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Estudos e Pesquisas em Psicologia

On-line version ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.21 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.12957/epp.2021.62692 

Estudos e Pesquisas em Psicologia
2021, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2021.62692
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Programa Bolsa Família: Narrativas de Beneficiárias(os) Abordadas em Produções Científicas

 

Wagner Leite de Souza*; Frederico Alves Costa**
Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Maceió, AL, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

O presente artigo trata de uma revisão de literatura que objetiva compreender os significados atribuídos ao Programa Bolsa Família (PBF) por beneficiárias(os) a partir de narrativas presentes em produções científicas. Para tanto, realizamos um levantamento bibliográfico no Portal de Periódicos CAPES, no período de junho e agosto de 2018. Selecionamos 35 artigos que apresentavam discussões sobre narrativas de sujeitos vinculados ao PBF. Observamos nessas narrativas uma pluralidade discursiva quanto às potencialidades e aos limites do Programa em torno de cinco pontos: a) Usos do benefício; b) Titularidade feminina e relações familiares; c) Condicionalidades e acesso a serviços públicos; d) Dinâmica trabalho/emprego; e) Portas de saída. Acreditamos que esta pesquisa auxilia na construção de reflexões que visam a ampliação e/ou aperfeiçoamento do Programa, um debate que se enquadra no campo da psicologia social e política interessada em pensar o papel das políticas públicas no enfretamento às desigualdades sociais brasileiras.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família (PBF), beneficiárias(os), narrativas, política pública, pobreza.


 

Bolsa Família Program: Beneficiaries Narratives Presented in Scientific Productions

 

ABSTRACT

The article deals with a literature review that aims to understand the meanings attributed to the Bolsa Família Program (PBF) by beneficiaries, based on narratives present in scientific productions. To this end, we carried out a bibliographic survey on the "Portal de Periódicos CAPES" between june and august 2018. We selected 35 articles that presented discussions about the narratives of beneficiaries. We observed in these narratives a discursive plurality regarding the potential and limits of the Program around five points: a) Uses of the PBF benefit; b) Female ownership and family relationships; c) Conditionalities and access to public services; d) Work/employment dynamics; e) "Exit doors". We believe that this research helps to build reflections aimed at expanding and/or improving the Program. This debate is localized in the field of social and political psychology interested in thinking about the role of public policies in addressing Brazilian social inequalities.

Keywords: Bolsa Família Program, beneficiaries, narratives, public policies, poverty.


 

Programa Bolsa Família: Narrativas de Beneficiarias(os) en Producciones Científicas

 

RESUMEN

El presente artículo se trata de una revisión de literatura que tiene como objetivo comprender los significados atribuidos al Programa Bolsa Familia (PBF) por beneficiarios(as) desde las narrativas presentes en producciones científicas. Para eso, realizamos un levantamiento bibliográfico en la Entrada de Periódicos CAPES, en el periodo de junio a agosto de 2018. Elegimos 35 artículos que presentaban discusiones acerca de las narrativas de sujetos registrados en el PBF. Observamos en ellas una pluralidad discursiva cuánto a las potencialidades y a los límites del Programa alrededor de cinco puntos: a) Usos del beneficio; b) Titularidad femenina y las relaciones familiares; c) Condiciones y el acceso a los servicios públicos; d) Dinámica trabajo/empleo; e) Portales de salida. Creemos que esta investigación auxilia en la construcción de reflexiones que visan la ampliación y/o la optimización del Programa, un debate que se encuadra en el campo de la psicología social y política interesada en pensar el papel de las políticas públicas en la confrontación a las desigualdades sociales brasileñas.

Palabras clave: Programa Bolsa Familia (PBF), beneficiarios(as), narrativas, política pública, pobreza.


 

 

O presente trabalho busca discutir, através de uma revisão da literatura, os significados atribuídos ao Programa Bolsa Família (PBF) por beneficiárias(os), de modo a abordar limites e potencialidades do Programa em relação ao enfrentamento da pobreza 1 no Brasil.

O PBF foi criado em 2003, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). Podemos concebê-lo no contexto de debate sobre a adoção de políticas sociais focalizadas nos mais pobres após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e, assim, como uma estratégia de enfrentamento de desigualdades sociais construídas historicamente na sociedade brasileira 2. Trata-se de um Programa que nasceu a partir da unificação e ampliação de programas de transferência de renda já existentes: Cartão Alimentação (que fazia parte do Programa Fome Zero em 2003); Bolsa Escola (criado em 1995 na gestão estadual petista no Distrito Federal) federalizado em 2001 no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Bolsa Alimentação e o Programa Auxílio-Gás, ambos criados no governo FHC. A unificação possibilitou acabar com a superposição de diversos programas numa mesma família, ampliar a clientela atendida e aperfeiçoou e integrou os procedimentos de assistência. A inserção de uma pessoa no PBF ocorre a partir da sua inscrição no Cadastro Único, criado em 2001. Trata-se de um sistema do governo federal que possibilita a entrada das pessoas cadastradas em diversos programas sociais (Ávila, 2013; Pires & Dias, 2014).

