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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.15 no.spe Rio de Janeiro dez. 2015

 

ARTIGOS

 

A Produção da Educação Superior no Brasil: analisando controvérsias acerca da EAD

 

Production of Higher Education in Brazil: analyzing controversies about EAD

 

Producción de la Educación Superior en Brasil: análisis de controversias sobre EAD

 

 

Júlio César de Almeida Nobre*, I; Andréa Magalhães Naves**, II

I Centro Universitário de Volta Redonda – UniFOA, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil
II Centro de Referência da Assistência Social – CRAS, Lorena, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como finalidade realizar uma análise sobre a produção da Educação Superior no Brasil, em uma atualidade de intensa instabilidade acerca das controvérsias da Educação a Distância – EAD. Para tal, utilizaremos o referencial teórico-metodológico da Teoria Ator-Rede, visto que tal abordagem se apresenta como bastante potente para análise de instáveis coletivos. A TAR nos remete a alianças, fluxos de elementos heterogêneos, mediações – entendidas como humanas e não humanas – capazes de mobilizar, modificar, potencializar as conexões que articulam seus processos. A pesquisa tem como objetivo traçar, portanto, um relato cartográfico de mediações que produzem e são produzidas por aquilo que entendemos por educação a distância. Buscamos produzir um relato, através de diversos mediadores, onde é possível identificar o posicionamento de grupos e antigrupos. Encontramos argumentos articulados a EAD como uma educação superior em expansão, tendo o avanço da tecnologia atrelada a esse desenvolvimento e porta-vozes importantes que lutam por uma tradução do ensino superior articulado ao ensino público, laico e presencial. Trata-se de um relato descritivo de controvérsias concebidas como um importante observatório para o rastreamento de redes, visto que um coletivo, quando fortemente instável, deixa mais exposto o trabalho dos mediadores e acaba por facilitar sua própria cartografia.

Palavras-chave: educação, teoria ator-rede, educação a distância.


ABSTRACT

This work aims to conduct an analysis on the production of Higher Education in Brazil in a current of intense controversy about the instability of Distance Education - Distance Education. To this end, we use the theoretical and methodological framework of Actor-Network Theory, as this approach presents itself as powerful enough to analyze collective unstable. The TAR alliances leads us to flows of heterogeneous elements, a mediation understood as a human and non-human aspect can mobilize, modify, enhance the connections that articulate their processes. The research aims, therefore, outline a mapping report of mediations that produce and are produced by what we mean by distance education. We seek to produce a report, through various mediators, where it is possible to identify the placement of groups and antigrupos. We find articulated arguments the EAD as an expanding higher education and the advancement of technology linked to this development and important spokespeople who are fighting for a translation of higher education articulated to the secular public education, and attendance.  This is a descriptive account of disputes seen as an important observatory for tracking networks, as a collective, when strongly unstable, leaves more exposed the work of mediators and ultimately facilitate their own cartography.

Keywords: education, actor-network theory, distance education.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo realizar un análisis sobre la producción de la Educación Superior en Brasil, en una corriente de intensa controversia sobre la inestabilidad de la Educación a Distancia - Educación a Distancia. Para ello , se utiliza el marco teórico y metodológico de la teoría del actor-red , ya que este enfoque se presenta como lo suficientemente potente como para analizar inestable colectiva. Las alianzas TIE nos lleva a los flujos de elementos heterogéneos, una mediación entendida como un aspecto humano y no humano puede movilizar , modificar, mejorar las conexiones que articulan sus procesos. Los objetivos de la investigación , por lo tanto , describen un informe de mapeo de las mediaciones que producen y son producidas por lo que entendemos por educación a distancia. Buscamos producir un informe, a través de diversos mediadores, donde es posible identificar la ubicación de los grupos y antigrupos. Encontramos argumentos articulados de la EAD como una expansión de la educación superior y el avance de la tecnología vinculada a este desarrollo y voceros importantes que están luchando por una traducción de la educación superior articulada a la educación pública laica y asistencia.Se trata de un relato descriptivo de las controversias visto como un observatorio importante para las redes de seguimiento , como un colectivo , cuando es fuertemente inestable , deja más expuestos al trabajo de los mediadores y en última instancia facilitar su propia cartografía.

Palabras clave: educación, teoría actor-network, la educación a distancia.


 

 

1 Introdução

Este artigo tem como finalidade realizar um estudo acerca do modo como a Educação Superior no Brasil vem sendo produzida, articulada às práticas voltadas para a Educação a Distância (EAD). Este tema, objeto de intensas discussões atualmente, acaba por gerar posições fortemente conflitantes. Por um lado, argumentos que defendem tais práticas como detentoras da capacidade de agregar significativa qualidade ao ensino; por outro, existem significativas críticas a EAD, importantes argumentos não favoráveis a esse tipo de ensino. Diante desse quadro de intensa problematização, é instigante pesquisar tais processos que articulam acadêmicos, mídia, conselhos profissionais, instituições de ensino, capital, tecnologias, dentre outros, as questões referentes a EAD com a própria produção da Educação Superior no Brasil.

