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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.19 no.spe Rio de Janeiro  2019

 

ARTIGOS

 

O Uso Cuidadoso das Redes Sociais Virtuais

 

Careful Use of Virtual Social Networks

 

El Uso Cuidadoso de las Redes Sociales Virtuales

 

Adelma Pimentel*

Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As redes sociais virtuais permitem a um indivíduo compartilhar conexões com outros usuários e estabelecer laços sociais fortes e fracos. Neste cenário, se dá seu uso abusivo sob a influência das Tecnologias de Informação e Comunicação. O objetivo do texto é refletir sobre o uso das redes sociais virtuais, o desconhecimento do outro; e conexões gestálticas para o seu uso cuidadoso. O método foi análise teórica e crítica de textos, examinando a busca pela afirmação da diversidade e da diferença em contextos da desterritorialização, das biotecnologias, da pós-verdade, da reduzida empatia, da fragilidade psíquica que repercute na subjetivação das pessoas, provocando sofrimento psíquico. Ponderamos que, cuidar é imperioso, envolve estratégias preventivas e interventivas em torno de pessoas e instituições para o enfrentamento das iniquidades físicas e psicológicas, as quais estamos expostos. É um fio condutor da saúde. Assinalamos que os Gestalt-terapeutas convergem com o pensamento heideggeriano que postula o cuidado como essência da existência humana. Cuidar é o contraponto do adoecimento que se realiza como espetáculo regulador das relações sociais mediadas pelo uso da internet. É também tolerância, profundo respeito pelo outro, é solidariedade entre todos os homens e todas as mulheres, justiça, democracia e respeito aos direitos humanos.

Palavras-chave: cuidado, gestalt-terapia, redes sociais virtuais, tolerância, espetáculo.


ABSTRACT

Virtual social networks allow an individual to share connections with other and establish strong and weak social bonds. In this scenario, its abusive use takes place under the influence of Information and Communication Technologies. The purpose of the text is to reflect on the use of virtual social networks, and ignorance of the other; and gestaltic connections for the careful use. The method was theoretical and critical analysis of texts, examining the search for the affirmation of diversity and difference in contexts of deterritorialization, biotechnologies, post-truth, reduced empathy, psychic fragility that affects the subjectivation of people, causing psychological distress. We consider that, caring is imperative, involves preventive and interventional strategies around people and institutions to face physical and psychological inequities, to which we are exposed. It is a guiding thread of health. We point out that Gestalt-therapists converge with the heideggerian's thinking that postulates care as the essence of human existence. Caring is the counterpoint to the sickness that is performed as a spectacle that regulates social relations mediated by the use of the internet. It is also tolerance, deep respect for the other, it is solidarity between all men and all women, justice, democracy and respect for human rights.

Keywords: care, gestalt-therapy, virtual social networks, tolerance, spectacle.


RESUMEN

Las redes sociales virtuales permiten a un individuo compartir conexiones con otros usuarios y establecer lazos sociales fuertes y débiles. En este escenario, su abuso ocurre bajo la influencia de las Tecnologías de Información y Comunicación. El objetivo del texto es reflexionar sobre el uso de las redes sociales virtuales, la ignorancia del otro; y conexiones gestálticas para su uso cuidadoso. El método fue el análisis teórico y crítico de textos, examinando la búsqueda de la afirmación de la diversidad y la diferencia en contextos de desterritorialización, biotecnologías, post-verdad, empatía reducida, fragilidad psíquica que afecta la subjetividad de las personas, causando sufrimiento psicológico. Consideramos que el cuidado es imperativo, implica estrategias de prevención e intervención en torno a las personas y las instituciones para hacer frente a las iniquidades físicas y psicológicas a las que estamos expuestos. Es un hilo conductor de la salud. Señalamos que los terapeutas gestálticos convergen con el pensamiento de Heidegger que postula el cuidado como la esencia de la existencia humana. El cuidado es el contrapunto a la enfermedad que tiene lugar como un espectáculo regulador de las relaciones sociales mediadas por el uso de internet. También es tolerancia, profundo respeto por los demás, solidaridad entre todos los hombres y mujeres, justicia, democracia y respeto por los derechos humanos.

Palabras clave: cuidado, terapia gestalt, redes sociales virtuales, tolerancia, espectáculo.


