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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.16 no.spe Rio de Janeiro esp. 2016

 

ARTIGOS

 

Controvérsias atuais no tratamento do autismo na França: o que está em jogo para a psicanálise

 

Current controversies in the treatment of autism in France: what is at stake for psychoanalysis

 

Controversias actuales en el tratamiento del autismo em Francia: qué está en juego para el psicoanálisis

 

Controverses actuelles dans le traitement de l'autisme en France: ce qui est en jeu pour la psychanalyse

 

Marie-Jean Sauret *, I; Sidi Askofaré **, I; Pascale Macary-Garipuy ***, I; Daniel Camparo Avila - Tradutor ****, II

I Université de Toulouse II-Le Mirail, France
II Universidad de la República, Montevideo, Uruguay

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Existe um problema concreto: o sofrimento, a angústia e a violência das quais uma pessoa com autismo infelizmente é testemunha, e o tormento que certas famílias experimentam na medida em que tentam lidar com os problemas emocionais e educacionais desse membro da família, assim como os desassossegos econômicos que os acompanham.

Palavras-chave: autismo, psicanálise, França.


ABSTRACT

A very real problem exists: the suffering, the anxiety and the violence to which an autistic person sadly bears witness and the turmoil experienced by certain families as they attempt to deal with the emotional and educational problems of their family member as well as the attendant economic burdens.

Keywords: autism, psychoanalysis, France.


RESUMEN

Hay un problema real: el sufrimiento, la angustia y la violencia de la que una persona con autismo es por desgracia testigo, y el tormento que experimentan ciertas familias mientras intentan manejar los problemas emocionales y educativos de ese miembro de la familia, así como las inquietudes económicas que los acompañan.

Palabras clave: autismo, psicoanálisis, Francia.


RESUMÉ

Il y a un problème spécifique: la souffrance, l'angoisse et la violence dont souffre tristement une personne atteinte d'autisme, et le tourment que certaines familles éprouvent en essayant de gérer les problèmes émotionnels et éducatifs de ce membre de la famille, ainsi que le bouleversements économiques qui les accompagnent.

Mots-clés: autisme, psychanalyse, France.


 

 

A situação francesa

Existe um problema concreto: o sofrimento, a angústia e a violência, sobre os quais uma pessoa com autismo infelizmente é testemunha, e o tormento que determinadas famílias experimentam na medida em que tentam lidar com os problemas emocionais e educacionais desse membro da família, bem como os desassossegos econômicos que os acompanham. A angústia dos familiares de autista aumenta com a insuficiência de centros de tratamento e programas específicos, agravada pelo estigma social, e pela instrumentalização do autismo para fins ideológicos ou comerciais. Uma polêmica: os personagens principais estão essencialmente ausentes, apesar do envolvimento de associações, muitas das quais podem ser suspeitas de parcialidade em razão de sua ligação com diversos lobbies anti-psicanalíticos (Maleval, 2012).

Este artigo busca destacar as razões para a polêmica a respeito do autismo, tendo em vista o modo como ele é entendido e explicado de modo geral; e também focalizar o conteúdo dos ataques feitos  no campo oposto, por parte de alguns profissionais, tais como: neurobiólogos, behavioristas ou outros neurocientistas, bem como as associações de familiares de pessoas com autismo que apoiam e até mesmo participam de seus estudos. Além disso, vamos examinar porquê a psicanálise é, muitas vezes, o alvo de seus ataques, ainda que, como veremos, os próprios psicanalistas não sintam que as alegações realmente se apliquem ao seu trabalho. Concluiremos esclarecendo o que a psicanálise realmente oferece a esses pacientes.

 

1. Um pouco de história

Confrontado com a necessidade de responder às consequências psicológicas da Segunda Guerra Mundial, na esteira do governo provisório da República Francesa (1944-1946), o Estado (sob a forma da Quarta República) fez de Daniel Lagache o responsável pela formação dos primeiros psicólogos clínicos da nação (Ohayon, 1999; Sauret & Alberti, 1995). O que quer que pensemos a respeito dessa iniciativa ou de quem a executou, os clínicos que ele formou tinham de fato uma orientação psicanalítica. Os primeiros sinais do declínio dos modelos psicopatológicos, que eram incapazes de fornecer uma teoria geral sobre a doença mental, levaram psiquiatras a assumir uma abordagem individualizada e um tratamento adaptado a ela, o que a psicanálise parecia prometer. Mais tarde, sucessivos governos continuaram com esse esforço institucional, que começou durante a Ocupação, por meio da criação de clínicas e planos de tratamento que aceitaram muitos profissionais psicanaliticamente orientados (psiquiatras, psicólogos e educadores). Esse era um projeto tanto do governo colaboracionista de Pétain quanto da própria psiquiatria. Assim, já durante a guerra e especialmente depois da Libertação, psiquiatras como Georges Daumezon (Hospital Psiquiátrico Fleury-les-Aubrais), Lucien Bonnafé (Sotteville-lès-Rouen) e François Tosquelles (Saint-Alban en Lozère) desenvolveram uma nova forma de tratamento hospitalar que viria a ser conhecida como "psiquiatria institucional" (Mornet, 2007).