Entendemos que tal quadro atual nos incita a analisar a produção da Educação Superior no Brasil através da Teoria Ator-Rede (TAR), visto que tal referencial teórico-metodológico possibilita o desenvolvimento de um rastreamento descritivo dessa produção, a partir das controvérsias referentes a EAD, trazendo a possibilidade de evidenciar toda uma rede heterogênea de mediações que sustenta a produção das existências. Assim, entendemos que a TAR é um potente referencial para análise dessa complexa realidade, um fértil aliado na abordagem de turbulentos coletivos.  As redes remetem a um intenso fluxo de deslocamentos levado adiante por mediadores que, de conexão em conexão – e sempre permeados pela instabilidade –, fazem circular e acabam por produzir os ordenamentos – que no caso do presente estudo seria aquilo que entendemos por Educação Superior de qualidade no Brasil.

Neste sentido, trabalharemos com a mídia acadêmica, grande mídia, legislações dentre outros mediadores que, ao produzirem traduções que fomentam as polêmicas acerca de EAD, amplificam a fazem circular aquilo que entendemos por Ensino de Qualidade no Brasil.

Entendemos, portanto, que o presente trabalho, articulado à TAR, presta-se a dar voz a diferentes interlocutores quando desenvolve um relato que se quer rico de diversidade, contribuindo para os debates acerca das políticas voltadas para produção do ensino superior na atualidade.

 

2 Educação a distância - EAD: a produção de uma prática e um conceito

Ao nos aproximarmos do conceito de Educação a Distância (EAD) podemos observar a escrita sendo traduzida como um primeiro modo de comunicação a difundir tal prática, visto que uma das traduções mais simples de EAD é aquela que a define como qualquer forma de educação, em que o professor se situe distante do aluno. Segundo Guarezi (2009 como citado em Faria & Salvadori, 2010), conceituar EAD é um processo que em sua evolução aconteceu desde a separação física das pessoas até o processo de comunicação, incluindo, no final do século XX, as tecnologias da informação.

Bastos, Cardoso, & Sabbatini (2000) apontam que, ao analisarem a evolução das tecnologias em suas articulações com a EAD, o livro impresso seria um primeiro estágio no seu desenvolvimento, ainda no século XV. Indicam ainda, que uma segunda fase na evolução das práticas de EAD acabaria surgindo com o advento dos correios, no século XVIII, trazendo a circulação de material impresso em grandes distâncias. Uma terceira tecnologia a se articular com a EAD e auxiliar em seu desenvolvimento seria articulada aos meios eletrônicos, no século XX.  O telégrafo, o telefone, o rádio, a TV e as redes de computadores, acabariam por retirar a necessidade de distribuição e circulação de elementos físicos, possibilitando uma maior agilidade nos processos educacionais.

Em 1990, houve uma expansão significativa da EAD nas universidades brasileiras, isso se deu de modo articulado com a regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei nº 9.394 de 20/12/96.   Segundo Lu Scuarcialupi (2011), a LDB é uma lei orgânica e geral da educação brasileira, que dita às diretrizes e as bases da organização do sistema educacional no país. A primeira Lei de Diretrizes e Bases foi criada em 1961. Uma nova versão foi aprovada em 1971 e a terceira, ainda vigente, foi sancionada em 1996. Gradativamente, após a criação, em 1995, da Secretaria de Educação a Distância (SEED) vinculada ao Ministério da Educação e de modo articulado à LDB, foram implantados programas e cursos na modalidade EAD nos mais diversos níveis de ensino. Tais ações seguem apoiadas pelo artigo 80 da LDB, que legisla: "O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e da educação continuada". (Lei 9.394, 1996). Tal reconhecimento legitimou práticas já em andamento voltadas para a EAD. No mesmo artigo já citado, pode-se acompanhar o Capítulo I – Das Disposições gerais, do Decreto nº. 5.622/05, que regulamenta o art. 80 da LDB, fixando diretrizes norteadoras para esse sistema de ensino e normatizando os procedimentos de credenciamento de instituições interessadas em oferecer esse tipo de educação. Em seu Art. 1º, o Decreto 5.622/05 nos oferece uma definição oficial para a EAD:

[...] caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (Decreto 5.622, 2005).

Nesse sentido, a educação a distância parece ser traduzida por um rompimento das barreiras do espaço e tempo, possibilitando o acesso das pessoas a esta modalidade de ensino, onde a tecnologia de informação e educação se constitui num dos principais mediadores de ensino aprendizagem.

A educação a distância, ao longo de seu desenvolvimento, vem superando muitos obstáculos e, simultaneamente, passando por modificações. Em uma atualidade que demanda constante atualização em todos os campos do conhecimento, tal modalidade de ensino parece despontar como um forte argumento no sentido da possibilidade de uma educação mais eficaz. No mesmo passo, um cenário de intensa instabilidade é tramado quando tais práticas, longe de serem totalmente aceitas, ainda são alvo de muitos questionamentos e controvérsias.

Com um processo fortemente articulado à tecnologia, a internet se insere nesse quadro da EAD.  Tal mediador permite uma maior agilidade de acesso a documentos textuais, gráficos, sons e vídeos, além de maior flexibilidade no tempo e no espaço.  Os processos de EAD passam então a, radicalmente, não se limitar mais as fronteiras nacionais. Desse modo, a internet acaba por trazer novas possibilidades ainda não experimentadas em educação.