 

 

As professoras Eleonôra Torres Prestrelo e Laura Cristina de Toledo Quadros, no ano de 2009, apresentaram o Dossiê Abordagem Gestáltica, publicado em Estudos & Pesquisas em Psicologia, volume 9, número 1. Na epígrafe de abertura do texto, as professoras citaram Heidegger, fazendo menção aos avanços do conhecimento (científico e tecnológico) e, ao mesmo tempo, ao desconhecimento "do que é o homem" (p. 10). Prestrelo e Quadros (2009, p. 14), também argumentaram que: "No mundo contemporâneo, onde as certezas e a razão não são as únicas fontes de sustentação, vale ressaltar que Perls já compreendia a importância do reconhecimento das diferenças, sem idealizações e sem as normatizações que diluem a singularidade". Do mesmo modo, Pimentel (2017) ressalta que hoje prossegue a importância, no trabalho dos Gestalt-terapeutas, da identificação das condições sociais e históricas de produção do desconhecimento do outro, que impactam os processos de subjetivação e a saúde mental:

Quando pensamos a identidade psíquica de alguém aludimos aos procedimentos de configuração da imagem de si e da autoestima, e a assimilação dos marcadores presentes na cultura do lugar, na família e nos canais de transmissão dos valores, das normas, dos bens artísticos e lúdicos produzidos pela humanidade. Ao escolhermos identificar-nos com as referências que circulam no lugar, assimilar e recriá-las realizamos o ajustamento criativo em fluxo, ou seja, o processo homeostático de manutenção da saúde mental. (Pimentel & Castro, 2019, p. 121).

Consideramos adequado abrir este escrito com a epígrafe de Prestrelo e Quadros (2009), em virtude de sua atualidade, com relação à elaboração do tema: "Uso cuidadoso das redes sociais virtuais" para o Dossiê de Gestalt de 2019 – O cuidado e as práticas gestálticas – reflexões contemporâneas. Neste século XXI, é ampla a influência das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na subjetivação das pessoas. Ao indagarmos sobre estes processos, localizamos os "nativos digitais", a Geração Y e Z de nascidos no contexto da expansão da internet e das TIC.  São, além disso, aqueles nomeados de "imigrantes digitais", pessoas nascidas antes dos anos 1980, que procuram a inclusão digital (Silveira, 2014). São, igualmente, os que envelhecem e adquirem qualidade de vida, após o mapeamento do genoma humano. São os grupos engajados em movimentos sociais, que buscam a afirmação da diversidade e da diferença. Portanto, temos a cultura do conhecimento, da desterritorialização, das biotecnologias, da ecologia, da modificação radical do corpo, da pós-verdade, do transhumanismo, da reduzida empatia, da superficialidade e fragilidade psíquica, compondo uma dialética figura e fundo, na dinâmica dos processos de subjetivação atuais (Castells, 2013; Souza & Sêga, 2014).

Em nosso ponto de vista, meditamos que, nos processos de subjetivação, a nossa condição humana está afetada por vazios emocionais na constituição de vínculos fortes, aqueles que permitem a instauração de laços que iluminam, presentificam e simbolizam a união, a força, a justiça e a ética relacional praticada no cotidiano. Reconhecimento, desconhecimento, violência, intolerância, depressão, suicídio, solidão, isolamento, sair do anonimato, amar e ser amado são algumas das questões humanas cáusticas. Deste modo, estima-se que as intervenções psicoterapêuticas, no século XXI, requerem reconfiguração nos projetos pedagógicos da graduação em Psicologia, na subjetivação pessoal do psicoterapeuta e  na experiência clínica cotidiana dos clientes, a fim de favorecer o alcance de inúmeros objetivos: a) mitigar o sofrimento humano provocado por lacunas nos direitos sociais dos usuários de unidades básicas e complexas de saúde; b) reduzir o sofrimento psíquico de quem é afetado por sintomas de várias ocorrências físicas e mentais; c) recuperar a autonomia existencial; d) orientação psicológica e psicossocial; e) acompanhamento terapêutico (Cardella, 2006; Castells, 1999; Holanda, 2006; Pimentel, 2018; Pimentel & Castro, 2019; Ribeiro, 2006).

Campos e Daltro (2015) observaram que, durante a preparação de Psicólogos para atuação na clínica, a intervenção incluía a compreensão dos efeitos da configuração socioeconômica do país: ". . . Muitas das queixas surgiam de um desamparo socioeconômico, com uma população de mulheres abandonadas pelos maridos que não tinham como prover seu sustento; portadores de doenças graves que lutavam por atendimento em hospitais públicos; filhos envolvidos no tráfico." (p. 66). Tal escopo aponta para um desenho de práticas em psicologia clínica que dialogam com pontos de vista sociais e solidários.

No cenário atual, surgem os questionamentos acerca das significações intencionais das relações afetivas e do sentido pessoal que cada um atribui a elas. Sinalizamos que responder as indagações implica em compreender hermeneuticamente a vida, captada como totalidade histórica de um processo global de reformulação do capitalismo, que se articula (ou deveria) com a consciência e a autoconsciência, bem como alude em desvelar as dinâmicas produzidas pela tecnociência e pela política nacionalista.

