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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.16 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2016

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Fatores de risco na vida de adolescentes portugueses em conflito com a lei

 

Risk factors in the life of Portuguese adolescents in conflict with the law

 

Factores de riesgo en la vida de adolescentes portugueses en conflicto con la ley

 

Amanda Schöffel Sehn*, I; Daniele Dalla Porta**, II; Samara Silva dos Santos***, II; Ana Cristina Garcia Dias****, I

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
II Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho teve como objetivo investigar variáveis, as quais poderão constituir-se como fator de risco para adolescentes que cumprem medida tutelar educativa. Para a coleta de dados foi utilizado o Questionário da Juventude Brasileira (Versão Fase II), o qual foi aplicado em 33 adolescentes que cumpriam medida tutelar educativa nos regimes aberto, semiaberto e fechado, em um centro educativo português. A partir de estatísticas descritivas, foi possível identificar as interações dos fatores individuais e contextuais que se constituem como risco para a prática infracional. Destacam-se como risco as práticas parentais ineficazes, o consumo de substâncias lícitas e ilícitas, bem como as fragilidades no contexto escolar. Nesse sentido, aponta-se para a importância de estratégias e de intervenções que potencializem os fatores de proteção e o desenvolvimento saudável dos adolescentes.

Palavras-chave: adolescência, risco, proteção, medida tutelar.


ABSTRACT

This study aimed to investigate variables that can constitute a risk factor for adolescents who fulfill socio-educational measures. To collect the data was used the Questionnaire of the Brazilian Youth (Version Phase II), which was applied in 33 adolescents who fulfill socio-educational measures in an open system, semi-open and closed in a Portuguese educational center. Based on descriptive statistics there are interactions between the risk factors – like individual, family and environment factors - and law infraction. Ineffective parenting practices, the consumption of licit and illicit substances as well as the weaknesses in the school context are also factors that can be risk for adolescents. Thereby, we point to the importance of strategies and interventions that enhance protective factors and the healthy development of adolescents.

Keywords: adolescence, risk, protective, socio-educational measures.


RESUMEN

El presente trabajo ha tenido como objetivo investigar variables que pueden constituirse en factor de riesgo para los adolescentes que cumplen medida tutelar educativa. Para la reunión de los datos, ha sido utilizado el Cuestionario de la Juventud Brasileña (Versión Fase II), que ha sido aplicado en 33 adolescentes que cumplían medida tutelar educativa en los regímenes abiertos, semi-abiertos y cerrados, en un centro educativo portugués. Basado en el análisis estadístico, como resultado ha sido posible identificar las interacciones de los factores que se constituyen riesgos para la práctica de una infracción, entre los dominios individuales, familiares y ambientales. Se destacan como factores de riesgos las practicas parentales ineficaces, el consumo de sustancias licitas e ilícitas y las fragilidades en el contexto escolar. En ese sentido, se indica la importancia de estrategias y de intervenciones que potencializan factores de protección y el desarrollo saludable de los adolescentes.

Palabras-clave: adolescencia, riesgo, protección, medida tutelar.


 

 

1 Introdução

O comportamento delinquente na adolescência pode ser observado em várias realidades e contextos. O termo delinquência juvenil tem sido utilizado pela literatura internacional para se referir aos adolescentes que apresentam conflitos com a lei (Scaramella, Conger, Spoth, & Simons, 2002; Widom, 2010) e se associa à adoção de comportamentos ilegais, realizados por uma pessoa menor de idade. Esses comportamentos quando praticados na idade adulta são considerados criminosos (VandenBos, 2010).

A nomenclatura comportamento desviante é comumente utilizada em Portugal para se referir aos atos praticados por adolescentes com idade inferior a 16 anos, que transgridem a lei. Nesse contexto, os adolescentes são amparados pela Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LEI nº 147/99, Portugal, 1999), bem como pela Lei Tutelar Educativa (LEI nº 166/99, Portugal, 1999). Ao praticar um ato infracional, é previsto que o adolescente cumpra medida tutelar educativa nos regimes aberto, semiaberto ou fechado, os quais são executados em centros educativos que apresentam funcionamento e grau de abertura ao exterior de acordo com cada regime. É determinado em lei que esses adolescentes frequentem atividades escolares, educativas, desportivas, de orientação vocacional e de formação profissional (Portugal, 1999).

No presente estudo, as questões concernentes ao ato infracional serão apresentadas a partir da teoria bioecológica de Bronfenbrenner, a qual propõe a compreensão do desenvolvimento a partir da interação entre a Pessoa, o Processo, o Contexto e o Tempo - PPCT. De acordo com esse modelo teórico, a pessoa em desenvolvimento possui características determinadas biopsicologicamente, enquanto outras são construídas na interação com o ambiente. Os processos proximais consistem nas interações recíprocas e progressivamente mais complexas que o adolescente estabelece no decorrer da vida. O contexto, por sua vez, é composto pelo microssistema (refere-se às relações face a face), mesossistema (diz respeito à inter-relação entre dois ou mais ambientes, nos quais o adolescente participa ativamente), exossistema (caracterizado pelos ambientes que o adolescente não participa, mas é influenciado) e macrossistema (contempla os aspectos da cultura geral de uma sociedade). Além disso, o tempo assume papel importante, tendo em vista que se refere às mudanças e às continuidades que ocorrem ao longo do ciclo da vida do adolescente (Bronfenbrenner, 1996).