 

3 EAD: a produção dos controvertidos

Dentro do contexto de desenvolvimento da EAD existem muitas pesquisas referentes a esse modelo de educação e seus impactos. Podemos citar o significativo trabalho de Benakouche (2000) que sugere a necessidade de se estabelecer um amplo debate sobre a EAD. A autora argumenta que o aumento da demanda por formação e qualificação profissional seriam efeitos de uma mudança na organização produtiva que estaria intensificando a competitividade no mercado de trabalho, fazendo com que as empresas busquem profissionais cada vez mais qualificados. Com isso, haveria um aumento na procura por cursos que garantam novas capacitações e uma formação qualificada. Em decorrência desse processo, muitos seriam aqueles que, não encontrariam esse tipo de acesso no ensino tradicional – ou por falta de cursos específicos no local onde vivem ou pela falta de tempo integral para dedicação àquela formação necessária que o mercado de trabalho exige. Vemos aqui uma tradução da EAD como um crescente acesso facilitado à educação, visto que a autora articula tais argumentos com o crescimento do número de pessoas que estão optando pela experiência educacional à distância.

Benakouche também aponta a multiplicação de novas tecnologias, como a internet, configurando-se como alternativa de acesso gratuito e ampliado. Aborda ainda os avanços da telefonia, com a "explosão dos celulares", da televisão, com as alternativas mais amplas de canais e da videoconferência que permite uma comunicação em tempo real. Essas alternativas acabam por argumentar no sentido do estabelecimento de "novas formas de contatos sociais, onde a presença física deixa de ser uma condição necessária – e aí reside a grande novidade" (Benakouche, 2000, p.3).

No âmbito do Serviço Social, fortes são as discussões acerca dessa modalidade de ensino. O próprio Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) tem um significativo posicionamento contra a EAD e segue travando um debate a respeito da qualidade da formação profissional. Articulam a EAD a uma descaracterização da função pública da Universidade, transformando o direito a educação em "serviço" – gerando um "desfinanciamento da educação superior pública e a desvalorização do trabalho docente"(CFESS Manifesta. Oficina Nacional da ABEPSS, 2011). Silva, Silva, Jimenez e Segundo (2012), abordam também uma precarização do trabalho docente quando se trata de EAD e apontam que esse é um "projeto do capital de negação do conhecimento e de mercantilização ímpar da educação". (Silva, Silva, Jimenez & Segundo, 2012).

Em tal cenário, se por um lado, uma gama de argumentos contrários à difusão da EAD é propagada, por outro, traduções recorrentes tentam produzir uma aprovação acerca de tais práticas educacionais – revelando uma atualidade em que a concepção de qualidade de ensino superior parece ainda não estar estabilizada e nem circular pela EAD sem controvérsias.

Muitos são os autores, em meio a tal controvérsia, que procuram demonstrar a importância da EAD na atualidade devido à sua característica flexibilidade. Belloni (1999) parece ser um destes quando argumenta que a:

Flexibilização do acesso, numa perspectiva de democratização das oportunidades, que significa fundamentalmente rever e tornar menos restritos os requisitos de acesso ao ensino (especialmente o ensino superior). Num país como o Brasil, esta flexibilização exigiria esforços no sentido de expandir a oferta de cursos de preparação, de criação de espaços de estudos (centros de recursos) e de disponibilização a preços muito baixos dos materiais pedagógicos. [...] Flexibilização do ensino, numa perspectiva de promover o desenvolvimento das habilidades de autoaprendizagem, o que implicaria a oferta de cursos diversificados e modularizados, com o uso adequado de mídias em blocos coerentes, e de materiais efetivamente concebidos para autoaprendizagem, que pudessem ser utilizados por estudantes do ensino presencial e a distância. [...] Flexibilização da aprendizagem, no sentido de exigir do estudante mais autonomia e independência, propiciando o desenvolvimento de sua capacidade de gerir seu próprio processo de aprendizagem (Belloni, 1999, p. 105).

Parece que estamos inseridos em um terreno bastante turbulento no âmbito da educação, mais especificamente a superior, povoado de argumentos e contra-argumentos voltados para a eficácia da EAD no Brasil. Consequentemente, tais controvertidos argumentos, trazendo intensa instabilidade para o modo como entendemos ensino no país, delineiam circuitos rastreáveis que, de tradução em tradução, acabam por possibilitar a produção do entendimento daquilo que seria Educação Superior de qualidade.

É importante lembrar que tal conceito de qualidade no país, tanto para o ensino presencial quanto para EAD, dentro dos parâmetros do próprio MEC, estrutura-se a partir de três funções: avaliação, regulação e supervisão das instituições e dos respectivos cursos superiores. Salienta-se que, no que tange a avaliação – normatizada em 2004 pela Lei 10.861 que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) –, são considerados como indicadores de qualidade alguns aspectos como o desempenho dos alunos no ENADE, aspectos didáticos-pedagógicos, corpo docente, infraestrutura dentre outros. A responsabilidade acerca de tais processos avaliativos é do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sob coordenação da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). Os principais indicadores que acabam por conferir uma espécie de selo da qualidade de ensino superior são o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC) – podendo haver inclusive avaliações in loco nos respectivos cursos, por parte de comissão de avaliadores especialistas na área avaliada, designados pelo INEP, pertencentes a um banco de dados denominados como BASIS e dotados de instrumentos próprios do Ministério da Educação. Desse modo, curso de qualidade seria um fato resultante de vários procedimentos governamentais (Fernandes, 2010).

A revelia de tais processos e indicadores oficiais do governo que objetivam a efetivação de um contorno único para a qualidade do ensino superior do país – que abrangem EAD – o presente artigo entende a qualidade como sendo sempre um efeito de redes, de múltiplos mediadores em ação, não podendo ser reduzida jamais a um único centro normatizador – incluindo aqui, procedimentos governamentais.  Assim, esta qualidade revela-se como realidade imbricada com diferentes dimensões, não respeitando fronteiras e nem podendo ser delimitada a priori, como desconectada das ações coletivas.  Sigamos nessa direção.