O PBF se caracteriza como uma política interministerial e intergovernamental focada no combate à pobreza em variados aspectos, de modo que em sua elaboração foram definidos os seguintes objetivos: promover o alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda; garantir a ruptura do ciclo da pobreza através das condicionalidades que reforçam o acesso aos serviços nas áreas de assistência social, educação e saúde; proporcionar formação educacional e profissional às famílias por intermédio de programas complementares (Mendes, Barbosa, & Rodrigues, 2009).

Desde sua implementação, o PBF foi alvo de diversas críticas e elogios, que buscavam apontar seus limites e/ou potencialidades. Desse modo, foi e é significado por diferentes atrizes e atores das mais diversas formas: programa emancipatório, política compensatória, política assistencialista, esmola, programa eleitoreiro (Silva, 2009). Essas definições encontram-se articuladas a concepções divergentes de horizonte social, de estratégias de transformação social, de processos de democratização da sociedade e foram evidenciadas, sobretudo, de acordo com Zimmermann e Espínola (2015), por figuras políticas das mais distintas filiações partidárias, por canais midiáticos de direita ou esquerda, ou por pesquisadoras(es) acadêmicas(os) de diversos campos teóricos. Ao entendermos, como aponta Ávila (2013), que considerar o ponto de vista das(os) beneficiárias(os) das políticas públicas, é importante para o monitoramento e aperfeiçoamento da própria política, buscamos neste artigo discutir as narrativas de sujeitos vinculados ao PBF abordadas em produções científicas. Estamos cientes que, neste caso, as narrativas já foram submetidas à interpretação dos autores(as) dos artigos. Entretanto, ao utilizarmos este critério em nossa revisão da literatura buscamos contribuir para visibilizar os significados construídos pelas(os) beneficiárias(os), em consonância com nossa posição epistemológica que concebe estes sujeitos como cognoscentes. Isto é, na crítica a processos de silenciamento epistêmico de grupos socialmente subalternizados, problematizamos a redução da reflexão sobre a dinâmica social a "especialistas" (acadêmicas/os, políticas/os e canais midiáticos) e reconhecemos aquelas(es) como protagonistas de suas histórias, sendo importante compreender suas construções discursivas a respeito das dinâmicas sociais nas quais são parte, como é o caso do PBF.

No entanto, é importante ressaltar que tal posição não significa a renúncia de uma análise crítica sobre os discursos das(os) beneficiárias(os) porque eles também podem naturalizar posições de subordinação.

 

Método

O presente trabalho trata-se de uma revisão de literatura, a qual consiste em sintetizar a discussão acerca de uma determinada temática, buscando evidenciar antagonismos e/ou concordâncias, bem como indicar novos rumos para investigações futuras (Creswell, 2007).

Inicialmente, fizemos um levantamento bibliográfico, entre os meses de junho e agosto de 2018, no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil). No processo de busca do material foi utilizada a modalidade "busca avançada", a qual permite acessar várias opções de filtragem. Utilizamos os seguintes filtros de busca: a) Campo "Título"; b) Tipo de material "Artigos Científicos"; c) idioma "Português".

O filtro "título" foi utilizado como forma de selecionar os artigos que realmente enfocassem o debate acerca do PBF, no sentido de termos acesso apenas a produções que tratassem da temática em questão. O filtro "artigos científicos" foi utilizado devido a facilidade de acesso desse material, em sua maioria disponível online e disponibilizado na íntegra no Portal de Periódicos CAPES. Ainda que o debate sobre o PBF também se dê em nível internacional, focalizamos a produção nacional, por isso o uso do filtro "português".

Foram utilizados 14 descritores, articulados entre si na maior parte dos casos, a saber: beneficiário; bolsa família; Brasil; desigualdade; desigualdade econômica; desigualdade social; distribuição de renda; fome; nordeste; pobreza; política de renda mínima; programa bolsa família; renda mínima; transferência de renda. Apenas seis das combinações entre descritores não forneceram resultado. Obtivemos um total de 477 trabalhos.

Para melhor delimitarmos os resultados, excluímos os artigos que apareciam repetidos em mais de um descritor, no caso 175. Descartamos ainda um texto que não estava disponível na íntegra; seis arquivos que não eram artigos (dissertações de mestrado, teses de doutorado e resenhas de livros); seis artigos indisponíveis em idioma português. Após estes recortes, permaneceram 289 artigos.

Um segundo procedimento de seleção dos artigos ocorreu a partir da leitura dos resumos, sendo excluídos aqueles que, ainda que apontassem para debates sobre pobreza, não focalizavam o PBF. Nesta medida, foram selecionados 151 artigos.

Consideramos, entre os 151 artigos, apenas os que focalizavam a discussão acerca dos significados atribuídos ao PBF a partir dos relatos de beneficiárias(os) do Programa, sendo selecionados 35 artigos. Este critério decorreu do nosso interesse em investigar o PBF a partir dos significados dos sujeitos que viveram a experiência do Programa, em virtude do debate acerca do PBF encontrar-se centrado nas narrativas de "especialistas"; bem como de nossa posição epistemológica que reconhece as(os) beneficiárias(os) como sujeitos cognoscentes.

