SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número3Mulheres nos Archivos de pedagogía y ciencias afines (1906-1914)Eva Borkowska de Mikusinski, H. J. Eysenck e o estudo científico da personalidade na Argentina índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.18 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2018

 

CLIO-PSYCHÉ

 

A "Natureza Feminina" na Ótica dos Médicos, Operários e Literatos no Início do Século XX

 

The "Woman's Nature" as Seen by the Physicians, Workers and Literati in the Beginning of the 20th Century

 

La "Naturaleza Femenina" bajo la óptica de Médicos, Trabajadores y Literatos en el Inicio del Siglo XX

 

Beatriz Colabone Siqueira*; Maria Lucia Boarini**

Universidade Estadual de Maringá – UEM, Maringá, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é refletir sobre a concepção de mulher veiculada pela literatura, pela imprensa operária e pela imprensa científica no Brasil no início do século XX. Para isso, foram utilizadas como fontes primárias e principais o jornal operário A Plebe (1917-1951),os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental (1925-1947) e dois romances nacionais: Parque Industrial (1933) de Patrícia Galvão e O Quinze (1930) de Rachel de Queiroz. As fontes históricas de qualquer natureza têm importância fundamental para a pesquisa, uma vez que são consideradas testemunhas dos momentos históricos em que foram produzidas, e por isso, amparam a produção do conhecimento acerca de determinado período. Os resultados indicam que imperava um ideal de mulher pautado na existência de uma natureza feminina que significa a aptidão natural da mulher para o cuidado com o lar e com os filhos.

Palavras-chave: mulher, imprensa operária, imprensa científica, literatura brasileira.


ABSTRACT

This study's objective is to reflect about the concept of woman transmitted by the literature, worker's press and scientific press in Brazil in the beginning of the 20th century. For that, the primary sources utilized were the working class newspaper "A Plebe" (1917-1951), the "Archivos Brasileiros de Hygiene Mental" (1925-1947) and two brazilian novels: "Parque Industrial" (1933), written by Patrícia Galvão and "O Quinze" (1930), by Rachel de Queiroz. The historic sources of any nature are of great value for the research, since they witnessed the historic moments in which they were produced, thus, supporting the knowledge production about that. The results indicate that there was an ideal of woman based on the existence of a feminine nature that means the natural aptitude of the woman for the care with the home and with the children.

Keywords: woman, worker's press, scientific press, brazilian literature.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es reflexionar sobre la concepción de la mujer transmitida por la literatura, prensa del trabajador y la prensa científica en Brasil en el inicio del siglo XX. Para esto, fueran utilizadas como fuentes primarias y principales el periódico del trabajador "A Plebe" (1917-1951), los "Archivos Brasileiros de Hygiene Mental" (1925-1947), y dos novelas brasileñas: "Parque Industrial" (1933), de Patrícia Galvão y "O Quinze" (1930), de Rachel de Queiroz. Las fuentes históricas de cualquier naturaleza resultan de gran valor para el estudio, dado que son consideradas testigos de los momentos históricos en que fueran producidas, y por eso sostienen la producción del conocimiento acerca de un período determinado. Los resultados indican que prevalecía un ideal de mujer con base en la existencia de una naturaleza femenina que significa la aptitud innata de la mujer para el cuidado con el hogar y con los hijos.

Palabras clave: mujer, prensa del trabajador, prensa científica, literatura brasileña.


 

 

Introdução

No Brasil, dados apontam que, em 2007, as mulheres representavam 40,8% do mercado formal de trabalho. Em 2016, a participação feminina nesse contexto subiu para 44%. Além disso, a renda das mulheres tem se tornado cada vez mais necessária para o sustento da família, sendo que, no ano de 1995, 23% dos domicílios tinham mulheres como referência e, vinte anos depois, esse número subiu para 40%. Contudo, dados relativos ao mercado de trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD C), obtidos no quarto trimestre de 2017, demonstram que ainda há muita desigualdade de gênero. Das 40,2 milhões de trabalhadoras, 24,3% possuem ensino médio completo, enquanto somente 14,6% dos homens que trabalham possuem o mesmo nível de escolaridade. E ainda, os salários das mulheres são 24,44% menores que os dos homens (Saraiva, Bello, & Renaux, 2018).

A PNAD C demonstra que o número de mulheres em profissões culturalmente consideradas femininas e associadas a menores salários ainda é alto, como por exemplo, no emprego  doméstico , magistério, enfermagem e serviço social. Além disso, as mulheres dedicam 73% a mais de tempo semanal que os homens, ou seja, cerca de 18 horas, a  afazeres domésticos e cuidando de pessoas. Nesse sentido, muitas mulheres procuram trabalhos com menos carga horária semanal para conciliar essas atividades. Assim, cerca de 54% dos trabalhadores subocupados, isto é, que trabalham menos de 40 horas semanais, mas desejam trabalhar mais, são mulheres (Saraiva, Bello, & Renaux, 2018).

Até mesmo no âmbito do esporte a desigualdade entre homens e mulheres é marcante. Em 2016, o time brasileiro de vôlei feminino venceu a Liga Mundial e, como premiação, recebeu 200 mil dólares, valor cinco vezes inferior ao que foi recebido pelo primeiro colocado da Liga Mundial de vôlei masculino. No futebol, a discrepância entre as remunerações dos jogadores de ambos os sexos é mais notável. Marta Vieira da Silva, a jogadora brasileira eleita cinco vezes como melhor do mundo pela Federação Internacional de Futebol/ FIFA, recebe cerca de 400 mil dólares por ano. Já Neymar da Silva Santos Júnior, considerado uma das "estrelas" do futebol brasileiro, recebe cerca de 14,5 milhões de dólares por ano. Essas diferenças entre as remunerações masculinas e femininas no esporte ocorrem em grande parte devido à falta de patrocínio e de divulgação midiática do esporte feminino (Mazotte, 2016). Estes são apenas alguns dados que favorecem a compreensão da situação atual da mulher em relação ao campo do trabalho no Brasil.