A partir desse entendimento, o ato infracional é produto das características da pessoa em interação com o contexto ao longo do tempo, em que variáveis atinentes aos sistemas (micro, meso, exo e macro) se constituíram em fator de risco durante o percurso do desenvolvimento (tempo). Nesse sentido, torna-se importante compreender a infração na adolescência, considerando os fatores individuais e contextuais (familiares e ambientais), que podem se constituir em risco ao longo da trajetória de vida dos adolescentes (Ferreira, 2011; Lemos, 2010; Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014; Zappe & Dias, 2012b).

1.1 Conceituação de fator de risco

Os fatores de risco podem ser definidos como condições ou variáveis capazes de produzir efeitos negativos no desenvolvimento do indivíduo, pois se referem aos comportamentos que comprometem a saúde, o bem-estar e o desempenho social (Costa & Dell'Aglio, 2011; Pollard, Hawkins, & Arthur, 1999). Esses podem ser entendidos como condições que quando presentes na vida de uma pessoa tornam mais provável o desenvolvimento de alguma perturbação (Pollard, Hawkins, & Arthur, 1999). Assim, existe uma multiplicidade de fatores que podem atuar em conjunto ou de forma isolada na ocorrência ou na manutenção de comportamentos socialmente inadequados (Gauer, Vasconcellos, & Davoglio, 2012).

A situação de conflito com a lei pode significar tanto uma conduta pontual, passageira e transitória, como pode representar um aspecto estrutural do indivíduo e de seu contexto (Negreiros, 2001; Silva & Rossetti-Ferreira, 2002). Estudos nacionais e internacionais apontam que adolescentes que apresentaram comportamentos infratores foram expostos a condições de risco pessoal, familiar ou social durante o seu desenvolvimento (Ferreira, 2011; Lemos, 2010; Nardi & Dell'Aglio, 2010; Pacheco & Hutz, 2009; Widom, 2010; Zappe & Dias, 2012b). Desse modo, a interação entre esses fatores, pode fornecer recursos para compreender a estabilidade e a severidade da prática delitiva durante a adolescência (Assis & Souza, 1999; Silva & Rossetti-Ferreira, 2002).

O conceito de risco possui um caráter flexível e dinâmico, na medida em que determinadas situações podem se apresentar como risco para alguns indivíduos, enquanto para outros podem se configurar como indicadores de proteção (Costa & Dell'Aglio, 2011). Além disso, os fatores de risco podem assumir diferentes dimensões, a saber: individual e contextual (familiar e ambiental).

1.2 Fatores de risco individuais

Os fatores de risco individuais estão relacionados aos problemas de comportamento precoces e persistentes, tais como: insucesso e baixo envolvimento escolar, rejeição pelos pares nos níveis iniciais da escolaridade e associação a indivíduos que usam drogas (Carvalho & Gomide, 2005; Ferreira, 2011; Loebert & Farrignton, 2001; Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014). A investigação da relação entre comportamentos infracionais na adolescência e a exposição a fatores de risco individuais tem destacado a presença de situações como a vivência de abuso ou negligência durante a infância, o contato com o sistema de justiça e a exposição dos jovens a ambientes de consumo, abuso e tráfico de substâncias (Heim & Andrade, 2008; Pacheco & Hutz, 2009; Widom, 2010; Zappe & Dias, 2012a).

A literatura aponta que o microssistema familiar dos adolescentes em conflito com a lei, frequentemente, é permeado por fatores de risco, como por exemplo, a exposição a situações de violência e ao abuso de substâncias lícitas ou ilícitas (Baglivio et al., 2015; Gallo & Williams, 2005;Hein, 2004; Nardi & Dell'Aglio, 2010; Zappe & Dias, 2012b). De fato, vivências adversas na infância - como traumas e abusos - podem estar correlacionadas com o desenvolvimento de comportamentos violentos e antissociais na adolescência (Baglivio et al., 2015; Widom, 2014).

Diversas pesquisas indicam que um número crescente de adolescentes faz uso de substâncias lícitas e ilícitas, muitas vezes, realizando uma iniciação mais precoce (Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014; Pacheco & Hutz, 2009; Zappe & Dias, 2012a). Alguns estudos indicam forte associação entre uso de substância e o cometimento de um ato infracional. Por exemplo, Barreto (2010) enfatizou em sua pesquisa dados do Observatório de Delinquência Juvenil de Portugal, no qual 77.3% dos adolescentes que referiram consumir álcool também haviam cometido algum ato infracional. Além desses fatores individuais, fatores contextuais como os vínculos construídos na família, na escola e com os amigos podem permear o desenvolvimento dos adolescentes e o cometimento de atos infracionais (Kessler et al., 2003).

