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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.18 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2018

 

PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE

 

Uso do Role-Playing Game no treinamento de habilidade de enfrentamento das situações de risco para o uso de drogas

 

Use of Role-Playing Game in skills training to cope with situations of risk for drug use

 

Uso del juego de rol en el entrenamiento de habilidad para enfrentar las situaciones de riesgo para el uso de drogas

 

Vitor Villar Scattone*; Adriana Marcassa Tucci**

Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, Santos, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Role-Playing Game (RPG) é uma intervenção lúdica que pode favorecer o treinamento de habilidades de enfrentamento (THE). O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do uso do RPG no THE das situações de risco para o uso de drogas, mais especificamente, avaliar a autoconfiança do usuário para resistir a esse uso nessas situações. Estudo exploratório, randomizado e constituído por grupos controle e experimental, com cinco usuários em cada. Os participantes estavam internados em uma instituição privada. Os instrumentos utilizados foram: Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST) e Brief Situational Confidence Questionnaire (BSCQ). A análise de dados foi realizada por meio da análise de variância com medidas repetidas. A intervenção ocorreu ao longo de quatro semanas, com um encontro semanal e no formato de grupo. Os resultados apontam que o THE proporcionou aumento da autoconfiança dos participantes no enfrentamento de diferentes situações de risco que desencadeiam o uso de drogas, especialmente diante de situações de conflitos pessoais, familiares e sociais; houve também aumento da autoconfiança para recusar o uso de droga em situações que a usava descontroladamente. O RPG pode ser uma ferramenta útil e complementar para THE das situações de risco para o uso de drogas.

Palavras-chave: role playing, habilidade, risco, droga, tratamento.


ABSTRACT

The Role-Playing Game (RPG) is a playful intervention that may favor both through Coping Skills Training (CST), provided by role playing. The aim of this study was to evaluate the efficacy of RPG in CST for drug use risk situations, more specifically, evaluate the user's self-confidence to resist to this use in these situations. It is an exploratory, randomized study and consisted of control and experimental groups with five members each. Participants were admitted to a private institution. The instruments used were: Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST) and Brief Situational Confidence Questionnaire (BSCQ). Data analysis was performed using analysis of variance with repeated measures. The intervention took place over four weeks, with a weekly meeting and group format. The results indicate that the intervention provided an increase in participants' self-confidence in facing different risk situations that trigger drug use, especially in situations of personal, family and social conflicts; moreover, there was also an increase in self-confidence to refuse drug use in uncontrolled situations. RPG can be an useful and a complementary tool for CST for drug use risk situations.

Keywords: role playing, training, risk, drug, treatment.


RESUMEN

El Role Playing Game (RPG) es una intervención lúdica que puede favorecer el entrenamiento de habilidades de enfrentamiento (EHE). El objetivo de este estudio fue evaluar la eficacia del uso del RPG en el EHE de las situaciones de riesgo para el uso de drogas, más específicamente, evaluar la autoconfianza del usuario para resistir ese uso en esas situaciones. Estudio exploratorio, randomizado y constituido por grupos control y experimental, con cinco usuarios en cada uno. Los participantes estaban internados en una institución privada. Los instrumentos utilizados fueron: Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST) y Brief Situational Confidence Questionnaire (BSCQ). El análisis de datos fue realizado por medio del análisis de varianza con medidas repetidas. La intervención ocurrió a lo largo de cuatro semanas, con un encuentro semanal y en el formato de grupo. Los resultados apuntan que EHE proporcionó un aumento de la auto-confianza de los participantes en el enfrentamiento de diferentes situaciones de riesgo que desencadenan el uso de drogas, especialmente ante situaciones de conflictos personales, familiares y sociales; hubo también un aumento de la auto-confianza para rechazar el uso de drogas en situaciones que la usaban descontroladamente. El RPG puede ser una herramienta útil y complementaria para EHE de las situaciones de riesgo para el uso de drogas.

Palabras-clave: role playing, habilidade, riesgo, drogas, tratamiento.


 

 

1 Introdução

O uso, o abuso e a dependência de drogas têm emergido no Brasil nos últimos anos como uma questão complexa na área de saúde pública (Raupp & Adorno, 2011). Tal complexidade ocorre devido tanto ao aumento da prevalência quanto aos problemas decorrentes. Em 2015, a Comissão de Narcóticos, Drogas e Crimes da United Nations Office on Drugs and Crime divulgou um relatório apontando que, enquanto houve redução mundial no uso de cocaína nos últimos anos, no Brasil houve aumento. O relatório mostrou que 1,75% da população adulta brasileira pode estar tendo problemas relacionados com o uso dessa substância (United Nations on Drug and Crime, 2015).

