicago, com o objetivo de investigar o efeito dos intervalos de descanso e horários de trabalho. Para este experimento, um grupo pequeno de mulheres foi separado e colocado numa sala de testes de retransmissão de montagem e avaliado por mais de dois anos. Dentre os diferentes resultados produzidos, observou-se que o grupo experimental mostrou uma tendência geral de aumento da produtividade ao longo destes anos. Para os pesquisadores, este aumento não poderia ser completamente explicado pelos intervalos de descanso, horas de trabalho, ou ainda pelo projeto especial de trabalho ou sistema de pagamento implantado para esse grupo. A hipótese emergente foi a de que tais fatores interagiram com a mudança no tratamento da supervisão e o desenvolvimento inesperado das operadoras ocorreu dentro de um grupo coeso devido à própria estrutura e regras de conduta. Com este experimento, delineou-se uma distinção entre a organização formal e a informal. A organização formal "inclui os sistemas, políticas, regras e regulamentos da fábrica, os quais expressam as relações que se pressupõem existir entre uma pessoa e outra, a fim de atingir eficazmente as tarefas de produção técnica" (Roethlisberger & Dickson, 1939, p.558). Isso engloba todos os sistemas de controle explicitamente introduzidos pela organização para atingir os objetivos econômicos e a contribuição efetiva dos seus membros para esses fins. Porém, segundo os autores, haveria algo a mais para a organização do que está formalmente reconhecido. A organização formal não pode dar conta, por exemplo, dos sentimentos e valores contidos na organização social, por meio dos quais os indivíduos ou grupos de indivíduos são informalmente diferenciados, ordenados e integrados.

Apesar de Bateman e Organ (1983) e Smith et al. (1983) terem sido os primeiros a introduzir o termo comportamentos de cidadania organizacional na literatura científica das organizações, foram D. Katz e R. L. Kahn, com a publicação de The Social Psychology of Organizations, de 1966 (revisada em 1978), que introduziram a visão do trabalhador como cidadão organizacional. Segundo esses autores, o funcionamento efetivo de um sistema de trabalho depende, pelo menos, de três comportamentos principais de seus trabalhadores: a) atrair e manter as pessoas dentro do sistema; b) apresentar desempenho que satisfaça ou exceda padrões qualitativos e quantitativos, realizando os requisitos do papel de forma confiável; e c) evocar comportamentos inovadores e espontâneos além dos requisitos do papel. Esse terceiro comportamento inclui atividades de cooperação com colegas, ações protetoras e ideias originais para melhoria do sistema, auto-formação para contribuições adicionais, e gestos que promovem um clima favorável para a organização no ambiente externo. Estas três categorias de comportamentos seriam ativadas por padrões de motivações diversos ligados à legitimidade atribuída às prescrições e controles dos sistemas, por intermédio de recompensas que levem ao comportamento solicitado; por satisfações oriundas de auto-determinação, autoexpressão de talentos e habilidades; e pela introjeção de metas organizacionais, que são identificadas como valores pessoais.

De acordo com Siqueira et al. (2001), os preceitos legais ou leis de um Estado democrático devem ser executados por autoridades constituídas e precisam ser claros, inequívocos, além de prever penalidades aos seus infratores, subordinando o cidadão leis e às autoridades legitimadas. Para estes autores, dentro da teoria das organizações de Katz e Kahn (1978) acontece o mesmo. Ao ingressar em uma organização e reconhecer a legitimidade de suas normas, o trabalhador, motivado pelo modelo de sociedade democrática ocidental, exigirá que a organização o trate como cidadão organizacional e lhe ofereça cidadania organizacional, ou seja, o pleno gozo de todos os direitos e deveres instituídos pelo sistema. Katz e Kahn (1978), ao procurarem explicar quais seriam os comportamentos, padrões motivacionais e condições organizacionais que se interligariam para promover a existência efetiva de uma organização, reconheceram que, no contexto de trabalho, os indivíduos a ela afiliados poderiam concebê-la como um sistema organizado política e juridicamente e dela solicitar tratamento democrático, como aquele que o Estado dispensa a seus cidadãos. Dessa forma o conceito de cidadão organizacional é apresentado baseando-o em cinco classes de ações espontâneas que beneficiariam a empresa: ajuda aos colegas de trabalho; proteção à organização; sugestões construtivas; contribuição para a reputação organizacional e autodesenvolvimento.