Dessa forma, para a revisão de literatura realizamos uma leitura atenta dos 35 artigos selecionados. A discussão foi organizada em torno de cinco categorias temáticas, as quais foram construídas a partir da consideração de aproximações e distanciamentos entre os artigos quanto aos significados atribuídos ao PBF: 1) Usos do benefício; 2) Titularidade feminina e as relações familiares; 3) Condicionalidades e o acesso a serviços públicos; 4) Dinâmica de trabalho/emprego; 5) Portas de saída.

 

Resultados e Discussões

Usos do Benefício

O PBF, como se trata de uma política focalizada, não está acessível a toda população brasileira, porquanto foram definidos critérios de elegibilidade, baseados, exclusivamente, na renda familiar per capita mensal, sendo assim destinado às famílias pobres e extremamente pobres (ÁVILA, 2013). O que coloca em questão o modo que as(os) beneficiárias(os) utilizam o dinheiro recebido.

As famílias beneficiárias tendem a concentrar o uso do dinheiro do PBF em gastos em alimentação, principalmente quando o benefício é a única renda fixa do grupo familiar (Ahlert, 2013; Ferreira & Magalhães, 2017; Morton, 2013; Zimmermann & Espínola, 2015). Essa informação encontra-se em consonância com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE (2008), que em pesquisa realizada com metodologia de múltipla escolha (com opção de até três respostas) revelou que 87% das(os) beneficiárias(os) afirmavam utilizar o dinheiro do PBF com gêneros alimentícios. Em seguida aparecem gastos com material escolar (46%), vestuário (37%), remédios (22%), gás (10%), luz (6%), tratamento médico (2%), água (1%), e outras opções que contabilizam menos de 1%.

Um importante elemento que nos ajuda a compreender a utilização do dinheiro do PBF é a presença nas narrativas dos sujeitos beneficiários de uma hierarquização dos gastos, muitas vezes sob uma justificativa moral sobre o uso correto ou não do dinheiro. Nos artigos de Pires A. (2013) e Pires F. (2013) observamos que as(os) beneficiárias(os) apontam que o uso considerado correto seria aquele diretamente investido nas crianças, seja com alimentos, roupas e/ou material escolar, havendo uma prioridade para a alimentação, a qual integra produtos desejados pelas(os) filhas(os) como biscoitos recheados, chocolates, iogurte e pipocas. Em seguida, aparecem as despesas com a casa como a compra de eletrodomésticos ou pagamento de contas. Esse uso é visto como correto, mas num patamar inferior. Já o uso tido como errado é aquele feito para si mesma(o), que não se encontra relacionado ao benefício das crianças. Nesse caso, também há um gradiente: ainda que seja considerado errado uma mãe/pai gastar dinheiro com uma despesa pessoal como ir ao salão ou comprar um vestuário ou utensílio pessoal, há uma maior reprovação do uso do dinheiro para irem a festas ou para comprarem bebidas e cigarros (Ávila, 2013; Lui & Molina, 2013; Marins, 2018; Pires, 2012; Pires, 2013a; Tebet, 2012).

Esta hierarquização dos gastos possibilita os seguintes questionamentos: o que faz as(os) beneficiárias(os) hierarquizarem os gastos com o recurso do PBF? O desenho do Programa determina algo do tipo? As(os) beneficiárias(os) recebem algum tipo de orientação nesse sentido?

O Estado, ao instituir o PBF, não determinou como o dinheiro deveria ser gasto, mas condicionou o recebimento do benefício à frequência escolar, nutricional e a vacinação das(os) filhas(os), e à realização de exames para gestantes e nutrizes (Pires, 2013a). Dessa forma, Pires e Jardim (2014) destacam que a prioridade do gasto com as(os) filhas(os) ocorre devido o entendimento das famílias beneficiárias de que o Programa é assegurado pelo cumprimento das condicionalidades por parte das crianças e adolescentes. O gasto da renda do PBF com a pessoa adulta é considerado justificável em algumas narrativas quando se remetem à alimentação ou quando se trata de uma gestante ou mãe em processo de amamentação (Ávila, 2013; Barbosa, Diógenes, Sousa, & Mont'Alveme,2016; Pires, 2013a).

A moralização e hierarquização do uso do recurso do PBF pode também ser entendida em razão da fiscalização do Programa ser realizada pela gestão municipal, que ocorre através de visitas e orientações de assistentes sociais. Pinto (2013) aponta que essas visitas são muito invasivas e têm forte representação discriminatória e punitiva. Há relatos de beneficiárias(os) que destacam que as(os) profissionais vão até às casas e perguntam sobre a alimentação da família, abrem os armários para olhar os alimentos e fazem críticas à compra de determinados gêneros alimentícios para as(os) filhas(os). Algumas pessoas, sabendo da visita, chegam a comprar "fiado" frutas e legumes ou escondem biscoitos para que as(os) profissionais não vejam. Diante do constrangimento gerado por essas práticas invasivas, muitas cogitam desistir do Programa (Pinto, 2013).