A princípio, e como consequência da acusação, em 1953, de que psicólogos e psicanalistas estavam praticando medicina ilegalmente (sem licença), a lei francesa subordinou a psicologia clínica à supervisão terapêutica de um médico; como resultado, aqueles que haviam sido conhecidos como "Centros Psicopedagógicos" (Centres Psycho-Pédagogiques ou CPP) se tornaram "Centros Médico-Psicopedagógicos" (Centres Médico-Psycho-Pédagogiques ou CMPP). Havia na França uma oposição de facto à ideia freudiana da análise leiga (análise por não médicos), o que não se estendia, no entanto, à sua proibição na prática privada. Ao mesmo tempo, chegava à França a primeira versão do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association, 1952), que incorporava uma abordagem psicanalítica. Um momento posterior seria caracterizado pela terceira versão do DSM (American Psychiatric Association, 1980), que agora era resolutamente a-teórico, e a partir de então todas as edições seguintes do texto têm trabalhado para se livrar daquilo que dificilmente nos atreveríamos a chamar de "psicopatologia" (já que resta tão pouco de "psique"), e de todos os últimos vestígios de psicanálise (saem "histeria", "neurose obsessiva" etc.). Existe um contraste de facto – que está em processo de ser dissolvido – entre, por um lado, a nova psiquiatria francesa – primeiro na universidade e suas unidades de pesquisa – que está cada vez mais contaminada pelo DSM e, por outro lado, a tradicional orientação psicodinâmica – ou apenas psicopatológica – da psiquiatria francesa, que perdura nos centros de tratamento psiquiátrico. Essa é uma visão geral de uma situação que se beneficiaria com um maior esclarecimento com relação à ideologia da globalização e a história paralela da ciência cognitiva (das conferências Macy à sua absorção da psicopatologia e da psiquiatria por fagocitose) (Andler, 2004; Dupuy, 1994). Essa história serve como pano de fundo para uma disputa que é interna para a França, mas também nos dá uma pista sobre a transformação do conhecimento envolvida nas "fronteiras da globalização".

Na França, pelo menos, esse conflito foi tomando forma por um bom tempo, alimentado por ataques diretos à psicanálise (Freud, Lacan e o resto), aos quais contribuíram desacordos entre psicanalistas (lacanianos e não lacanianos), e também por um questionamento sobre a forma pela qual os psicanalistas ou psiquiatras psicanaliticamente orientados vinham tratando o autismo (e não apenas o autismo); isso tem acontecido mesmo quando a prática que está sob ataque não tem nada a ver com a psicanálise propriamente dita (isto é, o "packing", uma técnica baseada em envolver o corpo com um lençol úmido, que discutiremos mais tarde). Examinaremos as principais críticas na terceira parte deste artigo.

Para dar um exemplo aqui, recordamos alguns dos passos no desenvolvimento da polêmica: as várias queixas feitas ao Conselho Consultivo Nacional de Ética (Comité consultatif nacional d'éthique ou CCNE), pela associação Autisme France entre outras, que incluíam alegações de que os psicanalistas estariam negligenciando o atendimento a pessoas em perigo (Comité consultatif national d'ethique pour les sciences de la vie et de la santé, 1996); a sucessão de relatórios do INSERM (Institut National de la Santé et de la Recherche Medicale) – o conselho de saúde pública –, primeiramente sobre a avaliação de diferentes técnicas psicoterapêuticas (que desqualificavam a psicanálise) (Institut national de la santé et de la recherche médicale, 2004), depois sobre distúrbios de comportamento em crianças e adolescentes (que privilegiavam causas biopsicossociais) (Institut national de la santé et de la recherche médicale, 2005); uma série de livros, incluindo: Mensonges freudiens [Mentiras freudianas], de Jacques Bénesteau (2002), Le livre noir de la Psychanalyse [O livro negro da Psicanálise], editado por Catherine Meyer (2005), Le crépuscule d'une idole [Crepúsculo de um ídolo], de Michel Onfray (2010), sem esquecer o filme O Muro, dirigido por Sophie Robert (2012), que foi condenada em tribunal por ter deturpado os analistas que entrevistou (FTVi & AFP, 2012).