Neste conceito os fatores integrantes formais do sistema organizacional se relacionam diretamente aos fatores promotores de atos espontâneos e inovadores ao preconizar que o único padrão de incentivo capaz de reduzir o absenteísmo e rotatividade, aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, estimular atos extra-papel na forma de comportamentos inovadores e espontâneos seria aquele que induz o empregado a internalizar as metas organizacionais. Estas metas seriam internalizadas em face das condições objetivas características do sistema, tais como: presença de metas desafiadoras e repletas de valores; existência de um líder organizacional como modelo e; ofertas de oportunidade para o empregado participar das decisões do sistema, como também receber recompensas (Katz & Kahn, 1978; Taylor, 2013).

Outro trabalho que contribuiu para o desenvolvimento do construto cidadania organizacional foi a obra clássica Exchange and Power in Social Life (Blau, 1964), em que são analisadas dinâmicas de troca entre grupos e organização, e apresenta uma perspectiva sobre as relações sociais e interpessoais como um produto de uma história de trocas, que podem ser econômicas ou sociais. Mesmo que a troca que ocorre entre a organização e seus colaboradores tenha uma característica econômica, quando um dos participantes começa a interagir com outros, padrões de troca social se desenvolvem. As interações entre colegas, chefes e clientes tendem a se desenvolver de tal forma que a relação, frequentemente, torna-se uma mistura de trocas econômicas e sociais. Desta forma, os participantes desta relação percebem que certas contribuições são obrigatórias em troca de incentivos contratualmente especificados. Quando um indivíduo avalia esses incentivos como sendo além dos que são contratualmente prometidos, ele pode também se sentir obrigado a retribuir com contribuições além das especificadas inicialmente no contrato de trabalho. De acordo com Organ et al. (2006), os atores organizacionais, ao observarem que um indivíduo ou grupo fazem além do que são obrigados, tendem a vivenciar um sentimento pessoal ou corporativo de dívida, e procuram retribuir com formas complementares além daquelas legitimadas no contrato de trabalho.

Em seu trabalho, Blau (1964) proporciona explicações sobre a forma como os indivíduos percebem as reações de troca social e, a partir disso, chegam a manifestar comportamentos que estão além do contrato de trabalho. Tais comportamentos, seriam gestos de cidadania, pois ocorreriam além do que está formalmente concebido no contrato do trabalhador com a organização. Organ (1990) relaciona o conceito de troca social com o de cidadania organizacional, ao afirmar que inicialmente cada indivíduo estabelece uma relação de troca social com a organização, a qual proporciona a manifestação de comportamentos voluntários e benéficos que seriam mantidos enquanto a relação fosse percebida como justa por parte do sujeito. Quando essa relação de troca é prejudicada, o sujeito tenderia a alterar a relação que mantém com o sistema, passando a emitir comportamentos dentro dos deveres e limites de seu contrato de trabalho. Muitos autores apoiam a perspectiva de Organ de que as relações de trocas sociais positivas facilitam a manifestação de comportamentos de cidadania organizacional (Farh, Podsakoff, & Organ, 1990; Moorman, 1991; Moorman, Blakely, & Niehoff, 1998; Smith et al., 1983).

Os achados teóricos de Katz e Kahn (1978) motivaram Siqueira (1995) a construir e validar o primeiro instrumento brasileiro para mensurar comportamentos de cidadania organizacional (Escala Comportamental de Cidadania Organizacional - ECCO). A medida de Siqueira (1995) possui 18 itens, os quais foram testados mediante análise fatorial. Esta análise revelou a existência de cinco fatores, que aparecem de forma coerente com a teoria de Katz e Kahn (1978).