É importante, para este mérito, diferenciar uso, abuso e dependência de uma substância, uma vez que são classificados diferentemente. De acordo com a Classificação Internacional das Doenças - versão 10 (CID-10) (Organização Mundial da Saúde, 1996), a dependência é caracterizada pelo uso repetido de substâncias, apesar das consequências negativas desse uso em várias áreas da vida do indivíduo, há dificuldade de controlar a frequência de uso, bem como sintomas fisiológicos, psicológicos e comportamentais associados à abstinência quando não se faz o uso da substância, além de esforços para a obtenção da substância que podem ser nocivos para a vida do sujeito. Também estão entre esses critérios, o abandono progressivo de outras atividades de interesse e desenvolvimento de tolerância, ou seja, a necessidade de constante aumento da dose consumida para se obter o mesmo efeito.

A CID-10 usa tanto o termo abuso de substâncias como uso nocivo, o que é caracterizado por um consumo de substância prejudicial à saúde. As consequências podem ser físicas ou mentais. O Guia Prático sobre Uso, Abuso e Dependência de Substâncias Psicoativas para Educadores e Profissionais da Saúde (Marques & Ribeiro, 2006) aponta que para classificar o uso de substância como abuso e não uso nocivo, é necessário que o sujeito já apresente consequências à sua saúde. A reprovação social e possíveis consequências sociais do uso não necessariamente configuram abuso de substância, por poder envolver questões de ordem cultural ou subjetiva. E, por fim, esse mesmo guia define uso ou consumo de baixo risco como aquele caracterizado pelo uso de substância em doses baixas e sempre permeado por precauções para se evitar as consequências danosas à saúde física ou mental do usuário.

A problemática relativa ao uso de drogas está presente em todas as camadas sociais e pode estar associada a vários fatores, tais como aspectos biológicos, sociais, políticos e situacionais (Garland et al., 2017; Plant & Holland, 2017). Assim, o enfrentamento dessa situação é tarefa de alta complexidade e que exige não só o envolvimento interdisciplinar da área da saúde, mas uma transdisciplinaridade para o desenvolvimento de novas propostas para abordar esse complexo problema (Pratta & Santos, 2009). Além disso, a dependência de substância tem se manifestado como um problema de saúde que não se limita ao usuário, mas pode se estender para sua família e seu círculo social (Bortolon et al., 2016).

Dentre as técnicas e abordagens utilizadas para o tratamento de usuários de álcool ou outras drogas, uma das mais avaliadas cientificamente são as baseadas na Terapia Comportamental (TC) e Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Tanto a TC quanto a TCC trazem benefícios por serem abordagens que oferecem técnicas de forma concisa, bastante diretiva, a partir de análises funcionais do comportamento e treinamento sistemático para o alcance das metas estabelecidas (Guimarães et al., 2014; Kerbauy, 1983; Maia, Pereira, Nardi, & Cardoso, 2015).

A TC, introduzida por Skinner, foi o início da proposta de um modelo de entendimento do comportamento humano. A TC, basicamente, tem como proposta a análise funcional do comportamento por meio da aprendizagem de novas maneiras mais adaptativas e menos problemáticas de se agir. A TC entende que os comportamentos (expressos ou encobertos) e os sentimentos são causados pela relação do indivíduo com seu meio ambiente. Dessa maneira, ambos seriam produtos de contingências. Assim, as mudanças de comportamentos e sentimentos só ocorrem por meio da reorganização da relação entre ambiente e comportamento (Skinner, 1953). Nesta direção, o objetivo da TC é criar condições para a aprendizagem de novos repertórios comportamentais por meio da análise das contingências que mantém o problema em questão (Lettner & Rangé, 1988).

A partir do estabelecimento da TC, novas abordagens comportamentais surgiram, aprofundando o modelo teórico da "maquinaria psíquica" humana, dando origem às Terapias Cognitivo-Comportamentais, essas ainda compartilhando dos princípios básicos de comportamento estabelecidos por Skinner, porém evoluindo sua análise para maiores nuances e detalhes do comportamento, a cognição (Hayes, 2004).

A TCC aborda a interação entre ambiente, biologia, afeto, comportamento e cognição (Beck, 2013; Beck & Alford, 2000; Falcone, 2012). Para a TCC, o comportamento humano é o resultado da relação entre cognição, emoção e comportamento. Assim, um evento específico pode gerar várias formas de um indivíduo sentir, pensar e agir, e suas reações não serão determinadas pelo evento em si, mas o quê o indivíduo vai pensar em relação a ele (Falcone, 2012), assim sua cognição vai determinar seu comportamento. Desta maneira, a TCC entende que os pensamentos disfuncionais causam problemas emocionais e comportamentais e busca corrigir as crenças irracionais (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979). A TCC aplicada ao tratamento de usuários de substâncias tem como foco principal as crenças do indivíduo em relação ao uso de drogas. Entre essas crenças, uma das mais significativas é que o uso de substâncias psicoativas traz consequências positivas, tais como alívio para problemas e frustrações. Nesta perspectiva, o uso de substâncias pode ser entendido como uma estratégia para o enfrentamento de situações difíceis (Oliveira, Sartes, Ribeiro, Ismael, & Cazassa, 2017).