O pico mais recente desse confronto foi alcançado com a dupla proposição de um membro da ala da direita da Assembleia Nacional, Daniel Fasquelle, que procurou proibir não só o tratamento psicanalítico de pessoas com autismo, mas também o ensino e a pesquisa psicanalítica na universidade, uma proposição que já foi transmitida pela Comissão de Regulamentação da Saúde Pública (Haute Autorité de Santé ou HAS). Em um relatório ainda não publicado, esta última escreve: "A ausência de dados sobre a sua eficácia e a divergência de opiniões expressadas não nos permite chegar a uma conclusão sobre a adequação dos tratamentos com base em abordagens psicanalíticas ou em psicoterapia institucional". Esse relatório, citado no jornal Libération (Favereau, 2012), viria a ser repudiado pela HAS (apesar dos protestos de associações hostis à psicanálise)... embora a HAS tenha confirmado o seu parecer desfavorável à psicanálise (APM, 2012). Outro ápice na luta contra a psicanálise foi a eleição, na Seção de Psicologia (16) do Conselho Universitário Nacional [Conseil National Universitaire] – a seção que supervisiona o ensino e a pesquisa em psicologia na universidade francesa – de pesquisadores que, em nome da clínica científica (experimental), tinham como plataforma pôr fim à especificidade da clínica (psicanalítica) (Ministère de l'Éducation nationale, 2011). A eficácia real do lobby pode ser visto claramente nas modificações da lei no sentido de constituir uma "Psicologia do Estado" (Maleval & Sauret, 2006): as várias propostas para uma lei de sentença mínima obrigatória (que permite que uma pessoa seja presa não por aquilo que ele ou ela fez, mas pelo que ele ou ela é; por exemplo, um pedófilo poderia permanecer encarcerado após o cumprimento da pena, por causa do temor de reincidência); a criminalização dos adolescentes (redução da idade de maioridade legal); as proscrições especificamente orientadas aos adolescentes (limitações ao direito à reunião pública pacífica ou encontros nos salões de edifícios); a dupla pena infligida a famílias de jovens delinquentes que enfrentam a perda de benefícios previdenciários etc., etc. Essa lista ad nauseam poderia ser enfeitada com várias cerejas: a eliminação de 2.500 assistentes de ensino de educação especial (Réseaux d'enfants auxiliares specialisées aux en difficulté de l'éducation nationale ou RASED) (LeMonde.fr & AFP, 2012), a retirada do direito de psicólogos a tempo para formação e pesquisa (Formation, information et recherche) – tempo usado para escrever notas clínicas, supervisão de alunos e educação continuada (Vucher, 2011); e o novo regulamento do título de "psicoterapeuta", de modo a exigir o exclusivo uso de técnicas aprovadas pelo Estado. No contexto dessa extensão do aparelho jurídico-penal, é fácil entender como associações diferentes e cada vez mais agressivas acabam levando psiquiatras infantis ao tribunal por seus métodos de tratamento, exatamente o que aconteceu com o professor Delion (um defensor do "packing", que é usado na ala infantil que ele dirige), que foi convocado por seu conselho médico universitário local (LeMonde.fr, 2012; Spinney, 2007). Também não vamos esquecer como o Conselho da Europa, que investiga os padrões de direitos humanos, julgou procedente a reclamação apresentada pela Autisme France de que a França tem se negligenciado a oferecer a indivíduos com autismo as oportunidades educacionais que eles necessitam e que, portanto, não respeitou as responsabilidades internacionais estabelecidas na Carta Social Europeia (mag2, 2012).

Que o autismo de repente tenha se tornado uma importante preocupação nacional, que permite ao governo mostrar sua preocupação com os desejos das famílias afetadas – sem também alocar recursos adicionais para elas –, faz pensar se isso não tem sido fundamentalmente um estratagema eleitoral. Mas não apenas: talvez seja também um momento fortuito para assumir a antropologia ideológica pela qual o mundo moderno convida cada um de nós a conceituar a nós mesmos.

Há muito tempo, alguns observadores argutos começaram a notar os sintomas do desencantamento com a psicanálise. Quando eles tentaram chamar a atenção para esse fenômeno e explicá-lo em termos de mudanças na natureza do próprio laço social, a maioria dos psicanalistas permaneceu cética; de acordo com esses últimos, uma vez que a psicanálise havia sempre provocado resistências e continuava a fazê-lo, isso não era nada novo, e ninguém deveria perder o sono por isso. A resistência que nasce com Freud não é, porém, a mesma que a rejeição àquilo que ele engendrou: nos próprios termos de Freud, o recalque (Verdrängung) não é a rejeição (Verwerfung, ou seja, foraclusão). Em sua maneira inimitável, Lacan oferecia uma chave a esse problema, localizando a resistência do lado do analista, com quem o analisando discute o que ele ou ela não quer saber. Na medida em que os analistas incorporam aquilo que resiste a ser conhecido, eles são um sintoma e certamente não apenas no contexto do tratamento em si, mas também para os tempos em que vivem. Enquanto houver algum movimento de resistência ao "sintoma psicanalista", como é entendido desta forma, torna-se possível explicar as coisas afirmando que algo do discurso psicanalítico ainda continua a se manifestar. No entanto, é precisamente o "sintoma psicanalista" que está sendo invadido pelas revisões ideológicas e políticas da psicopatologia por um Estado que pode conceber a psique apenas em termos de "desordem" e "disfunção". Tais revisionistas podem, desse modo, repetir a sua acusação de "ineficácia" e qualidade "tóxica" da psicanálise até a exaustão; não há lugar para o debate e, portanto, não há lugar para enfrentar o sintoma psicanalista.

Para dar um resumo exagerado do primeiro ponto desse argumento, poderíamos dizer que a disputa se resume a uma oposição entre duas percepções heterogêneas do sintoma: para os behavioristas, o sintoma é sinal de doença, como se entende em termos do modelo de medicina orgânica, enquanto que, para os psicanalistas, o sintoma também passa a ser algo que é testemunha de um sentido oculto (recalcado) que regula o funcionamento psíquico. Agora, no que diz respeito ao autismo, este segundo ponto de vista está muito longe de ser tão evidente como na histeria de conversão, por exemplo, e isso só contribui para as críticas daqueles que a rejeitam a priori.

