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Estudos e Pesquisas em Psicologia

On-line version ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.18 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2018

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Bullying escolar na perspectiva dos professores

 

School bullying from the teacher's perspective

 

Bullying escolar desde la perspectiva de los profesores

 

Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto*; Isadora Machado**

Universidade Feevale – FEEVALE, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Bullying é um fenômeno caracterizado por atos de violência física ou verbal, que ocorrem de forma repetitiva e intencional. O objetivo deste artigo é discutir a concepção de bullying escolar, na perspectiva de professores de uma escola privada da região sul do Brasil. Dez professores participaram de uma entrevista semiestruturada, que foi gravada e, posteriormente, transcrita. Foi realizada uma análise de conteúdo que gerou eixos temáticos de discussão. Os resultados apontam para a importância de olhar para o sujeito aluno e professor, de modo a incorporar nas práticas pedagógicas mais ações de observação e escuta. Assim, professores e alunos devem ter um espaço de fala e escuta, para que o bullying não passe despercebido. O estudo também sugere a importância do trabalho da Psicologia no ambiente escolar, no sentido de assegurar um espaço saudável no campo das relações professor-aluno, professor-professor, aluno-aluno.

Palavras-chave: bullying, violência escolar, inclusão, professores.


ABSTRACT

Bullying is a phenomenon characterized by acts of physical violence or verbal abuse that occur repeatedly and intentionally. The aim of this paper is to discuss the concept of school bullying from the perspective of the teachers of a private school in Brazil. Ten teachers participated in a semi structured interview, which was recorded and subsequently transcribed. A content analysis was performed, leading to different main topics for discussion. Results highlight the importance of looking at student and teacher, with the incorporation of more acts of observation and listening into pedagogical practices. Thus, teachers and students should have a space where they can speak and be listen, so that bullying does not go unnoticed. The study also suggests the importance of the work of Psychology in the school setting to ensure a healthy space in terms of teacher-student, teacher-teacher and student-student relationships.

Keywords: bullying, school violence, inclusion, teachers.


RESUMEN

Bullying es un fenómeno caracterizado por actos de violencia física o verbal, que ocurren de manera repetitiva e intencional. El objetivo de este artículo es discutir la concepción de bullying escolar, desde la perspectiva de profesores de una escuela privada de Brasil. Diez profesores participaron de una entrevista semi-estructurada, que fue grabada y posteriormente transcrita. Se realizó un análisis de contenido que generó ejes temáticos de discusión. Los resultados apuntan para la importancia de mirar alumno y profesor, de modo a incorporar en las prácticas pedagógicas más acciones de observación y escucha. Así, profesores y alumnos deben tener un espacio de habla y escucha, para que el bullying no pase desapercibido. El estudio también sugiere la importancia del trabajo de la Psicología en el ambiente escolar, en el sentido de asegurar un espacio sano en el campo de las relaciones profesor-alumno, profesor-profesor, alumno-alumno.

Palabras clave: bullying, violencia escolar, inclusión, profesores.


 

 

1 Introdução

O bullying é um fenômeno que emergiu no cenário social em decorrência da violência, repercutindo fortemente na sociedade e se tornando objeto de discussão em pesquisas e nos meios de comunicação nos últimos anos. Tomamos a violência, aqui, como um fenômeno complexo e dinâmico, que possui caráter biopsicossocial e que emerge a partir da vida estabelecida em sociedade (Minayo, 1994). Nesse sentido, a sua compreensão faz laço com aspectos políticos, econômicos, institucionais e subjetivos, que transcendem o plano individual. Segundo a compreensão de Porto (2006), a violência está relacionada com a produção de sentidos, valores, crenças e representações sociais que se instituem no plano da cultura. Além disso, para Rocha (1996), a violência se coloca como uma força assimétrica capaz de transgredir os limites do ser humano, alcançando a realidade física e psíquica, além do campo das realizações sociais, éticas, religiosas e políticas. Nesse sentido, compreende-se que tanto a violência como o bullying não se apresentam de forma dissociada do contexto social, uma vez que são fenômenos que emergem justamente nesse locus e a partir desse locus.

Em relação à palavra bullying, essaé de origem inglesa, não possuindo uma tradução fiel para o Português. Sendo assim, a expressão, em geral, é utilizada em Inglês para designar o desejo consciente de causar danos a outra pessoa e deixá-la sob tensão (Fante, 2005). Constitui-se num relacionamento interpessoal caracterizado por um desequilíbrio de forças, o que pode ocorrer de várias maneiras: o alvo da agressão pode ser fisicamente mais fraco, ou pode perceber-se como sendo física ou mentalmente mais fraco que o perpetrador. Pode ainda existir uma diferença numérica, em que vários estudantes agem contra uma única vítima (Olweus, 1993). Três elementos que são aceitos por pesquisadores ao redor do mundo são cruciais na definição do bullying: a repetição, o prejuízo e a desigualdade de poder (Berger, 2007). É importante salientar aqui que o poder, nessa perspectiva, pode ser tomado desde Foucault (2015), no sentido de não operar apenas no plano individual, verticalizado, mas como um elemento que regula as relações e constrói discursos com valor de verdade. Isso ocorre pela via dos jogos de poder, estando presente em todos os cenários da vida humana e integrando parte do ser indivíduo (Foucault, 2012).