Apesar de haver diferenças nos postulados teóricos da TC e TCC, como apontado anteriormente, ambas utilizam o Treinamento de Habilidades de Enfrentamento (THE) no tratamento dos usuários de substâncias (Araújo et al., 2011). O THE é uma maneira de capacitar o usuário para resolver os problemas que estão associados ao desencadeamento do uso abusivo de substância. No entanto, no THE, o usuário aprende a lidar com a situação de forma diferenciada e que seja mais congruente com os objetivos traçados por ele para o enfrentamento do problema do uso de drogas. Dentre as várias ferramentas para se efetuar o treino de habilidades, a interpretação de papéis é uma das metodologias que é considerada bem aceita e difundida nesse campo (Araújo et al., 2011; Kadden, 2001; Karatay & Gürarslan Bas, 2017).

A recaída ao uso de substância é um tema importante dentro da problemática associada ao uso de drogas. Essa não é apenas determinada pela capacidade do usuário em detectar uma situação de risco, mas também de sua confiança em seu próprio poder de controlar seu desejo de consumir a droga. Por essa razão, tais situações de risco, as quais envolvem, muitas vezes, conflitos, são os principais temas abordados dentro de um programa de prevenção de recaída (PR).

A PR é um programa que foi desenvolvido por Marlatt e Gordon (1993) que tem como objetivo melhorar a manutenção da mudança cognitiva e comportamental, assim como do estilo de vida que favorecem o uso de drogas entre aqueles que apresentam problemas associados a este uso. Uma das maneiras de se atingir tal objetivo se dá por meio do treinamento de habilidades, no qual se prevê as situações que favorecem o uso problemático de drogas e se trabalha no sentido do desenvolvimento de maneiras mais adaptativas e saudáveis de se lidar com essas situações.

Bandura (1977) já propunha que apenas a habilidade e o conhecimento da atitude adequada para evitar a recaída não são o bastante para manter o usuário afastado do uso da droga. No tratamento da dependência de drogas é importante que o usuário possa aprender a enfrentar a situação, se dissociando e avaliando os riscos, e ainda ter confiança de que é capaz de manter esse comportamento (Litt & Kadden 2015; Litt & Kadden, 2011). Marlatt e Gordon (1993) também apontaram que o THE deve ser desenvolvido para que haja maior eficácia no tratamento da dependência de drogas.

As abordagens lúdicas e de jogos, especialmente aqueles que propõe uma interpretação ou criação customizada de um avatar ou personagem, vem sendo debatidas academicamente já há algum tempo. Sabe-se que uma das vertentes do RPG, o Massive Multiplayer Online Role-Playing Game (MMORPG), tem sido estudado mais frequentemente com enfoque tanto nas relações sociais estabelecidas por meio do jogo quanto nos benefícios proporcionados aos jogadores (Reer & Krämer, 2017), assim como as consequências do jogo quando esse se torna uma dependência (Scott & Porter-Armstrong, 2013). Apesar de algumas diferenças entre o MMORPG e o RPG de mesa, o uso do MMORPG em ambientes educacionais, nomeado por Classroom Multiplayer Presential Role Playing Game (CMPRPG), pode beneficiar a aprendizagem e a interação entre os alunos favorecendo a participação e colaboração no desenvolvimento das atividades propostas (Susaeta et al., 2010). Sabendo dos benefícios sociais, comportamentais e educacionais proporcionados pelo jogo (Baranowski, Buday, Thompson, & Baranowski, 2008), é possível hipotetizar que tal ferramenta pode ter aplicabilidade no tratamento de indivíduos com problemas decorrentes do uso de substâncias psicoativas e favorecer a mudança de comportamento entre eles.

Na literatura internacional, não foram identificados estudos que utilizaram o RPG no tratamento de pessoas com dependência de substância psicoativas. O único estudo identificado é nacional e avaliou a interpretação de papéis no tratamento de dependentes de substâncias a partir de uma proposta lúdica para a interpretação de personagens no jogo adaptado de Role Playing Game (RPG), mostrou que esta técnica é útil no tratamento do uso de drogas a partir do treinamento das habilidades para o enfrentamento das situações que desencadeiam o uso (Araújo, Oliveira, & Cemi, 2011). O uso da técnica de RPG pode proporcionar a possibilidade do usuário se dissociar de sua situação e observar a si mesmo a partir de uma perspectiva que se encontra em um personagem criado por ele e o qual se encontra sob seu controle, favorecendo a visão de diferentes possibilidades de ações do personagem, nas quais o mesmo terá que assumir as consequências de suas próprias decisões. Essa possibilidade de se dissociar e cuidado com o personagem pode ser uma oportunidade potencial para se desenvolver o treinamento de habilidades de enfrentamento das situações difíceis de serem vivenciadas no dia a dia.

