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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.1 Rio de Janeiro jun. 2005

 

ARTIGOS

 

A neurobiologia da terapia do esquema e o processamento inconsciente

 

The neurobiology os schema therapy anda the unconscious processing

 

 

Marco Montarroyos Callegaro

Mestre em Neurociências e Comportamento; Diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva - ICTC; Professor do curso de psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, explora-se a utilidade da noção de processamento mental inconsciente quando aplicada a um dos mais recentes desenvolvimentos em terapia cognitiva, a Terapia focada no Esquema (Schema Therapy), de Jeffrey Young (1990; 1999). A teoria do esquema é uma abordagem integrativa que expande a Terapia Cognitivo-Comportamental tradicional, integrando contribuições da Gestalt, Psicanálise e do Construtivismo em um novo sistema de psicoterapia (Young, Klosko & Weishaar, 2003). A teoria do esquema é sintetizada, examinando-se a neurobiologia subjacente a esta abordagem e sua aproximação com as neurociências cognitivas, em especial a existência de dois sistemas que operam em paralelo e estocam diferentes tipos de informação relevante para a experiência de aprendizagem emocional. Um dos sistemas é consciente e mediado pelo hipocampo e áreas corticais relacionadas, sendo o outro inconsciente e se processa através da amígdala. Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) envolvem respostas emocionais disparadas através de processamento inconsciente, sem a participação dos centros superiores de processamento neural envolvidos no pensamento consciente e avaliação racional. A terapia do esquema procura ajudar os pacientes a identificar seus esquemas e se tornar consciente das memórias, emoções, sensações corporais, cognições e estilos de enfrentamento associados com estes esquemas. O autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de enfrentamento permite que o paciente exerça certo controle sobre suas reações, aumentando seu poder de escolha e deliberação consciente em relação aos EIDs.

Palavras-chave: Terapia do esquema, Neurobiologia, Processamento inconsciente.


ABSTRACT

In this article, we exploit the notion of unconscious mental processing when applied to a recent development in Cognitive Therapy, Jeffrey Young’s (1990; 1999) Schema Therapy. Schema Therapy is summarized, examining the underlying neurobiology of this approach and the proximity with Cognitive Neuroscience, especially the existence of two systems that operate in parallel and store different kinds of relevant information for emotional learning. One of these systems is conscious and is mediated by hippocampus and surrounding cortical areas; the other system is related to an unconscious processing of stimuli by the amygdala. The Early Maladaptive Schemas (EMSs) involve emotional responses triggered by unconscious emotional processing without participation of higher centers of neural processing involved in conscious thinking and rational evaluation. Schema Therapy helps patients identify EMSs and become conscious about memories, emotions, bodily sensations, cognitions and associated coping styles. Self-knowledge about EMSs permits control by the pre-frontal cortex of the negative reactions triggered by the amygdala system, increasing the patient’s power of flexibility and choice, allowing more reflection and conscious deliberation.

Keywords: Schema therapy, Neurobiology, Unconscious processing.


 

 

Introdução

Neste artigo, explora-se a utilidade da noção de processamento cognitivo inconsciente quando aplicada a um dos mais recentes desenvolvimentos em terapia cognitiva, a Terapia focada no Esquema (Schema Therapy), de Jeffrey Young (1990; 1999), uma abordagem integrativa que expande a Terapia Cognitivo-Comportamental tradicional, agregando contribuições da Gestalt, Psicanálise e do Construtivismo em um novo sistema de psicoterapia (Young, Klosko & Weishaar, 2003).

Existe uma necessidade crescente de reconhecimento do processamento inconsciente no funcionamento mental por parte tanto de neurocientistas como psicoterapeutas cognitivos, uma vez que as ciências do cérebro mostram que a maior parte do processamento mental ocorre fora do palco da consciência (Damásio, 1999, 2000, 2003; Ramachandran & Blakeslee, 2002; Squire & Kandel, 2003; Schacter, 2003; Squire, 1987). No entanto, este inconsciente não é o dinâmico – não é povoado pelos elementos concebidos por Freud. Embora muitos neurocientistas não façam menção direta e procurem evitar confusão semântica evitando o termo “inconsciente” (em função da associação com o inconsciente dinâmico), as características do funcionamento do encéfalo reveladas pela neurociência cognitiva atual descortinam um cenário onde a maior parte da atividade mental é inconsciente, exigindo uma nova formulação, um “novo inconsciente” como proposto no recente livro The New Unconscious organizado por Hassin, Uleman e Bargh (2005).