O fenômeno do bullying, portanto, é caracterizado por atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, tanto físicas (sob a forma de abuso físico, por meio de chutes, socos, pontapés, empurrões, roubo ou dano aos pertences) como psicológicas (sob a forma de a utilização de apelidos, insultos, comentários racistas, homofóbicos, de diferenças religiosas, físicas, econômico-sociais, culturais, morais e políticas), executadas por um ou mais sujeitos, sempre direcionadas a um outro sujeito, e que, em geral, causam dor, angústia e sofrimento, tendo como consequência, muitas vezes, marcas irreversíveis (Campos & Jorge, 2010). No bullying, os comportamentos agressivos são persistentes e há uma assimetria de forças, tendo o agressor a intenção de causar dano físico ou moral àqueles que são percebidos como mais fracos e que não conseguem se defender. A provocação tem um caráter degradante, ofensivo, com a intenção de prejudicar e humilhar, sendo mantida apesar da emissão de sinais claros de oposição e desagrado por parte do alvo (Olweus, 1993).

Estudiosos do tema (Bandeira & Hutz, 2010; Berger, 2007; Catini, 2004; Lopes Neto, 2005; Menesini et al., 1998; Middelton-Moz & Zawadski, 2007) afirmam que existem papeis específicos a serem desempenhados pelos envolvidos em situações de bullying. Os papeis são de agressor, vítima e testemunha. Esse enquadre favorece o clima de intimidação e legitima o agressor como bully, que em Inglês significa valentão. O agressor, conforme Lopes Neto (2005), deseja firmar-se como mais forte, ascendendo a uma posição de domínio perante ao grupo, por meio de ações negativas, de cunho agressivo, pejorativo e humilhante. A vítima, alvo do bullying, é aquela pessoa que constantemente é agredida pelos colegas e, geralmente, não consegue cessar ou reagir aos ataques, se apresentando mais vulnerável à ação dos agressores por algumas características físicas, comportamentais ou emocionais (Berger, 2007; Lopes Neto, 2005).

Isso torna, por exemplo, as pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) alvos em potencial, pois como afirma Fante (2005), além de os agressores escolherem uma vítima que se encontra em uma considerável desigualdade, na maioria das vezes tal vítima também apresenta uma baixa autoestima. Assim, a prática do bullying agrava o problema preexistente, podendo representar um incremento à fragilidade psíquica. A situação agrava quando a vítima é uma criança/adolescente com algum tipo de deficiência, sobretudo quando não possui habilidades físicas e/ou emocionais para lidar com a agressão. Como o bullying tem o objetivo de evidenciar o agressor como valentão (Lopes Neto, 2005), a testemunha ocupa também posição de destaque, pois ela ajuda a manter o agressor numa posição de poder. Nesse sentido, é importante considerar que a testemunha também sofre com a intimidação, não raramente calando-se por medo de ser a próxima vítima, ou por não saber como agir (Lopes Neto & Saavedra, 2004). Menesini et al. (1998) afirmam que grande parte das testemunhas sente simpatia pelos alvos, tendendo a não culpá-los pelo ocorrido e condenando o comportamento dos autores, ao mesmo tempo que desejam uma intervenção mais efetiva por parte dos professores em relação ao fenômeno.

A escola é um campo fértil para a propagação do bullying, por reunir diferentes pessoas e agrupamento de pessoas. Santelli, Lopes e Lima (2009) afirmam que a escola é um dos locais onde as diferentes identidades estão se relacionando. Sendo, portanto, um espaço público, a escola deve zelar pelo respeito às diferenças e pelo diálogo. Essa discussão tem extrema relevância uma vez que o bullying deixa marcas significativas nos envolvidos. Autores como Due, Holstein e Jorgesen (1999), Ravens-Sieberer, Kökönyei e Thomas (2004)  afirmam que pessoas que sofreram bullying quando crianças são mais propensas a sofrerem transtornos de humor como depressão e baixa autoestima na vida adulta. Nesse sentido, estudos que pretendem abordar o bullying no universo escolar são fundamentais, visto que podem ampliar o conhecimento dessa temática e contribuir para políticas de combate e prevenção deste fenômeno que tem sido considerado um problema de saúde pública (Almeida, Silva, & Campos, 2008; Lopes Neto, 2005).

A violência nas escolas é um problema social grave e complexo e, provavelmente, o tipo mais frequente e visível da violência juvenil. A escola deve ser um ambiente seguro e saudável, onde crianças e adolescentes possam desenvolver, ao máximo, os seus potenciais intelectuais e sociais. No entanto, o ambiente escolar, muitas vezes, serve como cenário de inúmeros processos e fenômenos grupais, dentre eles a violência escolar. Nesse sentido, cabe à escola não permitir a banalização da violência e a omissão dos adultos diante de situações de bullying entre os alunos (Lopes Neto, 2005). Sendo assim, para Bouth e Souza (2011), Lima, Otani e Helou (2011), é papel da equipe que atua no meio escolar observar os comportamentos dos alunos, buscando meios de atuar como mediadores para favorecer o diálogo em relação à aceitação às diferenças.

Conhecer o fenômeno e como ele costuma se manifestar no contexto escolar parece ser um importante recurso de redução da violência. O pouco ou nenhum conhecimento por parte dos professores sobre a forma como o bullying se apresenta e se propaga pode contribuir com a omissão, não por negligência, mas por falta de conhecimento em como atuar de forma ativa na tentativa de solucionar o problema (Pingoello, 2009). Nesse sentido, a gravidade do fenômeno não pode ser desprezada nas escolas que, por vezes, desconhecem ou minimizam a magnitude do bullying. Isso aponta para a importância de a escola atuar no sentido de prevenir e controlar o fenômeno, assim como outros comportamentos interativos inadequados e prejudiciais ao desenvolvimento.