No início do século XX, no Brasil, a presença feminina nas fábricas estava concentrada nas indústrias de fiação e tecelagem e na divisão do trabalho, as mulheres ficavam com as funções menos especializadas e mal remuneradas, sendo submetidas a extensas jornadas de trabalho (Rago, 2012). É importante lembrar que, historicamente, as mulheres dos grupos economicamente desfavorecidos, em diferentes países, sempre trabalharam para além de seus compromissos domésticos e, por vezes, eram as "chefes de família" devido às condições precárias em que viviam (Fonseca, 2012).

No início do século XX, também já existiam mobilizações femininas para reivindicação de direitos. Em julho de 1922 ocorreu, na cidade de Baltimore (EUA), a Conferência Pan-Americana de Mulheres que abordou temas como saúde das crianças, trabalho e educação feminina, direito ao voto, entre outros. Além disso, neste evento foi criada a Associação Pan-Americana de Mulheres. Bertha Lutz (1894-1976), cientista paulista, considerada um dos principais nomes do movimento feminino organizado no Brasil, foi a representante brasileira nessa conferência, trazendo de lá diversas questões importantes que influenciaram a organização das mulheres no Brasil. Uma dessas influências levou à criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, considerada a filial brasileira da Associação Pan-Americana de Mulheres (Karawejczyk, 2018).

Também no início do século XX o movimento da higiene mental ganhava corpo no Brasil, representado principalmente pela Liga Brasileira de Hygiene Mental. Esta associação, constituída pela intelectualidade brasileira, em especial a classe médica, contribuiu de maneira significativa para a construção desse ideário da mulher enquanto "rainha do lar". Interessados na modernização do país, os trabalhos dos integrantes da Liga Brasileira de Hygiene Mental, almejavam transformar o Brasil em uma grande nação aos moldes dos países europeus, por meio de um novo modelo de homem física e mentalmente saudável e, nesta perspectiva, também dirigiram suas atenções à mulher (Garcia, 2012). Além disso, enquanto aliada do Estado, a medicina investiu na criação do entendimento de que o amor à pátria era um sinal de sanidade, sua falta sendo considerada uma deficiência físico-moral. Assim, o movimento higienista contribuía para a nacionalização da família e sua sujeição ao Estado (Costa, 1983).

Desde meados do século XIX, forjou-se um novo modelo normativo de mulher, representado pela "esposa-mãe-dona-de-casa, afetiva, mas assexuada" (Rago, 1985, p.62). Esse modelo foi inicialmente aplicado às mulheres das classes burguesas, chegando posteriormente à classe trabalhadora.

Lembramos que nessa época, devido à crescente industrialização e urbanização do Brasil, crescia também o movimento operário no país. Desde o início da Primeira República (1889-1930) surgiram esparsos movimentos de organização e mobilização dos trabalhadores como partidos operários, sindicatos, além de greves e até a criação de uma Confederação Operária Brasileira em 1906 de orientação anarquista, que influenciou fortemente o movimento operário no Brasil, principalmente no estado de São Paulo. Essas mobilizações, no entanto, não geravam muitas preocupações para a elite da época. No período de 1917 a 1920, o movimento operário ganhou força no Brasil, gerando uma onda de greves gerais dos trabalhadores em busca de melhores condições de vida e de trabalho, sendo a mais conhecida a de junho/julho de 1917, na cidade de São Paulo (Fausto, 2001). Detalhe importante a observar é que a maioria dos operários das fábricas brasileiras no início do século XX fazia parte da imigração europeia, muito estimulada pelo governo brasileiro desde meados do século XIX (Rago, 2012). Portanto, ao nos referirmos às trabalhadoras fabris do Brasil do início do século XX, estamos tratando majoritariamente de mulheres brancas de ascendência europeia.

O protagonismo da mulher nos movimentos operários em luta por melhores condições de vida e trabalho do início do século XX teve significativa repercussão, sobretudo, por dar início a movimentos paredistas que marcaram a história, como é o caso da greve geral de 1917 (Mendes, 2010). Esta militância da mulher, bem como a efervescência das tendências burguesas em mantê-la no espaço privado, não passavam despercebidas pela imprensa comum, sobretudo pela imprensa operária e científica, embora estas  fossem constituídas majoritariamente por homens.

Diante do exposto, o retorno à história para a compreensão da desigualdade no status social da mulher se justifica pela tentativa de ampliar e desmistificar a visão produzida sobre as mulheres em um determinado período histórico. Tal retorno à história, ainda, justifica-se a medida que, para compreender o ser humano enquanto indivíduo singular, é preciso compreender a objetividade que o constitui, isto é, o contexto histórico-social que contribui na produção de comportamentos e subjetividades que, via de regra, historicamente tem passado despercebido pela psicologia.

De acordo com Bock (2001), historicamente a psicologia apresentou uma compreensão do fenômeno psicológico como descolado da realidade concreta em que o sujeito está inserido, criando uma noção de "natureza humana" enquanto uma substância de que o sujeito é naturalmente dotado. Como consequência, seus processos psicológicos ocorrerão de forma natural sem qualquer influência do contexto em que este sujeito vive. Nesse sentido, recuperar os mitos e as crenças que perpassaram (e ainda perpassam) o lugar da mulher em nossa organização social é necessário para compreender a materialidade dos fenômenos e superar essa compreensão abstrata sobre eles. Nesta perspectiva, temos como objetivo refletir sobre a concepção de mulher veiculada pela literatura, imprensa operária e pela imprensa científica no Brasil no início do século XX.