 

2. Definição dos termos

O que é o autismo nesse contexto? É relevante distinguir as várias etapas da construção das noções dominantes de autismo.

A primeira etapa é a mais conhecida: o uso por Bleuler (1950, 1988)do termo para designar uma característica da esquizofrenia; a sua invenção por Kanner (1943) como uma categoria nosográfica; a extensão feita por Asperger (1938) para incluir os "savants". Com a ajuda do DSM, "especialistas" observaram crianças reais (ou gravaram as histórias contadas por seus familiares e outros cuidadores), o que lhes permitiu listar uma série de comportamentos problemáticos: resposta inadequada a estímulos sociais, incapacidade de manter contato com os olhos, mutismo, ansiedade, agressividade, acessos de raiva, estereotipias (autoestimulação), ecolalia etc. Nenhum indivíduo poderia possuir todas as características enumeradas em uma lista desse tipo, o que significa que ela não fornece uma definição precisa da condição: cada caso particular de autismo é potencialmente diferente, não só em termos do retrato abstrato pintado por tal lista, mas também porque cada pessoa com autismo na qual ela se baseia é única. É aqui que a noção de "espectro do autismo" entra em jogo, pois permite uma série de tipos a serem agrupados: autismo profundo ou de baixo funcionamento (Kanner), autismo de início tardio, autismo com síndrome de savant (Asperger) e formas atípicas de autismo ("transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação").

Segunda etapa: o que causa esse "autismo", que, como resultado de sua aparência inicial, é apresentado como um acidente no desenvolvimento? Dentro da ótica do behaviorismo, estudos de corte com grupos de indivíduos com autismo já obtiveram correlações estatísticas entre o diagnóstico de autismo e diversos fatores biológicos, sociais e psicológicos. Foram estabelecidas listas desses fatores que, mais uma vez, incluem tantos itens que é impossível encontrá-los todos em uma pessoa com autismo. No entanto, os especialistas concluem (em vista dos diversos eventos orgânicos concorrentes), por exemplo, que neuroimagens demonstraram que o autismo tem uma causa orgânica e que a literatura médica internacional apoia a conclusão de que o espectro do autismo é causado por distúrbios do neurodesenvolvimento.

Hoje, ninguém pode negar que existam complicações orgânicas ou que as mesmas possam levar a uma disfunção psicológica. No entanto, a menos que passemos a diagnosticar o autismo em qualquer criança que tenha sofrido algum tipo de problema biológico que altere o funcionamento cognitivo, as mesmas causas orgânicas também serão identificadas em outras psicopatologias, e não há certeza de que uma causa em particular tenha o mesmo efeito em todos. A partir dessa observação, devemos concluir que é muito importante garantir que o tratamento esteja adaptado às necessidades de cada paciente com autismo. Ele também deve nos levar a reconhecer que ainda temos muito a aprender sobre o que o autismo realmente é. A proliferação de fatores implicados e comportamentos atribuídos ao autismo revela não apenas que existe uma dimensão orgânica para as funções psíquicas, mas também que há uma margem de incerteza entre essas determinações causais e seu suposto efeito de "produção de autismo".

Nancy Andreasen entendeu isso já em 1998, quando escreveu, com relação à esquizofrenia:

Felizmente, os europeus ainda têm uma imponente tradição de pesquisa clínica e psicopatologia descritiva. Algum dia, no século XXI, depois de o genoma humano e o cérebro humano terem sido mapeados, alguém pode precisar organizar um plano Marshall invertido para que os europeus possam salvar a Ciência americana, ajudando-nos a descobrir quem realmente tem esquizofrenia ou o que a esquizofrenia realmente é. A incipiente escola Americana de psicopatologia descritiva terá se tornado extinta. Contudo, não podemos aplicar os frutos potencialmente grandes do Projeto Genoma Humano às doenças mentais complexas se não tivermos mais investigadores clínicos que tenham dedicado suas carreiras de investigação para conceituar a natureza e as definições dos sintomas, síndromes, doenças ou diagnósticos (Andreasen, 1998).

É disso que se trata a clínica: não a observação de casos específicos integrados em uma base de dados estatísticos que cospe uma foto de alguma entidade abstrata com autismo, mas sim levar cada caso em consideração. Essa é a nossa segunda divergência com os behavioristas, seguindo o conceito de sintoma descrito anteriormente. É apenas nesse nível que a psicanálise pode intervir, como um dispositivo aberto a um sujeito dito autista. Nesse sentido, não seria injusto falar de uma clínica científica? Em outras palavras, não seria a discussão sobre diagnóstico uma falsa discussão, na medida em que a ciência lida com o geral, enquanto que a clínica lida com o singular? No mínimo, deveria ser reconhecido que cada uma dessas abordagens tem a sua própria relação com a ciência.