 

4 O referencial teórico metodológico da TAR – Teoria Ator-Rede

Entendemos a TAR como referencial teórico-metodológico extremamente fértil para a presente análise, visto que esta nos permite dar voz a diversos atores que argumentam, definem, questionam e, assim, fazem circular uma rede. Latour (2012) aponta que a TAR é um método que possibilita uma descrição de maneira a dispor dos rastros deixados por atores no curso de suas ações. Pode-se, portanto, rastrear essas conexões que sustentam o que entendemos por realidade, no caso do presente trabalho, a Educação Superior de qualidade no Brasil.

Esse rastreamento configura-se como um processo descritivo que, sempre de modo plano, não remetendo a nenhuma dimensão mais profunda do que outra, possibilita a rica presença de múltiplos mediadores atuantes. Latour (2012) indica como se pode dispor das diversas controvérsias e associações sem que o social seja restringido a um domínio específico e centralizador. Salienta a importância de se rastrear os instrumentos que permitem aos atores estabilizar tais controvérsias e assim reagregar o social, não numa sociedade, mas num coletivo.

Assim, a atualidade nos remete a analisar a produção da Educação Superior no Brasil através da TAR, sendo possível desenvolver um rastreamento descritivo dessa produção, a partir das controvérsias.

[...] a sociologia, a "ciência do viver juntos", deve ser capaz de cumprir os três deveres seguintes: ser capaz de desdobrar todo âmbito de controvérsias sobre quais associações são possíveis; ser capaz de mostrar por quais meios essas controvérsias se estabelecem e como elas prosseguem; e poder ajudar a definir os procedimentos corretos para a composição do coletivo [...] (Latour, 2012, p.231).

A TAR se articula a concepção de rede, conceito este que remete a alianças, fluxos e mediações. Assim, toda e qualquer realidade é composta por elementos heterogêneos conectados, coletivos, e devendo ser diferenciada dos tradicionais autores da sociologia que esvaziam os componentes não humanos da dimensão de ação.

Estudar as conexões, as associações e suas políticas de agrupamento é o que realmente interessa. Nesse sentido essa rede é composta de fluxos, circulações, alianças, movimentos que não remetem jamais a uma entidade fixa, central. É provida de conexões, pontos de convergência e bifurcação, com múltiplas entradas. As formas, os sentidos, atributos e possíveis usos são sempre definidos no interior da própria rede que sustenta a existência. O social não é nada mais do que redes, fluxos de materiais heterogêneos – humanos e não humanos.

Argumentar a partir da TAR é argumentar que o social não é composto simplesmente por humanos, mas também por quaisquer materiais como: máquinas, animais, textos, dinheiro, arquitetura, etc. Os humanos e não humanos formam uma rede social porque interagem entre si. Uma rede de trabalho possibilita um ordenamento social que sempre mantém uma dose de instabilidade. A abordagem ator-rede é assim uma teoria do agenciamento, da mediação.

 

5 Uma cartografia das controvérsias acerca da EAD no Brasil

Buscaremos realizar um relato cartográfico das controvérsias acerca da EAD no Brasil, identificando os diferentes porta-vozes e suas mediações diversas que fazem circular uma rede heterogênea. Desse modo, pretendemos construir um relato acerca do modo como a Educação Superior no Brasil está sendo produzida na atualidade. Nesse relato, através dos diversos mediadores, é possível identificar, numa leitura muito clara, o posicionamento de grupos e antigrupos 1. O conceito de qualidade parece tomar forma por meio de diferentes argumentações e diferentes atores. Por um lado encontramos traduções fortemente articuladas à produção da EAD como uma educação de qualidade, numa modalidade em pleno crescimento no Brasil. De outro lado, observam-se argumentos que delimitam as fronteiras da educação a distância como não tendo qualidade. Em sintonia com tais posicionamentos, encontramos um forte mediador: as instituições que representam o Serviço Social. Estas defendem, arduamente inclusive, muitas vezes articuladas com campanhas publicitárias, que a educação de qualidade está atrelada a educação pública.

Ao desenvolver tal rastreamento descritivo dessa produção, podemos encontrar na grande mídia, mídia acadêmica, blogs, sites, dentre outros, grupos de árduos defensores da educação a distância, bem articulados a legislação que, além de garantir amparo legal, acabam por trazer significativa visibilidade a essa modalidade. Traduzem que, com a EAD, é possível se alcançar um ensino superior de qualidade no Brasil.

A educação a distância parece circular cada vez mais, ganhar mais realidade, podendo ser observada através do número de propagandas destinadas a essa modalidade pela grande mídia, na televisão aberta, por exemplo, atingindo milhões de telespectadores. A ideia comumente é passada ao grande público como um grande negócio que irá atender as diversas expectativas, principalmente acerca da facilitação na inserção do indivíduo no mundo do trabalho através de cursos de graduação ou especialização. Os comerciais costumam, ao apresentar tais cursos, chamar a atenção para a flexibilidade, como na propaganda da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), com o slogan: "Mais próximo para você ir mais longe" (UNOPAR, 2013). Tal argumento aponta que, através das disponibilidades dos 450 polos espalhados por todo país, se consegue atingir milhares de pessoas que esperam, através dos cursos de graduação, alcançar ou até mesmo alavancar as respectivas carreiras profissionais. Qualidade parece estar aqui, fortemente articulada com ampla oferta de cursos e inserção do discente no mercado de trabalho.