A escola não deve funcionar como um agente mantenedor do sofrimento psicológico dos envolvidos nessas situações (Bandeira & Hutz, 2010). Por ser um ambiente de convivência, além de se constituir espaço de aprendizagem (Catini, 2004; Lisboa, 2005), é nela que as crianças e os adolescentes têm a oportunidade de expandir sua rede de interações e relações para além da família, desenvolvendo autonomia, independência e aumentando sua percepção de pertencer ao contexto social. Diante desse cenário, o objetivo desse artigo é discutir a concepção de bullying escolar, na perspectiva de professores de uma escola privada, da região sul do Brasil. A realização desse estudo tem grande relevância, na medida em que abre um espaço de discussão acerca de uma temática fundamental no campo sociocultural e de saúde física e mental. Esse é um fenômeno que marca e atravessa, de forma violenta, a vida de inúmeros jovens e crianças. Discutir o bullying é, portanto, um caminho possível para não mantê-lo em condição de tabu, permitindo e autorizando os sujeitos a denunciarem práticas abusivas, bem como a manifestação do sofrimento psíquico.

 

2 Método

A pesquisa em questão é de natureza qualitativa e descritiva. Participaram do estudo dez professores, sendo dois do sexo masculino e oito do sexo feminino, com idades entre 29 e 47 anos. A coleta de dados ocorreu em uma escola privada, que trabalha em uma proposta inclusiva, localizada na região sul do Brasil, no ano de 2012. A amostra foi obtida por meio de sorteio, de modo que foi aleatoriamente escolhida uma orientadora do grupo das profissionais da coordenação pedagógica e o restante dos professores foram escolhidos considerando as diferentes etapas da educação: Educação Infantil, Ensino Fundamental (1º ao 9º ano), Ensino Médio e Técnico. O propósito do sorteio foi o de garantir que todos tivessem a mesma probabilidade de ser escolhido e que a pesquisa contemplasse todos os níveis de ensino da escola. Todos os professores que foram sorteados e, portanto, convidados a participar da entrevista, prontamente aceitaram. Dos dez professores, uma trabalha com Educação Infantil, duas trabalham com as séries iniciais o Ensino Fundamental, três professores trabalham com séries finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio, uma professora trabalha, exclusivamente, com o Ensino Médio, dois professores trabalham com os Cursos Técnicos, e uma professora que atua na função de Orientadora Educacional. Os professores têm entre três e vinte cinco anos de experiência docente e trabalham na escola em questão entre dois e vinte e cinco anos.

Todos os professores participaram de uma entrevista semiestruturada, com o propósito de investigar a sua concepção acerca do bullying escolar, a partir de alguns eixos que foram objeto de análise e discussão dos dados. Os eixos foram organizados considerando os seguintes temas: definição do bullying; identificação do bullying no cotidiano escolar; relação entre bullying e inclusão; papel do professor diante do bullying; papel da escola diante do bullying. A entrevista ocorreu de forma individual, em uma sala cedida pela escola, adequada para assegurar o sigilo. Inicialmente, foi realizada a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atendendo aos aspectos éticos de pesquisa com seres humanos. Como a entrevista foi de caráter semiestruturado, os entrevistados dedicaram-se a responder as perguntas de forma aprofundada. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente. A análise dos dados foi realizada a partir da análise de conteúdo (Laville & Dionne, 1999), seguindo a estratégia de análise e interpretação, a partir da construção interativa de uma explicação. Para tanto, num primeiro momento foram realizadas sucessivas leituras do material transcrito. Em seguida, o conteúdo foi agrupado nas categorias, considerando os eixos temáticos, que orientaram a elaboração do roteiro de entrevista.

 

3 Discussão dos resultados

Os resultados foram discutidos considerando os eixos temáticos que embasaram a entrevista com os professores. Além disso, serão apresentados alguns excertos das entrevistas, para complementar a discussão dos eixos temáticos. Para preservar a identidade dos participantes, foi atribuída uma letra do alfabeto a cada professor. Assim sendo, as letras designadas foram de A a J.

3.1 Definição de Bullying

Os professores mencionaram que, embora o fenômeno seja antigo, ainda é recente o seu estudo, bem como a preocupação sobre os seus efeitos. O bullying, em geral, costuma ter visibilidade na mídia, em especial quando se trata de agressões físicas. Por isso, atualmente ele tem tido um destaque que outrora não existia, o que pode facilitar a sua identificação. Um dos professores destaca que antigamente o fenômeno não tinha uma clara definição: "Várias coisas aconteciam [na escola antigamente] e a gente não tinha um nome pra isso, né?" (Professor B, Ensino Fundamental e Médio). Essa fala encontra apoio na literatura, em especial naquilo que autores como Bouth e Souza (2011) afirmam sobre a existência do bullying desde o surgimento da escola, apesar de que o despertar para o fenômeno tenha ocorrido devido ao interesse de pesquisadores que contribuíram para uma relativa conscientização da comunidade escolar.