Apesar da escassez de estudos que avaliaram a técnica do RPG no tratamento da dependência de drogas, os jogos cooperativos e as atividades lúdicas têm se mostrado eficazes no tratamento desse problema (Alves & Araújo, 2012; Duncan, Duncan, Beauchamp, Wells & Ary, 2000). Assim, a possibilidade do uso da interpretação de papéis no treinamento de habilidades, auxiliando os pacientes no controle ou abstinência do uso de drogas; e o seu caráter lúdico, podem permitir a criação de situações análogas ou metafóricas para se trabalhar em diversas esferas da vida do usuário. Buscando preencher a lacuna de estudos sobre essa técnica no tratamento da dependência de drogas, o objetivo geral deste estudo foi avaliar a eficácia do uso do Role Playing Game no Treinamento de Habilidades de Enfrentamento das situações de risco para o uso de drogas, mais especificamente, avaliar a autoconfiança do usuário para resistir ao uso de substância nas diferentes situações que mais frequentemente desencadeiam o uso.

 

2 Método

Este estudo se caracteriza por ser exploratório e randomizado, no qual houveram dois grupos, um experimental e, outro controle. Algumas variáveis foram testadas para se verificar a eficácia do Role Playing Game no tratamento de dependentes de substâncias psicoativas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e recebeu o parecer com número: 1.550.379.

2.1 Participantes

Inicialmente, foi feita a seleção de 20 pacientes de uma clínica particular de tratamento exclusivo para uso abusivo ou dependência de drogas, situada em um dos municípios da Baixada Santista/SP. A clínica é voltada para o público masculino, com classe econômica autodeclarada pelos participantes como pertencentes à classe média, não possui leitos públicos e conta com equipe multidisciplinar com mais de 35 profissionais, entre psicólogos, médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e assistentes sociais. A localização da clínica é distante da cidade, tem uma proposta não-religiosa e embasada nos 12 passos dos Narcóticos Anônimos.

Os critérios de inclusão estabelecidos foram: atingir escore para dependência de substância psicoativa no ASSIST; estar internado há mais de 30 dias na clínica, ser maior de 18 anos e se voluntariar a participar dos grupos. Além disso, seria necessário que o voluntário tivesse cognição preservada, com capacidade de compreender as regras. Foram excluídos usuários que haviam sido diagnosticados pela equipe da clínica com outros transtornos psiquiátricos comórbidos.

2.2 Instrumentos de avaliação

Após o preenchimento dos critérios de inclusão acima mencionados, os participantes foram avaliados com os instrumentos abaixo descritos:

2.2.1 Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST)

O ASSIST (World Health Organization, 2002) foi utilizado para a triagem dos participantes, assim como para a caracterização do uso de álcool e de outras drogas e indícios de dependência (critério de inclusão no estudo). Esse instrumento foi desenvolvido sob a coordenação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e traduzido para várias línguas. A versão brasileira foi adaptada e validada por Henrique, De Michelli, Lacerda, Lacerda e Formigoni (2004).

O instrumento avalia a situação de uso atual do indivíduo, assim como situações de uso abusivo ocasional, ou mesmo de dependência da substância. As questões focam na frequência de uso na vida e nos últimos três meses; problemas associados ao uso; preocupação das pessoas próximas com relação ao uso; prejuízo no desenvolvimento das atividades da vida diária; tentativas de parar de consumir ou diminuir o uso da substância sem sucesso; compulsão; e uso por via injetável. O diferencial desse questionário é que ele estabelece escores individuais para cada tipo de substância que utilizada, sendo nove as substâncias avaliadas: tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiáceos. Os escores variam de zero a quatro pontos para cada questão e o total do escore do instrumento varia entre zero e 20. A classificação do escore total obtido é: de zero a três pontos, uso ocasional; de quatro a 15 pontos, abuso; e acima de 15, provável dependência (Henrique et al., 2004).

2.2.2 Brief Situational Confidence Questionnaire (BSCQ)

O BSCQ é uma versão resumida do Situational Confidence Questionnaire (Annis & Grahanm, 1988), porém em sua avaliação é possível obter informações mais específicas acerca da confiança do sujeito em diferentes situações, permitindo avaliar com mais precisão as situações que mais frequentemente desencadeiam o uso de drogas. O instrumento tem oito questões, é auto-preenchido e o escore varia de 0 a 100%. Para cada questão se preenche em uma linha o nível de confiança de resistir ao uso da droga quando se encontra naquela situação específica avaliada. Cada questão avalia um contexto específico, social ou emocional, nas quais o sujeito pode fazer uso de drogas. A primeira questão aborda a vivência de emoções desagradáveis; a segunda, desconfortos físicos, como insônia ou dores; a terceira, refere a emoções agradáveis, como a vontade de comemorar algo ou sentir que tudo está dando certo em sua vida; a quarta, avalia a vontade de testar o próprio controle sobre o uso de droga, ou seja, como se sente confiante em usar apenas uma dose e não abusar da substância; a quinta, refere a desejos e impulsos para fazer uso, ou seja, o craving; a sexta, avalia conflitos sociais com outras pessoas, como brigas e discussões; a sétima, aborda a pressão social para fazer uso da droga; e por fim, a oitava menciona a capacidade de resistir à vontade de ampliar a sensação de bem-estar, estando em uma festa ou comemoração.