Seguindo no rastreando da ampla visibilidade alcançada pela EAD por intermédio da grande mídia, temos uma reportagem da Folha de São Paulo, de 27/01/2013, que faz as estatísticas argumentarem quando traz dados de crescimento da ordem de 58% em 2011, no número de matriculados no ensino superior, na modalidade EAD – segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). A matéria salienta que cresce, igualmente, a oferta de cursos gratuitos nessa modalidade. No Brasil, a Universidade de São Paulo (USP) lançou, em maio de 2012, o e-aulas 2 USP, um portal com mais de 800 vídeoaulas, inspirado em sites internacionais, como da Universidade Harvard (EUA), considerada a segunda melhor universidade do mundo 2013/2014 – divulgado pela consultoria britânica Times Higher Education.

A produção da legitimidade desse tipo de prática pedagógica também se articula com o que está expresso na Portaria ministerial nº 4.059/04. Nessa portaria, o Ministro de Estado da Educação (Tarso Genro), no uso de suas atribuições, considerando o disposto no art. 81 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no art. 1o do Decreto no 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, resolve que:

Art. 1º. As instituições de ensino superior poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo que utilizem modalidade semipresencial, com base no art. 81 da Lei n. 9.394, de 1.996, e no disposto nesta Portaria. § 2o. Poderão ser ofertadas as disciplinas referidas no caput, integral ou parcialmente, desde que esta oferta não ultrapasse 20 % (vinte por cento) da carga horária total do curso. (Portaria nº 4.059, 2004).

Tal legislação acaba por endossar a existência dessa modalidade de ensino nos currículos dos cursos superiores presenciais.

Conforme já afirmado anteriormente, a reportagem da Folha de São Paulo apresenta que tal crescimento também tem alcançado os cursos gratuitos nessa modalidade. Podemos acrescentar a tal argumento que, no estado do Rio de Janeiro, temos uma forte presença do Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ) nessa área. Os cursos de graduação a distância são oferecidos por intermédio do Consórcio CEDERJ, parceria formada entre o governo do estado com as diversas instituições públicas – como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) dentre outras. Tal consórcio tem como objetivo principal, em seus próprios termos, contribuir para a interiorização do ensino superior público, gratuito e de qualidade no Estado do Rio de Janeiro, conforme escrito no site do CEDERJ. Essa modalidade parece tornar possível, através de pólos avançados, em parceria com as prefeituras, que o ensino superior público chegue às pessoas que moram no interior do estado. Amplamente divulgado nas escolas da região, principalmente no ensino médio, essa interiorização objetivada pelo CEDERJ é condicionada pela EAD e, assim, articula-se a qualidade com o argumento de uma flexibilidade geográfica e com ações que visem uma educação pública acessível para todos.

Dentre os vários mediadores que fazem circular o que entendemos por Educação e EAD como algo bastante positivo, encontra-se também alguns artigos da Revista "Ensino Superior", de março de 2012. Esta traz uma reportagem especial sobre EAD numa abordagem do crescimento da educação a distância no ensino superior do ano 2000 até 2010. Esta matéria aponta que, no ano de 2008, houve um expressivo aumento das instituições públicas com a criação de 133 novos cursos nesse segmento. Mais ainda, traduz a educação a distância no ensino superior como fortemente articulada à uma tendência irreversível de crescimento.

No site Revista Gestão Universitária, Diettrich (2010), em seu trabalho 3 intitulado "Por uma EAD autônoma, crítica e de qualidade: a avaliação da aprendizagem em EAD" aponta que, nessa modalidade, além de existir qualidade, também há uma interação social através das ferramentas que a internet possibilita – como a web e as novas tecnologias nesse ambiente virtual. Isso acaba proporcionando uma aprendizagem, apesar de individual, ao mesmo tempo em grupo, numa interação de conhecimento compartilhado.  Descreve nas considerações finais que:

A educação a distância está deixando de ser uma modalidade marginal para tomar uma posição de prestígio, e pode até mesmo ser que ela seja a que predomine num futuro próximo. A educação a distância como uma forma de levar a possibilidade de construção de conhecimento a um maior número de pessoas possível, redemocratizando o ensino e despertá-las para um maior nível de exigência dos governos locais, estaduais e até mesmo federais, políticas públicas voltadas para um maior acesso à informação, que não seja somente através do meio mais passivo, como é a televisão. Essas políticas públicas deveriam possibilitar fácil acesso a Internet de banda-larga, a preços condizentes com a realidade social local, como também computadores. (Diettrich, 2010, p.30).

Mais uma vez temos aqui o potencial da EAD sendo articulado a uma espécie de democratização da educação superior.

Kenski 4 (2010) também aborda, em seu artigo o "Livro Verde" 5 – que é a consolidação de um projeto de EAD desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia –, do mesmo modo como vemos amplamente defendido por diferentes grupos que são a favor da EAD, a importância da característica de flexibilização nessa modalidade de ensino. Segundo o próprio Livro Verde, além da EAD possibilitar a integração do Brasil na Sociedade da Informação, ela também possibilita o aumento considerável da audiência de um curso ou palestra, tanto no tempo como no espaço, através do recurso intensivo de meios eletrônicos para o registro e a transmissão de conteúdos. Isso permite, por exemplo, oferecer boas oportunidades de educação para os interessados, mesmo que em áreas remotas e desprovidas de oportunidades locais de educação.