 

Método

O presente estudo é uma pesquisa documental, tendo como fontes primárias e principais o jornal operário intitulado A Plebe, os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, representando a imprensa científica e a literatura nacional representada pelas obras O Quinze 1 de Rachel de Queiroz e Parque Industrial 2 de Patrícia Galvão, conhecida também como Pagu.

Para Zicman (1985), a imprensa apresenta uma riqueza de elementos e dados que possibilitam o conhecimento das manifestações culturais e políticas e das condições de vida de uma determinada sociedade em um determinado período histórico. Já a literatura, enquanto forma de expressão artística, também retrata o período em que foi produzida pela ótica de seu autor. Sendo assim, é possível considera-la como uma fonte que dialoga com a realidade que se propõe a retratar, sem perder vínculo com a mesma (Borges, 2010).

Não podemos perder de vista que as fontes históricas são produções humanas, formadas pelo contexto histórico-social em que foram produzidas e, por isso, se constituem como o ponto de partida para a "reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado." (Saviani, 2006, p.29).

 

Caracterização das Fontes

Dentre os diversos periódicos produzidos no contexto da imprensa operária no Brasil, A Plebe foi um jornal de orientação anarquista e anticlerical lançado na cidade de São Paulo em 1917 e extinto definitivamente em 1951. A Plebe se declarava uma continuação de outro jornal anticlerical intitulado A Lanterna e era um veículo dedicado à luta dos trabalhadores no Brasil. Os conteúdos veiculados pelo jornal variavam de notícias sobre países da América Latina, organização dos sindicatos em São Paulo, no interior e na capital, além de artigos explicativos sobre anarquismo e comunismo (Dantas, 2015).

Os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, periódico produzido pela Liga Brasileira de Hygiene Mental, se constituíram como um importante meio de divulgação teórica da elite médico-intelectual da época. Tinha como objetivo proporcionar intercâmbio cultural entre neuropsiquiatrias brasileiros e estrangeiros, e entre as principais bibliotecas e sociedades científicas internacionais (Caldas, 1929).

A escolha dos romances O Quinze de Rachel de Queiroz, e Parque Industrial de Patrícia Galvão, se justifica pelo histórico dessas duas autoras, uma vez que ambas retrataram a condição feminina do período, cada uma com suas particularidades. Rachel de Queiroz (1910-2003), natural do estado do Ceará, lançou O Quinze em 1930 tendo obtido inesperada repercussão em São Paulo e no Rio de Janeiro, e, com apenas 20 anos de idade, já se projetava no cenário da literatura brasileira "agitando a bandeira do romance de fundo social" ("Nota da editora," 1971, p.10). Além disso, Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, já  em 1977.

Patrícia Galvão (1910-1962), mais conhecida como Pagu, nasceu no estado de São Paulo e foi uma jornalista, escritora e militante de esquerda que teve uma reputação marcada pelo estigma pejorativo  de "escandalosa". Participou do movimento modernista no Brasil, colaborando com a Revista de Antropofagia. Teve um relacionamento afetivo com Oswald de Andrade (1890-1954) em 1928 e filiou-se ao Partido Comunista em 1931. Em 1933 lançou o primeiro romance proletário do Brasil, "Parque Industrial", sob o pseudônimo de Mara Lobo, que também foi considerado "escandaloso" e transgressor por demonstrar as desigualdades, a exploração dos trabalhadores, em especial a exploração sofrida pelas mulheres, e por utilizar o linguajar popular de São Paulo (Ferraz, 2016).

A análise dos resultados foi realizada à luz dos fenômenos históricos da época e sem a pretensão de exaurir as fontes consultadas e o assunto em pauta. Colocamos em discussão três aspectos que se mostraram relevantes no presente estudo, a saber: maternidade, trabalho feminino e sexualidade feminina, que apresentaremos a seguir.

 

Resultados

1 A Maternidade: "o verdadeiro destino de toda mulher"

A maternidade assumiu um importante lugar no discurso da imprensa científica do período, pois os primeiros anos da República no Brasil remontam ao anseio das elites pela industrialização e modernização do país, à moda dos países já desenvolvidos, e uma redefinição da sociedade brasileira de modo geral. Entretanto, a cidade do Rio de Janeiro, naquele período capital do país, era foco de várias endemias, dentre elas varíola e febre amarela, que assolavam a população brasileira, além dos altos índices de mortalidade infantil (Sevcenko, 2006).

Nesse contexto, a mulher enquanto mãe foi considerada de primordial importância. Em análises realizadas em revistas femininas de grande circulação na década de 1920, Freire (2008) afirma que, nesse período, a maternidade, além de ser concebida como "um instinto inerente à natureza feminina" (p. 157), passou a incorporar função patriótica e caráter científico. Isso quer dizer que era atribuída à mulher a função de preparar o futuro da nação, pelo cuidado com os filhos. Portanto, a orientação de Fontenelle (1925), médico higienista, era "ensinar as mães como formar os primeiros hábitos de seus filhinhos, adaptando-os da melhor maneira aos problemas iniciais da vida, como alimentação, sono, o asseio, a disciplina, etc." (p. 8).

O dever da maternidade deveria ser incorporado à educação da mulher, caso contrário ocorreria a incompletude da sexualidade feminina, como afirma Porto-Carrero (1930):

É preciso, principalmente, não perder de vista que a função sexual da mulher não está completa sem a maternidade. Os consultórios de neurológios estão cheios de casadas que sofrem o mal de não ter filhos, de solteiras cujo maior desejo fora serem mães, embora sentindo restrições na atração pelo homem. Só o filho realiza o pênis ideal sonhado na infância; e até as habituadas a contracepção revelam na análise aquele desejo inconsciente de serem mães. (Porto-Carrero, 1930, p. 134).