1.3 Fatores de risco contextuais

A família é a primeira e a principal instância socializadora e modeladora da personalidade do indivíduo, pois proporciona aos seus membros a apreensão de valores, crenças e normas de conduta (Cid-Monckton & Pedrão, 2011). Apesar das relações estabelecidas no microssistema familiar serem fundamentais para a saúde do indivíduo, podem ser identificados alguns fatores de risco nesse contexto (Carvalho & Gomide, 2005; Ferreira, 2011; Lemos, 2010; Zappe & Dias, 2012b). Por exemplo, um estudo realizado por Zappe e Dias (2012b), que teve como objetivo investigar a prática de atos infracionais no Brasil, demonstrou que a composição das famílias dos adolescentes em conflito com a lei é frágil, sendo permeada por episódios frequentes de violência desde a tenra infância. De modo semelhante, pesquisa realizada por Widom (2010), que visou explorar a relação entre os maus tratos na infância e a delinquência juvenil, em diferentes localidades dos Estados Unidos, também demonstrou que situações de abuso e/ou negligência vivenciadas na infância se associavam a prática infracional na adolescência.

Outro contexto juvenil por excelência é a escola, sendo este um local privilegiado para o desenvolvimento de grupos etariamente homogêneos (Saviani, 2008). Na verdade, as associações grupais escolares compõem sociabilidades alternativas àquelas proporcionadas no meio familiar (Gallo & Williams, 2008). Nesse contexto, é vivido o primeiro teste oficial das relações interpessoais, pois ocorrem confrontações entre novas aprendizagens, experiências e regras com aquelas vivenciadas na família (Carvalho, 2011).

Ao participar de outros contextos, como a escola, o adolescente vivencia uma transição ecológica, em que a posição da pessoa no ambiente é alterada em função de uma mudança de papel (Bronfenbrenner, 1996). Esse espaço também se constitui em um importante microssistema, visto que a instituição escolar tem como papel central a aprendizagem, a transmissão do conhecimento e de valores (Gallo & Williams, 2008; Saviani, 2008). O microssistema escolar também pode apresentar fatores de riscos (Carvalho, 2011) como: a falta de negociação de normas e regras, as relações interpessoais desrespeitosas entre alunos e profissionais, a relação família-escola ausente, as expectativas negativas em relação ao desempenho dos alunos, as atividades acadêmicas pouco criativas, a presença de estigma (rótulo) em relação a alguns alunos, o baixo nível de confiança no ambiente e o pouco incentivo ao altruísmo, à cooperação e à solidariedade (Libório, Castro, & Coelho, 2006).

Da mesma forma, a associação de adolescentes com os pares pode estar relacionada às práticas delitivas. Silveira, Zappe e Dias (2015) descrevem como as relações dos adolescentes no grupos de pares parecem estar associadas a comportamentos delitivos e antissociais durante a adolescência. Os jovens podem transgredir como uma forma de interagir com os pares, obter respeito e serem aceitos pelos mesmos.

Por outro lado, os pares oferecem apoio emocional que proporciona a criação de novas estratégias adaptativas, possibilitando recursos pessoais e sociais aos adolescentes para lidar com situações adversas (Siqueira, Betts, & Dell'Aglio, 2006). Todavia, jovens com baixo nível de apoio de adultos e de monitoramento parental apresentam uma maior vulnerabilidade às influências dos pares e, consequentemente, possível envolvimento em comportamentos de risco (Ferreira, 2011; Wills, Blechman, & McNamara, 1996).

Além disso, o adolescente acaba sofrendo influência do macrossistema, conforme indicado por Bronfenbrenner (1996). Alguns exemplos dessa influência são: a disponibilidade de drogas presente no ambiente, a vivência de situações de privação econômica e a ausência de infraestrutura em comunidades residenciais (Lemos, 2010; Negreiros, 2001).

A partir do exposto, entende-se que conhecer os fatores que podem se constituir em risco e proteção para jovens portugueses que cumprem medida tutelar educativa pode ser um passo importante na compreensão dessa população. Estudos semelhantes foram realizados no contexto brasileiro com jovens que cumpriam medida socioeducativa (Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014; Zappe & Ramos, 2010), com vistas a pensar em estratégias de proteção para esses meninos. Com o intuito de explorar esse fenômeno, considerando a teoria bioecológica, o presente estudo se propôs a investigar quais variáveis podem consistir em fator de risco para adolescentes que cumprem medida tutelar educativa em um Centro Educativo de uma cidade de Portugal.

 

2 Método

2.1 Delineamento e participantes

Trata-se de um estudo transversal, de caráter descritivo, o qual foi realizado em um Centro Educativo de uma cidade situada no noroeste de Portugal. Durante a realização do estudo, que ocorreu nos meses de janeiro a março de 2012, o Centro Educativo abrigava 37 jovens. Todos os internos foram convidados a participar do estudo, em que foram explicados os objetivos, procedimentos e as questões éticas. Do total de adolescentes na instituição, quatro jovens não aceitaram participar. Assim, a amostra compreendeu a participação de 33 adolescentes, todos do sexo masculino, solteiros, com idade entre 13 e 19 anos (M=16.55; DP=1.28), sendo que 12.1% tinham entre 13 e 15 anos, 66.7% entre 16 e 17 anos e 21.2% entre 18 e 19 anos. Todos adolescentes cumpriam medida tutelar educativa, sendo que do total da amostra, 26 jovens estavam no regime semiaberto, cinco no regime fechado e dois no regime aberto. Ainda, destaca-se que 48.5% dos adolescentes se autodeclararam de cor branca, 36.4% de cor negra, 12.1% de cor parda e 3% de cor amarela ou indígena.