2.3 Procedimento para composição dos grupos experimental e controle e intervenção

Inicialmente, foram selecionados 20 pacientes da clínica mencionada. Posteriormente, foram selecionados, por meio de sorteio, os usuários que participaram do grupo que vivenciou a intervenção, sendo que cinco foram alocados, aleatoriamente, no Grupo Controle (GC) e outros cinco no grupo experimental (GE). Os outros dez candidatos foram informados que caso houvesse alguma desistência durante as sessões, poderiam vir a ser convidados para substituir o usuário.

Os participantes do GE tinham idade média de 35,6 anos (desvio padrão = 10,36) e estavam internados há, no mínimo, 65 dias e, no máximo, 144 dias. Os participantes do GC tinham idade média de 37,4 anos (desvio padrão = 5,64) e estavam internados há, no mínimo, 57 dias e, no máximo, 139 dias. Em ambos os grupos, as drogas de preferência eram álcool e cocaína.

A Figura 1 apresenta o cronograma desenvolvido com ambos os grupos. Inicialmente, os participantes passaram por um encontro introdutório, no qual foi explicado o cronograma do projeto. Também foi realizada a avaliação inicial a partir da aplicação dos instrumentos: ASSIST e BSCQ. Posteriormente, os participantes foram divididos de forma aleatória entre os GE e GC. Após uma semana, deu-se o início da intervenção com o GE, a qual teve a duração de quatro semanas. Após o término da intervenção com o GE, todos os participantes, de ambos os grupos, foram convocados para a reavaliação, na qual o BSCQ foi novamente aplicado. Após o término do momento de reavaliação, iniciou-se a intervenção no GC.

 


Figura 1. Delineamento experimental do estudo que contou com 5 participantes em cada um dos grupos.

 

Nos encontros da intervenção, o aplicador assumiu o papel de narrador e os participantes ficaram sob a condição de jogadores. O pesquisador que aplicou o RPG tem experiência de vários anos tanto no papel de narrador como no de jogador desse jogo; mais recentemente, começou a estudá-lo enquanto uma abordagem para o treinamento de habilidades. É papel do narrador a organização das regras e o comando do grupo baseada nas regras de RPG. Ou seja, ele controla o mundo imaginário aonde o jogo acontece, exceto os personagens dos jogadores e balanceia os desafios para que não fiquem fáceis demais, sem torná-los impossíveis de serem vencidos.

Cada jogador cria seu personagem, determinando suas características, personalidade e habilidades, desde que esteja em acordo com o cenário e as regras determinados pelo narrador e assume o papel de seu personagem ao longo do jogo, interagindo com o mundo e os outros personagens por meio da interpretação de papéis. É fundamental a integração e trabalho em equipe entre os jogadores para superar os desafios da história. No jogo de RPG é possível explorar o poder de escolhas, comparando-as à vida real, avaliar suas consequências e perceber novas possibilidades de escolhas.

Com o intuito de fornecer o máximo de benefícios do RPG para os participantes em quatro sessões de uma hora a uma hora e meia, foi necessário criar uma história prévia, com cronologia simples e de forma a possibilitar a manutenção da sequência dos eventos em cada sessão, construindo assim uma narrativa cronológica. No entanto, é importante salientar que a narrativa pode se alterar de acordo com as ações de cada jogador, sendo preciso adaptá-la para que a mesma se encaixe a essas ações ou mudar a história para que o jogo se mantenha fluído.

O sistema usado no presente estudo foi adaptado pelo narrador do sistema do World of Darkness Core Rulebook (Bridges, 2004). A adaptação das regras objetivou torna-las o mais simples e objetivo possível. Além disso, nesse processo adaptativo, foram retiradas partes da ficha do personagem que exigissem uma atenção elaborada e simplificou-se a distribuição de pontos entre atributos físicos, mentais e sociais, que foram descritos pelos próprios jogadores. Foi também solicitada a criação de personagens humanos que não tivessem superpoderes ou qualquer tipo de habilidade não condizente com a realidade. Assim, deu-se o início da intervenção, reforçando que os participantes deveriam tomar decisões ao longo da sessão que fossem condizentes com o perfil de seus personagens e não com as suas próprias.