Quanto aos elementos que compõem o bullying, os professores caracterizaram-no como um fenômeno da violência, podendo se manifestar física e verbalmente. Em geral, mencionam somente o tipo de agressão que caracteriza o bullying, sem reconhecê-lo como uma especificidade da violência, que ocorre, por exemplo, num contexto de repetição. Sendo assim, uma situação violência isolada não poderia ser considerada como bullying, embora os exemplos citados pelos entrevistados fossem no sentido de generalizar o bullying diante de situações isoladas de violência, em que o propósito não era o de firmar o agressor como valentão ou de ocorrer de uma forma repetitiva. Com relação a esse aspecto, o estudo de Silva e Rosa (2013) aponta que os professores, não raramente, possuem um entendimento fragmentado e pouco abrangente sobre o conceito de bulllying, sendo por eles caracterizado como atos isolados de agressão e não como um conjunto de ocorrências articuladas.

Quanto ao enquadre presente nas situações de bullying, em geral, destacaram somente o agressor e a vítima, não considerando em suas falas a função da testemunha. No bullying, o agressor deseja ser reconhecido como um valentão e a ideia é que os atos de violência não sejam testemunhados apenas pelas vítimas. Nessa perspectiva, é importante lembrar que as testemunhas, de acordo com os achados de Lopes Neto e Saavedra (2004), também sofrem com a intimidação. Assim sendo, bullying é um tipo específico de violência que, conforme os autores mencionados, envolve ações negativas, de cunho agressivo, pejorativo e humilhante, desqualificam o outro de forma física ou verbal, e tem o objetivo de evidenciar o agressor. Trata-se, portanto, de uma forma de intimidação que é caracterizada pela ação do agressor sobre a vítima, de modo que vítima e testemunhas são quem legitimam o agressor como valentão.

3.2 Identificação do bullying no cotidiano escolar

Embora os professores que participaram da pesquisa afirmem que o bullying está presente nas escolas, eles apontam que a identificação do fenômeno no cotidiano escolar é, por vezes, difícil e complexa. Isso nos leva a crer que a ampla divulgação e discussão do bullying na mídia auxilia na sensibilização dos professores quanto à presença desse fenômeno, que parece ser frágil no que se refere a sua identificação na prática diária dos educadores, sobretudo quando ele se manifesta de forma mais sutil. Isso porque o fenômeno pode ser confundido com uma brincadeira entre colegas, o que corrobora a afirmação de Lopes Neto (2005) no que tange à associação de comportamentos agressivos que ocorrem nas escolas como naturais, sendo, nesse sentido, frequentemente ignorados ou desvalorizados pelos professores e pelos pais.

A linha tênue entre bullying e brincadeira também é apontada por autores como Fante (2008) e Bouth e Souza (2011). Para Fante (2008), é necessário conhecer o fenômeno para que seja possível diferenciá-lo de atitudes inconsequentes próprias de cada idade. Dessa forma, é imprescindível analisar e verificar atitudes agressivas para que se possa identificar o fenômeno e fazer os encaminhamentos necessários. Bouth e Souza (2011) afirmam que o bullying pode gerar consequências irreparáveis à psique do indivíduo. Como as consequências não podem ser previstas, os autores entendem a necessidade de a escola voltar o seu olhar para o sujeito, observando e escutando mais os alunos. Além disso, é necessário romper com a ideia de que o bullying é necessário para o amadurecimento dos alunos, supondo que os alunos conseguem superá-lo sozinhos (Fante, 2008).

Indo ao encontro do que aponta a literatura, os professores que participaram da pesquisa mencionaram que sabem identificar o bullying quando ele é mais explícito, sobretudo quando envolve agressão física. Além disso, apontaram que a atividade do professor em sala de aula pode tornar os atos de bullying imperceptíveis. Assim, muitas vezes, o professor por estar diretamente envolvido e focado no conteúdo, não consegue perceber comportamentos que podem indicar o  bullying. A fala de um professor ilustra a questão discutida: "eu acho bem difícil [identificar] assim, porque às vezes tu não tá ligado nas coisinhas pequenas que acontecem, né?" (Professor B, Ensino Fundamental e Médio). Nessa perspectiva, Fante (2005) ressalta que, frequentemente, os professores tomam conhecimento dos episódios de violência quando esses já atingiram altos níveis de incidência e periculosidade. Isso ocorre devido ao fato dos programas educativos estarem centrados mais nos conteúdos do que nos procedimentos e na formação de caráter pessoal e social.

Nesse sentido, Martins (2009) aponta para a importância de os professores serem bons observadores, criativos, comunicativos e reflexivos durante suas aulas, pois enquanto o professor explica, motiva e orienta os seus alunos, diversos acontecimentos ocorrem. Por isso, Silva e Rosa (2013) afirmam, a partir dos resultados da pesquisa, que o bullying é um tema que merece maior destaque na formação de professores. Os resultados também indicaram que a realização pontual de debates ou de palestras é insuficiente para dar subsídios aos professores intervirem diante da ocorrência de bullying na escola. Sugerem, nesse sentido, a inclusão da abordagem do problema bullying no currículo escolar, utilizando ferramentas de discussão de textos e simulações, visando sensibilizar os alunos.

3.3 A relação entre bullying e inclusão

Por se tratar de uma escola com proposta inclusiva, tal tema foi introduzido no roteiro de entrevista. Sobre a relação entre bullying e inclusão, os professores que participaram da pesquisa afirmaram que os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) são, no contexto da escola em que trabalham, protegidos pelos demais. Isso se deve, possivelmente, segundo eles, pelo fato de se tratar de uma escola de caráter inclusivo, de modo que em quase todas as turmas há alunos com alguma necessidade especial.