2.2 Instrumentos

Para a coleta dos dados foi utilizado o Questionário da Juventude Brasileira (Versão Fase II, Dell'Aglio, Koller, Cerqueira-Santos, & Colaço, 2009), o qual foi elaborado para a segunda etapa do Estudo Nacional sobre Fatores de Risco e Proteção na Juventude Brasileira, a partir do questionário aplicado na Fase I (Koller, Cerqueira-Santos, Morais, & Ribeiro, 2005). Trata-se de um instrumento que busca investigar o perfil de adolescentes, abordando aspectos relacionados à educação, saúde, trabalho; comportamentos de risco (drogas, suicídio, sexualidade, violência); fatores de risco (violência intrafamiliar e na comunidade, exposição às doenças/drogas, deficiência, discriminação, institucionalização, vida na rua, conflito com a lei, empobrecimento/pobreza, separação/perda na família) e fatores de proteção social (lazer, rede de apoio, relações de amizade) e pessoal (espiritualidade, autoestima, auto eficácia, perspectivas para o futuro). Os itens de resposta estão organizados em uma escala Likert de cinco pontos sobre intensidade e frequência, bem como em questões de múltipla escolha. Alguns exemplos de perguntas abordadas no questionário são: "Costumamos conversar sobre problemas da nossa família"; "Eu me sinto bem quando estou na escola"; "Já fugi de casa"; "Já morei na rua"; "Tenho facilidade para persistir em minhas intenções e alcançar meus objetivos", dentre outras.

Alterações, especialmente relacionadas à linguística e à gramática, foram elaboradas para a aplicação do instrumento na população portuguesa, visando adaptar o sentido das questões de acordo com as regras e expressões dessa realidade. A adaptação para o português de Portugal foi realizada pelas próprias autoras, em que foram revisados termos específicos utilizados no contexto brasileiro, bem como revistos aspectos ortográficos e gramaticais. Cita-se como exemplo, a sigla SUS utilizada para se referir aos serviços de saúde no Brasil. Posteriormente, o instrumento foi avaliado por dois juízes portugueses, sendo que as sugestões que estavam em concordância foram aceitas e incorporadas ao instrumento.

2.3 Procedimentos de coleta e análise dos dados

Este estudo faz parte de uma pesquisa mais abrangente que estava sendo realizada no Brasil, a qual utilizava o referido instrumento. Entrou-se em contato com o Ministério da Justiça de Lisboa, através de uma carta e o aceite para a realização do estudo foi recebido por meio de correio eletrônico com as instruções para o contato com a instituição. Posteriormente, contatou-se o diretor do Centro Educativo, em que se combinou uma primeira visita para apresentar a pesquisa. Nessa ocasião foram agendados os encontros para a aplicação dos questionários, bem como foram fornecidas instruções acerca da instituição e do seu funcionamento, além de materiais para a melhor compreensão das políticas portuguesas de reabilitação para adolescentes infratores. Também foi estabelecida a forma que se daria o contato com os jovens. As pesquisadoras receberam um documento com os dados pessoais dos adolescentes e o tipo de medida que cumpriam.

Para a coleta de dados, os meninos foram conduzidos pelos guardas da instituição até uma sala, em que foram realizadas as aplicações individuais do questionário, sendo que o guarda permanecia do lado externo da sala. No primeiro contato com os adolescentes foi explicado o objetivo do questionário e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Com os adolescentes que aceitaram participar do estudo, foi aplicado o questionário, cujo tempo para conclusão foi em média de uma hora. Os participantes não foram remunerados por responder a pesquisa, assim como não arcaram com nenhum custo. Também foi esclarecido aos adolescentes que possuíam autonomia para abandonar ou desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, não implicando em prejuízo para os mesmos.

Quanto às questões éticas, foi preservada a identidade dos participantes, não oferecendo riscos ou perdas para esses, conforme os preceitos do Ministério da Justiça de Lisboa, que regulamenta as condições da pesquisa envolvendo seres humanos em Portugal e princípios éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012). Destaca-se que o projeto de pesquisa guarda-chuva foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria, sob protocolo CAAE: 0239.0.243.000.-11. A análise dos dados foi realizada pelo Programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). O questionário foi avaliado de forma quantitativa, através de análise estatística descritiva, observando-se frequências, médias e desvio-padrão.

 

3 Resultados

3.1 Fatores de risco individuais

Os fatores de risco relacionados aos aspectos individuais podem tornar os adolescentes vulneráveis à adoção de comportamentos desviantes, o que aponta para a importância de traçar um perfil do adolescente português que cumpre medida tutelar educativa. Tais aspectos dizem respeito à institucionalização em abrigos, fugas de casa, morar, dormir e trabalhar na rua, passar fome, ser assaltado e cumprir medida tutelar educativa com e sem privação de liberdade. Os resultados sobre a experiência de eventos estressores na vida dos adolescentes indicaram que 81.8% dos adolescentes já estiveram privados de liberdade (instituição fechada), 63.6% cumpriram medida tutelar educativa sem privação de liberdade, 30.3% fugiram de casa, 24.2% estiveram institucionalizados, 21.2% foram assaltados, 9.1% dormiram na rua, 3% moraram na rua, 3% trabalharam na rua e 3% passaram fome.