Outro aspecto relativo ao uso do dinheiro do PBF é o modo como as(os) beneficiárias(os) avaliavam a situação de suas vidas após o recebimento do benefício. Neste aspecto observamos posições antagônicas. Algumas narrativas indicam que o PBF proveu os recursos que, utilizados de forma planejada, foram necessários para a realização de um projeto maior como a construção ou reforma da casa própria. Para algumas famílias foi possível também a abertura de pequenos comércios; crescimento de vendas de porta em porta; compras de motocicletas que ajudam no transporte rural (Ahlert, 2013; Magalhães, Cotta, Martins, Gomes, & Siqueira-Batista, 2013; Morton, 2013; Pires & Jardim, 2014; Rocha, 2013; Testa, Fronza, Petrini & Prates, 2013).

No entanto, outras pesquisas (Campara & Vieira, 2016; Rego & Pinzani, 2013; Tebet, 2012; Traldi & Almeida, 2012; Uchimura, Bosi, Lima, & Dobrykopf, 2012; Zimmermann & Espínola, 2015) indicam que a gestão da renda não ocorre na mesma proporção em todas as famílias, pois elas não são igualmente pobres. As que têm o recurso do PBF como a única renda fixa acabam concentrando-a no consumo de alimentos. Essas famílias relatam ter algum tipo de conta em atraso, dívidas decorrentes principalmente da aquisição de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Em consequência disso, ressaltam a insuficiência da renda recebida para conseguirem quitar suas dívidas e ganhar mais liberdade na escolha dos bens de consumo, reivindicando, assim, o aumento do valor do benefício, uma vez que não observam perspectiva de empregos regulares.

Titularidade Feminina e as Relações Familiares

O PBF, em seu desenho, sugere que a prioridade da titularidade seja dada a mulher, para que ela administre a renda recebida. Nos artigos, quando as mulheres são questionadas sobre o que acham da proposta do PBF em privilegiá-las como titulares, elas, de forma majoritária, concordam, recorrendo a justificativas como: a) conhecem as necessidades das(os) filhas(os) e do âmbito doméstico de modo geral; b) serem mais econômicas e diferentemente de seus companheiros sabem fazer as compras do lar; c) gestam o dinheiro não pensando apenas nelas, priorizando as(os) filhas(os) (Ahlert, 2013; Ávila, 2013; Campara & Vieira, 2016; Gorgozinho, 2015; Mariano & Carloto, 2013; Morton, 2013; Pires, 2012; Rego & Pinzani, 2013; Tebet, 2012; Traldi & Almeida, 2012).

Entre os impactos subjetivos gerados na vida das beneficiárias decorrente da titularidade feminina foi possível perceber que as mulheres não faziam menção apenas a um sentimento de segurança decorrente da aquisição de uma renda fixa que supriria necessidades básicas. Elas também salientavam um processo de empoderamento feminino. Nos artigos da revisão (Ahlert, 2013; Carloto & Mariano, 2012; Freire, Silva & Pontes, 2012; Mariano & Carloto, 2013; Pires, 2012; Tebet, 2012; Campara & Vieira, 2016), o termo "empoderamento feminino" é empregado como uma estratégia de ressignificação e de enfretamento às relações de poder em um contexto de desigualdades de gênero.

Nesse sentido, o PBF é apontado por elas como capaz de contribuir com a autonomia econômica delas frente à dependência financeira que mantinham com seus companheiros, pois, em muitos casos, eram eles os detentores da única renda familiar. Alguns trabalhos aqui destacados apontam que o PBF torna estas mulheres protagonistas de suas próprias vidas e de suas decisões e favorece a igualdade de gênero (Alves & Escorel, 2013; Ávila, 2013; Carloto & Mariano, 2012; Magalhães et al., 2013; Morton, 2013; Pires, 2012; Rego & Pinzani, 2013; Tebet, 2012).

As mulheres declaram que com a inclusão delas no Programa passaram a ter autonomia/liberdade na tomada de decisões no contexto familiar, nas decisões sobre as(os) filhas(os), as compras/consumo para família, a troca de casa. Essas decisões são realizadas com ou sem o consentimento do companheiro (Carloto & Mariano, 2012; Magalhães et al., 2013). Outro indício que indica um papel significativo do PBF no processo de emancipação das mulheres beneficiárias é o rompimento com relacionamentos abusivos (Quadros & Santos, 2017; Rego & Pinzani, 2013; Tebet, 2012).

Entretanto, existem aspectos que problematizam a compreensão de que o PBF coopera com a produção de autonomia feminina. Um deles é observado no estudo de Gorgozinho (2015), o qual aponta que o PBF, ao centralizar na mulher a responsabilidade pelo cuidado com as(os) filhas(os), contribui com a reprodução da feminização dos cuidados. A noção de "feminização dos cuidados" diz respeito ao processo de reprodução e naturalização quanto ao lugar das mulheres no âmbito familiar, atribuindo a elas a responsabilização nos cuidados com as(os) filhas(os) e pelos afazeres domésticos (Mariano & Carloto, 2013; Gorgozinho, 2015; Tebet, 2012).