Desta forma, o discurso médico da época, em grande parte masculino e moralizador, buscava persuadir a mulher, com argumentos "científicos", de que sua função natural é a de criação e educação dos filhos, sendo que ser uma mulher normal e saudável traduzia-se em ser mãe. Nesta perspectiva, a ginecologia se constituiu no século XIX enquanto uma "ciência da mulher" em sentido amplo, dedicada a desvendar tudo o que estava relacionado à "normalidade feminina, que é, por natureza, potencialmente patológica" (Rohden, 2001, p. 52). Assim, todos os processos que perpassam a vida da mulher, como puberdade, menstruação e menopausa, por exemplo, eram alvos de interesse dos médicos, pois, se não fossem bem ordenados, eram capazes de gerar até perturbações mentais.

A exaltação da maternidade também se faz presente no romance O Quinze de Rachel de Queiroz, nos momentos em que a personagem principal, Conceição, demonstra sua suposta "incompletude" por renunciar ao casamento e a maternidade, afirmando em um diálogo com sua avó que (Queiroz, 1971):

[...] quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que se arranjar outras coisas com que se preocupe... Se não a vida fica vazia demais...
- E para que você torceu sua natureza? Por que não se casa?
Conceição olhou a avó de revés, maliciosa:
- Nunca achei quem valesse a pena... (p. 118, grifo nosso).

Essas "outras coisas" a que Conceição se refere são os estudos e os trabalhos de caridade que realiza no decorrer da história. A despeito de Conceição ter uma personalidade "transgressora", sua suposta segurança em não procurar o casamento dá lugar a uma incerteza sobre o que é considerado o "destino" da mulher. Outro momento em que a personagem se mostra incompleta por não ter se tornado mãe, revela-se quando, ao ver sua prima casada e com um filho, Conceição é tomada pela tristeza e o narrador faz a seguinte reflexão (Queiroz, 1971):

Afinal, o verdadeiro destino de toda mulher é acalentar uma criança no peito... E sentia no seu coração o vácuo da maternidade impreenchida... "Vae solis!" Bolas! Seria sempre estéril, inútil, só... Seu coração não alimentaria outra vida, sua alma não se prolongaria noutra pequenina alma... Mulher sem filhos, elo partido na cadeia da imortalidade... (p. 137).

Nesta reflexão da personagem principal – Conceição – é possível supor uma espécie de comprovação do discurso médico sobre as mulheres da época. Dedicando-se demasiadamente aos estudos, Conceição teria prejudicado a realização da vocação natural, do destino fundamental da vida da mulher (Rohden, 2001).

O apelo à gestação saudável, ao amor materno sublime, gratificante e natural, foi o principal argumento utilizado para persuadir as mulheres de exercer a função de mãe nos moldes considerados adequados. Contudo, cuidar dos filhos da forma "ideal" exigia dedicação constante e nem sempre as condições materiais de um segmento de mulheres eram favoráveis para alcançar este ideal e, por vezes, o repouso durante a gravidez adentrava o terreno do impossível. Daí, não é difícil entender que o argumento do amor materno gerou o sentimento de culpa nas mães que cometiam "erros" na criação de seus filhos, uma vez que as mesmas passaram a ser as responsáveis pela felicidade ou infelicidade dos filhos (Badinter, 1985; Garcia, 2012).

A situação da mulher operária, em especial durante a gestação e pós-parto, era pauta recorrente do jornal A Plebe. Era uma reivindicação do movimento operário que as mulheres recebessem seus salários nos últimos períodos da gravidez e também no pós-parto mesmo que precisassem parar de trabalhar ("Violências e torpezas," 1917). Em sintonia com o movimento operário, Galvão (2006) denuncia em sua obra Parque Industrial o descaso com as mulheres proletárias por parte da burguesia de modo geral. No trecho a seguir a autora apresenta um diálogo entre mulheres burguesas que representa este descaso

- Se a senhora tivesse vindo antes, podíamos visitar a cientista sueca...
- Ah! Minha criada se atrasou. Com desculpas de gravidez. Tonturas. Esfriou demais meu banho. Também já está na rua! (p. 77-78).

Em contraposição, a fala de Rosinha, uma das operárias com características mais revolucionárias do romance de Pagu, é uma metáfora que representa o quanto as trabalhadoras eram exploradas e impossibilitadas de cuidarem dos filhos (Galvão, 2006):

A voz da pequenina revolucionária surge nas faces vermelhas da agitação.
- Camaradas! Não podemos ficar quietas no meio desta luta! Devemos estar ao lado dos nossos companheiros na rua, como estamos quando trabalhamos na Fábrica. Temos que lutar juntos contra a burguesia que tira nossa saúde e nos transforma em trapos humanos! Tiram do nosso seio, a última gota de leite que pertence a nossos filhinhos para viver no champanhe e no parasitismo! (p. 87-88)

Como visto até aqui, havia de um lado a exaltação da maternidade e de outro, a impossibilidade para algumas mulheres em cumprir as recomendações médicas devido à situação de miséria em que viviam.

2 Trabalho feminino

O trabalho feminino também foi alvo de discussão pela imprensa científica, sendo entendido como não natural e responsável pelo abandono dos filhos e do lar. Nestes termos, segundo Porto-Carrero (1930), as mulheres que desejavam trabalhar fora de casa eram movidas por um impulso de revolta contra o homem.  As profissões que exigem mando não são adequadas às mulheres, uma vez que o autor considera o homem como naturalmente agressivo enquanto a mulher é naturalmente passiva. O autor afirma ainda que "a mulher puramente companheira de trabalho é um ser que mente à sua finalidade" (p. 164). Traduzindo, a finalidade, neste caso, é a maternidade e o cuidado com o lar.

A despeito da "norma oficial" da moral da época, a precária situação econômica de grande parte da população brasileira tornava o trabalho feminino inevitável para promover o sustento da família. Assim, a mulher trabalhadora sofria também com o estigma de "mãe relapsa" e precisava defender sua "honra", pois o assédio sexual era recorrente (Fonseca, 2012, p. 517). Badinter (1985), analisando o caso europeu, destaca que as mulheres da burguesia foram as que mais rapidamente corresponderam ao ideal de maternidade, uma vez que já não necessitavam contribuir com o orçamento familiar e podiam dedicar-se aos filhos e amamentá-los.