No que se refere à formação continuada de Gestalt-terapeutas, ela se implica em orientar-se pelo paradigma fenomenológico existencial, ressaltando a atualização constante da escuta, da presença, do cuidar, do diálogo e do encontro com o outro. Em nossa experiência, priorizamos uma concepção do humano como aquele que não pode ser reduzido a partes. A transmissão do conhecimento se dá compondo um projeto de ensino que estabelece rupturas com a preparação de especialistas; alinha, indissociavelmente, teoria e práticas em dinâmicas incessantes de diálogo; abordagem interdisciplinar da saúde; superação da definição e aplicação do tratamento articulado para a "cura" do sintoma; estimula a pedagogia da vivência, em que os conceitos gestálticos são reconhecidos como suportes do percurso de vir-a-ser psicoterapeuta. Neste ponto de vista, é possível o reconhecimento de si e do outro como alteridade, e também possibilita realizar uma clínica política e social, em que todos temos direito a participar da vida lúdica e democrática do lugar em que se vive.

O conjunto das decorrências referidas contribui para desvelar algumas premissas afeitas aos processos de subjetivação dos sujeitos do multiculturalismo, atingidos pela política, pelo mercado, pela tecnologia e pela "irracionalidade" presente em postagens agressivas nas redes sociais virtuais, provenientes da lógica de consumo e descarte de objetos e pessoas, alicerce do método de revitalização do capitalismo. Admite também modernizar as bases da psicoterapia gestáltica para apreendermos a complexidade existencial que há no mundo da vida.

A atualização permitirá afrontar "a apatia, a indiferença, o cinismo, o ceticismo e o cansaço utópico-político" apontados por Hilton Japiassu (2011) como uma das marcas da "irracionalidade" que impele "o indivíduo livre e soberano" a ser "reduzido a uma marionete realizando espasmodicamente os gestos que lhe impõe o campo sociocultural (ganhar dinheiro, ser reconhecido, consumir e ‘gozar')." (Japiassu, 2011, p. 184).

Nesta escritura, o objetivo é realizar uma articulação teórica entre o cuidar e o uso das redes sociais virtuais, situando alguns aspectos do abuso e da inadequação de postagens que promovem o desconhecimento do outro. Deste modo, a arquitetura deste estudo comporta quatro seções: 1) caminho do estudo; 2) caracterização das redes sociais virtuais e do seu uso abusivo; 3) uma abordagem de balizas que norteiam o cuidar; 4) conexões gestálticas para o uso cuidadoso das redes sociais virtuais, à guisa das considerações finais.

 

Caminho do estudo

A escritura é ensaística, por isso, para sua composição valemo-nos de livros e textos produzidos de 2009 a 2019. Coletamos os materiais no Google Acadêmico e na base Scielo, usando a combinação dos termos: Cuidado + Gestalt-terapia + Redes Sociais + Virtuais + Internet + Tecnologia de Informação e Comunicação + Laços Sociais. Dos documentos identificados, utilizamos os que abordavam temáticas de interface entre o uso das redes sociais virtuais; cuidado e Gestalt-terapia. Em especial, usamos textos contidos no Dossiê Abordagem Gestáltica produzido em 2009 e publicado no periódico Estudos & Pesquisas em Psicologia, volume 9, número 1.

Para as análises, estabelecemos este caminho: a) diálogo crítico com os textos selecionados, com destaque para a clínica gestáltica e a política da clínica ampliada; b) leitura intertextual: "Poderíamos, então, dizer que um texto qualquer seria o resultado do entrecruzamento de uma série de outros textos, de outros ‘autores', outros indivíduos, diferentes grupos ideológicos." (Coracini, 2003, p. 20).  Assim, o corpus da escritura e a busca do sentido decorreram da abordagem compreensiva-interpretativa dos escritos com os quais temos afinidades teóricas e políticas. Portanto, nossa argumentação se valeu de diferentes estratégias de leitura no vasto horizonte admitido em pesquisas qualitativas (Turato, 2011).

 

Caracterização das redes sociais virtuais

Um preambulo se faz necessário, para esclarecer que discutir os usos da internet envolve inúmeras e complexas questões que transcendem esta reflexão, limitada a caracterizar "redes sociais virtuais". Elucidamos que a palavra "rede" tem um campo semântico extenso; assim, aqui, contextualizamos a esfera da internet, apresentada como "uma rede de redes" (Lemos, 2010a, p. 118).

Para se comunicar e criar canais de conversação diversos, os usuários da internet se valem, para diálogos sincrônicos e assíncronos, do "Correio eletrônico (e-mail); do programa telnet (conexão remota a outros computadores); do FTP (files transfer protocol para transferência de arquivos); de homepages, e de multimídias." (Lemos, 2010a, p. 119).

Lançar mão das tecnologias desenvolve e expande a internet, cunhando a cibercultura e a organização pessoal de anônimos, de cientistas, de empresários e dos estados para uso dos dispositivos, mediadores da comunicação compartilhada e interativa. Portanto, os suportes estruturais e dinâmicos da intricada rede da internet são: "Interconexão, criação de comunidades virtuais e inteligência coletiva." (Levy, 2010, p. 125); sendo, "A cibercultura a expressão da aspiração de construção de um laço social." (Levy, 2010, p. 132).