Esta discussão, no entanto, continua a retornar, pois aqueles que sustentam abordagens cognitivo-comportamentais usam o pretexto de que o autismo é incurável e confiam em deficiências observadas no desenvolvimento – aqui uma vez mais, a entidade abstrata – a fim de estabelecer programas educacionais que serviriam ao "bem-estar geral" (os mais conhecidos na França são TEACCH, ABA e alguns outros). Nos atreveríamos a sugerir aqui que levar o singular em conta não é o equivalente de querer o seu bem (bem-estar); fazê-lo implicaria que já sabemos o que seria útil, sem pensar sobre isso no contexto de um encontro clínico. Cada um de nós pode legitimamente perguntar não só sobre os efeitos subjetivos da substituição de um abordagem educacional controlada pela ciência para as relações com os pais, mas também sobre os efeitos de rotular uma criança como "autista", se o termo é entendido dessa forma.

 

3. O conteúdo da polêmica

Do que a psicanálise tem sido acusada, em geral (uma avaliação detalhada de todos os detalhes está além do escopo deste artigo)? As várias acusações podem ser divididas em quatro grupos: a) a psicanálise apoia uma psicogênese do autismo, em lugar de causas fisiológicas (e da medicina baseada em evidências, também); b) a psicanálise dá preferência ao sujeito, em vez de uma orientação biopsicossocial unificada; c) ela apoia a noção de singularidade em oposição ao cientificismo humanístico, predominante e politicamente correto; d) a psicanálise deseja manter métodos terapêuticos que são "ineficientes e tóxicos", em contrate com métodos educacionais.

3.1. Psicogênese "delirante"

Um pequeno trecho do jornal Le Figaro, publicado em 8 de fevereiro de 2012, diz tudo, resumindo as queixas repetidas em um artigo após o outro:

Por que a noção de que a criança autista está presa dentro de si, por culpa da mãe, permanece popular apenas na França? Ideia defendida pelo psicanalista Bruno Bettelheim em A fortaleza vazia, publicado em 1967. A resposta se encontra com os psicanalistas, que teimosamente se opõem a qualquer avaliação objetiva dos seus métodos. Muitos deles têm se feito de surdos à clara evidência de que há um componente genético muito forte para o transtorno, o que, sem resolver o mistério da causa do autismo, desacredita modelos psicanalíticos... Em 2007, a revista médica internacional The Lancet observou com surpresa que uma técnica como o "packing" (baseada em envolver as crianças em lençóis frios e úmidos para dar-lhes um sentido dos limites de seus corpos) ainda é utilizada na França, apesar de sua eficácia nunca ter sido estudada. Na França, e em nenhum outro lugar! Outros psicanalistas continuam a prescrever, e novamente, isso ocorre apenas na França, que os pais sejam mantidos longe da criança (Perez e Mascret, 2012).

O packing e o tratamento residencial são apresentados, mais uma vez, como técnicas psicanalíticas que poderiam ser usadas para dar consistência à ideia de uma "excepcionalidade francesa" atribuída a instituições que prestam cuidados de saúde mental.

Os defensores desse chamado "excepcionalismo francês" (como se a França fosse o único país do mundo onde os psicanalistas tratam o autismo!) são acusados de ser obstinadamente ignorantes da etiologia biológica garantida por biólogos como Thomas Bourgeron (2012), por exemplo, um apoiador oficial de Sophie Robert, que dirigiu o filme O Muro:

Atualmente, em nível internacional, a pesquisa do autismo reúne muitas disciplinas como a psiquiatria, neurobiologia e genética. Essa abordagem do autismo, fundada em dados científicos, permitiu avanços significativos, que esperamos que venham a melhorar o diagnóstico, tratamento e integração de pessoas com autismo.

Com relação à genética, os resultados recentes mostram: 1) que existem genes específicos associados com o autismo, e 2) que esses genes estão atualmente agrupados em duas grandes vias biológicas que modulam a formação de conexões neuronais (sinapses) (Bourgeron, 2012).

Essa etiologia, no entanto, não é consensual e outros geneticistas têm desenhado um retrato com mais nuances. Por esse motivo, em 2004, Jacqueline Nadel fez um apelo pela fundação de uma rede multidisciplinar, e embora certamente confirmando que os problemas que caracterizam o autismo são, em parte, de origem genética ("o resultado de anomalias cerebrais que aconteceram prematuramente"), também especificou duas frases mais abaixo, que

A natureza dessas alterações está começando a ser compreendida, mas a sua conexão com as características comportamentais do autismo ainda está longe de estar identificada. Acrescente-se que nem os marcadores biológicos desta síndrome nem os modos mais eficazes de intervir foram elucidados (Nadel, 2004; Jordan, 2012).

Vamos insistir no fato de que, neste momento, menos de um quarto dos casos são considerados ligados a fatores patológicos que foram identificados; esses fatores, por sinal, são bastante diversos.