Algumas profissões favoreciam a ideia da natureza feminina e eram consideradas adequadas para as mulheres no discurso da imprensa científica da época, como, por exemplo, enfermeira, professora, assistente social, e as demais profissões que estivessem relacionadas com o cuidado dos homens e do futuro da nação (Garcia, 2012). Isso é perceptível nas palavras de Olinto (1934) "Toda a dedicação da mulher se exterioriza nas profissões de enfermeira e professora." (p. 29).

O jornal A Plebe trazia em suas páginas diversas pautas relacionadas ao trabalho feminino, como o trabalho das gestantes, já mencionado anteriormente, a igualdade de salários e também a degradação da honra da mulher diante da exploração e das situações de assédio. Na edição de 18 de agosto de 1917, há uma denúncia da "conduta bastante suspeita" do mestre de uma fábrica de tecidos em relação às operárias, como se demonstra no trecho a seguir ("Violências e torpezas," 1917):

Afirma-se que este indivíduo persegue com propostas indecorosas muitas dessas operárias, injuriando e martirizando de mil maneiras aquelas que têm a dignidade e a coragem de repelir tão infame sujeito. (p. 2)

Diante destas situações, o jornal A Plebe defendia a necessidade de acabar com o trabalho noturno para as mulheres ("O que reclamam os operários," 1917), em prol da honra e da moral da trabalhadora. Ou seja, o fim do trabalho feminino noturno nas fábricas era justificado por motivos de ordem moral e fisiológica ("A acção do comitê," 1917). Não há maiores explicações neste artigo do jornal sobre quais seriam esses motivos de ordem fisiológica, porém, é possível supor que se trata de um argumento pautado no entendimento defendido pela medicina de que a fisiologia feminina é mais suscetível a influências do ambiente, conforme aponta Rohden (2001). Mesmo que essa citação esteja no âmbito da imprensa operária, é possível perceber certa convergência nos argumentos da imprensa científica e da imprensa operária.

De acordo com Rago (1985) as denúncias da imprensa operária sobre as condições do trabalho feminino apelavam para a moral da sexualidade e para os obstáculos que o trabalho impunha para a realização da função da materna. A fábrica é colocada como o lugar em que "a mulher, frágil e indefesa, corre o risco de corromper-se física e espiritualmente: o lugar do trabalho é a antítese do lar" (p. 67). Nesse sentido, a recomendação do fim do trabalho noturno feminino divulgada pela A Plebe, justificada por motivos de ordem moral e fisiológica, revela justamente esse apelo para o argumento moral a que Rago (1985) se refere.

O direito ao voto foi conquistado pelas mulheres brasileiras em 1932, após diversas mobilizações, como as conduzidas por Bertha Lutz no âmbito da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. No entanto, o romance Parque Industrial, no diálogo entre mulheres burguesas sobre a conquista do voto feminino, apresentado a seguir, demonstra que este direito não se estendeu a todas as mulheres, retratando o descaso com os direitos das trabalhadoras, com a exclusão social  sendo atribuída à natureza das coisas. O jornal A Plebe, dada sua orientação anarquista, não considerava o direito ao voto uma conquista importante, uma vez que muitos operários continuavam sem este direito e as eleições não trariam mudanças efetivas (A. F, 1932).

[...] - O voto para as mulheres está conseguido! É um triunfo!
- E as operárias?
- Essas são analfabetas. Excluídas por natureza." (Galvão, 2006, p.77-78).

Como denota o diálogo acima, os direitos das trabalhadoras eram ignorados. Entretanto, existiam movimentos de resistência feminina contra a exploração divulgadas pelo jornal A Plebe. A União das Costureiras era uma organização pela qual as costureiras da cidade de São Paulo pretendiam dar voz às suas reivindicações ("União das costureiras," 1919). De acordo com Matos (2000), o trabalho das costureiras no início do século XX na cidade de São Paulo era tradicionalmente realizado a domicílio e mal remunerado, pois as  profissionais ganhavam um valor irrisório por peça produzida, o que as obrigava a trabalhar exaustivamente para garantir o ganho mínimo suficiente para completar o orçamento familiar.

Esta situação levou a diversas tentativas de organização das costureiras. Porém, foi somente em 1919, com a criação da União das Costureiras, que se efetivou a organização da categoria. As reivindicações das costureiras eram a jornada de trabalho de oito horas diárias, salário mínimo e equiparação dos salários femininos e masculinos. Essa iniciativa das costureiras foi saudada pelo jornal A Plebe como excepcional para as mulheres e usada como exemplo e "motivo de vergonha" para os homens não associados, como demonstra o seguinte trecho ("União das costureiras," 1919):

Quer dizer: as costureiras, conscientes da sua dignidade e do seu valor, decidiram-se a ser mulheres, na verdadeira acepção do termo, e não manequins manipulados pela vontade de seus algozes de ambos os sexos. Ergueram a fronte com altivez e à exploração disseram que já não eram escravas passivas e submissas. Belo gesto! Magnífico exemplo!
Homens, operários dissociados: se acaso vos envergonhais de ver essas raparigas, irmãs nossas no sofrimento e na miséria, adiantando-se a vós na marcha para a emancipação, vinde também fundar, robustecer as vossas agrupações! (p. 3).

O jornal divulgou também a iniciativa da União das Costureiras de promover aulas de português e aritmética para as operárias, ressaltando a importância de educar as mulheres ("Movimento operário," 1921). Apesar da iniciativa das costureiras ser considerada como "Magnífico exemplo!" pela imprensa operária, Matos (2000) afirma que se manteve certo nível de desconfiança em relação à mobilização feminina. Nessa direção, Rago (1985) demonstra que existia na imprensa operária um discurso de vitimização da trabalhadora, colocada sempre como frágil, incapaz e, como já foi dito anteriormente, com um papel "acessório" ao homem nas mobilizações.