Na internet, o uso das redes sociais se adensa em termos de agregação, e os abusos, em balizas de desagregação. Para Lemos (2010a): "A atual dimensão da tecnologia na vida social contemporânea mostra que são nos espaços existenciais de produção de sensações, do vivido coletivamente, que podemos entender as formas do imaginário tecnológico." (p. 106).

Por sua vez, Castells e Cardoso (2005) organizaram uma série de conferências em Lisboa abordando o conhecimento e a política que baseia a Sociedade em Rede. No primeiro capítulo da obra, os autores asseguram que as mudanças estruturais que vivemos decorrem de "um novo paradigma tecnológico baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que se difundiram de forma desigual por todo o mundo." (p. 17). A tecnologia é condição necessária, mas não suficiente para a emergência de uma nova forma de organização social baseada em redes.

Em uma descrição do histórico, os autores prosseguem qualificando o conceito e a dinâmica de Redes. Lembram que elas referiam à família, já que se originaram na vida privada. Com as Tecnologias Digitais, as Redes entraram na vida pública com grande flexibilidade e adaptação, mantendo um reduzido número de pessoas no controle do capital, dos bens, dos serviços, da comunicação, da informação, da ciência e tecnologia, além da tomada de decisões.

As redes de comunicação digital são a coluna vertebral da sociedade em rede. Manifestam-se de diversas formas, conforme a cultura, as instituições e a trajectória histórica de cada sociedade. São selectivas de acordo com os seus programas específicos, e porque conseguem, simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade em rede difunde-se por todo o mundo, mas não inclui todas as pessoas. Neste início de século, ela exclui a maior parte da humanidade, embora toda a humanidade seja afectada pela sua lógica, e pelas relações de poder que interagem nas redes globais da organização social. (Castells & Cardoso, 2005, p. 18).

Outro ponto no exame, sobre abusos nas redes sociais virtuais, está ligado à Filosofia da Tecnologia. Feenberg (2015) recorre ao pensamento de teóricos gregos para avaliar o fundamento epistemológico da tecnologia e da ciência. Recortando uma ponderação acerca da tecnologia, o autor afirma:

Poiêsis é a atividade prática de fazer, da qual os seres humanos se ocupam quando produzem algo. A palavra techne na Grécia antiga significa o conhecimento ou a disciplina que se associa com uma forma de poiêsis. Cada techne inclui um propósito e um significado para os artefatos cuja produção ela orienta. (p. 3).

Em seguida, o filósofo alude que:

No contexto moderno, a tecnologia aparece como puramente instrumental, isenta de valores. Ela não responde a propósitos inerentes, mas somente serve como meios e metas subjetivas que escolhemos como desejemos. Para o senso comum moderno, meio e fins são independentes um do outro. (Feenberg, 2015, p. 5).

Embora hoje as avaliações de Feenberg (2015) sobre a retórica grega contenham uma conotação mais utópica, elas nos inspiram com subsídios para recuperar o laço entre "meios e fins" no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação, e para o enfrentamento da falta de sentido nos abusos praticados nas redes sociais virtuais, sobretudo, no seu propósito de vincular pessoas.

No escopo da Gestalt-terapia, Basso (2016) apresentou a questão: "O que a Gestalt-terapia pode nos orientar sobre o virtual?" Sobre a filosofia da tecnologia, considerando algumas teses propostas por Marilena Chauí e Walter Benjamin, Basso comentou alguns limites de uso da internet, mudanças nos modos das pessoas se comunicarem e se relacionarem em uma concepção de virtual, entendido como: "Aquilo que existe em potência e não em ato, sua tendência é atualizar-se. Virtual e atual não são contraditórios, mas sim modos diferentes de ser. Já o real é o que de fato existe." (Basso, 2016, p. 275).

Outra crítica de Basso é que a concepção filosófica de "virtualização do ciberespaço substituiu o núcleo da experiência humana – a presença –, por processos de coordenações atópicos e acrônicos." (Basso, 2016, p. 277). A apreciação de Basso refere-se a "presença" física como o suporte para as relações, ressaltando as percepções como característica fundamental.

 

Caracterização do uso e do abuso nas redes sociais virtuais

O que nomeamos de abuso são os equívocos, excessos e descomedimentos na comunicação, principalmente, o desrespeito, o desconhecimento do outro e a supressão da cordialidade online no tratamento das pessoas. O conjunto das alterações está associado à cibercultura, ou seja, ao desenvolvimento do paradigma informacional que promove, entre outros efeitos sociais mundiais, a ruptura nas fronteiras entre o que é público e privado, que suscita a exposição da intimidade subjetiva, da vida privada com desconhecidos (Lemos, 2010b; Souza, 2016; Tavares, 2010 ).