Inicialmente enfocaremos a definição clássica de esquema em Terapia Cognitiva (TC), para a seguir apresentar a Teoria do Esquema de Jeffrey Young (1990; 1999), examinando-se a neurobiologia subjacente a esta abordagem e sua aproximação com as neurociências cognitivas. Em especial, ressalta-se a existência de dois sistemas que operam em paralelo e estocam diferentes tipos de informação relevantes para a experiência de aprendizagem emocional. Um dos sistemas é consciente, sendo mediado pelo hipocampo e áreas corticais relacionadas, e o outro sistema é inconsciente e se processa através da amígdala. Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) teorizados por Young envolvem respostas emocionais disparadas através de processamento inconsciente, sem a participação dos centros superiores de processamento neural envolvidos no pensamento consciente e avaliação racional. A Terapia do Esquema procura ajudar os pacientes a identificar seus esquemas e se tornar consciente das memórias, emoções, sensações corporais, cognições e estilos de enfrentamento associados com estes esquemas. O autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de enfrentamento permite que o paciente exerça certo controle sobre suas reações, aumentando seu poder de escolha e deliberação consciente em relação aos EIDs.

 

Esquemas Mentais

Um esquema, para Beck (1982/1979), refere-se a uma rede estruturada e inter-relacionada de crenças que podem ser ativadas ou desativadas conforme a presença ou ausência de experiências estressantes. Segundo Segal (1988), um esquema pode ser definido como um conjunto de “elementos organizados de reações e experiências passadas que formam um corpo de conhecimento relativamente coeso e persistente, capaz de guiar a percepção e a avaliação subseqüente” (p.147). Um esquema é uma estrutura cognitiva que processa informação e que

(...) filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o organismo é submetido... Com base na matriz de esquemas, o indivíduo consegue orientar-se em relação ao tempo e espaço e categorizar e interpretar experiências de maneira significativa. (Beck, 1967, p. 283)

Segundo Beck (1967), os esquemas podem explicar o fenômeno da repetição que os psicanalistas identificaram clinicamente, e sobre o qual Freud teorizou. As imagens, sonhos e associações livres apresentam temas recorrentes ligados aos esquemas, que podem ficar inativos e depois serem “energizados ou desenergizados rapidamente, como resultados de mudanças no tipo de input do ambiente” (p. 284). Os esquemas contaminam a arquitetura mental do sujeito e governam sua forma de interpretar os acontecimentos, resultando em uma percepção distorcida e tendenciosa, refletindo-se “nas típicas concepções errôneas, atitudes distorcidas, premissas inválidas, metas e expectativas pouco realistas” (p. 284).

Embora o uso do termo “inconsciente” tenha sido evitado por Beck e por outros teóricos de TC para designar os esquemas, podemos seguramente concluir que estes são mecanismos inconscientes – mas de um inconsciente cognitivo, não do inconsciente dinâmico da psicanálise. A razão principal que leva os teóricos a evitarem o termo é, provavelmente, o cuidado para evitar confusão conceitual ocasionada por um problema semântico – o termo inconsciente praticamente subentende o inconsciente dinâmico concebido e popularizado por Freud. O terapeuta cognitivo Arthur Freeman (1998) argumenta que os esquemas são mecanismos inconscientes que afetam nosso comportamento, cognição, fisiologia e emoções, e se tornam, com o passar do tempo, a própria definição da pessoa (individualmente e como parte de um grupo). Referindo-se aos esquemas, Freeman acredita que “pode-se dizer que eles são inconscientes, usando-se uma definição do inconsciente como idéias das quais não temos consciência” (p. 32). Ou seja, os esquemas podem ser adequadamente descritos como mecanismos inconscientes, se adotarmos a noção de inconsciente cognitivo.

A expressão “inconsciente cognitivo” foi cunhada pelo psicólogo John Kihlstrom em um artigo publicado na influente revista Science (Kihlstrom, 1987). A teoria computacional, a Psicologia Cognitiva e as Ciências Cognitivas forneceram o substrato teórico para entender o funcionamento consciente e inconsciente, fundando-se no conceito de mente como mecanismo de processamento de informação. Os conteúdos conscientes provêm do processamento de informações, mas não estamos conscientes do processamento em si, somente do resultado final.

O funcionamento mental envolve processos conscientes e inconscientes, e obviamente não podemos entender a mente sem contemplar o processamento inconsciente. O inconsciente cognitivo apresentou-se como um modelo alternativo sobre a mente inconsciente. A idéia central de Kihlstrom sobre o funcionamento do processamento inconsciente é a de que o cérebro efetua muitas operações complexas cujo resultado pode se transformar em conteúdo consciente, embora não tenhamos acesso às operações que originam este conteúdo (Kihlstrom, 1984, 1985; Kihlstrom & Cantor, 1984).