Qual é, então, o sentido de acusar a psicanálise de uma determinação de não saber nada sobre a etiologia orgânica? Existem vários sentidos. Isso permite que:

• todos os psicanalistas, sem nuances, sejam rotulados de obscurantistas;
• uma hipótese determinista seja atribuída aos psicanalistas; essa hipótese pode ser refutada e, claro, é imediatamente refutada;
• a culpa dos pais seja eliminada ao culpar os psicanalistas por tê-la criado com a sua teoria (a prova de Bettelheim);
• se atribua aos psicanalistas uma teoria que engajaria a educação no brincar (já que, de acordo com os psicanalistas, o autismo seria supostamente o resultado de um mau posicionamento da mãe): seus críticos poderiam então legitimamente introduzir novas práticas educacionais ligadas à ciência;
• psicanalistas sejam reprovados pela ineficácia da sua forma de tratamento, invalidando assim qualquer concepção da psicanálise; da mesma forma, não podemos censurar nossos críticos pela sua própria falta de efetividade, uma vez que eles adotaram a tese de uma etiologia biológica;
• os críticos da psicanálise se retratem como os campeões da educação e dominem o mercado do autismo (instituições, fundos públicos, métodos de aprendizagem);
• esses críticos não prestem atenção às publicações psicanalíticas, como é demonstrado pela crítica – que busca ser radical, mas que é, na melhor das hipóteses, ignorante – feita à psicanálise por Bernadette Rogé (citada por Dufau, 2012): é inútil colocar alguém com autismo no divã.

3.2. Culpa e recusa da concepção biopsicossocial

Os psicanalistas – e eles não são os únicos – não encontraram nenhuma evidência de que tal teoria esteja isenta da culpa: de acordo com os defensores da terapia cognitivo-comportamental, o autismo é culpa do Outro – do organismo, do aparelho psíquico, do ambiente (mas nunca da mãe!). Esta concepção permite-lhes exigir que pessoas com autismo sejam reconhecidas... como deficientes. Acima de tudo, ela habilita os defensores dessa abordagem para a obtenção de fundos e recursos para pesquisa em um campo que é cientificamente reconhecido por seus pares.

É inútil insistir no fato de que, do ponto de vista da psicanálise, a culpa tem muito pouco a ver com qualquer falha (moral) ou erro de ensino; ela é, pelo contrário, constitutiva do humano como tal. Essa culpa busca apenas encontrar alguma razão para justificá-la, uma razão que poderia incluir ter transmitido um "defeito" genético ou ter sido incapaz de proteger a criança de um acidente orgânico. Sabendo-se disso, em termos objetivos, não ser culpado de nada possui pouca influência na situação.

Talvez seja necessário realizar um inventário das elaborações psicanalíticas sobre o autismo, e empreender uma crítica tenaz das teorias que produziram comportamentos problemáticos como consequência. Entretanto, nesse contexto, é difícil deixar de observar que, apesar de o autismo ter sido inventado por Kanner e Asperger, é com psicólogos e psicanalistas como Melanie Klein (e sua posição esquizo-paranóide), Bruno Bettelheim (e sua controversa concepção da "fortaleza vazia") e Frances Tustin (e as diferentes variações de autismo infantil) que temos uma dívida pelo seu interesse por crianças que, até então, na maioria das vezes eram abandonadas à sua própria sorte, apesar dos esforços enérgicos de suas famílias para conseguir alguém que trabalhasse com elas.

Deve-se notar que a rejeição à teoria que culpa as mães, atribuída – não sem um pouco de caricatura – a Bruno Bettelheim, e a tentativa de reduzir o autismo a causas biológicas, proibindo, assim, quaisquer acusações dirigidas contra a família, não têm produzido os efeitos procurados: elas nem reduziram a ansiedade da pessoa com autismo nem os sentimentos de culpa dos pais. Talvez possamos ver nesse fato precisamente a marca do sujeito (pai ou filho), que não está disposto a abandonar as suas prerrogativas em face de qualquer suposta causa, não importa o que possa ser dito sobre isso!

Não entraremos aqui em uma discussão sobre a posição subjetiva de uma pessoa diagnosticada com autismo: a questão de se o autismo é uma categoria separada ou deve ser considerada um tipo de psicose. Quanto a este ponto, não há unanimidade, mas numerosos psicanalistas têm defendido a sua especificidade; entre muitos outros, estão Geneviève Haag (2008), Marie-Christine Laznik (2003, 2007), Jean-Claude Maleval (2009, 2010), Henri Rey-Flaud (2010), etc. Suas divergências dizem respeito a se o autismo é uma categoria que completaria o trio freudiano (neurose, psicose, perversão) ou se é uma psicose complementar – o autista se torna autista – isto é, localizado do lado da esquizofrenia e da paranóia.