Desta forma, os alunos convivem com a inclusão desde a educação infantil. No entanto, não deixam de considerar que o bullying pode ocorrer de forma sutil, sem que eles percebam. Um dos professores que leciona no Ensino Fundamental afirmou que embora os alunos com NEE sejam protegidos, é provável que o fenômeno ocorra de forma atenuada e o professor não esteja conseguindo percebê-lo. "Não vi alunos se rebelando contra, a turma se rebelando contra crianças com necessidades especiais, mas não no sentido assim de perceber, de olhar isso como um bullying" (Professor A, Ensino Fundamental). Um professor que trabalha no Ensino Fundamental e Médio (Professor E) também reconheceu que o docente, por vezes, não percebe que possa estar ocorrendo bullying com alunos com NEE, por ele estar implícito nas relações, principalmente por meio de apelidos e brincadeiras de mau gosto. Menezes (2011) afirma que embora velado, o bullying não deixa de ser perceptível. Esse fenômeno está presente quando se nega a presença do outro, quando é negada ao sujeito a oportunidade de se desenvolver e aprender como os demais, quando lhe diferenciam de forma sistemática e de modo que isso o faça se retrair e se isolar das pessoas.

Diferente dos demais entrevistados, um professor de Ensino Técnico (Professor F) afirmou que, em sua experiência, os alunos novos, que não estão acostumados com um contexto educacional inclusivo, tendem a demonstrar atitudes agressivas com relação ao colega com NEE, sem que elas sejam, necessariamente, consideradas como bullying. Tal afirmativa vai ao encontro do que propõe Menezes (2011) a respeito da falta de informação sobre as deficiências e pelo preconceito que as crianças/adolescentes já adquirem em casa, trazendo-os para o ambiente escolar. Assim, a falta de conhecimento sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é o principal motivo para a exclusão desses sujeitos dentro da sala de aula. O desconhecimento sobre como agir em determinada situação faz com que se efetuem práticas de negação ou segregação, como uma saída mais "fácil" à resolução dos conflitos.

Nessa perspectiva, um professor que trabalha com Ensino Fundamental e Médio (Professor H) evidenciou em sua fala a exclusão como uma faceta do bullying, que se manifesta de forma sutil em relação a alunos com NEE. "Se percebe assim alguns fatos, e dependendo da atividade, da tarefa que se põe, né, de que alguns colegas não gostariam de compor grupos, mas isso ocorre também com alunos não classificados dentro de necessidades especiais". Diante dessa afirmativa, encontramos apoio em Menezes (2011), comentando que as práticas discriminatórias vivenciadas por pessoas com necessidades especiais na escola podem se caracterizar como violência escolar ou bullying, mas elas, em geral, aparecem de maneira velada.

A Orientadora Educacional também assinala para uma relação entre o desconhecimento sobre as necessidades especiais e o desrespeito. Outro fator abordado por ela diz respeito ao papel do professor e a dinâmica de sala de aula, de modo que, dependendo como a classe é conduzida pelo professor, podem ocorrer situações de desrespeito. Além disso, atribui ao envolvimento dos professores e à equipe diretiva a função de "diluir o estigma" (Professor I).

Contribuindo com a fala dos professores, Santelli, Lopes e Lima (2009) afirmam que a escola é um dos locais onde as diferentes identidades estão se relacionando. Sendo a escola um espaço público, esta deve zelar pelo respeito às diferenças e pelo diálogo. O que está em pauta na relação entre bullying e inclusão, conforme Fante (2005), é que além de os agressores escolherem uma vítima que se encontra em uma considerável desigualdade, na maioria das vezes tal vítima também apresenta uma baixa autoestima. Assim, a prática do bullying agrava o problema preexistente, podendo representar um incremento na fragilidade psíquica. A situação piora quando a vítima é uma criança/adolescente com algum tipo de deficiência que nem sempre possui habilidades físicas e/ou emocionais para lidar com a agressão. Por isso, quando se trata de inclusão, a atenção às relações deve ser, sem dúvida, redobrada.

Um estudo conduzido por Dalosto e Alencar (2013), que abordou a relação entre bullying e alunos com altas habilidades/superdotação, destacou elevados percentuais desses alunos que estiveram envolvidos com o bullying na condição de vítima e de testemunha. Os resultados inferem que esses alunos são alvos em potencial, de modo que os professores devem ficar atentos, no sentido de assegurar um ambiente de respeito à diversidade na escola. Nessa mesma lógica, o estudo de Costa, Souza e Oliveira (2012), sobre bullying relacionado a alunos obesos, aponta que o professor é um importante ator no desenvolvimento de ações que visem promover a diversidade cultural nas escolas.

3.4 O papel do professor

O manejo do professor diante do bullying escolar é visto pelos entrevistados como fundamental, o que confirma a ideia que Bouth e Souza (2011) trazem quando discutem sobre a importância do envolvimento de todos que fazem parte do meio escolar na busca de soluções para a violência escolar. Para tanto, a escola precisa trabalhar na perspectiva da socialização dos alunos (Lima et al. 2011), observando e mediando o comportamento dos mesmos, a fim de favorecer o diálogo e a aceitação às diferenças.

Um professor de séries iniciais de Ensino Fundamental (Professor A) mencionou que o trabalho com regras é de extrema importância para que a convivência coletiva seja de fácil manejo, pois assim cabe sempre ao professor retomar as regras, que foram construídas conjuntamente. Esse mesmo participante da pesquisa ressaltou o professor como modelo para os alunos. Sendo assim, estudantes que veem um professor agir com desrespeito, inevitavelmente reproduzem o seu gesto.