Diante da revisão dos pressupostos teóricos, podemos identificar nos trabalhos de Barnard (1938), Roethlisberger e Dickson (1939), Blau (1964), Katz e Kahn (1966, 1978) as bases teóricas que conduziram aos estudos da cidadania organizacional na década de 1980, além de evidenciar o seu desdobramento em trabalhos nacionais como Siqueira (1995) e Menezes (2009). Estas pesquisas foram de suma importância para o desenvolvimento do construto, pois apresentam ideias e conceitos centrais que são utilizados pelos estudiosos contemporâneos da cidadania organizacional.

 

3 Comportamentos de cidadania organizacional: questões conceituais

Consensualmente os comportamentos de cidadania organizacional (CCO) vão além das exigências dos papéis formais e não são facilmente executados por ameaças e restrições. Estão mais próximos da cooperação, que mantém o equilíbrio interno da organização, e envolve atitudes pró-sociais espontâneas no dia a dia para auxiliar terceiros. A definição mais frequentemente utilizada pelos pesquisadores do tema é a de Organ (1988), que compreende cidadania organizacional como sendo "comportamentos individuais discricionários, não diretos ou explicitamente reconhecidos pelo sistema de recompensa formal, e que, no agregado, promovem o funcionamento eficaz da organização" (1988, p. 4). Por discricionário, Organ (1988), entende como sendo o

comportamento que não é uma exigência do papel ou da descrição do cargo, isto é, os termos claramente específicos do contrato de emprego da pessoa com a organização; o comportamento, ao invés disso, é uma questão de escolha pessoal, tanto que sua omissão não é geralmente, entendida como passível de punição (p.513).

Esta definição aproxima-se do conceito de Katz (1964) ora apresentada, em que com apenas atos prescritos o sistema social de uma organização se tornaria frágil. Além disso, a definição de Organ (1988) guarda poucas diferenças quando comparada às definições de Bateman e Organ (1983), e Smith et al. (1983).

Para compor o conceito de CCO, Organ (1988) também afirmou-se que a manifestação destes não estariam relacionados à falta de recompensas por parte da organização, mas sim, que estes retornos não seriam contratualmente garantidos. Outro ponto da definição é que nem todas as instâncias de CCO estão expressamente envolvidas na modificação dos resultados organizacionais. Da mesma forma, a própria efetividade organizacional não é fácil de ser demonstrada em termos práticos e nem toda instância individual do CCO faria diferença nos resultados organizacionais.

A definição sobre CCO de Organ (1988) propiciaram críticas ao construto e suas formas usuais de medidas. Morrison (1994) assinalou a existência de dificuldades para discernir o que é ou não comportamento discricionário dentro das organizações, já que muitos comportamentos de cidadania descritos por Organ (1988) foram apontados pelos trabalhadores como sendo parte dos requisitos do papel e identificados como sendo comportamento intra-papel. George e Brief (1992), também apontaram a dificuldade de definir o que é ou não recompensado dentro da organização e nas relações que nelas são estabelecidas. Esses autores ainda criticam o trabalho de Organ por não concordarem com as dimensões de cidadania organizacional definidas por este autor (altruísmo, conscienciosidade, esportividade, cortesia e virtudes cívicas), já que elas não abarcam as classes definidas por Katz e Kahn (1978). Organ (1997), refletindo sobre os resultados empíricos e as críticas dirigidas ao seu conceito de cidadania organizacional, assinalou a necessidade de redefinir o construto e mudar a visão de cidadania como comportamento discricionário - até então vigente na literatura -, passando a entendê-la como sendo desempenho contextual (Borman & Motowidlo, 1993, 1997).

Borman e Motowidlo (1993) baseando-se em trabalhos teóricos e empíricos sobre comportamentos de cidadania organizacional de Organ (1988), o comportamento organizacional pró-social (Brief & Motowidlo, 1986), os modelos de eficácia de empregados (Borman, Motowidlo, & Hanser, 1983) e os modelos de eficácia da gestão (Borman & Brush, 1993), identificaram cinco categorias de desempenho contextual, a saber: a) voluntariamente realizar atividades da tarefa que não são formalmente parte do trabalho; b) persistir com entusiasmo e aplicação quando necessário para completar a tarefa com sucesso; c) ajudar e cooperar com os outros; d) seguir regras e procedimentos organizacionais, mesmo quando é pessoalmente inconveniente; e e) aprovar e apoiar os objetivos organizacionais. Organ (1997) apontou a semelhança entre as classes de CCO's existentes na literatura (altruísmo, obediência, esportividade, cortesia e virtude cívica) com as de Borman e Motowidlo (1993).