Articulados a tais argumentos, encontramos a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), que divulgou, em 28/03/12, o artigo do presidente da entidade, Fredric Litto, no qual ele responde a crítica publicada pela revista Caros Amigos, em reportagem de 14/11/11 intitulada "Ensino a distância rebaixa qualidade da educação no país". A reportagem traz algumas fontes ouvidas que defendem a educação presencial e que argumentam que a EAD estaria "rotulada" como democratizante "quando na verdade ocupa espaço e investimento que deveriam estar sendo canalizados para a educação presencial" (Revista Ache Seu Curso, 2012). Fazem também uma crítica quando argumentam que a EAD, além de poder proporcionar lucros maiores às instituições de ensino, costumam apresentar baixa qualidade educacional.

Fredricc Litto faz um relato histórico argumentar a favor desse modelo de ensino, demonstrando que ele é mais antigo do que muitos acreditam. Traz vários exemplos de países e instituições que encontraram sucesso com a EAD. Temos um argumento em defesa da EAD que traduz opositores como obscurantistas e preconceituosos. Para tal, aponta ainda que há numerosas revistas científicas dedicadas totalmente à investigação rigorosa da modalidade e cuja leitura revela as conquistas, a extensão, à profundidade, sem negar os problemas da área. Cita algumas que estão disponíveis online 6 e "devem ser acompanhadas por pessoas que se consideram profissionais ou críticos da aprendizagem a distância". (Litto, 2012).

Enquanto o presidente da ABED responde a publicação da revista Caros Amigos fazendo apontamentos positivos sobre EAD e rebatendo as questões abordadas na reportagem como vimos acima, o  Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, em seu site, também abordou o tema, porém de uma forma muito diferente. Seu argumento segue apoiando a matéria da respectiva revista e articula tal assunto com o posicionamento do Conjunto do Conselho Federal de Serviço Social/ Conselho Regional de Serviço Social/ Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social/ Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO). O Conselho publica, no dia 03 de novembro de 2011, a matéria: "Revista Caros Amigos reafirma: Educação não é fast-food. A publicação divulga matéria sobre a EAD e inclui o posicionamento do CFESS". "A revista Caros Amigos, publicação da Editora Casa Amarela, divulgou, na edição 175/2011, uma matéria completa sobre os graves problemas do Ensino a distância, posição amplamente defendida e difundida pelo CFESS" (CFESS Manifesta, 2011).

Esse posicionamento vem em acordo com as pautas do Conselho que, em novembro de 2010, lançou a campanha "Educação não é fast-food: diga não para a graduação a distância em Serviço Social". O CFESS argumenta por uma incompatibilidade entre graduação à distância e Serviço Social. Saem em defesa de que essa modalidade não traz uma formação com qualidade apesar de muitos deles, estarem respeitando os indicadores de qualidade exigidos pelas políticas nacionais de educação superior brasileira 7. Acredita que, ao lado da EAD, crescem os cursos privados que muitas vezes são de baixa qualidade. Suas estruturas de trabalho são apontadas como precárias e comprometendo a prática docente de qualidade: contrato horista, ausência de pesquisa e extensão, turmas com número de alunos em excesso, estágios que não asseguram supervisão acadêmica e de campo articuladas. Quanto à graduação a distância, aponta que "realizam no máximo transmissão de informações, mas jamais formação profissional" (ABEPSS/CFESS/CRESS/ENESSO, 2011, p.12), como tem denunciado a ABEPSS e a ENESSO em várias notas públicas. Traduzem esse tipo de ensino como visando somente fins lucrativos.

Vemos em tais argumentos do CFESS, uma produção dos defensores da EAD como uma espécie de oportunistas dotados de interesses meramente monetários diante da Educação Superior. Vemos claramente, aqui, uma formação de grupos e antigrupos. De um lado, argumentos que delineiam a retidão da EAD diante de obscurantistas que não se atentam para as vantagens de tal modalidade de ensino em aspectos como a democratização do estudo, flexibilização etc. Por outro lado, a retidão dos críticos da EAD diante de oportunistas que não se atentam para as condições básicas de um ensino de qualidade, qualidade esta traduzida por aspectos como pesquisa e extensão bem desenvolvidas, relações trabalhistas adequadas para o docente, turmas bem dimensionadas e estágios com supervisões adequadas.

Nessa página em que cita a Revista Caros Amigos, o CFESS afirma que sua campanha foi censurada pela Justiça e, mesmo assim, garante que: "as manifestações contrárias a este tipo de ensino continuam firmes e em evidência" (CFESS Manifesta, 2011). No que se refere a tal censura, o Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região publicou, em sua edição de 1º de agosto de 2011, uma decisão do juiz federal Haroldo Nader, da 8ª Vara da Subseção Judiciária em Campinas, em que ele concede liminar contrária a campanha "Educação não é fast-food", movida pelo Conselho Federal de Serviço Social contra cursos de graduação a distância. O respectivo juiz declara ao site Ache Seu Curso, no dia 04 de agosto de 2011, que quando o CFESS compara a EAD a fast-food "expõem os consumidores deste método ao ridículo, tratando-os como pessoas de pouca inteligência e discernimento" (Nader, 2011).