Outra iniciativa de organização feminina divulgada pelo jornal A Plebe é o Centro Feminino de Jovens Idealistas. Esta organização pretendia atuar junto às operárias e despertá-las para a luta ("Núcleos de vanguarda," 1920).  Este Centro tinha como objetivo instruir as mulheres para "torná-las aptas a conquistar sua emancipação" ("Bases de acordo," 1920, p. 4).

Segundo Mendes (2010), o Centro Feminino de Jovens Idealistas foi fundado em 1917 e teve intensa atuação na cidade de São Paulo até o fim da década de 1920. Essa organização atuou na greve geral de 1917 e posteriormente em outras. Além disso, era uma rede de solidariedade para os trabalhadores, organizando festivais para arrecadação de fundos para auxiliar operários doentes, desempregados e aqueles perseguidos pela polícia por atuarem em mobilizações operárias.

3 Sexualidade feminina

A imprensa científica em diversos momentos aborda a questão da educação sexual, em especial a sexualidade da mulher. Coutinho (1939) afirma que a sexualidade feminina é "menos imperiosa" (p. 44) que a do homem, portanto encontra formas mais fáceis de sublimação, isto é, a mulher desvia sua energia sexual mais facilmente para outras finalidades, como um filho adotivo e trabalhos de caridade. A personagem Conceição, do romance O Quinze, é acomprovação dessa ideia, uma vez que faz trabalhos de caridade e a adoção de seu afilhado Duquinha, filho de Chico Bento, é a sua consolação pelo fato de não ter tido filhos biológicos.

Para Rago (1985), o discurso burguês do início do século XX, pautado na ciência da época, demarcava rigidamente a diferença entre os sexos, definindo o homem com características de tenacidade, racionalidade, poder e forte desejo sexual, enquanto a mulher era considerada como passiva, romântica, maternal, cuja sexualidade se restringia à procriação. Dessa forma, as mulheres solteiras que se deixassem "desvirginar" perdiam o direito a qualquer consideração e eram obrigadas a arcar com as consequências do "erro" sozinhas, sendo os homens isentados de qualquer responsabilidade (Soihet, 2012).

As mulheres que "fugiam" desse padrão de dessexualização, como as prostitutas, também foram alvo de discussão na imprensa científica. A prostituição foi definida por Porto-Carrero (1935) como "chaga da sociedade" (p. 143) e responsável pela propagação de doenças, sendo a sífilis a principal delas. Anteriormente, Porto-Carrero (1929) associava prostituição ao crime e a um desvio de conduta que deveria ser combatido pelas mulheres. Entretanto, apesar da prostituição ser condenada, entendia-se também que era necessária socialmente. Desta forma, não era recorrente a condenação social do homem que procurava pela prostituição, pois seus instintos sexuais incontroláveis demandavam que o fizesse (Rago, 1985).

Em relação à sexualidade feminina, na imprensa operária havia o apelo pela libertação da mulher dos domínios da Igreja Católica, religião hegemônica na época, e da obrigação do casamento monogâmico. Um dos temas defendidos pelo jornal, que contrariava os princípios religiosos, era o do amor livre, isto é, a união amorosa entre pessoas sem interferência da igreja. Rutti (1934) defende que o amor livre é a melhor maneira de relacionamento, mas que, para isto, é preciso uma sociedade livre de exploração. Em relação à sexualidade, a autora afirma que os homens conseguem mais facilmente a satisfação sexual, mesmo nas condições sociais de exploração; já as mulheres não podem reivindicar esse direito sem sofrerem represálias. Nesse contexto de defesa do amor livre, os escritores do jornal que trataram dessa temática defendiam-se de acusações de apologia à prostituição. Gonçalves (1935) manifesta sua desaprovação em relação à prostituição e aponta que esta é causada justamente pela falta da liberdade no amor e também pela miséria que pode obrigar a mulher a essa condição.

No romance Parque Industrial, Galvão (2006) apresenta mulheres adeptas do amor livre, mas também demonstra a desigualdade em relação aos homens nesse âmbito e a culpabilização da mulher pelo exercício de sua sexualidade, como no caso da personagem Corina. Esta personagem, ao se envolver com um rapaz burguês, que a mantém apenas como uma "amante", acaba engravidando e é demitida do emprego e expulsa de casa por esse motivo, não recebe qualquer apoio do pai da criança e acaba se encaminhando para a miséria e prostituição.

Outras questões também eram debatidas na imprensa operária da época, mas foge ao objetivo deste texto discuti-las. Apenas a título de ilustração, citamos Izabel Cerutti (1934), uma colaboradora do jornal, que, em um texto sobre a possibilidade do serviço militar obrigatório para as mulheres, se posiciona contra o militarismo tanto para homens quanto para mulheres. Porém, defende que a mulher não é incompatível com o serviço militar por ser mais fraca, ou mais delicada que o homem, e afirma que "Só nos sentimos diferentes dos homens na conformação dos nossos órgãos reprodutores. No mais, em tudo somos iguais a eles" (p. 3).

 

Considerações finais

Existia, de modo geral, uma visão do trabalho fora do ambiente doméstico como degradante para a moral feminina, visão esta que estava ligada ao anseio de manter a mulher na esfera da vida privada. Porém, o trabalho feminino para a maioria da população era uma realidade, em virtude das condições econômicas precárias.

O ideal apregoado pela imprensa científica era o da mulher "rainha do lar", pautado em um modelo de família burguesa, na qual o homem traria o sustento da casa e a mulher se dedicaria totalmente ao lar. Esse ideal se baseia fortemente na existência de uma natureza feminina universal, isto é, algo que todas as mulheres desconsiderando classe social e etnia – naturalmente possuem e que as torna frágeis, maternais e "programadas" para cuidarem dos filhos e do lar.