A maioria das pesquisas de CCO, como vistas até o momento, possuem bases teóricas na psicologia social e nos estudos sobre comportamentos pró-sociais. Diferentes destes pesquisadores, Graham (1986, 1991) aproximou o conceito de cidadania organizacional ao da filosofia política, por esta possuir os conceitos originais de cidadania e ser uma base teórica alternativa e enriquecedora para estudar este tema nas organizações. Para o autor, comportamentos de cidadania organizacional são aqueles que envolvem a participação responsável do indivíduo na política da organização, nomeado em sua obra como comportamentos de virtude cívica (CVC). Os CVC's exigem iniciativa e participação ativa dos indivíduos e são essenciais para a eficácia organizacional. Além disso, o indivíduo que se engaja em virtude cívica desenvolve habilidades e hábitos que podem beneficiar outros indivíduos e a sociedade em geral.

A filosofia política contribuiu para o conceito de cidadania de Graham ao enfatizar dois tipos de comportamentos responsáveis: coletar informações e exercer influência. Estes comportamentos contêm tanto aspectos desafiadores, tais como defender novas ideias e incentivar os outros a falarem (Graham, 1986; Van Dyne, Graham, & Dienesch, 1994), quanto os chamados comportamentos incontroversos, como estar informado sobre a organização, participar de reuniões e apoiar as mudanças. Ambas as formas de comportamentos são tidas como aspectos importantes da participação responsável do sujeito na organização.

A perspectiva de Van Dyne et al. (1995) e os comportamentos responsáveis da filosofia política, são incorporados no trabalho de Graham e Van Dyne (2006) para conceituar os comportamentos de virtude cívica (CVC) como uma forma de comportamento descrito como comportamentos que buscam reunir informações para munir o indivíduo de conhecimento sobre os eventos e problemas que podem prejudicar a organização e seu grupo de trabalho. Os estudos empíricos de Van Dyne et al. (1994) e Moorman e Blakely (1995) se aproximam da definição de CCO elaborada por Graham (1986, 1991) e o estudo de Van Dyne e LePine (1998) já apresenta algumas características da união entre filosofia política de Graham (1991) com a perspectiva de Van Dyne et al. (1995).

Organ (1997) concorda com a afirmação feita por Van Dyne et al. (1995) de que comportamentos desafiadores podem contribuir e são necessários para a vida organizacional. Porém, o autor afirma que embora estes comportamentos sejam apropriados, eles podem vir a causar situações de conflito na equipe, pois podem afetar os contextos sociais e psicológicos que dão suporte a uma tarefa. Dessa forma, mesmo com a presença da classe de comportamentos de virtude cívica, na qual Organ (1988) define como sendo o comportamento no qual o indivíduo é responsável, participa e se preocupa com a vida da organização, ele não adere ao acréscimo feito por Van Dyne et al. (1995) e utilizado em trabalhos como os de Graham e Van Dyne (2006).

Com isso, Graham e Van Dyne (2006) levantam questões sobre a dimensionalidade do construto cidadania, devido à existência de muitos trabalhos publicados sobre CCO conter em suas dimensões o conceito de virtude cívica apenas como sendo os comportamentos incontroversos, como os de se manter informado e participar das reuniões, não levando em consideração o fator de mudança associado à definição de virtude cívica. Além das controvérsias apresentadas, há questões adicionais que surgem da relação do conceito de CCO com outros conceitos sobrepostos e que muitos autores usam como sinônimos de cidadania organizacional, por isso optou-se definir estes conceitos e pontuar sua inserção no campo dos estudos dos comportamentos de cidadania organizacional.