Condicionalidades e o Acesso aos Serviços de Assistência Social, Educação e Saúde

As condicionalidades foram estabelecidas no PBF com o objetivo de ampliar o acesso da população pobre aos serviços públicos de assistência social, educação e saúde. Na opinião das(os) beneficiárias(os), fazer parte do Programa implica estabelecer um compromisso em virtude das obrigações previstas nas condicionalidades. Para elas(es), esse processo é semelhante a uma relação contratual, celebrada entre a pessoa beneficiária, como representante de sua família, e o Estado (Pires, 2012; 2013a).

O trabalho de Ranincheski e Silva (2013), desenvolvido em Porto Alegre/RS, destaca que todas(os) as(os) beneficiárias(os) demonstram ter conhecimento, mesmo que parcial, sobre as regras impostas pelo Programa e que, apesar de as considerarem chatas, acreditam que é bom ter regras. Traldi e Almeida (2012), contudo, a partir de um estudo realizado em Araraquara/SP, afirmam que 75% das famílias beneficiárias têm pouco conhecimento acerca do PBF, principalmente no que diz respeito às suas condicionalidades. Condição importante de ser ressaltada, pois a falta de informação deixa as pessoas vulneráveis à possibilidade de descumprimento das regras e consequentemente podem ser desligadas(os) do Programa.

As(os) beneficiárias(os) do PBF, quando se encontram em situação de descumprimento, expressam um profundo sentimento de medo e vergonha. Medo porque precisavam do dinheiro para saciar as necessidades básicas da família; vergonha por estarem descumprindo o acordo estabelecido com o Estado para receberem o dinheiro (Ranincheski & Silva, 2013). O descumprimento advém em grande medida de dificuldades familiares e não, necessariamente, de uma insubordinação às normas do Estado (Zimmermann & Espínola, 2015). Uma dificuldade ressaltada para o cumprimento das condicionalidades, na área da educação, é o controle das(os) adolescentes para fazer cumprir a frequência escolar exigida de 85% (Ranincheski & Silva, 2013).

Para além do processo de descumprimento das condicionalidades, as famílias beneficiárias apontam dificuldades de acesso aos serviços públicos.  No campo da educação uma dificuldade é a ausência de professoras(es) na escola das(os) filhas(os) (Alves & Escorel, 2013; Gorgozinho, 2015; Zimmermann & Espínola, 2015). Importante considerar que,  apesar dessa dificuldade, as(os) beneficiárias(os) reconhecem a importância do Programa para a melhoria da condição escolar de suas(seus) filhas(os), investindo parte do dinheiro no estudo delas(es) com a compra de material escolar, uniforme, acessórios, calçados, vale-transporte, lanche, e curso de informática (Freire, Silva, & Pontes, 2012; Lui & Molina, 2013; Testa et al., 2013; Pires & Dias, 2014; Santos, Gouveia, Oliveira, Melo, & Souza, 2014; Silva, Brandão, & Dalt, 2009; Zimmermann & Espínola, 2015).

Na área da saúde, uma dificuldade relatada pelas(os) beneficiárias(os) é a indisponibilidade de profissionais para atendê-las(os), além de falta de medicamentos, vacinas e de longa espera pelos serviços nas Unidades de Saúde (Alves & Escorel, 2013; Zimmermann & Espínola, 2015). Apesar disso, as famílias apontam o papel do PBF na melhoria da saúde das(os) filhas(os), uma vez que sem este auxílio teriam acesso limitado a fraldas e medicamentos. Além disso, as(os) filhas(os) passaram a frequentar mais o posto de saúde, no mínimo de seis em seis meses, para pesar e/ou vacinar (Santos et al., 2014).

A maioria dos artigos analisados não abarcava com profundidade uma discussão acerca da área da Assistência Social, apenas dois deram maior destaque. A pesquisa de Zimmermann e Espínola (2015), realizada no município de São Felipe/BA, apontou que 54,94% das(os) beneficiárias(os) ou de algum membro da família nunca participou de um programa complementar e/ou serviço da assistência social. O estudo de Traldi e Almeida (2012), por sua vez, desenvolvido em Araraquara/SP, destaca que os sujeitos reconhecem o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social como atuantes, promotoras de reuniões, oficinas e palestras.

As diferenças de condições relativa à oferta e acesso aos serviços de assistência social, educação e saúde podem ser compreendidas em razão da gestão do PBF ocorrer de forma descentralizada, sendo de competência de cada município. Entretanto, cabe-nos destacar que a precariedade destas políticas, relatada por beneficiárias(os) do PBF, é parte do processo histórico de produção e reprodução da desigualdade no país, na medida em que dificultam ou impossibilitam condições de igualdade em relação a direitos fundamentais, afirmados na Constituição Federal de 1988, que devem ser garantidos pelo Estado. Deste modo, é importante problematizar o controle do cumprimento das condicionalidades por parte do PBF, ao menos em dois aspectos: a) a demarcação de  uma relação tutelar, na qual as pessoas pobres ficam sob a guarda do Estado, tendo que merecer sua ajuda através do cumprimento de uma série de obrigações, fomentando um processo de responsabilização e culpabilização das famílias caso não cumpram as determinações exigidas; b) como expõem Zimmermann e Espínola (2015),  ao invés de concentrar esforços na fiscalização das famílias, o Estado deveria se propor a fortalecer o investimento nos serviços públicos que são ofertados de modo precário à população.