Fazemos uma breve anotação acerca das disparidades, ambiguidades, redefinição e desvanecimento das fronteiras entre público e privado. Lemos (2010b) aponta a liberação da palavra como uma das consequências do paradigma informacional. Assim, ocorre "o aumento da esfera pública mundial e a emergência de novas formas de conversação e veiculação da opinião pública." (p. 25). Por sua vez, Correia (2015) assinala que as características do privado eram associadas ao feminino e às mulheres, enquanto as do público eram conexas ao masculino e aos homens que trabalhavam para sustentar as famílias. Mesmo com a "desconstrução" das metanarrativas e a destituição delas como "fontes" da verdade, o autor nos alerta que:

É impossível algo ser totalmente público, assim como ser totalmente privado. Uma coisa totalmente pública seria: ser de todos, para todos, ser usado por todos, estar à vista de todos, todos saberem que existe, e poder estar sob o controle de todos. Uma coisa totalmente privada seria: ser apenas de uma pessoa, ser para ela, ter vindo apenas dela, ser usada apenas por ela, não haver controle exterior sobre o seu uso, não estar à vista de ninguém, e apenas essa pessoa saber que existe. Ora, essa totalidade é impossível, público ou privado, tanto um como o outro são sempre fracionados, limitados. Nada pode ser totalmente público, assim como nada pode ser totalmente privado. (Correia, 2015, p. 21).

Retomando ao enfoque das redes sociais, convém ressaltar que no abuso das publicações, sobretudo, do corpo, da sexualidade e da política que ocorrem nas redes sociais virtuais, há uma diluição profunda nas fronteiras do público e privado, associada ao contexto da pós-verdade que evidencia a expressão individualista com negação do conhecimento acumulado culturalmente (D'Ancona, 2018).

Conforme D'Ancona (2018), pós-verdade é um conceito inserido no ano de 2016 no Oxford Dictionaires, situando "as circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal." (p. 20). Os contextos mais visíveis da aplicação do conceito de Pós-verdade são a política, o entretenimento e as relações interpessoais.

A ausência e/ou o declínio de fronteiras entre público e privado, bem como a de filtros sociais e a disseminação da pós-verdade, pode induzir a cronificação da prática dos descomedimentos e afetar a dignidade humana, as formas de nos relacionar uns com os outros e a saúde psicológica.

Dignidade é um conceito vinculado aos marcos da organização do estado moderno, que instituiu o sentido sociopolítico da dignidade, por meio da baliza internacional da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e das constituições de cada país. Assim, nos cenários das redes sociais virtuais, são delineados colapsos e declínios das relações inter-humanas e da dignidade, trazidos pelo império da imagem e da comunicação narcísica. Portanto, os abusos e descomedimentos na comunicação virtual se configuram vorazmente, tornando necessário entendermos as metáforas presentes nas representações do uso da internet, e que as ideias são transportadas velozmente pela internet, não as pessoas. Tal equívoco interpretativo mantém o enraizamento da lógica falaciosa do acesso universal das pessoas às tecnologias, aos bens e serviços.

Para Rocha, Jansen, Lofti e Fraga (2013), as redes sociais são meios de configurar a interação que conecta as pessoas por meio de laços sociais fortes, aqueles que exprimem intimidade, e de laços sociais fracos, aqueles em que os internautas estão socialmente distantes nos contextos geográficos do convívio cotidiano.

Considerando estas definições, podemos perceber que o uso das redes sociais virtuais é permeado por uma série de ambiguidades na maneira dos usuários interagirem com internautas e com pessoas públicas, sobretudo, no Instagram, no Facebook e no Twitter.  Nestas redes sociais, os internautas têm interações de laços sociais fracos com as pessoas públicas, entretanto, comportam-se como se tivessem laços fortes de intimidade e permitem-se realizar postagens de textos, memes e outras imagens, usando linguagem de baixo calão: palavrões, xingamentos e ofensas com intencionalidade destrutiva; além disso, tecem comentários que desqualificam o outro, desconsiderando o tratamento interpessoal cuidadoso nas relações virtuais, o que instaura a denegação do outro (Honneth, 2003).

A ausência do cuidado na elaboração das comunicações tende a gerar dano ao psiquismo. Os procedimentos de desempenho de papéis, produção de máscaras de si mesmo, teatralidade cotidiana (Maffesoli, 1987) podem ser reconhecidos nas teses descritas no ano de 1967, em Paris, por Guy Debord na obra A Sociedade do Espetáculo, em que refletiu sobre as condições de produção da época. Esta referência nos oferece suportes teóricos para desvelar as práticas equivocadas que internautas assumem nas redes sociais virtuais.

A concepção de espetáculo é uma categoria que permite compreender algumas dinâmicas que regulam as relações sociais atuais, sobretudo, as mediadas pelo uso da internet, já que para Debord (2003, p, 14): "Espetáculo é a própria sociedade e seu instrumento de unificação; não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens." O autor considerou o espetáculo uma Weltanschauung, termo queem alemão indica um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos a respeito da época ou do mundo (Dicionário Reverso, 2019).