 

4 Comportamentos de cidadania organizacional: relação com outros construtos

Além das definições de cidadania de Bateman e Organ (1983), Smith et al. (1983) e Organ (1988, 1990), foram identificadas na literatura definições de CCO que utilizam termos diferentes para explicar tais comportamentos, como exemplo o uso do termo performance contextual, por Borman e Motowidlo (1993), e o termo virtude cívica, de Graham (1991) e Graham e Van Dyne (2006). Além destes, verifica-se a existência de outros conceitos que são sobrepostos e que muitos autores usam como sinônimos de cidadania organizacional. Com isso, faz-se necessário apresentar a definição destes conceitos e pontuar sua inserção no campo dos estudos dos comportamentos de cidadania organizacional.

As modalidades de ações que se assemelham ao construto cidadania organizacional são: os conceitos de comportamentos organizacionais pró-sociais, de Brief e Motowidlo (1986); os comportamentos extra-papel, de Pearce e Gregersen (1991) e a espontaneidade organizacional, de George e Brief (1992). Tais modalidades são identificadas na literatura como sendo conceitos similares ao CCO. Ao realizar uma revisão das publicações sobre estes conceitos, Podsakoff, MacKenzie, Paine e Bachrach (2000) identificaram que o interesse por estes temas, assim como pelo estudo do CCO como virtude cívica e performance contextual, aumentou na década de 1990 e que suas publicações tornaram-se mais frequentes que as publicações de cidadania organizacional neste período.

O início da utilização da expressão comportamentos pró-sociais pode ser encontrado nos estudos de Brief e Motowidlo (1986), para descrever qualquer comportamento emitido no ambiente organizacional que tenha como o objetivo melhorar o bem-estar do indivíduo ou grupo aos quais o comportamento é direcionado. Tal comportamento não é restrito a ter relevância específica ou direta para a organização. Pode incluir, por exemplo, a ajuda a um colega de trabalho com um problema pessoal, desde que ocorra no ambiente organizacional, bem como não exclui gestos pró-sociais que podem fazer parte da descrição do trabalho (Organ et al., 2006).

Para Siqueira et al. (2001), o termo comportamentos organizacionais pró-sociais (CPS) foi utilizado por Brief e Motowidlo (1986),  com o objetivo de denominar os atos sociais positivos de trabalho, os quais seriam responsáveis por produzir e manter o bem-estar e a integridade de uma pessoa, grupo ou organização. Estes atos poderiam ser ou não previstos pelo papel funcional ou pela recompensa dada pelo sistema. George e Brief (1992) criticam este modelo de conduta, pois acreditam que comportamentos pró-sociais na organização podem beneficiar um colega, supervisor ou até mesmo um grupo. Entretanto, estes atos não garantem os benefícios ao sistema e podem dificultar o alcance de metas organizacionais, o que não seriam considerados como atos de um cidadão organizacional. George e Brief (1992), ao criticar os comportamentos organizacionais pró-sociais e o conceito de cidadania organizacional de Organ (1988, 1990), introduzem o termo espontaneidade organizacional para se referir a um tipo específico de padrão de comportamento. Este termo ganha interpretação a partir da linguagem usada por Katz (1964), sobre comportamentos inovadores espontâneos que promovem a efetividade organizacional. Na prática, o termo segue a taxonomia oferecida por Katz. Dessa forma, comportamentos de espontaneidade organizacional são aqueles relacionados a tais classes de ações: cooperar com os outros, proteger a organização, dar sugestões construtivas, auto-desenvolver e oferecer uma perspectiva favorável da organização para as pessoas de fora. Mesmo não possuindo uma medida para o conceito de espontaneidade, George e Brief (1992) construíram um modelo preditivo, tendo o ânimo positivo como principal antecedente de condutas de espontaneidade, já que no modelo proposto pelos autores para a espontaneidade organizacional, o estado de ânimo no trabalho ocupa um lugar de destaque entre seus antecedentes. Segundo os autores, o ânimo positivo do trabalhador aumentaria a emissão de gestos de ajuda, promoveria a cooperação entre os colegas e estimularia o trabalhador a proteger o sistema e se sentir bem após estes atos. Além disso, aumentaria a criatividade e, em consequência, a emissão de sugestões, levaria o trabalhador a se auto-preparar para o trabalho e difundir a imagem da organização. O ânimo positivo seria responsável por colocar em prática as classes de comportamentos de Katz e Kahn (1978).