Os participantes também foram questionados acerca do envolvimento em situações ilegais, com o intuito de investigar se o referido comportamento era recorrente na vida dos adolescentes. Destes, 72.7% responderam que já participaram de eventos que transgridem a lei. Mais especificamente, 87.9% roubaram algo, 84.8% referiram que assaltaram alguém, 57.6% venderam drogas, 27.3% destruíram alguma propriedade e 21.2% se envolveram em atos de pichação.

Outro aspecto investigado, diz respeito à perspectiva para o futuro, em que se buscou conhecer os planos dos jovens em longo prazo. Dos 33 participantes, 42.4% responderam que as chances de concluir o ensino médio eram cerca de 50%, outros 33.3% afirmaram que as chances eram altas ou muito altas e 12.1% acreditavam que as chances eram muito baixas. No que se refere à perspectiva de "entrar na universidade", 60.6% afirmaram que as chances de ingresso nessa instituição seram baixas ou muito baixas, 21.2% consideraram que apresentavam cerca de 50% de chances e 18.2% acreditavam que as chances eram altas.

Os adolescentes também foram questionados a respeito dos objetivos pessoais e profissionais, com o intuito de identificar um perfil comum aos jovens portugueses. No que concerne à questão "ter um emprego que garanta boa qualidade de vida", 42.4% responderam que a probabilidade é era de 50%; 48.4% que esta é era alta ou muito alta, e 9.1% muito baixa. Para a questão "ter minha casa própria", 72.8% responderam que as chances eram altas ou muito altas; 21.2% que era cerca de 50%; e 6.1% que eram muito baixas. E por fim, 48.5% responderam que a chance de "ter uma família" é era muito alta; 39.4% de que é era alta e 12.1% responderam que esta chance é era cerca de 50%.

Aspectos atinentes ao uso de substâncias lícitas e ilícitas foram explorados a fim de investigar se o consumo poderia se constituir em fator de risco para os adolescentes. Dos entrevistados, 75.8% responderam que possuíam um amigo próximo que usava drogas. Sendo que destes, 66.6% consumiam drogas lícitas e 42.45% drogas ilícitas. Em relação à família, 66.6% dos participantes afirmaram que possuíam algum familiar que fazia uso de drogas, seja lícita ou ilícita, com a respectiva porcentagem, 57.6% e 12.1%.

No que tange ao próprio consumo, 93.9% dos jovens responderam já ter experimentado bebida alcóolica pelo menos uma vez. Quando questionados acerca do consumo de drogas ilícitas, 57.6% dos participantes responderam que já haviam experimentado maconha. Outra droga é comum no contexto em que foi realizada a pesquisa foi é o haxixe. Da amostra, 39.4% dos participantes responderam que já haviam experimentado. Quanto ao momento em que consumiam drogas, 81.8% dos jovens relataram que usaram na presença dos amigos, 48.5% sozinhos, 30.3% juntamente com a namorada e 18.2% com algum familiar.

3.2 Fatores de risco contextuais

Os adolescentes foram questionados a respeito da escola, com o objetivo de investigar se o ambiente escolar poderia se constituir em fator de risco ou proteção. Dos 33 adolescentes, 66.6% frequentavam a escola em turno integral, 15.2% somente na parte da manhã e 2.1% à tarde. No que concerne à reprovação, 90.9% afirmaram já terem reprovado, sendo que 12.1% foram reprovados uma vez, 21.2% duas vezes e 33.3% três vezes. Quando questionados se haviam sido expulsos do ambiente escolar, 72.7% dos entrevistados responderam que sim; dos quais 36.4% foram expulsos uma vez, 12.1% duas vezes, 6.1% três vezes e 12.1% quatro vezes. Quanto ao motivo desta expulsão, 24.2% relataram que foi por brigas; 21.2% que foi por faltas e 15.2% por outros motivos.

A família dos adolescentes também foi investigada, considerando a influência da parentalidade na prática delitiva. Os participantes foram questionados acerca das pessoas com as quais residiam. Como resposta, 69.7% dos adolescentes assinalaram que o pai morava junto; 90.9% dos participantes responderam que a mãe morava junto e 87.9% que os irmãos moravam junto. Quanto ao grau de instrução do pai, 27.3% relataram que não sabiam esta informação; 18.2% que o pai possuía ensino fundamental incompleto e 15.2% que o pai possuía ensino médio incompleto. Em relação ao grau de instrução da mãe, 24.2% responderam que esta possuía ensino fundamental incompleto; 21.2% que possuía ensino fundamental completo e 18.2% que a mãe possuía ensino médio completo. No que se refereàs pessoas que contribuíam para o sustento da casa, todos os participantes responderam que esta tarefa era responsabilidade do pai, da mãe e/ou dos irmãos.