Os professores que participaram da pesquisa destacaram a importância de resolver o problema no momento em que ele ocorre. No entanto, os entrevistados apresentaram concepções divergentes quanto à forma de manejo do bullying. Alguns apontaram a importância da mediação do professor, abrindo um espaço para o debate com o grande grupo. Nessa perspectiva, o professor E (Ensino Fundamental e Médio) sugeriu que tal mediação deve ser feita com afetividade, mostrando para o grupo que o professor está atento a eles. Outros relataram lidar com o problema a partir de uma postura punitiva, procurando conversar somente com a vítima e o agressor, no sentido de apontar que aquilo é errado e que não pode voltar a acontecer.

O professor C (Ensino Fundamental) tem essa posição e pensa ser importante a inclusão da família neste processo, seguindo, outrossim, numa perspectiva punitiva. Há ainda professores que referem não conseguir ver tudo e, por isso, sugerem que se faça uma espécie de acareação dos fatos, a fim de "verificar exatamente o que está acontecendo e quais os motivos que estão levando a isso, né, uma conversa clara e franca, perguntando o que estaria acontecendo" (Professor G – Educação Infantil). Além disso, há professores que sustentam que o professor deve somente conversar com o agressor e encaminhá-lo ao setor pedagógico da escola (Professores F – Curso Técnico; G – Educação Infantil; J – Ensino Médio). Nesse sentido, uma postura punitiva permanece acompanhada de certa omissão, uma vez que o professor repassa o problema para o setor pedagógico, não considerando sua amplitude e complexidade.

Outro fator, mencionado por Marafon, Scheinvar e Nascimento (2014), diz respeito à judicialização e medicalização do fenômeno bullying. Conforme os autores, o desejo por punição e normatizações legais é cada vez mais demandado pelos envolvidos e pelas escolas, de modo que há uma convicção, legitimada pelo discurso científico, de que um ambiente punitivo de fiscalização intensa e a produção de diagnósticos são as melhores formas de tratar as situações ditas de bullying.

Conhecer o fenômeno e como ele costuma se manifestar no contexto escolar é um importante recurso de redução da violência. O pouco ou nenhum conhecimento por parte dos professores sobre a forma como o bullying se apresenta e se propaga, pode, nesse sentido, contribuir com a omissão, não por negligência, mas por falta de conhecimento em como atuar de forma ativa na tentativa de solucionar o problema (Pingoello, 2009). Nessa perspectiva, Costa, Souza e Oliveira (2012) referem a importância de compreender a atuação do professor diante de situações de bullying. Eles apontam que o manejo do professor pode atenuar ou mesmo eliminar o bullying. No entanto, muitas vezes o professor não passa de um mero espectador de situações de violência. Ser um espectador pode estar relacionado ao desconhecimento sobre o bullying, podendo, portanto, representar um risco que remete à falta de informação com relação à magnitude do problema, de seus aspectos principais e, em especial, de como evitá-lo.

A entrevista suscitou lembranças da vida escolar de dois professores. Os professores E (Ensino Fundamental e Médio) e H (Ensino Fundamental e Médio) mencionaram que sofreram bullying na infância e que tal experiência fez com que despertasse neles uma capacidade de empatia diante de situações que eles testemunham em sala de aula na posição de professor. Apelidos, chacotas e exclusões foram relatados por eles, que mencionaram, por um lado, os efeitos nocivos disso e, por outro, um aspecto favorável na identificação a respeito do desamparo dos alunos agredidos, auxiliando no reconhecimento e no manejo do bullying, mesmo que ele ocorra de forma sutil. Ambos relataram a condição de desamparo vivida na infância, pelo fato de o fenômeno ser ignorado por parte dos professores e da escola. Sendo assim, entendem que o papel do professor é fundamental e deve ser ativo, para não deixar a vítima sentindo-se só.

Um estudo realizado com 600 professores de escolas públicas e privadas evidenciou que 50% desses envolveram-se com bullying em idade escolar, sendo que a maioria ainda sofre, nos dias de hoje, consequências desse tipo de violência (Fante, 2008). A Orientadora Educacional (Professor I) apontou que o professor tem que se sentir responsável pelos alunos e pela turma, estando este devidamente amparado pela equipe pedagógica. Assim, a escola passa também a se implicar com o que aquele professor está trazendo e a envolver a família. Nessa perspectiva, Lopes Neto (2005) destaca que não somente professores, mas também funcionários, pais e alunos devem se envolver em projetos de redução do bullying. As ações devem priorizar a conscientização geral e o apoio às vítimas, fazendo com que se sintam protegidas, além da conscientização dos agressores sobre a incorreção de seus atos e a garantia de um ambiente escolar sadio e seguro.

3.5 O papel da escola

Com relação ao papel da escola diante do bullying, a fala dos entrevistados apontou para a importância da escola não somente estar atenta aos alunos, mas também aos professores. Demandas de orientação e instrumentalização do professor, por parte da escola, além de uma postura de parceria, fez parte de alguns dos apontamentos dos professores. Tais questões demonstram o quanto o educador, muitas vezes, se sente solitário em sua atividade, sem o devido respaldo da escola. Os professores, além de sugerirem palestras sobre o tema, tanto para eles como para os alunos, sinalizaram a importância de um trabalho de cunho preventivo, tentando amenizar as situações de bullying, uma vez que a escola é um ambiente onde os alunos ficam a maior parte do tempo. Essa posição fica destacada na fala de um dos professores: A escola "é um lugar aonde a gente tem muita força para o desenvolvimento de caráter, de postura" (Professor E – Ensino Fundamental e Médio).