Os esquemas manifestam-se em padrões complexos de pensamentos, que são em geral empregados mesmo na ausência de dados ambientais, e podem servir como um mecanismo cognitivo que transforma os dados que chegam em conformidade com idéias preconcebidas (Beck, 1963; 1964; Beck & Emery, 1985). Falhas características no processamento de informação mantém esta distorção das experiências de vida, e Beck adotou o termo distorções cognitivas para descrever o conjunto de erros sistemáticos de raciocínio presentes durante o sofrimento psicológico (Beck, 1987; Beck, Rush, Shaw & Emery, 1982/1979). As crenças disfuncionais são perpetuadas através das distorções, modos mal-adaptativos de processar informações como, por exemplo, a hipervigilância em relação a ameaças ambientais dos pacientes ansiosos ou a excessiva e indevida responsabilização pessoal pelas falhas e erros cometidos pelos sujeitos com depressão.

Como poderíamos relacionar os modelos cognitivos da TC com o processamento inconsciente? Apesar de evitarem a utilização do termo “inconsciente” pela conotação psicanalítica que logo associamos à expressão, veremos a seguir que os modelos cognitivos podem ser extremamente úteis para compreender o processamento mental inconsciente (Hassin, Uleman & Bargh, 2005) e inventivos para buscar técnicas e estratégias terapêuticas eficazes na modificação dos resultantes padrõesdisfuncionais cognitivos, comportamentais e emocionais.

Esquemas e Processamento Inconsciente

Em 2000, a Associação Americana de Psicologia (American Psychology Association – APA) realizou sua convenção anual em Washington, e patrocinou um encontro entre dois clínicos de grande influência no cenário mundial da psicoterapia, Albert Ellis e Aaron Beck (Chamberlin, 2000). Ambos reconheceram, neste encontro, o valor de algumas idéias de Sigmund Freud para suas teorias, particularmente o papel de destacar a relevância dos processos mentais inconscientes na determinação do comportamento. Beck afirmou ter recebido forte influência da “idéia do determinismo psicológico” e Ellis declarou sobre Freud que “uma das principais coisas que ele fez foi chamar a atenção para a importância do pensamento inconsciente” (Chamberlin, 2000).

Em trabalhos mais recentes, Beck e colaboradores vem dedicando mais atenção à noção de um inconsciente cognitivo, baseado na idéia de uma natureza inconsciente no processamento cognitivo de informação (Beck & Alford, 2000). O conceito de processamento automático de informação, proveniente da Ciência Cognitiva e Psicologia Cognitiva, influenciou o constructo de pensamento automático em TC. A memória implícita, também chamada de não-declarativa ou inconsciente (Squire & Kandel, 2003; Schacter, 1987; 1992; 1996; 2003), tem sido citada por teóricos importantes em TC (por exemplo, Jeremy Safran, 2002) como substrato teórico fundamental para compreender cognições que não são acessíveis à percepção consciente do paciente, mas que podem ser modificadas pela identificação e testagem das crenças relacionadas aos problemas clínicos apresentados.

Conforme Kilhstrom definiu (Kihlstrom et al., 1992, p. 21), uma memória explícita é aquela que se refere a uma lembrança consciente de algum episódio prévio, onde o sujeito lembra deliberadamente de algum aspecto da experiência quando questionado. Em contraste, uma memória implícita é demonstrada por qualquer mudança no pensamento ou ação que é atribuível a alguma experiência passada, mesmo sem lembrança consciente do evento ocorrido.

Uma compreensão mais sofisticada sobre os esquemas é fundamental para desvendar os mecanismos da mente inconsciente. Os esquemas, depois de desenvolvidos, servem como modelos para o processamento das experiências ulteriores, e acabam desembocando em confirmações automáticas e circulares dos próprios esquemas.

Uma pessoa que estruturou uma auto-imagem como incapaz de ser amada vai processar a experiência de uma rejeição amorosa como evidência da veracidade de suas crenças, reconfirmando-as a cada experiência negativa de tal forma que, cada vez mais, parecem certas e reais suas crenças sobre si mesmo – este processo cria um circuito de retroalimentação que estabiliza a idéia de ser indigna de amor. O comportamento, por sua vez, é negativamente influenciado por este conjunto de crenças, fazendo a pessoa agir de modo a confirmar sua profecia catastrófica (a previsão sem fundamento de que algo catastrófico acontecerá) - que gera continuamente o que é percebido como evidência confirmatória dos esquemas. Se o sujeito considera-se indigno de amor, agirá de forma acabrunhada e tímida, não olhará nos olhos e falará baixo em uma situação social, conduta que certamente aumenta sua chance de rejeição. As rejeições que ocorrem, por sua vez, confirmam os esquemas em um círculo vicioso autoperpetuador.