O estado civil dos progenitores também foi analisado, com o intuito de investigar a composição familiar. Para este indicador, 42.4% dos participantes responderam que seus pais haviam se separado e 90.9% responderam que o pai e/ou a mãe não casaram novamente. Ao serem questionados sobre os progenitores terem filho(s) com outro (a) parceiro (a), 45.5% respondeu que isso havia acontecido. Quanto ao envolvimento dos membros da família com a justiça, 57.6% responderam que algum familiar já havia sido preso, enquanto 39,4% responderam que não.

 

4 Discussão

Com base nos resultados apresentados e na teoria bioecológica, verificou-se que os fatores individuais, bem como os contextuais permeiam o desenvolvimento do adolescente (Bronfenbrenner, 1996) e podem se associar a adoção de práticas delitivas (Gallo & Williams, 2005; Zappe & Dias, 2012a). De fato, o ambiente no qual o jovem está inserido afeta diretamente seu desenvolvimento, especialmente na interação face a face com as pessoas (Bronfenbrenner, 1996). Assim, com o intuito de vivenciar novas experiências, nas quais há a busca por recompensas imediatas em detrimento do risco (Steinberg, 2009), muitos adolescentes acabam por se envolver em situações ilegais mais de uma vez, conforme apontaram as respostas dos participantes, em que 72.7% deles já haviam transgredido a lei anteriormente.

Em relação à situação financeira das famílias dos adolescentes foi possível verificar que as necessidades básicas, como alimentação e moradia, foram supridas. Esta informação indica que na realidade portuguesa, a maioria dos jovens não necessita trabalhar para garantir o seu sustento, já que os pais se responsabilizam por esta tarefa. Observou-se no questionário um percentual baixo de jovens que relataram morar, dormir e/ou trabalhar na rua, passar fome, ser assaltado e fugir de casa. No entanto, apesar dos progenitores se responsabilizarem pelo sustento financeiro, isso não exclui a possibilidade das famílias apresentarem uma situação socioeconômica desfavorável, como indicado em pesquisa de Lemos (2010).

Ao comparar esses dados com um estudo semelhante, realizado no Brasil, que procurou identificar o perfil sociodemográfico de 143 adolescentes em conflito com a lei no regime fechado, observa-se que metade dos adolescentes já haviam vivenciado experiências estressoras, como o desemprego dos genitores, a prisão de um membro da família e a morte de alguém importante (Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014). Frente a isso, questiona-se a importância de programas sociais que também possam auxiliar os progenitores no cuidado e na educação dos filhos, como medida de proteção ao envolvimento com a infração.

Em um estudo realizado por Farrington (2000) foram apontados como fatores de risco para o envolvimento com o ato infracional: ser do sexo masculino, possuir experiências de insucesso escolar e viver em ambientes econômicos desfavoráveis. No atinente à institucionalização, isto é, se já cumpriram algum outro tipo de medida tutelar educativa, a maioria dos adolescentes respondeu de forma afirmativa. Isso aponta para a continuidade dos comportamentos delinquentes que, conforme Negreiros (2001), pode ser entendida de três modos distintos, a saber, como expressão de estabilidade da prática infracional, como a ocorrência concomitante de comportamentos antissociais e como diversificação e progressão no delito. Dessa forma, questionam-se os modelos institucionais que abrigam os adolescentes e as políticas voltadas para a infância e a adolescência, tendo em vista que os resultados demonstraram que a maioria dos adolescentes reincidiu na infração. De modo semelhante, estudo de Neves (2007), o qual investigou um Centro Educativo de Portugal, aponta para a importância de repensar os modelos de institucionalização de adolescentes para cumprimento de medida tutelar educativa. Isso também deve ser considerado haja vista que ao cumprir uma medida o adolescente passa por uma transição ecológica, o que implica em mudanças em sua rotina e organização pessoal (Bronfenbrenner, 1996).

Quanto à perspectiva para o futuro, os jovens demonstraram motivação para concluir os estudos, buscar qualificação profissional, conseguir um emprego que garanta boa qualidade de vida e constituir família, dados corroborados por outras pesquisas realizadas com adolescentes brasileiros (Ferreira, 2008; Nardi & Dell'Aglio, 2013; Sehn, Dalla Porta, & Siqueira, 2015). Desse modo, a presença de fatores de risco na vida desses jovens, não os impede de elucidarem uma expectativa positiva em relação ao futuro, resultado também apontado pelo estudo de Sehn, Dalla Porta e Siqueira (2015). Esses aspectos apontam para a importância da interação entre os sistemas dos quais os adolescentes participam, especialmente durante o período de cumprimento de medida tutelar educativa, como uma forma de trazer novas perspectivas para além da prática delitiva. Ademais, é determinante para o caráter transitório da delinquência, a forma que o jovem estabelece suas relações com o micro e mesossistema. Tendo em vista que as conexões e os vínculos existentes entre o adolescente e aqueles que fazem parte do seu convívio influenciam indiretamente o desenvolvimento, através do efeito da interação face a face (Bronfenbrenner, 1996).