Diante disso, cabe às escolas trabalharem não somente na lógica dos conteúdos programáticos, mas também na perspectiva de que as relações interpessoais são importantes para o crescimento de seus alunos. Lopes Neto (2004) ressalta que a escola é vista, tradicionalmente, como um local de aprendizado. No entanto, a aprendizagem vai além de notas e do cumprimento de tarefas acadêmicas. Para ele, a educação deve ser entendida como um meio de prover o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania. Nessa mesma direção, a fala do Professor H (Ensino Fundamental e Médio) sinaliza para o papel da escola no sentido de "deter ações mais sistemáticas, talvez exercícios de reflexões, trabalhos, né, talvez fóruns, seminários que separe, converse, se traga o tema, se discute, dá espaço pra manifestações, né, mesmo que a manifestação do aluno seja equivocada e preconceituosa, né, aí outro ‘ah, veja, não deve ser assim', já tá fazendo o exercício de julgamento, né, de ações e isso é particularmente interessante".

Os professores também mencionaram ser fundamental trazer a família para perto da escola, além de desenvolver ações que incluam os funcionários da mesma. Afinal, a educação deveria ser pensada de forma articulada, incluindo a família e a escola. Além disso, o funcionário também deve ser pensado como um educador, tornando, efetivamente, todos os integrantes da escola protagonistas do processo educativo (Trojan & Tavares, 2007). Nessa perspectiva, conforme Borsa, Petrucci e Koller (2015), para prover um ambiente favorável ao desenvolvimento saudável, a escola precisa do apoio da família, compartilhando as responsabilidades inerentes à formação dos futuros adultos. Sendo o primeiro contexto de socialização dos indivíduos, a família ocupa posição de destaque no desenvolvimento de regras e valores que norteiam a vida em sociedade. Assim sendo, envolver a família no combate ao bullying é de fundamental importância.

Entretanto, quanto à relação com a família, cabe mencionar que, por vezes, o professor deseja trazer a família para perto da escola para que o aluno agressor seja responsabilizado pelos seus atos, denotando uma concepção acerca do bullying a partir de um caráter punitivo. A partir de uma perspectiva centrada no agressor, a fala do professor J (Ensino Médio) assume a postura de que a escola deva focar sua intervenção no agressor e na sua família: "chamaria a família, né, no caso pontuando pra família, pedindo ajuda pra família ou alguém, um profissional de fora pra que esse aluno não fique desatendido". A ideia, embora sutil, parece ser de responsabilizar somente o agressor e a família nas situações de bullying.

Sobre esse aspecto, Bouth e Souza (2011) salientam que não basta a escola proibir as agressões entre os alunos. A escola precisa reconhecer a existência do fenômeno e identificar como está acontecendo a dinâmica entre os alunos, onde o agressor, por vezes, está sendo a vítima e a vítima está sendo agressiva e provocadora. É somente a partir desse entendimento que a comunidade escolar terá a possibilidade de planejar e construir ações para manejar o bullying escolar. Assim, antes de precipitadamente voltar o olhar ao agressor, a escola precisa entender o fenômeno do bullying de forma complexa e multifatorial, de modo que, muitas vezes, características da própria escola estão presentes nas situações de violência.

No que se refere ao apoio demandado pelos professores, alguns mencionaram a importância da Psicologia Escolar atuando na escola como um todo, inclusive diante de situações de bullying. O professor G (Educação Infantil) comenta, por exemplo, que "todo mundo tem que ser ouvido e, de certa forma, tem que ter um olhar diferente, um olhar assim mais, sobre essa, essa turma e essas crianças, né. Mas, eu acho que daí seria, daí viria o olhar né de, de alguém assim, essa função do, do psicólogo, de entrar, de trabalhar junto com essa turma, com os professores, orientando como lidar, né, com esta situação, né". Canavêz (2015) apresenta uma discussão sobre o surgimento e a propagação do bullying, destacando-os como decorrentes de vários fatores, sendo que dentre eles está a crise da autoridade docente.

Diante disso, esse autor enfatiza a importância do trabalho da Psicologia Escolar e Educacional. Nessa mesma perspectiva, Freire e Aires (2012) ressaltam a importância da presença do psicólogo escolar e educacional na escola, pois ele poderá realizar um trabalho de prevenção e enfrentamento da violência escolar, ajudando a escola a construir espaços e relações mais saudáveis. A prevenção é possível quando ele estiver atento ao reconhecimento de conflitos que podem levar ao aparecimento de atos de violência e agressividade entre os alunos. Ao incentivar a solidariedade, a generosidade, a paz, a tolerância e o respeito às diferenças, é possível criar um ambiente mais saudável e aberto ao diálogo.

Fante (2005) destaca a importância do envolvimento de toda a equipe escolar, da família e da comunidade no combate ao bullying escolar. Resguardar um espaço saudável, para o desenvolvimento de relações positivas pautadas na amizade, na ajuda e na solidariedade dos membros em geral é também fundamental na vida acadêmica do aluno (Bouth & Souza, 2011). Nesse sentido, os princípios, especialmente o da aceitação do diferente, e os modelos educacionais, são transmitidos fundamentalmente pela família, tendo a escola juntamente com sua equipe o papel de preservar e manter os valores e os ideais societários (Lima, Otani & Helou, 2011).