Para Organ et al. (2006), a importância do estudo de George e Brief (1992) foi construir com sucesso um trabalho que referencia a importância do afeto positivo ou do humor como determinantes do CCO. Assim como na performance contextual, os comportamentos específicos que operacionalmente definem espontaneidade organizacional, aparecem mais do que aqueles que definem CCO. Do mesmo modo, na performance contextual os pressupostos não restritivos são feitos sob a hipótese de que os comportamentos particulares possam irou não além da descrição do trabalho ou não devam ser contratualmente recompensados.

Katz e Kahn (1966) utilizaram o termo comportamento extra-papel para descrever as ações que seriam diferentes das tarefas prescritas ou intra-papel. Tais ações seriam essenciais para a vida da organização, pois enfatizam a proatividade e a proteção de recursos organizacionais. Foi com base nesta perspectiva e nos estudos teóricos de Organ (1988) e Organ e Konovsky (1989), que Pearce e Gregersen (1991) desenvolveram suas pesquisas sobre os comportamentos extra-papel. Para sustentar esta definição, Pearce e Gregersen argumentaram que, diferentemente dos comportamentos extra-papel, os comportamentos intra-papel são ordenados pela organização, e não explicariam os estados cognitivos e afetivos individuais envolvidos em grande parte da variabilidade dos comportamentos dos trabalhadores no ambiente organizacional. Isto motivou os autores a buscar explicações sobre o porquê dos indivíduos praticarem comportamentos além dos prescritos na descrição do cargo ou, simplesmente, os CCO. Com isso, em seus estudos, Pearce e Gregersen (1991) utilizaram o termo extra-papel como similar aos comportamentos de cidadania organizacional e são um exemplo de como este termo é usado de forma sobreposta nos estudos de CCO.

Podsakoff et al. (2000) realizaram uma comparação entre os conceitos teóricos de comportamentos de cidadania organizacional (Organ, 1988), comportamento organizacional pró-social (Brief & Motowidlo, 1986), comportamento cívico organizacional (Graham, 1991), a espontaneidade organizacional (George & Brief, 1992), e desempenho contextual (Borman & Motowidlo, 1993) e sugeriram que há algumas diferenças importantes entre essas construções, embora não seja incomum ver essas diferenças encobertas, se não completamente ignoradas nas teorias. Como resultado da ampliação de tais estudos sobre CCO e outras formas de comportamento extra-papel, Podsakoff et al. (2000) apontam para a confusão teórica entre essas noções, ocorrendo por vezes sobreposições conceituais entre alguns destes construtos.

Empiricamente os comportamentos de cidadania organizacional foram classicamente definidos por Mowday, Steers e Porter (1982) como componentes do comprometimento organizacional. Além disso, vários descritores da Escala de Intenções Comportamentais de Comprometimento Organizacional, desenvolvida e validada por Menezes (2009), coadunam-se com o fator geral descrito na literatura sobre cidadania organizacional, correspondente à proatividade organizacional (posturas de participação, empenho extra, defesa da organização e melhoria no desempenho).

Podsakoff et al. (2000) afirmam que o perigo em não identificar as semelhanças e diferenças nessas construções é que o mesmo construto pode não apresentar a mesma interpretação para diferentes pessoas. Por outro lado, a literatura também indica que, em um número de ocasiões, a mesma ideia ou conceito tem recebido rótulos diferentes entre pesquisadores. Desta prática decorre a dificuldade de ver os padrões globais que existem na pesquisa produzida no campo.

 

5 Considerações finais

Este estudo buscou realizar uma revisão da origem do conceito de cidadania, perpassando por diferentes teorias sociais, até a sua inserção na área organizacional. Pode-se perceber uma mudança na noção clássica de cidadania, empregada pelo Direito Romano e a incorporação de uma nova perspectiva sobre o que é ser o cidadão. Essa nova visão contribuiu diretamente para a assimilação do termo cidadania no campo das organizações de trabalho. Assim, a cidadania organizacional é um conceito que nasce para explicar como determinadas ações, como os atos espontâneos de cooperação e comportamentos que transcendem os previstos em contratos de trabalho seriam manifestados por um trabalhador.