Os esquemas cristalizam-se nas profundezas do self, processando silenciosa e inconscientemente os dados da realidade - estão amalgamados em nossas percepções, julgamentos, desejos, necessidades, pensamentos e sentimentos. Este aspecto está presente no funcionamento mental de todos, mas se torna particularmente evidente quando tratamos de transtornos de personalidade (um conjunto de transtornos que envolvem padrões persistentes e dificuldades crônicas, como personalidade evitativa, paranóide, dependente, histriônica, esquizóide ou borderline, por exemplo). Normalmente, não estamos conscientes da operação silenciosa dos esquemas, nem mesmo de sua existência, somente dos resultados produzidos, que acabam compondo o núcleo de nossa personalidade. Nossa auto-imagem é estruturada pelos esquemas e seu caráter circular, como enfatizam Guidano e Liotti (1983), pois “a seleção de dados da realidade externa que são coerentes com a auto-imagem obviamente confirma – de maneira automática e circular – a identidade pessoal percebida...” (p. 88-89).

 

Teoria do Esquema de Jeffrey Young

Jeffrey Young é um criativo terapeuta cognitivo que completou seu pós-doutorado no Centro de Terapia Cognitiva sob a orientação de Aaron Beck, sendo fundador e atualmente diretor de pesquisa e treinamento dos centros de TC em Nova York e Connecticut. Sua colaboração com Beck impulsionou o desenvolvimento de uma expansão da teoria inicial da TC de curto prazo para o que chamou de Teoria do Esquema. Esta teoria é relativamente recente (foi formulada nos anos 90), tendo conquistado reconhecimento pelo valor heurístico e utilidade clínica no meio profissional, inclusive no Brasil, apesar de ainda pouco disseminada.

A terapia focada no esquema compartilha os elementos que caracterizam a terapia cognitiva, como um papel mais ativo para o terapeuta, o uso de técnicas de mudança sistemáticas, ênfase nas tarefas de casa, relacionamento terapêutico colaborativo e uso de uma abordagem empírica, onde a análise das evidências tem papel importante na mudança de esquemas (Young & Klosko, 1994).

O modelo desenvolvido por Young enfatiza a confrontação, a experiência afetiva, o relacionamento terapêutico como um veículo de mudança, e a discussão de experiências iniciais da vida, aproximando a TC da abordagem da Gestalt terapia e da Psicanálise em alguns aspectos. O modelo de Young se revela importante para o refinamento de uma abordagem psicoterápica (alternativa à Psicanálise) para abordar em profundidade os processos inconscientes. A terapia focada em esquemas é mais longa do que a TC, dedicando muito mais tempo para identificar e superar a evitação cognitiva, afetiva e comportamental.

O apoio empírico para a Teoria do Esquema é proveniente de estudos que utilizam a forma longa do Young Schema Questionnaire (Questionário de Esquemas de Young) Este instrumento é de grande utilidade clínica e de pesquisa, e já foi traduzido para muitos idiomas, inclusive português (Young, 2003). Investigações sobre as propriedades psicométricas do Questionário de Esquemas (Schmidt, Joiner, Young & Telch, 1995) revelaram coeficientes alfa para cada EID oscilando entre .83 a .96 e coeficientes de teste-reteste de .50 a .82 em uma amostra de população não clínica. As subescalas demonstraram alta confiabilidade teste-reteste e consistência interna, além de boa validade discriminante em medidas de estresse psicológico, auto-estima e sintomatologia de transtornos de personalidade.

Jeffrey Young propõe cinco construtos teóricos para expandir o modelo cognitivo de Beck, os Esquemas Iniciais Desadaptativos, a sistematização de domínios dos esquemas, e os conceitos de manutenção, evitação e compensação do esquema. Examinaremos a seguir mais detalhadamente estes construtos.