A escola, por reunir diferentes pessoas, não raramente é cenário de vários processos e fenômenos grupais, como, por exemplo, a violência. Cabe, diante disso, à escola não permitir a banalização das práticas violentas e a omissão dos adultos diante de situações de bullying entre os alunos (Lopes Neto, 2005). A gravidade do fenômeno não pode ser desprezada nas escolas, que, por vezes, desconhecem ou minimizam a magnitude do bullying. Isso aponta para a importância de a escola atuar no sentido de prevenir e controlar o bullying, assim como outros comportamentos interativos inadequados e prejudiciais ao desenvolvimento, não funcionando como um agente mantenedor do sofrimento psicológico dos envolvidos nessas situações (Bandeira & Hutz, 2010). Por ser um ambiente de convivência, além de se constituir um espaço de aprendizagem (Catini, 2004; Lisboa, 2005), é nela que as crianças e os adolescentes têm a oportunidade de expandir sua rede de interações e relações para além da família, desenvolvendo autonomia, independência e aumentando a percepção acerca do seu pertencimento ao contexto social.

 

4 Considerações finais

Apesar de o fenômeno do bullying ser antigo, foi recentemente que ele teve maior visibilidade no meio acadêmico/científico e na mídia. Os resultados da pesquisa revelaram que os professores sabem da existência desse fenômeno, demonstram preocupação quanto aos seus possíveis efeitos, porém sentem-se inseguros quando precisam identificá-lo no cotidiano escolar, sobretudo quando ele manifesta-se de forma sutil. Assim, o fenômeno pode ser facilmente confundido com uma brincadeira ou com algo inofensivo. Isso aponta para a importância de a escola estar sensível aos tipos de violência que são reproduzidos no ambiente escolar. Para tanto, é premente que a escola mantenha como preceito um espaço de fala e escuta de todos os seus atores, baseando a sua atuação no princípio do respeito às diferenças e da solidariedade. Além disso, é importante que a escola aposte em formação continuada de professores, para que eles reconheçam em seus manejos o sofrimento dos envolvidos nas situações de bullying e em sensibilização de alunos e familiares sobre esse fenômeno, suas características e principais efeitos. Quanto à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, é fundamental que haja uma atenção voltada a práticas excludentes, estigmas e preconceitos, que podem, facilmente, se configurar em bullying, embora, na maioria das vezes, manifestado de forma sutil e de fácil banalização, por conta da lógica excludente e alientante, que é hegemônica em nossa sociedade.

O maior desafio da escola parece estar na ideia de que ela precisa romper com esse discurso dominante na sociedade e com uma perspectiva educacional que ainda está eminentemente calcada numa lógica de mera reprodução de conteúdos, sem que se desenvolva um protagonismo no aluno no que tange à resolução de problemas, a partir de relações estabelecidas com o próprio território escolar. Isso requer um trabalho a partir de pressupostos éticos, no sentido de abandonar práticas normatizadoras e disciplinares. Tais práticas, por sua vez, conduzem as situações de bullying a partir de uma lógica punitiva que reforça a judicialização e a medicalização desse fenômeno e não a construção de princípios éticos, tendo a escola, juntamente com a família, um compromisso nessa formação. Ignorar o que está ocorrendo nas relações resulta em omissão, que pode gerar consequências graves para aqueles que estão em pleno desenvolvimento de princípios e valores. Por isso, é fundamental que o professor esteja instrumentalizado e tenha o suporte da escola para conduzir um trabalho que esteja baseado na prevenção da violência como um todo.

Introduzir projetos e ações que visem reduzir as situações de bullying escolar, envolvendo professores, funcionários, pais, alunos, bem como toda a comunidade do entorno escolar parece ser uma prática de combate ao bullying. Assim, a partir desse trabalho conjunto, é possível que se estabeleçam normas e ações coerentes, priorizando a conscientização, o trabalho de respeito às diferenças, de modo a oferecer um espaço de fala e escuta de todos os envolvidos.

Embora o presente estudo tenha envolvido uma pequena amostra, os dados sugerem a importância de um olhar atento ao aluno e ao professor, de modo a incorporar nas práticas ações preventivas, calcadas na observação e na escuta. Nessa perspectiva, os resultados também sugerem a importância de um ambiente seguro e saudável, no campo das relações professor-aluno, professor-professor, aluno-aluno, que pode ser trabalhado pela Psicologia Escolar. Por outro lado, encontramos obstáculos na prática da Psicologia em escolas, uma vez que a formação de psicólogos ainda é eminentemente clínica e diagnóstica. No campo da escola, a prática da Psicologia deve sempre se dar numa perspectiva de que o fracasso escolar é produto institucional e, portanto, o olhar do psicólogo não poderá simplificar nenhum fenômeno, olhando-o a partir de uma lógica linear, de causa e efeito.

 

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Endereço para correspondência
Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto
Universidade Feevale
PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social
ERS 239, 2755, CEP 93525-075, Novo Hamburgo – RS, Brasil
Endereço eletrônico: lisianeoliveira@feevale.br
Isadora Machado
Universidade Feevale
PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social
ERS 239, 2755, CEP 93525-075, Novo Hamburgo – RS, Brasil
Endereço eletrônico: isadoramdo@hotmail.com

Recebido em: 04/11/2016
Reformulado em: 01/06/2017
Aceito em: 08/08/2017

 

 

Notas

* Doutora em Psicologia (UFRGS), Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), Professora do Curso de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social e do Curso de Psicologia da Universidade Feevale.
** Psicóloga, Mestre em Diversidade Cultural e Inclusão Social (FEEVALE).

 

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