Dinâmica de Trabalho/Emprego das(os) Beneficiárias(os) do PBF

Na contramão das críticas que afirmam que o PBF estimularia o ócio dos sujeitos beneficiários, os artigos de Carloto e Mariano (2012), de Lacerda, Oliveira, Campos e Meneses (2010) e de Zimmermann e Espínola (2015) demonstram que as(os) beneficiárias continuam trabalhando.

A apresentação do PBF como um complemento da renda familiar decorre de o fato dos sujeitos indicarem que sua condição ocupacional lhes garante renda insuficiente para suprir as necessidades básicas do grupo familiar, pois a renda mensal fixa é inferior a um salário mínimo e as ocupações são informais, desprotegidas e transitórias (Alves & Escorel, 2013; Campara & Vieira, 2016; Ferreira & Magalhães, 2017; Traldi & Almeida, 2012).

A situação específica das mulheres no mercado de trabalho é ainda mais agravanteElas atestam estarem na informalidade e sob condições precárias. Um dos fatores que as mantêm nessa condição é o baixo nível de escolaridade, pois muitas sequer possuem ensino fundamental completo. Sobre o salário, boa parte delas declara receber até um salário mínimo (Carloto & Mariano, 2012; Mariano & Carloto, 2013).

O trabalho de Ahlert (2013) aponta o impacto do PBF no alívio da rotina de trabalho de mulheres quebradeiras de coco da região de Codó/MA. A autora destaca que nenhuma das quebradeiras de coco parou de trabalhar após a inserção no PBF, mas o Programa possibilitou a elas reduzir o ritmo de trabalho. Antes trabalhavam exaustivamente de domingo a domingo, com o PBF passaram a tirar um dia de folga na semana. Na pesquisa de Carloto e Mariano (2012) observa-se que o direito ao PBF possibilitou às mulheres que exercem a função de diaristas (na maioria negras) não se submeterem mais a qualquer tipo de trabalho, negando atuar em lugares nos quais sofram situações de assédio e constrangimento, que possuem condições insalubres, nos quais sejam mal remuneradas ou não tenham proteção trabalhista.

Em relação aos sujeitos beneficiários em situação de desemprego, participantes do estudo de Uchimura et al. (2012) declaram que prefeririam ter um emprego a receber o benefício, porém afirmam encontrar dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Zimmermann e Espínola (2015), ao questionar as(os) participantes de seu estudo (88 pessoas) sobre o motivo da falta de ocupação, 67,05% apontaram a escassez de vagas, 12,50% alegaram a baixa escolaridade, 11,36% disseram que a remuneração não era atrativa, 5,68% destacaram a falta de qualificação profissional, 2,27% atribuíram a desocupação à crise econômica e 1,14% recusaram responder. Em convergência com esses dados, Dornelles (2010) afirma que o PBF não produz desestímulo ao trabalho e tampouco à busca de emprego. A autora constata que a realidade brasileira apresenta oferta insuficiente de vagas de emprego voltadas ao público em situação de vulnerabilidade e que não há espaços de capacitação profissional voltados para essas pessoas.

Há ainda outras dificuldades para a conquista de emprego. O cuidado das(os) filhas(os) e o impedimento pelos maridos são dificuldades para as mulheres realizarem trabalhos remunerados fora de casa (Carloto & Mariano, 2012; Tebet, 2012). Carloto e Mariano (2012) apresentam também o racismo como um obstáculo: mulheres negras relatam que são excluídas do mercado de trabalho, que percebem que as empresas preferem contratar pessoas brancas.

Mariano e Carloto (2013, p. 398) entendem que a "presença mais notável de mulheres negras entre as pessoas pobres é reflexo de um processo histórico de (re)produção de desigualdades sociais". Trata-se de uma realidade de desigualdades que se perpetua, tendo em vista a assistência tardia e precária dessa população nos âmbitos da assistência social, educação e saúde. Como resultado, a população negra se destaca nos índices de exclusão (analfabetismo, trabalho infantil, desemprego, subemprego). Ao considerar a dimensão de gênero, vemos ainda que o casamento representa um impeditivo para as mulheres conseguirem continuar os estudos, se profissionalizarem e entrarem no mercado de trabalho, o que reforça a realidade de feminização da pobreza.