 

Esquemas Iniciais Desadaptativos

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) ou esquemas primitivos segundo Young (2003, p. 16) são “crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo em relação ao ambiente”, representando o nível mais profundo da cognição, e “operam de modo sutil, fora de nossa consciência” (p. 75). Os EIDs se referem a “temas extremamente estáveis e duradouros que se desenvolvem cedo durante a infância, são elaborados ao longo da vida e são disfuncionais em um grau significativo” (p. 15), compõe núcleos profundos do self refletidos na auto-imagem tácita, como uma visão de si mesmo orgânica e inquestionável. São rígidos e incondicionais, como, por exemplo, quando o paciente sente que, não importa o que possa fazer, não será amado, mas sim abandonado e traído em sua confiança. O sujeito percebe o EID como uma verdade a priori, irrefutável e aceita como uma realidade intrínseca, essencial.

A definição revisada e compreensiva de um Esquema Inicial Desadaptativo apresentada por Young e colaboradores (2003, p. 7) caracteriza o EID como:

• um padrão amplo e pervasivo

• composto de memórias, emoções, cognições e sensações corporais

• envolvendo a si mesmo e a relação com os outros

• desenvolvido durante a infância ou adolescência

• elaborado através da trajetória de vida da pessoa

disfuncional em grau significante

Outras características importantes dos EIDs são seu caráter autoperpetuador e sua resistência à mudança. Mesmo que o sujeito seja enormemente bem sucedido na vida, isto não acarretaria alteração do esquema disfuncional. Os EIDs são o núcleo da auto imagem, e vão realizar uma série de manobras cognitivas, distorcendo o processamento para manter os esquemas. São, na realidade, um sistema de expectativas rígidas sobre si mesmo e o mundo.

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos implicam em disfuncionalidade importante, gerando muitas vezes transtornos mentais ou sofrimento psicológico subclínico. São ativados por eventos significativos para a pessoa, como, por exemplo, uma atribuição difícil para uma pessoa com esquema de fracasso, que pode acionar pensamentos autoderrotistas com elevada carga emocional (“não vou conseguir” ou “vou falhar e ser demitido”).

 

Domínios de Esquema

Jeffrey Young (2003) identificou 18 Esquemas Iniciais Desadaptativos, que são agrupados em cinco amplos domínios de esquema. Young acredita que os Esquemas Iniciais Disfuncionais originam-se pela combinação de fatores biológicos e temperamentais com os estilos parentais e as influências sociais às quais a criança é exposta. Uma criança de temperamento tímido pode estar mais predisposta a apresentar um esquema de isolamento social, e outra biologicamente hiper-reativa à ansiedade pode ter mais dificuldade de superar a dependência em direção à autonomia. Young (2003, p. 24) hipotetiza cinco tarefas desenvolvimentais primárias que a criança necessita realizar para se desenvolver de forma sadia – conexão e aceitação, autonomia e desempenho, auto-orientação, limites realistas e auto-expressão, espontaneidade e prazer. Quando não consegue avançar de forma sadia em função de predisposições temperamentais e experiências parentais e sociais inadequadas, a criança pode desenvolver EIDs em um ou mais domínios de esquema. Ou seja, problemas no estabelecimento de conexão com as outras pessoas e de um sentimento de aceitação por parte dos outros leva a desenvolver EIDs no domínio Desconexão e Rejeição; dificuldades na aprendizagem de autocontrole e senso de limites podem induzir EIDs no domínio Limites Prejudicados, e assim por diante.

 

Processos de um EID

Todos os organismos apresentam basicamente três respostas quando percebem uma ameaça: luta, fuga ou congelamento (freezing). Segundo Young et al. (2003, p. 33), a ameaça é a frustração de uma necessidade emocional profunda no desenvolvimento afetivo da criança (como ligação segura com os outros, autonomia, auto-expressão livre, espontaneidade e limites realísticos) ou mesmo o medo das intensas emoções que o esquema desencadeia, e a criança responde com um estilo de enfrentamento (coping style) que a princípio é adaptativo, mas torna-se disfuncional com mudança das condições que ocorre à medida que a criança cresce – o que era adaptativo na infância é desadaptativo para o adulto, e o paciente fica aprisionado na rigidez de seu estilo de enfrentamento.

Portanto, os estilos de enfrentamento desadaptativos, apesar de auxiliarem o sujeito a não experimentarem as emoções intensas e opressivas engendradas pelos esquemas, servem como elementos importantes da perpetuação dos mesmos. É importante notar que os esquemas contêm “memórias, emoções, sensações corporais e cognições” (Young et al. 2003, p. 32), mas não envolvem as respostas comportamentais; o comportamento não é parte do esquema, é parte do estilo de enfrentamento.