Podemos observar que o terreno é ainda muito turbulento – instável – e que as controvérsias perpassam pelas questões acerca daquilo que a educação a distância acaba por compor em sua articulação com o Ensino Superior. Qualidade de ensino, em sua imbricação com EAD, hora parece se articular com uma oferta de cursos, democratização do ensino, profissionalização e, até mesmo, indicadores de qualidade do governo. Por outro, vemos traduções que abordam valorização docente, aspectos pedagógicos bem planejados e dimensionados dentre outros.

A Revista Ser Social 8, de janeiro/junho de 2012, traz uma matéria bastante significativa para nossa análise, com o título "Expansão dos cursos de Serviço Social na modalidade EAD: direito à educação ou discriminação educacional?". Nesse artigo podemos rastrear as fortes implicações do Serviço Social com argumentos acerca do desenvolvimento do capitalismo e sua circulação, apoiados na reflexão teórica marxista. Desse modo, acabam por trazer Karl Marx para tais tessituras, traduzindo que, segundo o próprio filósofo alemão, o capitalismo é o principal responsável pela desorientação humana 9. Apoiando-se nessa base teórica de divisão de classes, uma classe dominante e detentora do capital diante de uma classe dominada, a classe trabalhadora explorada, o Serviço Social parece fazer o capitalismo argumentar contra a EAD (Netto & Braz, 2012).Desse modo, encontramos o ensino superior privado e a EAD sendo produzidas como mais uma forma de enriquecimento dessa classe dominante. A educação superior de qualidade seria possível apenas quando esta for pública – provida pelo Estado e nunca pelo detentor do capital ou daquele que detém a propriedade privada. Tais significativas e impactantes traduções, desenvolvidas historicamente pelo Serviço Social, comumente delimita o ensino a distância como algo a ser combatido. Uma precarização da educação superior a serviço do capital.

Nossa cartografia delineada por meio da grande mídia, mídia acadêmica, legislações dentre outros, nos possibilita afirmar que essa rede heterogênea ainda parece estar fortemente instável. Sendo assim, aquilo que podemos definir como uma educação de qualidade no Brasil nos cursos superiores, principalmente quando articulada a grande controvérsia acerca da EAD, ao revelar um caráter ainda instável, acaba por configurar aquilo que a TAR denomina como uma condição de caixa-cinza do respectivo artefato. "Caixa-cinza seria a condição de um artefato que ainda não conseguiu se estabilizar. Se caixa-preta designa o fim das discussões e ausência de controvérsia, é na caixa cinza que estas retornam com toda a força" (Nobre, 2010, p. 50).

 

6 Considerações finais

A realização deste trabalho teve como objetivo um breve rastreamento de redes em meio a um terreno de intensa turbulência. Buscamos produzir um relato de como o Ensino Superior no Brasil vem se produzindo, tendo como foco algumas controvérsias que, atualmente, estão articuladas às questões de qualidade junto a EAD. Entendemos que tal relato pode ser bastante enriquecido com o auxílio do nosso referencial teórico-metodológico – a Teoria Ator-Rede – que nos remete a ideia de rede composta por diversos elementos heterogêneos conectados – coletivos. Temos aqui a presença de alianças, fluxos e mediações onde, ao identificarmos os porta-vozes que fazem essa rede circular, podemos entender como a educação superior vem sendo produzida no Brasil simultaneamente. Encontramos argumentos visivelmente disposto a produzir a EAD como uma educação de qualidade e de grande expansão nos dias atuais, principalmente nos cursos superiores –nosso foco – buscando, principalmente através da legislação, visibilidade e base para o fortalecimento dessa modalidade. Comumente encontramos traduções muito articuladas à flexibilização de horários e geográfica, fatores construídos como importantíssimos na atualidade e detentores do potencial de fazer chegar a educação em localidades onde não existe uma grande universidade. Argumenta-se pela real possibilidade de se graduar onde quer que se esteja – mesmo sem grandes financiamentos em infraestrutura. Tal barateamento da estrutura física acaba por argumentar por um barateamento dos custos para o próprio estudante, fazendo EAD se articular com uma maior democratização do ensino superior. Temos aqui o avanço tecnológico articulado a uma formação acadêmica mais adaptada a realidade brasileira atual.

Porém, por outro lado, encontramos argumentos não sendo favoráveis a esse tipo de educação. O Serviço Social, com porta-vozes importantes nesse sentido, através de seus órgãos representativos como o conjunto CFESS/ENESSO/CRESS/ABEPSS, promovendo campanhas, publicando artigos que demostram seu posicionamento contra a EAD, lutam por uma tradução do ensino superior de qualidade articulado à coisa pública, laico e presencial. Traçam fronteiras que delimitam a EAD como uma modalidade que inviabiliza o Projeto Ético-Político Profissional – projeto este que propõe a emancipação humana e a plena expansão dos indivíduos sociais, através de políticas públicas. A EAD, desse modo, estaria em um campo oposto aos projetos que se comprometem com a luta contra a dominação e exploração de classe, que não se limite aos interesses da classe dominante e, em consequência, da propriedade privada.