Ao divulgarem as mobilizações das operárias e ao se posicionarem contra a exploração e a favor da emancipação feminina, a imprensa operária permite enxergar as mulheres não enquanto um "grupo" homogêneo de vítimas dotadas de uma "natureza feminina", que as torna naturalmente delicadas e afins, mas enquanto pessoas que podem lutar contra a opressão que sofrem, e construírem suas personalidades de maneiras diferentes. Entretanto, vimos também, conforme Rago (1985, 2012),  que na imprensa operária havia uma visão da trabalhadora enquanto frágil e vítima, apenas como "companheira" do homem. Isso demonstra que, a despeito do posicionamento aparentemente "não tradicional", o jornal A Plebe apelava nas entrelinhas de seu discurso para a ideia de natureza feminina.

Em relação às obras literárias consultadas, é possível afirmar que em ambos os casos se nota divergências em relação ao discurso hegemônico da época. Conceição, personagem principal do romance O Quinze de Rachel de Queiroz, sendo uma mulher estudiosa e, inicialmente, despreocupada com o casamento, contraria o que era considerado natural para a mulher. Já as personagens presentes no romance Parque Industrial, de Pagu, revelam mulheres que até então eram consideradas apenas como vítimas. Personagens como Rosinha e Otávia representam personalidades que vão contra a ideia de natureza feminina no sentido que, ao contrário do estereótipo de vítima e frágil, saem à frente na luta contra a opressão que sofrem.

Finalmente, é importante ressaltar que não tivemos neste trabalho a pretensão de esgotar o tema e as fontes consultadas. Desta forma, compreendemos que existem ainda muitos outros recortes a serem investigados em estudos posteriores, como por exemplo, a situação das mulheres negras nesse período do século XX e como a questão da natureza feminina se aplicava a elas, uma vez que, tanto as mulheres burguesas quanto a maioria das operárias a que nos referimos neste trabalho, eram brancas. Além disto, devemos considerar principalmente que a eugenia, busca do aperfeiçoamento da raça, vivia seu apogeu (Boarini, 2011).

Outrossim, esperamos que esta recuperação histórica contribua para a revisão da natureza humana tão ao gosto da psicologia que, em geral, individualiza comportamentos que tem uma inegável base social, e valida concepções que reafirmam estereótipos, como os relacionados à mulher (Bock, 2001).

 Por fim, é evidente que a situação do período analisado não é exatamente a mesma dos dias atuais. Não obstante, é possível identificar alguns sinais de proximidade desse passado com a atualidade quando vemos que a desigualdade social das mulheres em relação aos homens ainda se faz presente, como nos momentos em que é delegado somente a mulher o cuidado com os filhos, as queixas de dupla jornada, a desigualdade de salários, o assédio no contexto do trabalho, dentre tantas outras situações. É o mito da natureza feminina que ainda persiste em nossos dias, mantendo-se sempre atualizado e sendo usado com justificativa para a desigualdade histórico-social das mulheres em relação aos homens.

 

Referências

A acção do comitê de defesa proletária. (1917, Agosto 11). A grande greve: a acção do comitê de defesa proletária: documentos para o futuro. A Plebe, 1(9), 2. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.         [ Links ]

Bases de acordo do Centro Feminino Jovens Idealistas. (1920). A Plebe, 4(56), 4. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Boarini, M. L. (2011). Raça, Higiene Social e Nação Forte: Mitos de uma época. Maringá: EDUEM.         [ Links ]

Bock, A. M. B. (2001). A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In A. M. B. Bock, M. G. M. Gonçalves, & O. Furtado (Orgs.), Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia (pp. 15-34). São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Borges, V. R. (2010). História e literatura: algumas considerações. Revista de teoria da história, 1(3), 94-109. Recuperado de https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28658        [ Links ]

Caldas, M. (1929). Editorial. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 2(1), 1-2.  Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental        [ Links ]

Cerutti, I. (1934). A mulher e o militarismo. A Plebe, 2(64), 3. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Costa, F. J. (1983). Ordem médica e norma familiar (2ª ed.). Rio de Janeiro: Edições Graal.         [ Links ]

Coutinho, M. (1939). A higiene mental nas diferentes idades. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 12(1,2), 41-47. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental        [ Links ]

Dantas, C. V. (2015). A Plebe. In A. A. Abreu (Org.), Dicionário histórico biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Editora FGV. Recuperado de http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PLEBE,%20A.pdf        [ Links ]

Fausto, B. (2001). História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp.         [ Links ]

Ferraz, G. G. (2016). Apresentação. In P. Galvão, Parque Industrial (pp. 7-12). Rio de Janeiro: José Olympio.         [ Links ]

Fonseca, C. (2012). Ser mulher, mãe e pobre. In M. D. Priore (Org.), História das mulheres no Brasil (pp. 510-553). São Paulo: Contexto.         [ Links ]

Fontenelle, J. P. (1925). Hygiene mental e educação. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 1(1), 1-10.         [ Links ]

Freire, M. M. L. (2008). ‘Ser mãe é uma ciência': mulheres, médicos e a construção da maternidade científica na década de 1920. História, ciências, saúde - Manguinhos. 15(supl.), 153-171. doi:10.1590/S0104-59702008000500008

Galvão, P. (2006). Parque industrial. Rio de Janeiro: José Olympio.         [ Links ]

Garcia, D. K. H. M. (2012). O trabalho feminino nas telas e nas teias sociais. In M. L. Boarini (Org.), Higiene mental: ideias que atravessaram o século XX (pp.137-180). Maringá, PR: Eduem.         [ Links ]

Gonçalves (1935). Amor livre (a minha opinião). A Plebe, 3(81), 3. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Karawejczyk, M. (2018). O feminismo em boa marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista estudos feministas, 26(2), 1-17. doi:10.1590/1806-9584-2018v26n249845         [ Links ]

Matos, M. I. S. (2000). Costurar e batalhar: o cotidiano de trabalho e luta feminino – São Paulo (1990-1930). Textos de história. Brasília, 8(1,2), 269-284.