3.3. Psicanálise anti-humanista

Os psicanalistas estão sendo acusados de negligência, porque supostamente se recusavam a permitir que pessoas com autismo tivessem acesso a educação e aprendizagem especiais. Deste modo, o debate que opõem behavioristas e psicanalistas pode geralmente ser resumido pela seguinte questão: "A criança com autismo deve ser estimulada com terapias educacionais ou devemos esperar que a criança se expresse?". Ao optar pela segunda solução, os psicanalistas estão supostamente deixando de "se preocupar com o bem-estar" das pessoas com autismo. No entanto, os críticos da psicanálise nunca perguntam aos pacientes com autismo as suas próprias opiniões sobre a questão. Os behavioristas e neurocientistas estão impedidos de perguntar a esses pacientes a sua concepção não só do que é bom para eles, mas também do que a natureza humana é. Eles dizem que acreditam no livre-arbítrio, o que significa que eles pensam que apenas as pessoas que são saudáveis em corpo e mente são responsáveis por seus atos. Talvez seja por isso que mais atenção é dada ao autismo do que a outros problemas – suicídio, por exemplo – que deveriam merecer pelo menos tanta publicidade e apoio financeiro. De fato, o autismo fornece a possibilidade de um teste no mundo real, por assim dizer, do modelo biopsicossocial do indivíduo sobre o qual todo o funcionamento do capitalismo é baseado. É um indivíduo que pode ser reduzido completamente aos fatores que o determinam – uma máquina útil, eficaz, lucrativa, flexível, durável e econômica que existe para processar a informação; o que lhe foi subtraído é a capacidade de julgamento e a responsabilidade tanto por suas escolhas quanto pelo lugar no qual ela pode "viver junto" com os outros. Em suma (e em aparente contradição com a aparente crença do neurocientista no livre-arbítrio), é um indivíduo incapaz de fazer escolhas reais.

Não há desejo de demonizar os críticos da psicanálise aqui; o debate não tem nada a ganhar com isso. Porém é exatamente essa concepção de sujeito biologicamente compatível que subjaz à ideologia nazista e ao materialismo científico (em sua versão stalinista). Sabemos claramente que tipos de organização social buscam organizar a coletividade dessa maneira "científica". O que nos faz detestar admitir tudo isso? Muitas revistas "científicas" têm se recusado a divulgar esse argumento, apesar da literatura já referenciada. Mesmo se o que acaba de ser dito não é nada mais do que uma caricatura, os traços acentuados pelo menos são aqueles que nos alertam. De qualquer modo, cabe àqueles que reduzem o ser humano a determinantes biológicos explicar-nos como o seu "biologismo" pode ser diferenciado dos terríveis biologismos que mancharam a história do século XX. Será que quem se recuse a se envolver nessas questões poderia se tornar cúmplice do pior que poderia ocorrer? Desse ponto de vista, chamamos a atenção para o fato de que membros do partido de direita mais poderoso na França, a União por um Movimento Popular (Union pour un Mouvement Populaire – UMP), e da extrema direita figuram entre os proponentes de teorias biologizantes e defendem teorias comportamentais do autismo; seu apoio pode não ser suficiente para desqualificar essas teorias, mas a sua proximidade é um sinal de alerta. Talvez, então, o mínimo que uma teoria baseada em uma "caricatura" pode fazer é mostrar a loucura de estabelecer uma oposição entre métodos educacionais e psicanalíticos, e de apresentar a psicanálise, de forma inadequada, como uma alternativa para a educação; a vida das crianças com autismo não para na porta da sala de aula de educação especial, nem no consultório do psicanalista.

 

4. O que oferece a psicanálise

No contexto da disputa que temos tentado explicar, como podemos apresentar o que a psicanálise tem para oferecer, sem desistir do que é fundamental nem continuar a agir como se essa discordância fosse ilegível?

Parece que as técnicas educacionais realmente não levam em conta a opinião da pessoa com autismo e negligenciam a angústia que acompanha a condição (ou a consideram apenas como uma forma de stress). Para o psicanalista, no entanto, ela é um caminho para o real com o qual o sujeito chamado autista está confrontado. Nessa base, a psicanálise está justificada em supor que há um sujeito no sentido completo do termo e, portanto, oferecer-lhe a atenção necessária para que o sujeito se manifeste em seu próprio caminho; justifica-se também pela tentativa de dar o acolhimento adequado à particularidade do sujeito (não importando a orientação do psicanalista – precisaríamos de outro artigo para discutir as diferenças). Além disso, a psicanálise tenta acompanhar esse sujeito em seu esforço para encontrar ou construir uma resposta para a sua ansiedade (bem como a sua violência e ódio) e dar apoio às invenções através das quais ele já habita a relação analítica e até mesmo, às vezes, um vínculo social que excede os limites do tratamento. Quando esse tipo de trabalho é avaliado, este aspecto de "viver juntos" é muitas vezes esquecido, ou se reduz (isto é, é confundido com) os efeitos acumulativos do cuidado infantil, de terapias educacionais e de redução da ansiedade, agressividade e das dificuldades sexuais. Inclusive acontece de o tempo passado com o sujeito chamado autista ser jogado contra a psicanálise, devido ao seu custo e ao fato de que ele não parece ensinar novas habilidades; tal crítica ocorre mesmo se a criança teve uma boa experiência.

Os críticos da psicanálise e, consequentemente, de todos os centros de tratamento pós-guerra (CMPP, Hospitais-Dia etc.) parecem ter esquecido de que a educação tem sido sempre uma parte importante dos serviços dedicados ao autismo; sempre houve educadores na equipe para apoiar as crianças em suas atividades diárias, bem como durante diferentes atividades de aprendizagem, e as crianças são enviadas para a escola o mais rapidamente possível, seja nos centros de tratamento ou na rede pública de ensino (na França, essa tem sido a prática desde a década de 1960). Fonoterapeutas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas fornecem diferentes tipos de tratamento também. Adversários da psicanálise muitas vezes não levam essas formas de tratamento em conta, chegando automaticamente à conclusão de que apenas os métodos TEACCH ou ABA são válidos para o autismo (habitualmente justificados com base no assim chamado "conhecimento científico"): não são, portanto, apenas os psicanalistas e psiquiatras infantis que estão expostos ao ridículo, mas também todos os outros profissionais que trabalham em centros onde crianças com autismo são tratadas, uma vez que existem muitos tipos de cuidados prestados por uma rede de diferentes disciplinas.