Neste ponto de vista, pode-se considerar que as múltiplas existências regidas pelo espetáculo dão lugar a representação em detrimento do vivido, tornando-se o suporte para a sociabilidade e a subjetivação, ou seja:

A sociedade dominada pela economia mercantil e espetacular transforma os lugares e momentos em instâncias de aprendizado de sua lógica, valores e promessas. Os ideais, desejos, aspirações e condutas são os que preconizam o êxito material como um fim em si mesmo. (Paz, 2011, p. 12).

No processo cotidiano de amoldamento da Weltanschauung do uso espetacular das redes sociais virtuais, não há agenciadores explícitos, mas múltiplos instrumentos que são usados para que os internautas consumam a lógica mercantil intencionalmente disseminada, além de participarem da sua estética da imagem, bem como serem subjetivados no mesmo enredo e se expressarem antiéticamente, infringindo as fronteiras do respeito e do reconhecimento mútuo, gerando sofrimento humano ao outro. Na teoria do espetáculo, as características das interações são: "Relações alienadas, de oposição e hostilidade, entre os indivíduos e os produtos dessa atividade, e de conflito e antagonismo entre si." (Paz, 2011, p. 18).

 

Balizas que norteiam o cuidar

Presentemente, o trabalho dos psicólogos clínicos é realizado nos contextos de serviços públicos e serviços privados. Na atuação em instituições públicas, temos a demarcação da política da clínica ampliada, que recomenda ao profissional de saúde desenvolver a capacidade de auxiliar as pessoas a combaterem as doenças, ajudando o cliente a transformar-se subjetivamente, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não o impeça de viver outros acontecimentos na sua vida (Brasil, 2009).

Alguns princípios, que orientam a ação da equipe na política da clínica ampliada, são que: cada profissional estabeleça um compromisso radical com o sujeito doente, visto de modo singular; assuma a responsabilidade sobre fornecer encaminhamentos aos usuários dos serviços de saúde; busque ajuda em outros setores, configurando a intersetorialidade; reconheça seus limites de conhecimento específico e das tecnologias por eles empregadas, além de assumir um compromisso ético profundo com a humanização do trabalho (Brasil, 2009).

A partir dos anos de 1990, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com a delimitação do campo da saúde coletiva, com a articulação entre Psicologia Clínica e Psicologia Social, assim como a elaboração da Política Pública da Clínica Ampliada, as camadas mais pobres da população brasileira começaram a se beneficiarem da psicoterapia individual e em grupo, incluindo o modelo da psicoterapia breve com um foco e um número definido de sessões; o acolhimento psicossocial; a triagem; e o plantão psicológico. Em breve comentário, sem nos determos na análise que requer um texto específico, citamos que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem realizando um acanhado trabalho de regulamentar a psicoterapia e a pesquisa em meios virtuais, síncronos e assíncronos (Pimentel, 2018; Conselho Federal de Psicologia, 2012; Holanda, 2006).

 

Cuidar: um princípio ontológico

Cuidar, do latim cogitar, é verbo, princípio ontológico, ou seja, ação comum a todos os viventes. Implica o autocuidado, perceber a si mesmo em termos de necessidades (não de consumismo) e prover respostas criativas a elas, ativando o fluxo de ajustamentos homeostáticos; a prevenção de sofrimento, evitando expor a si e ao outro a situações de perigo; estender ao campo das relações humanas a solidariedade como prática cotidiana que possibilita criar vínculos; desenvolver a comunhão de atitudes e sentimentos, assim como constituir sociedades capazes de reproduzir a vida, sobretudo, no que diz respeito aos valores éticos (Boff, 1999).

O filósofo Heidegger (1988) postula que o cuidado se constitui como essência da existência humana. No mesmo sentido heideggeriano, Leonardo Boff (1999) ressalta que o ser humano é um ser de cuidado em essência e, para ver projetada a imagem de sua solicitude, desvelo e atenção para com o semelhante, basta que coloque cuidado e empatia em tudo o que pensa e faz.

Referindo-se aos cuidados da saúde na esfera dos serviços, Ayres (2006) comenta que:

Para cuidar há que se sustentar, ao longo do tempo, certa relação entre a matéria e o espírito, o corpo e a mente, moldados a partir de uma forma de vida que quer se opor à dissolução, que quer garantir e fazer valer sua presença. Então é forçoso quando cuidamos de saber qual é o projeto de felicidade, isto é, que concepção de vida bem-sucedida orienta os projetos existenciais dos sujeitos a quem prestamos assistência. (p. 68).

Compreendemos que o ser humano não pode ser definido em relação a si mesmo, porque não vive isolado, mas em relação com as coisas, com os outros e com o mundo, mesmo antes de pensar e de falar. Cuidar envolve as diversas estratégias preventivas e interventivas em torno de pessoas e instituições, para o enfrentamento das iniquidades físicas e psicológicas as quais estamos expostos. É um fio condutor tanto para os profissionais da clínica quanto para os da área da saúde planejarem ações que atendam aos pleitos de cuidado dos clientes/usuários.