Portas de Saída (complementaridades)

Os artigos analisados nos permitiram ter uma dimensão da compreensão das(os) beneficiárias(os) acerca dos programas complementares e como a temática da autonomia é percebida nesse enredo. Nos estudos de Santos e Magalhães (2012) e Zimmermann e Espínola (2015) as famílias afirmam desconhecer a existência de programas complementares (cursos) vinculados ao PBF. Outros fatores ainda são apontados como escassez de divulgação, número limitado de vagas, ou oferta de cursos que não dialogam com a necessidade e desejo das(os) beneficiárias(os). Frente a isso, as autoras e os autores explicitam a falta de apoio da gestão do Programa nos âmbitos local, estadual e federal, o que contradiz o desenho institucional do PBF. Cabe-nos ressaltar que, como destaca Zimmermann e Espínola (2015), o desenvolvimento de programas e ações complementares são de responsabilidade das gestões municipais, as quais deveriam dispor de informações privilegiadas acerca das demandas locais.

De acordo com Carloto e Mariano (2012) e Santos e Magalhães (2012) quando as(os) beneficiárias(os) são questionadas(os) sobre o que poderia melhorar no PBF, elas(es) indicam a oferta de cursos profissionalizantes, em especial de informática – as mulheres alegam que o mercado de trabalho exige conhecimento nessa área – e a necessidade de alguma ação para minimizar a pouca escolaridade. Ademais, afirmam que, aliado aos cursos, deveriam ser ofertadas vagas de emprego (Santos & Magalhães, 2012).

Para Zimmermann e Espínola (2015) o PBF produz um alívio imediato na situação de pobreza das famílias beneficiárias. Porém, é necessário que as gestões locais invistam em programas complementares de geração de emprego e renda, alfabetização de adultos e cursos profissionalizantes como estratégias que contribuam para o processo de construção de autonomia dessas famílias, de modo a garantir-lhes condições de se desvincularem do Programa de forma voluntária.

 

Considerações Finais

O objetivo desse artigo foi discutir, a partir de uma revisão da literatura, os significados atribuídos ao Programa Bolsa Família (PBF) por beneficiárias(os) do Programa, abordando limites e potencialidades do Programa em relação ao enfrentamento da pobreza no país.

A escolha por este objetivo se deu em virtude do debate em torno do Programa estar centralizado nas narrativas de políticas(os) e pesquisadoras(es), não abarcando, em muitos casos, a perspectiva daquelas(es) que vivencia(r)am a experiência como participante, como foi observado no levantamento bibliográfico realizado. O que aponta para a importância da realização de mais pesquisas que busquem evidenciar os significados dessas pessoas, pois, sob um ponto de vista epistemológico e ético, necessitam ser reconhecidas como sujeitos cognoscentes e, portanto, importantes de serem consideradas(os) na reflexão sobre o Programa.

A partir da leitura dos artigos selecionados verificamos uma pluralidade discursiva quanto às potencialidades e aos limites do PBF, principalmente, ligadas aos cinco pontos acima explicitados. No que diz respeito aos usos do benefício, as narrativas das(os) beneficiárias(os) indicam que o uso prioritário é com a alimentação da família, ou destinada às crianças; e que, ainda que os valores sejam modestos, a situação de suas vidas melhorou significativamente após a inserção no PBF. O aumento do poder de compra garantiu a elas(es) maior acesso ao consumo de alimentos e de bens duráveis, um sinal de efetividade no combate à pobreza.

De acordo com a Organização das Nações Unidas – ONU, o PBF contribuiu para que o Brasil saísse do Mapa da Fome, o que foi anunciado, no fim de 2014. Somente no período de 2002 a 2013 a queda de brasileiras(os) em situação de subalimentação foi de 82% 3.

A respeito do segundo ponto, titularidade feminina, ainda que as pesquisas aqui analisadas demonstrem a reprodução de estereótipos quanto ao papel das mulheres nos cuidados do lar e das crianças, algumas das beneficiárias identificam o PBF com a possibilidade de emancipação pessoal, dado o fato de que deixam de ser completamente dependentes dos companheiros e passam a ter voz ativa nas decisões de casa. Além disso, muitas atribuem como consequência do Programa o fato de terem conseguido se livrar de relacionamentos abusivos. Nesse sentido, é possível consideramos que o PBF atua não apenas na dimensão material da pobreza, mas também contribui para interpelar relações de subordinação mediadas pela dependência financeira, produzindo um sentimento de autonomia para algumas mulheres.

É relevante considerar também a importância da titularidade dada às mulheres em virtude de elas serem a maioria da população em situação de pobreza e extrema pobreza na sociedade brasileira, principalmente as mulheres negras como informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 4.

O terceiro ponto abordado foi o papel das condicionalidades. Elas se apresentam no desenho do PBF como estratégias para estimular as famílias beneficiárias a exercerem seu direito de acesso às políticas públicas de assistência social, educação e saúde, promovendo a melhoria das condições de vida. As narrativas das(os) beneficiárias(os), apesar de apresentarem dificuldades de acesso a estes direitos e ressaltarem a precariedade dos serviços que deveriam ser garantidos como direito e com qualidade pelo Estado, apontam que após a inserção no Programa as condições de educação e de saúde das suas crianças e adolescentes melhoraram.