As respostas comportamentais de luta, fuga ou congelamento correspondem aos três estilos de enfrentamento dos EIDs, a supercompensação, subordinação (no original, surrender), e a evitação do esquema, que podem ocorrer no plano afetivo, comportamental ou cognitivo. Lutar contra o esquema equivale a supercompensar, fugir é equivalente a subordinar-se e o congelamento equivale a evitação. Os três estilos de enfrentamento geralmente operam inconscientemente, e em cada situação, o paciente provavelmente utiliza um deles, mas pode exibir diferentes estilos de enfrentamento em diferentes situações ou com diferentes esquemas (Young, et al. 2003, p. 33).

Fig. 1.1. Estilos inconscientes de enfrentamento dos EIDs

 

Estes construtos tornam o modelo cognitivo mais flexível e aberto à identificação de elementos sutis no funcionamento mental inconsciente, produzindo uma fascinante superposição com conceitos teóricos da psicanálise como formação reativa, negação e repressão. No entanto, o modelo subjacente adotado (embora não explicitado pelo autor) do processamento inconsciente é o cognitivo, não o dinâmico – aceita-se a descrição do fenômeno, mas não a explicação dentro da metateoria freudiana, buscando-se com o subsídio da teoria do esquema um modelo explicativo mais adequado.

O conjunto de crenças profundamente enraizadas que Young chamou de esquemas primitivos fundamenta nosso autoconceito e compõe os alicerces na ampla edificação de nossa visão de nós mesmos - nosso modelo do self. Os esquemas primitivos lutam por sua manutenção através de processos de distorção no processamento de informações, comparando os dados de entrada (a realidade do seu próprio comportamento e a do mundo) com o modelo de self (o comportamento esperado e as reações do mundo social e físico). Para reduzir a dissonância cognitiva (Festinger, 1964) produzida pela distância entre o modelo internalizado do self e a realidade são empregados mecanismos de distorção cognitiva. Segundo Jeffrey Young (2003), em nível cognitivo

(...) a manutenção do esquema acontece salientando-se ou exagerando-se informações que confirmam o esquema, e negando-se e minimizando-se informações que contradizem o esquema. Muitos desses processos de manutenção do esquema já foram descritos por Beck como distorções cognitivas (p. 25).

Portanto, as distorções cognitivas identificadas por Beck (1967) na TC são importantes mecanismos mantenedores do esquema, sendo as informações distorcidas para mantê-lo intacto, no processo que Young denominou subordinação ao esquema. O paciente pode resistir enormemente ao exame de seus esquemas e esforçar-se para demonstrar que o mesmo é verdadeiro – sem perceber que está magnificando alguns elementos da sua percepção, minimizando alguns outros, supergeneralizando e utilizando outras distorções.

Padrões de comportamento autoderrotistas contribuem para manter, em nível comportamental, os esquemas primitivos. Uma mulher, por exemplo, pode escolher sempre parceiros arrogantes e dominadores, em decorrência de um esquema subjacente de subjugação. Sem ter consciência deste processo, age de forma tal que reforça sua visão de si mesma como submissa e impotente. Os comportamentos autoderrotistas e as distorções cognitivas são, portanto, os principais mecanismos de subordinação que perpetuam e tornam rígidos e inflexíveis os esquemas primitivos.

A evitação do esquema é um dos mecanismos mais interessantes descritos por Young. Os EIDs acionam alto nível de afeto quando ativados, despertando reações emocionais aversivas intensas como culpa, ansiedade, tristeza ou raiva. Estas reações emocionais funcionam como conseqüências aversivas que, por um processo de condicionamento, acabam com menor probabilidade de serem despertadas novamente, graças à evitação dos esquemas. A alta intensidade emocional pode ser dolorosa e o sujeito “cria processos tanto volitivos quanto automáticos para evitar acionar o esquema ou sentir o afeto a ele conectado” (Young, 2003, p. 26).

A evitação pode ocorrer na esfera cognitiva, afetiva ou comportamental. Evitação cognitiva refere-se às tentativas automáticas ou volitivas de bloquear pensamentos ou imagens que poderiam acionar o esquema. Uma pessoa pode evitar intencionalmente a focalização de acontecimentos dolorosos ou mesmo aspectos negativos de sua personalidade. No entanto, Young enfatiza o processamento inconsciente e o papel da memória na evitação cognitiva;

Também existem processos inconscientes que ajudam as pessoas a excluir informações demasiado perturbadoras. As pessoas tendem a esquecer acontecimentos particularmente dolorosos. Por exemplo, as crianças que foram sexualmente abusadas muitas vezes não tem nenhuma lembrança da experiência traumática. (Young, 2003, p. 79)

No caso de lembranças traumáticas, a hipótese de que a memória consciente ou explícita tenha sido enfraquecida é bastante provável. Um possível substrato neural de alguns mecanismos de evitação cognitiva é o sistema de memória explícita do lobo temporal medial, composto pelo hipocampo e regiões adjacentes, sistema este bastante danificado por níveis cronicamente elevados do hormônio cortisol. A liberação acentuada de cortisol faz parte da reação de estresse que normalmente acompanha experiências traumáticas (Sapolsky, 1998; 2003), o que pode explicar, em parte, o esquecimento das lembranças dolorosas (LeDoux, 1996).