A maior parte dos adolescentes entrevistados residia com a mãe, anteriormente ao cumprimento da medida. Todavia, uma porcentagem alta informou que residia com ambos os progenitores, juntamente com um ou mais irmãos. Os índices relacionados a morar com padrasto/madrasta ou outros membros da família foram baixos. Apesar dos adolescentes residirem com os progenitores, a presença física dos pais pode ser insuficiente para evitar que o jovem se envolva com a transgressão da lei. A família é um importante microssistema que, muitas vezes, encontra-se fragilizado, especialmente quando se considera a realidade de adolescentes que cumprem medida tutelar educativa. Esse aspecto acaba permeando os outros sistemas que constituem o contexto do adolescente, como por exemplo, o mesossistema, quando se considera a interação família-escola, que na maioria das vezes, também é precária.

Estudos específicos sobre a família de adolescentes em conflito com a lei destacam que, de um modo geral, há uma sobreposição de condições sociais, econômicas e emocionais, que contribuem para o funcionamento familiar e geracional, visível na dificuldade das famílias em oferecer proteção, cuidado e apoio (Broecker & Jou, 2007; Loeber & Farrington, 2001; Nardi & Dell'Aglio, 2013; Zappe & Dias, 2012b). Quanto a esse aspecto, destacam-se ainda os estudos realizados no contexto do Brasil que apontam que a maioria das famílias dos adolescentes infratores são monoparentais, chefiadas pela mãe, apesar de muitos viverem sem a presença da figura materna (Muller et al., 2009; Nardi, Jahn, & Dell'Aglio, 2014).

Em estudo de Nardi e Dell'Aglio (2013), o envolvimento do adolescente brasileiro em atos delitivos derivou da exposição a uma variedade de fatores de risco, dentre eles as práticas parentais ineficazes. Do mesmo modo, pesquisa realizada em Portugal por Ferreira (2011) indicou que problemas familiares, como a violência doméstica, o estilo educativo permissivo ou inconsistente, e a ausência ou inadequação da supervisão parental, podem se constituir em fator de risco para a infração da lei. Ainda com relação à família, a ausência física e a participação pouco ativa dos progenitores na vida dos adolescentes, parece consistir em fator de risco, fazendo com que o adolescente busque nos amigos, na escola ou na sociedade o suporte que foi frágil ou ausente no ambiente familiar (Muller et al, 2009; Penso & Sudbrack, 2004). Diante disso, cabe questionar de que modo os progenitores podem ser envolvidos no processo de medida tutelar educativa para que eles se tornem mais presentes na vida dos adolescentes, constituindo um fator de proteção.

A ampliação dos contextos de interação na adolescência possibilita ao jovem desempenhar diferentes papéis, o que caracteriza a transição ecológica (Bronfenbrenner, 1996). Sobre o contexto escolar, os jovens relataram que estudavam em turno integral, tendo quase a totalidade do dia comprometida com as atividades letivas. Entretanto, junto com os pares, os adolescentes acabavam realizando atividades diferentes das propostas pela instituição escolar, as quais implicavam em faltar e/ou fugir das aulas. Em longo prazo, o agrupamento do adolescente com os pares para se ausentar da escola pode produzir um distanciamento dessa instituição, o que inclui a repetência e a expulsão escolar (Gallo & Williams, 2008). Esses fatores isolados, bem como agregados ao fraco monitoramento parental, podem representar fator de risco ao indivíduo, aumentando a probabilidade do adolescente se envolver em comportamentos desviantes ou que se constituem como risco para o ato infracional, como é o caso de uso ou abuso de substâncias psicoativas (Ferreira, 2011; Loeber & Farrington, 2001).

Em relação ao consumo de substâncias lícitas e ilícitas, a maioria dos adolescentes apontou já ter experimentado álcool e tabaco. Quanto às drogas ilícitas, a maconha e o haxixe foram as mais consumidas pelos adolescentes portugueses, em que o haxixe teve maior prevalência, visto que é uma substância consumida predominantemente no contexto europeu. Em relação ao momento do consumo, aproximadamente a metade dos adolescentes entrevistados referiu que consome quando está sozinho. Todavia o índice de maior destaque diz respeito ao consumo com a presença dos pares, o que corrobora estudos anteriores como o de Garcia, Pillon e Santos (2011), realizado na Noruega, em que 75% dos 150 jovens entrevistados começaram fumando tabaco, convidados por amigos. Devido à escola ser um espaço destinado aos adolescentes, o ambiente escolar favorece a identificação com os pares e a formação de grupos, bem como o encontro dos jovens para o consumo de substâncias.

A partir do exposto, foi possível identificar que os problemas relacionais na família, o baixo desempenho escolar e o consumo de substâncias lícitas e ilícitas podem favorecer o envolvimento dos adolescentes com o ato infracional. Desse modo, todos os aspectos que permeiam a vida do adolescente, a nível individual, familiar ou ambiental, estão inter-relacionados, produzindo uma cadeia de insucessos constantes que favorecem a prática delitiva e se constituem em risco para o desenvolvimento dos adolescentes. Isso ressalta a importância de investigar outras realidades e o modo como as políticas públicas e as leis são organizadas em cada contexto, a fim de se pensar em medidas para proteger o adolescente, atuando de forma mais eficaz durante o cumprimento da medida tutelar educativa e evitando a recidiva.