Dados mais gerais, como os apontados por Cacciamali, Tatei e Batista (2010), destacam que o PBF, ao focalizar a educação, apresentou um importante papel no combate ao trabalho infantil, pois aumentou a chance de a criança somente estudar. Além disso, contribuiu para a queda do analfabetismo e para o aumento da escolaridade entre as(os) brasileiras(os) das classes populares. No campo da saúde, observa-se a diminuição da desnutrição e da mortalidade infantil. Em 2015, o Governo Federal divulgou que o PBF contribuiu para a queda de 65% na mortalidade infantil provocada por desnutrição. O Brasil vem se destacando por alcançar significativa redução na taxa de mortalidade infantil, que declinou de 61 mortes por mil nascido vivos, em 1990, para 16 mortes, em 2015, uma queda de 73% 5.

Sobre a situação de trabalho/emprego das(os) beneficiárias(os), os artigos apontam que o PBF é a única renda fixa para muitas(os) delas(es), garantindo o sustento do grupo familiar. Dados do IBASE (2008) destacam que 56% das(os) beneficiárias(os) encontram-se desempregadas(os), 28% realizam trabalhos informais e apenas 16% têm carteira assinada. A desqualificação das ocupações exercidas reflete em baixos rendimentos. Desse modo, o PBF se torna um complemento necessário mesmo para as famílias que exercem alguma atividade remunerada.

O último ponto que destacamos aqui diz respeito às portas de saída (ou complementariedades) vinculadas ao PBF. O debate aqui gira em torno da indagação se o Programa promoveria dependência ou autonomia das famílias beneficiárias em relação ao PBF. De modo geral, os dados da revisão sinalizam que o PBF contribui para minimizar a situação de pobreza das beneficiárias(os). Porém, apontam limitações na construção de estratégias que possibilitariam aos sujeitos romper de modo mais definitivo o ciclo de pobreza, na medida em que há uma fragilidade do PBF no desenvolvimento das ações complementares que têm como foco garantir a escolarização e profissionalização das beneficiárias(os) para que consigam ingressar no mercado de trabalho. Apesar disso, é importante destacar que em 11 anos (2003-2014) o PBF conseguiu acumular um total de 3,1 milhões de famílias que se desligaram voluntariamente de acordo com informações do Ministério da Cidadania 6. Vemos um resultado ainda tímido diante da quantidade de famílias inscritas no PBF, mas que deve ser evidenciado em vista do histórico de produção e reprodução da pobreza no país.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Wagner Leite de Souza
Universidade Federal de Alagoas
Campus A. C. Simões - Instituto de Psicologia / IP
Avenida Lourival de Melo Mota, S/N, Tabuleiro do Martins, Maceió - AL, Brasil. CEP 57072-970
Endereço eletrônico: wagnersouzar@hotmail.com
Frederico Alves Costa
Universidade Federal de Alagoas
Campus A. C. Simões - Instituto de Psicologia / IP
Avenida Lourival de Melo Mota, S/N, Tabuleiro do Martins, Maceió - AL, Brasil. CEP 57072-970
Endereço eletrônico: frederico.costa@ip.ufal.br

Recebido em: 04/02/2020
Reformulado em: 05/08/2020
Aceito em: 02/11/2020

 

 

Notas

* Mestrando no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Membro do Núcleo de Psicologia Política – NPP/UFAL.
** Professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFAL e coordenador do Núcleo de Psicologia Política da UFAL. Doutor em Psicologia pela UFMG.
1 A pobreza é aqui compreendida não apenas como ausência/insuficiência de renda, refere-se também à produção de vulnerabilidades no âmbito da educação, da saúde, da profissionalização, do consumo de bens duráveis, etc. Ademais, estas condições sociais localizam os sujeitos em posições subalternizadas na sociedade, as quais afetam os processos de subjetivação destes sujeitos, podendo contribuir tanto para a naturalização destas condições quanto para politização delas.
2 De acordo com Suplicy e Buarque (1997), muitos fatores históricos contribuíram para a desigualdade no Brasil, como os três séculos de escravidão que terminou em 1888, as duas décadas (1964-1984) de regime militar que destinou fundos públicos, por meio de incentivos fiscais e créditos subsidiados para donos de empresas, contribuindo para a concentração de renda. Nos anos 80 e 90, temos o crescimento significativo da inflação, resultando na obstrução do crescimento e no aumento das desigualdades. Ademais, houve uma tardia produção de medidas compensatórias (como as políticas de transferência de renda) focalizadas nos mais pobres – onde só foram implantadas em nível federal no início dos anos 2000, na gestão de FHC, recebendo continuidade e sendo reestruturadas e alvo de maior investimentos no governo Lula a partir de 2003.
3 Bolsa Família reduz índices de pobreza e é referência internacional. Recuperado de http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2015/outubro/bolsa-familia-reduz-indices-de-pobreza-e-e-referencia-internacional. Acessado em: 15/11/2018.
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Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de mestrado do primeiro autor (CAPES, No. Processo 88882.452244/2019-01).

 

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