Na evitação cognitiva, pensamentos ou imagens que possam acionar o esquema são bloqueados, e Jeffrey Young estabelece um paralelo importante com conceitos análogos pertencentes ao domínio da Psicanálise, considerando que “alguns destes processos cognitivos de evitação sobrepõe-se ao conceito psicanalítico de mecanismo de defesa. Exemplos disto seriam repressão, supressão e negação” (2003, p. 26). Outras estratégias de evitação cognitiva incluem a despersonalização (um processo através do qual o paciente “se remove psicologicamente da situação que desencadeia um EID” (2003, p. 26) e os comportamentos compulsivos, que tem a função de distrair o paciente de pensamentos perturbadores que acionam os EIDs.

A evitação afetiva diferencia-se da cognitiva pelo foco em bloquear sentimentos desencadeados pelos esquemas primitivos. A evitação afetiva, da mesma forma que a cognitiva, pode envolver tentativas conscientes ou inconscientes de bloquear sentimentos ativados pelos esquemas iniciais. O paciente relata uma experiência de vida perturbadora, mas nega experimentar emocionalmente a situação – existe evitação dos aspectos afetivos sem bloqueio da cognição associada.

Young (2003, p. 39) sugere que duas características evidenciam a evitação afetiva do esquema, a dificuldade de identificar o conteúdo de sintomas ou emoções experienciadas – o paciente sente-se irritado ou triste, mas não consegue relatar a que se referem estes sentimentos – e a presença de sintomas somáticos vagos como tonturas, vertigem, febre, amortecimento ou despersonalização – os sintomas difusos estão presentes em vez de emoções primárias como raiva, medo ou tristeza, o que pode indicar evitação do esquema. A evitação afetiva levaria a mais sintomas psicossomáticos e a manutenção mais prolongada de emoções difusas.

A evitação do esquema, além de afetiva ou cognitiva, também pode ser comportamental, que é basicamente esquivar-se de situações ou circunstâncias reais que ativam esquemas dolorosos. A evitação comportamental pode ser descrita como esquiva de situações aversivas e manifesta-se pelo isolamento nas relações humanas, por fobias e inibições que limitam a vida profissional e familiar. Um sistema de crenças contaminado com um esquema de fracasso, por exemplo, leva o sujeito a evitar desafios e situações competitivas, levando ao insucesso e à confirmação de suas crenças sobre si mesmo, de forma circular e autoperpetuadora.

Em suma, a evitação (afetiva, cognitiva e/ou comportamental) serve para escapar da dor desencadeada pela ativação de um esquema primitivo. No entanto, ao evitar experiências de vida o sujeito também é impedido de refutar a validade de suas crenças. Além disto, o esquema pode nunca ser trazido à superfície e examinado de forma racional. Podemos perceber que estas conseqüências introduzem círculos viciosos fundamentais na psicopatologia e que a evitação, na teoria do esquema, é um mecanismo chave, da mesma forma que o conceito de repressão para Freud representava um papel crucial na gênese das desordens mentais.

O último processo de um EID é a supercompensação do esquema, a adoção de estilos cognitivos ou padrões comportamentais opostos aos prescritos pelos esquemas. Em uma forma de compensação exagerada, a partir de um esquema inicial desadaptativo de privação emocional, um paciente pode comportar-se narcisisticamente, por exemplo. Segundo Young (2003, p.27), o conceito está relacionado à noção psicanalítica de formação reativa. O paciente tenta lutar contra o esquema pensando, sentindo e comportando-se de forma oposta ao esquema. Se o sujeito sentia-se defeituoso na infância, quando adulto tenta ser perfeito; se foi controlado, esforça-se para rejeitar todas as formas de influência, se foi subjugado, quando adulto tenta desafiar a todos, se foi abusado, abusa dos outros, sempre contra-atacando o esquema.