Mazotte, N. (2016, Agosto 17). Mulheres recebem menos na maioria dos esportes. Exame. Recuperado de https://exame.abril.com.br/brasil/mulheres-recebem-menos-na-maioria-dos-esportes/        [ Links ]

Mendes, S. C. (2010). As mulheres anarquistas na cidade de São Paulo: 1889-1930 (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP.         [ Links ]

Movimento operário: pela instrução da classe Operária Feminina. (1921). A Plebe, 5(123), 4. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Nota da editora. (1971). In R. Queiroz, O quinze (pp. 10-12). Rio de Janeiro: José Olympio.         [ Links ]

Núcleos de vanguarda: Centro feminino jovens idealistas (1920). A Plebe, 4(54), 2. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

O que reclamam os operários. (1917). A Plebe, 1(6), 3. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Olinto, P. (1934). Higiene mental nas atividades da Cruz Vermelha: na defesa passiva e no estado de guerra. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 14(1), 27-33. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental        [ Links ]

Porto-Carrero, J. P. (1929). Educação sexual. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 2(3), 120-133. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental        [ Links ]

Porto-Carrero, J. P. (1930). Sexo e cultura. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 3(5), 157-166. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental         [ Links ]

Porto-Carrero, J. P. (1935). O dia anti-venereo. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 8, (1,2,3), 138-149. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/arquivos-digitalizados/14-sample-data-articles/85-arquivos-brasileiros-de-higiene-mental         [ Links ]

Queiroz, R. (1971). O quinze. Rio de Janeiro: José Olympio.         [ Links ]

Rago, L. M. (1985). Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Rago, L. M. (2012). Trabalho feminino e sexualidade. In M. D. Priore (Org.), História das mulheres no Brasil (pp.578-606). São Paulo: Contexto.         [ Links ]

Rohden, F. (2001). Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz.         [ Links ]

Rutti, Iza. (1934). Amor livre. A Plebe, 2(68), 3. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Saraiva, A., Bello, L., & Renaux, P. (2018, Março 8). No dia da Mulher, estatísticas sobre trabalho mostram desigualdade. Agência de notícias IBGE. Recuperado de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20287-no-dia-da-mulher-estatisticas-sobre-trabalho-mostram-desigualdade.html         [ Links ]

Saviani, D. (2006). Breves considerações sobre fontes para a história da educação. Revista HISTEDBR Online, (nº esp.), 28-35. Recuperado de http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/art5_22e.pdf        [ Links ]

Sevcenko, N. (2006). O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In N. Sevcenko (Org.), História da vida privada no Brasil (pp.7-48). São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Soihet, R. (2012). Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In M. D. Priore (Org.), História das mulheres no Brasil (pp.362-400). São Paulo: Contexto.         [ Links ]

União das costureiras. (1919). A Plebe, 2(9), 3. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/         [ Links ]

Violências e torpezas: na fábrica de tecidos "Labor". (1917). A Plebe, 1(10), 2. Recuperado de https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/jornais/a-plebe/        [ Links ]

Zicman, R. B. (1985). História através da imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História: revista do programa de estudos pós-graduados de história, 4, 89-102. Recuperado de https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12410/8995        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Beatriz Colabone Siqueira
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Psicologia
Av. Colombo, 5.790, Zona 7, CEP 87020-900, Maringá - PR, Brasil
Endereço eletrônico: bcsiqueira@outlook.com
Maria Lucia Boarini
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Psicologia
Av. Colombo, 5.790, Zona 7, CEP 87020-900, Maringá - PR, Brasil
Endereço eletrônico: mlboarini@uol.com.br

Recebido em: 19/09/2018
Reformulado em: 18/11/2018
Aceito em: 19/11/2018

 

 

Notas

* Acadêmica do quinto ano do curso de Psicologia, Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC CNPq/UEM), Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil.
** Professora e orientadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil.
1 A história de "O Quinze" se desenvolve retratando dois núcleos de personagens, o primeiro é da família de Chico Bento, sua esposa Cordulina e seus filhos que devido à seca decidem abandonar o sertão e seguir para Fortaleza. O outro núcleo é composto por Conceição, uma jovem da família rica, que vive com sua avó Inácia, e aparentemente tem um amor mal resolvido pelo seu primo Vicente. Na história Conceição é retratada como uma mulher "fora dos padrões" que gosta muito de ler e estudar, inclusive sobre a questão feminina e não tem interesse em casamento, mesmo sob os protestos de sua avó.
2 A história de "Parque Industrial" retrata o cotidiano de trabalhadoras das fábricas do bairro do Brás na cidade de São Paulo e apresenta várias personagens femininas de diversas personalidades. Rosinha e Otávia são duas jovens operárias, envolvidas com a luta do proletariado contra a exploração. Corina é uma jovem negra, aprendiz de costureira, por não se envolver com o movimento operário. Eleonora é a normalista que se casa com Alfredo, um homem burguês, e se torna adepta a todos os luxos que a riqueza oferece. Alfredo, por sua vez, estuda as obras de Karl Marx e Friedrich Engels e torna-se comprometido com o ideal revolucionário, criando aversão a sua própria riqueza.

 

Este artigo é resultado de uma Iniciação Científica (PIBIC – CNP-UEM), orientado pela professora Dr.ª Maria Lucia Boarini da Universidade Estadual de Maringá, financiado pelo CNPq.

 

Este artigo de revista Estudos e Pesquisas em Psicologia é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 3.0 Não Adaptada.

Creative Commons License