Sobre a Gestalt-terapia, observamos que os pesquisadores na área clínica incluem subsídios interdisciplinares, por exemplo, do saber da heterogeneidade das identidades, da antropologia, da biodiversidade, da arte. Assim, os psicoterapeutas podem compreender a pluralidade das culturas dos clientes no cenário do multiculturalismo, um ato cogente para captar as várias formas de subjetividades, que se desenvolvem no contexto mundial da economia globalizada, bem como das tecnologias de informática e comunicação etc. Modificados os modos de agenciamento do sofrimento humano, psíquico e mental, os Gestalt-terapeutas são chamados a pensar seus enquadres teóricos e metodológicos de manejo clínico (Alvim, 2012; Pimentel, 2003; Lima, 2005).

Alvim (2012) apresenta um entendimento da clínica como poiética, uma proposta de intervenção voltada para a busca de novos sentidos ao vivido, a experiência. Destacou que é fundamental que, no manejo psicoterapêutico, o profissional se distancie de uma prática reducionista para atuar como um coagente na composição da relação humana. Esta conjectura vai ao encontro da proposta postulada por Robine (2009), sobre a emergência dos novos sujeitos na pós-modernidade. Assim, os clientes que podem se beneficiar da psicoterapia são todos os integrantes da população brasileira, que acedem aos serviços das clínicas sociais e das Unidades Básicas de Saúde pelo país; embora, concomitantemente, perduram estereótipos sobre as atividades na clínica e em saúde mental, bem como persistem restrições econômicas ao acesso da sociedade, em geral, aos Psicólogos.

 

Conexões gestálticas para o uso cuidadoso das redes sociais virtuais

Aqui expomos nossas considerações finais construídas articulando a problemática, uma apreensão do cuidar como fonte de enfrentamento dos abusos praticados em meios virtuais. Durante o desenvolvimento da argumentação, apontamos que os abusos nas redes sociais intensificam modos de produção do desconhecimento do outro, fragilidade dos vínculos interpessoais, intolerância e empobrecimento do sentido, o que ativa a sensação de vazio emocional. Assinalamos os impactos do percurso de revitalização do capitalismo na "badalação" da intimidade e a diminuição do autocuidado com o corpo, tornando-o mercadoria e imagem espetacular; e situamos a acuidade de, na formação do Gestalt-terapeuta, efetivar uma abordagem interdisciplinar da saúde de modo que admita compreender o global, o local e o sofrimento das populações mais pobres, beneficiando-as por meio de uma clínica política, social e pública.

Na preparação à prática clínica, o Gestalt-terapeuta dispõe de um corpus de premissas centrais que favorecem ao usuário pistas para a percepção e a validação do cuidado mútuo pela comunidade virtual.  Entre elas, destacamos ajustamento criativo, contato e as funções de contato que funcionam como indicadores para a apreensão dos significados e intencionalidades projetadas nas comunicações virtuais (Pimentel, 2017, 2018; Recuero & Zago, 2009).

O conceito de ajustamento criativo é definido como manejos interpessoais que as pessoas elaboram a partir da interpretação pessoal das normas de conduta do seu habitat. Sobretudo, recorrendo à criatividade, à abertura a experimentar o novo, ao desenvolvimento de auto suporte e suportes externos. Enquanto que contato e funções de contato respondem pela mediação entre a autopercepção, o encontro, a diferenciação e a relação inter-humana (Pimentel, 2003; Campos & Daltro, 2015; Holanda, 2006; Polster & Polster, 1979; Robine, 2009).

Quanto aos autocuidados com a corporeidade, o Gestalt-terapeuta ao considerar o corpo humano como um todo, um princípio integrado pelas dimensões intelectuais, perceptivas, motoras, sociais etc., poderá captar os efeitos emocionais que a interação virtual causa nas pessoas que se valem da internet para se comunicar, implicando a recuperação de laços fortes e a crítica ao casuísmo presente na lógica que dissocia meios e fins.

A questão identitária foi outro ponto focal de atenção tematizado nas ações de cuidar, considerado como ontologia, política pública e ato de resistência. De acordo com Gonçalves (2009):

A crise identitária conecta-se à cultura do consumo: se as escolhas individuais estão orientadas à satisfação das necessidades pessoais, e se o consumo é o principal meio de acesso às ações e experiências necessárias à construção da própria identidade, esta acaba sendo convertida em uma mercadoria. Os indivíduos capturados por tal dinamismo social experimentam grande ansiedade porque percebem que suas escolhas têm um impacto significativo sobre a percepção que os outros têm sobre sua pessoa. (p. 197).