O esforço obstinado por restringir o tratamento a um rigoroso plano de aprendizagem e educação, como resultado da redução do autismo a um determinismo biológico, em última análise incurável, tem a tripla vantagem de estar integrado ao discurso científico, fornecer avaliações cientificamente mensuráveis de possíveis progressos (ou da falta deles) e ser isomórfica com a ideologia cientificista de hoje. Isso realmente vai melhorar a resposta ao sofrimento das famílias de crianças com autismo?

Basicamente, a abordagem psicanalítica poderia se resumir a uma conclusão muito simples, a partir da qual é possível permitir-se ser ensinado em cada caso: em contraste com o que acontece quando tudo está de acordo com as regras científicas, as mesmas causas (biológicas, psicológicas ou sociais) não produzem os mesmos efeitos, pois devemos contar com a indeterminação do sujeito ao qual deixamos a responsabilidade pela sua posição, mesmo que, no autismo, esse sujeito não tenha a intenção de usar essa responsabilidade ou de usá-la somente sob certas condições. Essa é, em última análise, a fundação, e o que está em jogo, do argumento que estamos discutindo. Existe uma exigência particular para o psicanalista que, a fim de se adequar às exigências do discurso científico, procura explicar o que até mesmo uma pessoa com autismo faz com essa indeterminação. Essa exigência é uma lição que acreditamos que foi confirmada pelas palavras de uma adolescente com autismo que geralmente estava muda, e cujas palavras foram relatadas por uma de suas cuidadoras. Abandonando por um momento o método educacional ao qual havia sido introduzida, a adolescente estendeu a mão e acariciou o cabelo da cuidadora, olhou diretamente para ela, e exclamou (apropriando-se do bem conhecido slogan publicitário): "Porque eu valho muito!".

 

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Endereço para correspondência
Autores
Marie-Jean Sauret
Université de Toulouse II-Le Mirail
Département Psychologie Clinique du Sujet
Jean Jaurès 5 allées Antonio Machado 31058, Toulouse, France
Endereço eletrônico: marie-jean.sauret@univ-tlse2.fr
Sidi Askofaré
Université de Toulouse II-Le Mirail
Département Psychologie Clinique du Sujet
Jean Jaurès 5 allées Antonio Machado 31058, Toulouse, France
Endereço eletrônico: sidi.askofare@univ-tlse2.fr
Pascale Macary-Garipuy
Université de Toulouse II-Le Mirail
Département Psychologie Clinique du Sujet
Jean Jaurès 5 allées Antonio Machado 31058, Toulouse, France
Endereço eletrônico: pascale.macary-garipuy@univ-tlse2.fr
Tradutor
Daniel Camparo Avila
Universidad de la República
Instituto de Psicología de la Salud
Tristán Narvaja 1674, Montevideo, Uruguay
Endereço eletrônico: dcamparo@psico.edu.uy

Recebido em: 22/04/2015
Reformulado em: 26/03/2016
Aceito para: 14/07/2016

 

 

Notas

* Psicanalista. Co-criador da Association de Psychanalyse Jacques Lacan. Professor Emérito do Departamento de Psicologia da Université de Toulouse II-Le Mirail, France. Pesquisador do polo de Clínica Psicanalítica do sujeito e do laço social. Co-diretor do Laboratório Clínico Psicopatológico e Intercultural (LCPI EA 4591). Autor de "La bataille politique de l'enfant" (Érès, 2017), com a participação de Sidi Askofaré, Pascale Macary-Garipuy, Patricia Rossi-Neves, e outros.
** Psicanalista. Professor do Departamento de Psicologia da Université de Toulouse II-Le Mirail, France. Laboratório Clínico Psicopatológico e Intercultural (LCPI EA 4591). Responsável pela pesquisa Sintoma e Laço Social.
*** Psicanalista. Professora do Departamento de Psicologia da Université de Toulouse II-Le Mirail, France. Diretora de pesquisa do Laboratório Clínico Psicopatológico e Intercultural (LCPI EA 4591).
**** Tradutor. Professor assistente do programa de Desarrollo Psicológico y Psicología Evolutiva do Instituto de Psicología de la Salud da Universidad de la República, Uruguai. Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2009), graduação em Licenciatura em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2009) e mestrado e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2010 e 2016).

Publicado originalmente como: Current controversies in the treatment of autism in France, S: Journal of the Jan van Eyck Circle for Lacanian Ideology 5, 2012, 127-144.

Sobre os autores (nota do tradutor): Apesar de Marie-Jean Sauret ter sido o responsável por redigir o texto, cada um dos coautores pode legitimamente reivindicar, em termos de conteúdo, ser o seu principal autor. Eles também gostariam de agradecer ao seu tradutor para a língua inglesa, John Holland.

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