Inicialmente, apresentou-se um conflito cotidiano, um desentendimento entre pessoas, que não envolvia diretamente nenhum dos personagens, para que os jogadores começassem a entender a dinâmica do jogo e pudessem se aquecer, imergindo mais na realidade do jogo. Após o conflito inicial, foi trazido o tema do encontro, uma festa em um navio, interrompida por uma tempestade, com risco de naufrágio. No entanto, os desafios mais difíceis foram descritos quando o narrador percebeu que o vínculo entre os jogadores estava formado e eles conseguiriam trabalhar em equipe. Esses desafios, normalmente, foram constituídos de dilemas que o narrador percebeu que exigiria uma escolha de ação do jogador que seria distinta da de seu personagem. Esse treinamento de habilidade de dissociação é o foco principal da intervenção. Ao final de cada encontro, antes de se terminar a sessão, um novo problema foi criado, favorecendo que os jogadores discutissem as estratégias para a próxima sessão, estreitando o vínculo entre eles. Ao término das quatro sessões, foi construído um final da narrativa, ou seja, uma conclusão, assim, o último desafio foi resolvido. Dessa maneira, fez-se o fechamento de toda a narrativa que se construiu ao longo das quatro sessões.

2.4 Análise de dados

Para estudar o comportamento das variáveis numéricas nos grupos e avaliações, foi empregado o modelo de análise de variância com medidas repetidas e o método de comparações múltiplas de Bonferroni (Neter, Kutnher, Nachsteim, & Wasserman, 1996).

 

3 Resultados

A Figura 2, gráfico 1, ilustra o resultado das respostas dos GC e GE relativo à primeira questão do BSCQ, antes e após a intervenção vivenciada pelo GE. Apesar de não ter sido detectada alteração significativa nos resultados das análises intragrupos e entre os grupos relativas às questões 1, 2, 3 e 4 do BSCQ, observa-se que houve pequeno decréscimo da confiança dos usuários na resistência ao uso de substâncias diante de emoções desagradáveis e depressoras (gráfico 1). O GC obteve a média de 76% de confiança (desvio padrão (dp) = 20,74%) no primeiro momento da avaliação e, no segundo momento, 73% (dp = 15,65). O GE referiu 79% de confiança no primeiro momento (dp = 24,60) e 76% (dp = 20,74), no segundo.

 


Figura 2. Resultados das questões 1, 2, 3 e 4 do Brief Situational Confidence Questionnaire dos participantes dos grupos controle e experimental.

 

A Figura 2, gráfico 2, mostra o resultado referente à segunda questão do BSCQ que avalia a confiança dos usuários em resistirem ao uso de substâncias quando vivenciarem desconfortos físicos. Não foi detectada diferença significativa nos resultados intra e entre os grupos nas questões 1, 2, 3 e 4 do BSCQ. No entanto, enquanto o GC apontou 64% de confiança (dp = 33,62) no primeiro momento e 62% (dp = 32,71), no segundo; no GE, a confiança foi de 69% (dp = 24,08) no primeiro momento e de 76% (d.p.= 20,74), no segundo. No gráfico 3 desta figura, é possível visualizar o resultado relativo à capacidade de resistir ao uso de substâncias em uma situação agradável. No GC, houve queda da confiança, de 91% (dp = 8,94%) para 73% (dp = 31,54%). Por outro lado, houve aumento de 69% (dp = 40,37%) para 72% (dp= 25,88%) no GE. Na Figura 2 ainda consta o resultado da questão 4 do BSCQ, gráfico 4. Esse gráfico revela que houve aumento na média de ambos os grupos, apesar de não ter sido estatisticamente significativa. Essa questão avalia a vontade de usar apenas uma dose e não abusar da substância.  No GC, os participantes obtiveram 41% de confiança (dp = 39,43) no momento inicial e 52% (dp = 25,88) na reavaliação. No GE, antes da intervenção a confiança era de 49% (dp = 48,79), enquanto após a intervenção foi de 52% (dp = 33,47).

 


Figura 3. Resultados das questões 5, 6, 7 e 8 do Brief Situational Confidence Questionnaire dos participantes dos grupos controle e experimental.

 

A Figura 3, gráfico 5, revela que houve aumento significativo na confiança em recusar o uso de droga quando sentir o desejo ou o impulso para fazê-lo em situações que com frequência a usava de maneira descontrolada. No GC, no momento inicial, a confiança era de 21% (dp = 32,86); na reavaliação, foi de 43% (dp = 8,37). No GE, antes da intervenção, a confiança era de 61% (dp = 33,62); após a intervenção, foi de 70% (dp = 23,45). Foi detectada diferença significativa na análise entre os grupos na questão BSCQ 5, independente da avaliação (p = 0,031).

A Figura 3, gráfico 6, mostra os resultados da questão 6 que avalia a confiança sobre resistir ao uso de drogas quando sob situações de conflitos com colegas, amigos ou familiares. Enquanto no GC houve redução da média de confiança na avaliação inicial, de 71% (dp = 22,47) para 61% (dp = 30,90), no GE houve aumento deste valor, de 45% (dp = 33,17) para 85% (dp =12,25). O aumento na média da variável BSCQ 6, após a intervenção, foi significativo apenas para o GE na análise intra grupo (p = 0,003).