A ponderação feita por Gonçalves (2009) se aproxima da tese de Debord (2003) sobre o espetáculo como um modo de viver e causa do sofrimento psíquico. Por sua vez, Fukumitsu, Cavalcante e Borges (2009) refletem sobre o cuidado como facilitador do fazer com o outro, indicando as relações interpessoais como "caminho para resgate dos processos saudáveis" (p. 175). Os autores, citando Beatriz Cardella, formulam a ideia de que:

Cuidar significa responsabilizar-se pela disponibilidade de testemunhar, acompanhar e compartilhar o caminho do outro, constituindo-se numa atitude amorosa, que implica ‘entrega' ou disponibilidade para relacionar-se, conviver com o desconhecido e o mutante, e a capacidade de valorizar o conhecido e nele se aprofundar. (Fukumitsu, Cavalcante, & Borges, 2009, p. 175).

Nas redes sociais virtuais, para que a atitude do cuidar seja realizada, é necessário ter tolerância. Conforme a visão de Chelikani (1999):

A tolerância é, essencialmente, uma virtude pessoal que reflete a atitude e a conduta social de um indivíduo ou o comportamento de um grupo. Pode ser a ideia, a capacidade ou o gesto de voltar-se para uma realidade diferente de sua própria maneira de ser, de agir ou de pensar. (p. 23).

Chelikani (1999) observa que, no conceito de tolerância, estão excluídas as significações "que remetem a uma atitude de condenação moral, à capacidade fisiológica de suportar determinados remédios ou a uma decisão dos poderes públicos tomada com base em considerações de ordem política, teológica ou jurídica." (p. 23). Das supressões, concordamos com a de condenação moral que alude regras estáticas. Em nosso posicionamento, situamos a ética que favorece equidade e justiça empírica, não unicamente formal e discursiva.

Analisamos que esta escolha amplia a compreensão da finalidade da vida humana. Refutamos ainda a significação de suportar algo, já que envolve duas conotações: padecer e aguentar. Para nós, uma atitude tolerante requer a decisão consciente do reconhecimento mútuo, como preconizado pela ONU: "O que afirma para os indivíduos e para os grupos emergência dos ‘direitos coletivos' que constituem a terceira geração dos direitos humanos." (Chelikani, 1999, p. 24). O autor assegura que a tolerância não é a única força ativadora do bem comum, na medida em que pode ser portadora da manutenção do status quo, por exemplo, da desigualdade.

Nem tudo pode ser resolvido na prática da tolerância, ainda que ela possa, em longo prazo, contribuir para soluções. Em determinadas situações de injustiça, a tolerância pode mesmo equivaler à acomodação ao status quo, à cumplicidade e ao fatalismo, em particular, quando a intolerância tem raízes coletivas ou institucionais. A tolerância consiste em ter crenças e aceitar dialogar com outras pessoas que têm convicções diferentes. É chegar a um consenso com os outros para estabelecer uma coexistência dinâmica e engajar-se em um processo de enriquecimento mútuo permanente, enquanto a paz em um indivíduo é um estado do ser que reflete toda a sua filosofia de vida. A paz depende dos esforços combinados de todas as instituições sociais, políticas, econômicas e religiosas. Requer tolerância, profundo respeito pelo outro, solidariedade diligente entre todos os homens e todas as mulheres, justiça e serenidade, democracia e respeito aos direitos humanos. (Chelikani, 1999, p. 30).

Assinalamos que pensar os abusos que ocorrem na internet é uma tarefa coletiva e a longo prazo. Os autores que nos ajudaram a construir o texto fornecem pistas potentes. Por exemplo, Chelikani (1999) ao situar a insuficiência da noção de tolerância, abre espaço para colocarmos a philia como suporte do uso cuidadoso da internet, pois "o que realmente importa na amizade é o bem-estar do outro, mas, na medida em que essa preocupação pelo outro concreto encontra sua extensão e culminação na solidariedade da comunidade." (Vandenberghe, 2006, p. 69). A amizade implica abertura ao outro, interesse, ouvir como escuta atenta, apreendendo o sentido do dizer e o significado do dito.

Realizar análises fundo-figura dos significados do fenômeno dos abusos virtuais, que ultrapassam as fronteiras da comunicação na internet, por serem reflexos de uma lógica global de mudança de epistemes; cooperar para expandir a consciência intersubjetiva como atitude de emancipação da humanidade, não de grupos econômica e politicamente privilegiados; afirmar que o sentido do uso da internet é a vinculação inter-humana e não o sofrimento, são algumas possibilidades de responder à questão: quais contribuições que as pesquisas com a Abordagem Gestáltica e a Gestalt-terapia podem trazer para o campo das redes sociais virtuais, não em termos de "solução", mas de desvelamento das práticas delituosas ou antiéticas.

 

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Endereço para correspondência
Adelma Pimentel
Tv. Mauriti, 2768, apto 1704, Marco, CEP 66093-180, Belém - PA, Brasil
Endereço eletrônico: adelmapi@ufpa.br

Recebido em: 13/10/2019
Reformulado em: 03/02/2020
Aceito em: 12/02/2020

 

 

Notas

* Professora Titular na Universidade Federal do Pará – Programa de Pós-graduação e Faculdade de Psicologia.

 

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