Um dos principais destaques da revisão de literatura sobre as definições de cidadania organizacional é a falta de clareza conceitual e de consenso entre os pesquisadores da área, o que pode ser ocasionado pela complexidade estrutural do construto. A definição de CCO mais utilizada em organizações é a de Organ (1988, 1990), mas a ideia, associada a essa definição, de conceber comportamentos de cidadania organizacional como sendo atos voluntários que estão além do contrato de trabalho e não possuem remuneração específica, foi bastante criticada na literatura, e em 1997, Organ propôs a revisão do conceito e aproximou-o da definição de Borman e Motowidlo (1993, 1997).

Mesmo diante das reformulações apresentadas por Organ (1997) sobre CCO, autores como Graham (1991) e Van Dyne et. al. (1995) entendem cidadania organizacional como sendo um conceito mais próximo da filosofia política Aristotélica. De acordo com essa perspectiva, a cidadania organizacional é definida como sendo comportamentos que envolvem a participação ativa do indivíduo na política da organização. Esses comportamentos exigem proatividade, iniciativa dos sujeitos e a adoção de gestos desafiadores. Organ (1997) se contrapõe a esta dimensão, pois acredita que pode gerar conflitos e abalar a ordem social e psicologia da tarefa.

Vale destacar que os pressupostos teóricos que mediaram a inserção do termo cidadania nos estudos em organizações têm como base a concepção clássica de cidadania que se tinha nos anos 1970, o que corresponde a uma leitura da visão sócio-política do cidadão da época. Tal visão tem mudado com a perspectiva mais atual sobre o que é ser um cidadão a partir do sentido cívico. Atualmente, diante de mudanças sociais e econômicas, o significado de ser um cidadão não estaria somente atrelado a indivíduos passivos, possuidor de direitos e deveres, mas aquele que pertence a um grupo e atua sobre ele, de forma proativa, participativa, benéfica e a custos de si mesmo. Essa tendência de modificação de um construto à luz das mudanças sociais, políticas e econômicas pode ser detectada em outros construtos, como por exemplo no comprometimento organizacional vinculado à noção de desejo de permanência na organização e, atualmente, tem encontrado interpretações muito próximas da noção de proatividade organizacional (Menezes & Bastos, 2010).

As considerações teóricas sobre CCO apresentadas ao longo deste trabalho apontam claramente as divergências existentes na pesquisa sobre o tema no campo dos estudos organizacionais e como essas divergências levaram a mudanças na delimitação conceitual e empírica do construto durante as últimas duas décadas. Esta dificuldade de conceitualização coaduna-se com a grande quantidade de comportamentos descritos como sendo de cidadania organizacional, o que dificulta ainda mais a elaboração de uma definição mais clara ou mais precisamente delimitada sobre o construto. Tendo em vista essa grande pulverização de conceitos, teorias, termos e outros construtos que se sobrepõem à cidadania organizacional, é importante para o campo de estudos voltar às bases epistemológicas e teóricas deste atributo, de modo a auxiliar o desenvolvimento de estudos teóricos e empíricos que venham a favorecer o contínuo repensar do construto na busca de uma definição mais clara sobre o que é a cidadania organizacional.

 

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Endereço para correspondência
Ana Cristina Passos Gomes
Universidade Federal da Bahia, Instituto de Psicologia
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Antônio Virgílio Bittencourt Bastos
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Igor Gomes Menezes
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Endereço eletrônico: igorgmenezes@gmail.com

Recebido em: 27/08/2014
Reformulado em: 03/11/2014
Aceito para publicação em: 05/11/2014

 

 

Notas

* Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia
** Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Brasília. Professor titular de Psicologia Social das Organizações, no Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
*** Graduando em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA – Brasil. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Instrumentos e Medidas.
**** Pós-doutor pela University of Cambridge, Cambridge, Inglaterra. Professor adjunto da Universidade Federal da Bahia  e coordenador do Núcleo de Instrumentos e Medidas