Nossa proposta de estudo, desse modo, foi reconhecer o intenso trabalho dos mediadores em um ensino superior de qualidade em ação, demarcando as produções, seguindo os fluxos em circulação, reconhecendo assim o terreno fertilmente controvertido. Entendemos a produção da Educação Superior de qualidade no Brasil como um efeito de redes e, desse modo, não almejamos, aqui, em momento algum, buscar qual o modo correto para a respectiva educação brasileira. Nosso foco não foi criar um artefato que se queira mais profundo, verdadeiro, que outros possíveis. Entendemos que o papel político de nosso trabalho é garantir uma significativa e rica presença de vozes diversas, muitas vezes dissonantes, que não prometem, necessariamente, algum momento onde um artefato bem articulado, isento de controvérsias, irá se impor. Como nos afirma Bruno Latour (2012), a solidez de todo fato depende sempre daquilo que os coletivos fazem com ele. O efeito de redes depende sempre da circulação, do trabalho dos mediadores. Desse modo, o projeto político da TAR é dar voz, rastrear os coletivos, se limitando a descrever associações, explorar a multiplicidade de mediações.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Júlio César de Almeida Nobre
Centro Universitário de Volta Redonda / UniFOA
Av. Paulo Erlei Alves Abrantes, 1325, Três Poços, CEP 27240-560, Volta Redonda - RJ, Brasil
Endereço eletrônico: jcanobre@globo.com
Andréa Magalhães Naves
CRAS - Centro de Referência da Assistência Social
Rua Góes Monteiro, 856, Bairro da Cruz, CEP 12606-490, Lorena - SP, Brasil
Endereço eletrônico: naves.andrea@yahoo.com

Recebido em: 30/04/2014
Reformulado em: 08/11/2014
Aceito para publicação em: 18/11/2014

 

 

Notas

* Graduado em Psicologia, com mestrado e doutorado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, desenvolve pesquisas na área da produção de subjetividade, conhecimento e inovação a partir do referencial da Teoria Ator-rede. Docente integrante do Banco de Avaliadores do SINAES BASis INEP/MEC.  Professor Responsável de Psicologia do Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA, atua no seu Setor de Desenvolvimento Institucional - SDI.
** Bacharel em Serviço Social.
1 Para Latour (2012), relacionar-se com um ou outro grupo é um processo controvertido e mutável. Evidenciando sua dimensão processual, existem inúmeras formações de grupos. Para cada movimento de grupo que se forma, processos contraditórios despontam e essas controvérsias proporcionam recursos necessários para rastrear as conexões sociais. Nessa disposição, torna-se possível seguir os rastros deixados pelos mediadores diversos, identificando porta-vozes que falem pela existência do grupo. Depois, é necessário traçar cada grupo a ser definido e a lista de "antigrupos" que aparecem – sempre quando se identifica os respectivos grupos. Esse conceito de grupos e antigrupos indica o surgimento e o desenvolvimento das controvérsias que se dão simultaneamente à produção de grupos fortemente dispostos em oposição.
2 Inspirados em serviços já em uso por Universidades de grande reconhecimento internacional como Harvard, a USP disponibilizou o e-Aulas. Este serviço expressa o reconhecimento por parte da Universidade de que uma de suas funções é a disseminação do conhecimento, permitindo que professores disponibilizem suas vídeo aulas de diversas disciplinas e que alunos as acessem remotamente. Salienta-se que tal serviço também é aberto ao público. A motivação para o desenvolvimento e implementação do e-Aulas USP foi devido ao grande benefício que a IES observou com o consumo de objetos de aprendizagem em formato de vídeo disponíveis na Web. Este sistema foi idealizado pelo Prof. Gil da Costa Marques, na ocasião Superintendente de TI da USP (Superintendência de Tecnologia da Informação – USP). Sua implementação foi coordenada pela Profa. Regina Melo Silveira, da Escola Politécnica – EPUSP. O link para acessar o e-Aulas USP é http://www.eaulas.usp.br/portal/home
3 Trabalho final de curso de Pós-Graduação em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância oferecida pela LANTE/UFF – Laboratório de Novas Tecnologias de Ensino.
4 Professora-Doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP.
5 Para maiores informações o organizador é Tadao Takahashi. Acessar: http://www.livroaberto.ibict.br/bitstream/1/434/1/Livro%20Verde.pdf
6 Para quem se interessa pelo assunto e quer conferir as estatísticas do desenvolvimento da modalidade no Brasil, tanto no mundo acadêmico quanto no mundo de treinamento corporativo, deve consultar a publicação anual CensoEAD.BR: Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil (São Paulo: Pearson Education e ABED, 2011).
7 Formalmente, tais cursos em seus projetos pedagógicos, preveem uma carga horária em torno de 3000 a 3340 horas. São cursos semestrais, com duração entre 3 e 4 anos, ou seja, a princípio estão em conformidade com a legislação e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996) e do MEC (2001). Iniciam o estágio supervisionado, em geral, no quarto ou quinto períodos e informam uma carga horária de estágio entre 400 e 450 horas, garantindo assim as exigências dos órgãos competentes.
8 A Revista Ser Social destina-se à publicação de trabalhos científicos sobre assuntos atuais e relevantes no âmbito da Política Social, do Serviço Social, áreas afins e suas relações interdisciplinares.
9 Em sua obra intitulada o Capital, livro publicado em 1867 que tem como tema principal a economia, realiza reflexões acerca do acúmulo de capital, identificando que o excedente originado pelos trabalhadores acaba sempre nas mãos dos capitalistas. Esta classe ficaria cada vez mais rica à custa do empobrecimento do trabalhador. Com a colaboração de Engels, Marx escreveu também o Manifesto Comunista publicado em 1848, onde não poupou críticas ao capitalismo.

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