A Figura 3, gráfico 7, mostra o resultado referente à confiança de resistir ao uso de droga quando sob pressão social de amigos ou familiares para usá-la. Apesar de não significativa estatisticamente, houve diminuição do valor médio da confiança no GC, de 75% (dp =33,91) para 55% (dp = 28,28). Por outro lado, houve aumento do valor médio da confiança no GE, de 63% (dp = 40,56) para 79% (dp = 18,84). Por fim, na Figura 3, o gráfico 8 ilustra os resultados da questão 8, que avalia a confiança relativa a resistir ao uso de drogas em momentos agradáveis com outras pessoas, como festas ou comemorações. Os dados apontam queda do valor médio da confiança no GC, de 73% (dp = 21,10) para 69% (dp =30,90), assim como no GE, de 87% (dp = 12,04) para 82% (dp = 24,9).

 

4 Discussão

Na literatura nacional e internacional, são raros os estudos realizados até o momento acerca do uso de RPG no tratamento da dependência de substâncias psicoativas, sendo que os tratamentos mais estudados nesta área são os provenientes da tanto da Terapia Comportamental como aqueles da Terapia Cognitiva-Comportamental (Dugosh, Abraham, Seymour, McLoyd, Chalk, & Festinger, 2016).

O RPG tem características que podem favorecer a imersão na interpretação de papéis, conduzindo ao treinamento de habilidades para o enfrentamento das situações que desencadeiam o uso de drogas. Araújo et al. (2011) avaliaram o desenvolvimento do RPG para prevenção e tratamento da dependência de drogas entre adolescentes. Os resultados daquele estudo apontaram que o RPG pode ser uma ferramenta importante no tratamento daquela população. O presente estudo avaliou o uso de RPG com população adulta e que estava internada em uma instituição fechada e, os resultados sugerem que o RPG pode trazer benefícios aos usuários para o enfrentamento das situações de risco para o uso de drogas de maneira a fazer uso controlado ou não fazê-lo. No entanto, o RPG usado neste estudo é diferente do usado por Araújo et al. (2011). Naquele estudo, utilizou-se do RPG "Desafios", que é um jogo de cartas e tem lógica menos narrativa e interpretativa do que a versão utilizada no presente estudo, RPG de mesa, que conta com recursos como dados e fichas de personagens.

Devido ao tamanho restrito da amostra deste estudo, não é possível generalizar os dados obtidos. No entanto, os resultados sugerem que o RPG pode proporcionar ao usuário aumento de confiança para lidar com as situações que são desencadeadoras de uso abusivo de drogas, especialmente aquelas que os colocam em conflitos com colegas e familiares no seu meio social. As situações de conflitos pessoais são, muitas vezes, fontes de estresse, desconfiança, preconceito (Oliveira & Dias, 2010;) e hostilidade (Nunes, Santos, Fischer & Güntzel, 2010), que podem conduzir o usuário à recaída no uso de substância por perder a confiança no tratamento, diminuir a sensação de auto-eficácia e a capacidade de se manter sem uso da droga (Litt & Kadden, 2011). A confiança dos usuários para lidarem com os conflitos com outras pessoas é uma importante habilidade a ser treinada no tratamento da dependência de drogas.

No presente estudo, foram criadas situações no jogo nas quais os participantes tiveram que enfrentar preconceito e desentendimento, forçando-os a pensar em formas alternativas para lidar com esses impasses, favorecendo o treinamento dessa habilidade. É de suma importância que o usuário consiga, nestes momentos, identificar que apesar da sua tendência a fazer o uso da substância diante de situações de risco, o retorno ao uso descontrolado da droga, provavelmente, lhe trará problemas e prejuízos. Por esta razão, tais situações de risco, as quais envolvem, muitas vezes, conflitos, são os principais temas abordados dentro de um programa de prevenção de recaída (PR). O uso do RPG, a partir da interpretação de papéis e do enfrentamento de situações de risco, pode favorecer que o usuário vivencie, por meio de seu personagem, as dificuldades que enfrenta no seu cotidiano e procure alternativas para lidar com as mesmas e com a angústia ou a pressão social, solucionando-as de maneira diferente da que vem sendo utilizada por ele com o intuito de prevenir uma recaída.

Apesar do tamanho da amostra deste estudo ser pequena e não ter sido detectada diferença significativa na maioria das questões do instrumento utilizado, houve aumento de confiança, principalmente no GE, nas diferentes situações avaliadas, sugerindo aumento da confiança para resistir à oferta de substância por pessoas próximas, ou seja, diante da pressão social sofrida para sentir-se parte do grupo; na presença de desconfortos físicos, tais como inquietação, insônia e tensão; diante de emoções agradáveis, quando em comemorações ou festas;  quando com vontade de usar a substância, não abusar da mesma; e sob situações que com frequência usava drogas de maneira descontrolada. Pode-se atribuir tal resultado não apenas ao treinamento de habilidades de enfrentamento (THE), mas também ao compartilhamento de uma atividade que favorecia a criação de vínculos entre os participantes e fazia com que eles convivessem de maneira mais próxima, fortalecendo os laços afetivos, os quais são fundamentais para a recuperação desta população (Alvarez, Gomes, Oliveira & Xavier, 2012).