 

5 Considerações finais

É possível identificar a interação entre fatores individuais e contextuais que se constituem risco para a prática infracional. A vivência de experiências adversas, como ter cumprido medida tutelar anteriormente, foi um dos fatores de risco individual mais frequente nas respostas dos participantes. A reincidência no ato infracional denuncia a necessidade de avaliar o modelo de intervenção das instituições e das políticas públicas direcionadas à proteção da infância e da adolescência no contexto português. Ações voltadas para fomentar a inclusão escolar e a inserção desses jovens no mercado de trabalho são exemplos de práticas que precisam de reformulações constantes, para que possam contribuir para a reinserção social do adolescente.

Além dessas medidas relacionadas ao meso e ao macrossistema, é necessário ponderar sobre as influências do microssistema na manutenção e no enfrentamento da infração juvenil. A família é a primeira instância responsável pela socialização do adolescente, contudo, algumas delas não conseguem cumprir esse papel ou o fazem de modo frágil. Observa-se que os progenitores, por vezes, não conseguem oferecer o suporte necessário aos adolescentes. Por outro lado, a escola, que pode ser entendida como a segunda instância socializadora, na qual o adolescente tem a oportunidade de resgatar e constituir alguns laços, também não está preparada para oferecer ao adolescente o amparo necessário. Nesse sentido, cabe ressaltar a importância de políticas e programas de acompanhamento aos pais, que possibilitem tentar resgatar o vínculo com os adolescentes. Também se aponta a necessidade de pensar em ferramentas que possam contribuir para que a escola se torne um ambiente atrativo para o adolescente e se constitua enquanto proteção para o ato infracional.

Destaca-se, ainda, que o adolescente busca manejar os seus problemas do cotidiano, o que permite criar um modelo de funcionamento próprio. Esse estilo de vida, que muitas vezes é construído a partir da identificação com os pares, é concretizado na instituição escolar. Os grupos que se formam nesse ambiente permitem trocas que transcendem os assuntos estudantis, os quais possibilitam ao adolescente compartilhar o desejo por novas experiências como gazear aula, usar drogas e transgredir a lei.

Quanto às limitações desse estudo, destaca-se que os participantes responderam individualmente o questionário, no entanto as autoras do presente estudo acompanharam a aplicação, o que pode ter influenciado as respostas, tendo em vista a desejabilidade social e a disponibilidade dos adolescentes para responder questões de cunho pessoal. Também se ressalta que o instrumento era bastante extenso, o que pode ter perpassado as respostas dos meninos. Nesse sentido, seria importante a utilização de outros instrumentos, como por exemplo, uma entrevista que permitisse acessar dados qualitativos sobre os participantes, oportunizando a triangulação dos dados. Apesar de a amostra envolver um pequeno número de participantes, foram acessados todos os adolescentes que cumpriam medida tutelar educativa no Centro Educativo e aceitaram participar do estudo. Ainda se considera relevante destacar que não foram realizadas análises inferenciais, o que limita o avanço de correlações entre os dados.

Neste estudo não foram contempladas algumas questões, as quais podem ser investigadas em pesquisas futuras. Dentre elas, salienta-se a relação que o jovem estabelece com a droga, o papel do Centro Educativo, as taxas de reincidência, estudos comparativos envolvendo o perfil de adolescentes de realidades distintas, entre outros fatores que poderiam auxiliar na compreensão do comportamento infrator.

Apesar disso, destacam-se algumas contribuições, tendo em vista que descrever um fenômeno considerando uma realidade específica, permite comparar os aspectos que permeiam a problemática da prática delitiva na adolescência, no intento de pensar em estratégias que atuem como fator de proteção na trajetória de vida dos adolescentes. Frente a isso, aponta-se que conhecer o perfil dos adolescentes de um centro educativo permite pensar em projetos de vida e ações preventivas, com vistas a proteger os adolescentes do envolvimento com o ato infracional. Este estudo também pode auxiliar na elaboração de políticas públicas e estratégias que visem a fortalecer os espaços, que podem se constituir em proteção para os adolescentes, como a família, a escola e a comunidade. Diante do exposto, considera-se que o estudo dos fatores de risco em adolescentes portugueses é importante para a compreensão da prática infracional. Ressalta-se que os fatores de risco podem se apresentar de forma individual, bem como podem estar interligados uns com os outros. Salienta-se, também, que o que representa fator de risco para um jovem nem sempre se constitui risco para outro, considerando o caráter flexível e dinâmico que essas variáveis assumem. Isso justifica a importância de delinear alguns fatores de risco, presentes na vida desses adolescentes, permitindo estratégias que os amparem e os protejam de suas vulnerabilidades, anteriormente e durante o período de cumprimento de medida tutelar educativa.

 

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Endereço para correspondência
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
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Endereço eletrônico: amanda_sehn@hotmail.com
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Ana Cristina Garcia Dias
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Recebido em: 05/08/2015
Reformulado em: 17/03/2016
Aceito para publicação em: 25/05/2016

 

 

Notas

* Psicóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Psicóloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria.
*** Psicóloga, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.
**** Psicóloga, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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