Os dados mostraram um decréscimo de confiança do grupo experimental apenas nas questões 1 e 8. Essas questões avaliam a confiança do usuário diante de situações emocionais, tanto desagradáveis ou depressoras (questão 1) quanto em momentos agradáveis, compartilhados com outras pessoas, como festas e comemorações (questão 8). Uma das possíveis hipóteses explicativas para esse resultado é que houve pouca presença de tais emoções na narrativa do jogo de RPG desenvolvido, assim os personagens tiveram que lidar pouco com conflitos associados a elas. Sugere-se que futuros estudos possam criar situações nas narrativas de um jogo de RPG que possam despertar emoções agradáveis, como estar em uma festa; e desagradáveis, como situações mais depressivas, favorecendo melhor a eficácia do THE no tratamento da dependência de drogas.

Para as abordagens comportamentais, o THE é fundamental para que o paciente possa modificar seu comportamento que lhe traz malefícios, sendo que na TCC o foco de mudança não é só no comportamento, mas também nos pensamentos e crenças (Maia et al., 2015). Observando os resultados, é possível perceber que, provavelmente, os participantes se sentiram com maior capacidade de dissociação da situação apresentada e, assim, conseguiram realizar a tomada de decisão que fosse mais coerente com seus objetivos no tratamento, como não abusar de droga, em vez de uma decisão mais impulsiva que os levassem a fazer uso abusivo por avaliarem apenas os aspectos positivos desse ato. No entanto, temos também que considerar que os usuários estavam em tratamento em uma clínica fechada e que a aplicação das sessões de RPG não tem por pretensão substituir a psicoterapia mais tradicional no tratamento de usuários de drogas. Porém, essa ferramenta pode auxiliar os profissionais da saúde a lidar com essa população que, muitas vezes, não consegue responder adequadamente ao treinamento padrão de habilidades de enfrentamento (Williams, Meyer, & Pechansky, 2007), criando novos espaços e possibilidades para esse treinamento de forma mais lúdica.

O presente estudo apresenta algumas limitações. O número de participantes é reduzido, devido tanto à dificuldade de se conduzir grupos nas sessões com mais de cinco jogadores quanto pelo local de realização do mesmo, uma clínica de internação fechada, com usuários que tinham a cognição preservada e que não estavam atualmente em uso de drogas. Apesar destas limitações, é relevante levar em consideração que técnicas e modalidades alternativas e complementares no tratamento da dependência de drogas podem favorecer também a adesão desta população além de desenvolver maneiras mais saudáveis de enfrentamento das situações de risco desencadeadoras de recaída, como avaliado neste estudo. Assim, sugere-se que futuros estudos possam ser desenvolvidos em serviços abertos, como o CAPSad, nos quais os usuários têm maior liberdade para adesão, avaliando, inclusive, se a adesão às sessões de RPG pode aumentar a adesão geral no tratamento. Sugere-se ainda que futuros estudos possam ampliar o número de participantes, favorecendo a avaliação da eficácia de RPG no tratamento da dependência de drogas com a inclusão de outras variáveis que não foram testadas no presente estudo.

Apesar das limitações mencionadas, os resultados deste estudo exploratório sugerem que o RPG pode ser útil para se trabalhar com as situações de risco que favorecem à recaída ao uso impulsivo e descontrolado de drogas durante o tratamento desta problemática.

 

5 Conclusão

Os resultados sugerem que o uso de RPG no tratamento de dependentes de drogas pode provocar aumento da autoconfiança para resistir ao uso de droga, especialmente diante de situações de conflitos pessoais, familiares e sociais. Além disso, os dados ainda sugerem que o uso de RPG pode ser útil para aumentar a autoconfiança do usuário em recusar o uso de droga quando sentir o desejo ou o impulso para fazê-lo em situações que com frequência a usava de maneira descontrolada. Assim, os dados sugerem que o treinamento de habilidades pelo qual os participantes foram submetidos durante as sessões de RPG pode ser eficaz no treinamento de novas possibilidades para a resolução de problemas associados ao uso de drogas, alterando também a necessidade de uso dessas substâncias percebida pelos usuários. Por fim, os resultados do estudo sugerem que o RPG pode ser eficaz como uma ferramenta útil e complementar no tratamento de dependentes de drogas, abrindo novas possibilidades de estudos dentro dessa temática.

 

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Endereço para correspondência
Vitor Villar Scattone
Rua Andronico, 117, Vila Mariana, CEP 04113-140, São Paulo – SP, Brasil
Endereço eletrônico: vitor-villar@hotmail.com
Adriana Marcassa Tucci
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde
Rua Silva Jardim, 36, CEP 11015-020, Santos - SP, Brasil
Endereço eletrônico: atucci@unifesp.br

Recebido em: 24/06/2016
Reformulado em: 24/12/2017
Aceito em: 24/12/2017

 

 

Notas

* Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp.
** Professora Associada do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.

Pesquisa financiada com bolsa de Iniciação Científica concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

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