A supercompensação de um esquema é vista como uma tentativa parcialmente saudável de lutar contra o esquema que acaba passando do ponto ótimo, uma espécie de tiro pela culatra. Na tentativa de enfrentar o esquema, o exagero leva a perpetuação do mesmo, e não ao arrefecimento. Na realidade, existem muitos supercompensadores que parecem sadios entre aqueles que se destacam ou são admirados em alguma área, como estrelas da mídia, lideranças políticas ou empresários de sucesso – são pessoas que muitas vezes obtiveram seu sucesso através da supercompensação. Mas, como poderíamos distinguir a linha divisória entre o enfrentamento sadio de um esquema e uma supercompensação patológica? É saudável lutar contra esquemas disfuncionais de forma proporcional à situação, levando em consideração os sentimentos dos outros e direcionando a situação para obter resultados desejáveis. A compensação excessiva de um esquema é freqüentemente insensível a necessidades e direitos dos outros e improdutiva, além de desproporcional aos fatos.

Até agora examinamos os elementos básicos da Teoria do Esquema, mas de que forma conceitos como esquemas primitivos disfuncionais tem suporte na neurobiologia do cérebro? Jeffrey Young procurou endereçar esta questão no livro Schema Therapy (Young et al. 2003), uma espécie de bíblia da Terapia do Esquema que escreveu em colaboração com as terapeutas cognitivas Janet Klosko e Marjorie Weishaar.

 

Neurobiologia dos Esquemas Primitivos

Idealmente, uma teoria psicoterápica necessita de suporte neurobiológico e das ciências do comportamento no que se refere às suas hipóteses testáveis. Uma abordagem psicoterápica também não poderia contradizer, nas suas formulações e hipóteses que aguardam verificação mais direta, a corrente principal (mainstream) do conhecimento científico e as evidências disponíveis até o momento em outras áreas estabelecidas do conhecimento humano. As teorias que não se preocupam com a aceitação da comunidade científica tendem a ficar enclausuradas em uma redoma de seguidores de caráter quase religioso e, com o tempo, podem caminhar em direção ao isolamento e descrédito.

A Teoria do Esquema está sintonizada com estas preocupações, embora um longo caminho tenha que ser percorrido até podermos dizer que apresenta um correlato neural consistente. Aliás, nenhuma teoria psicoterápica atual atingiu este padrão, que certamente trará prestígio científico. O status de deter um correlato neural é algo almejado por praticamente toda escola psicoterápica, inclusive a Psicanálise – tanto que em 2000 foi fundada em Londres a Sociedade Internacional de Neuropsicanálise, um esforço de psicanalistas e neurocientistas neste sentido.

Como é natural, a própria complexidade do tema exige flexibilidade teórica para poder abrigar os nuances e sutilezas das interações humanas na saúde e nos transtornos mentais. Uma abordagem que se atenha somente aos aspectos atualmente verificáveis deixaria aspectos importantes de fora. Portanto, somente é possível traçar algumas aproximações entre as neurociências e a terapia – Jeffrey Young et al. (2003) deixam claro que sua proposta de uma visão baseada na biologia do cérebro a respeito dos esquemas é composta por hipóteses ainda não corroboradas sobre possíveis mecanismos de desenvolvimento de esquemas e mudança humana.

Young et al. (2003, p. 26) apresentam um esboço de modelo neurobiológico para a Teoria do Esquema baseado essencialmente no trabalho do neurocientista Joseph LeDoux (1996), expresso no clássico The Emotional Brain.

As recentes pesquisas em neurociências têm mostrado que não existe um sistema emocional único, mas sim vários circuitos neurais encarregados de diferentes emoções, cada um deles envolvido em diferentes funções de sobrevivência - sistemas especializados que evoluíram por seleção natural para resolver problemas de adaptação, como reagir ao perigo, descobrir alimento, achar parceiros e reproduzir, cuidar da prole e estabelecer alianças sociais, por exemplo. O principal foco para a Teoria do Esquema são os circuitos cerebrais envolvidos na regulação do condicionamento do medo e trauma.

De acordo com LeDoux (1996) e Davis (1997), existem dois sistemas que operam em paralelo e estocam diferentes tipos de informação relevante para a experiência de aprendizagem de medo. Um dos sistemas é consciente, implicando em uma representação explícita ou declarativa, e é mediado pelo hipocampo e áreas corticais relacionadas. O outro é inconsciente, e se processa através da amígdala, gerando memórias implícitas ou não-declarativas. As memórias conscientes e inconscientes são recuperadas quando, mais tarde, encontramos os estímulos relacionados a uma experiência traumática. A memória consciente desemboca em lembranças da situação que o sujeito tem pleno acesso, enquanto a recuperação das memórias inconscientes converge para a expressão de mudanças corporais que preparam o organismo para o perigo. Existe uma memória emocional e uma memória cognitiva do mesmo evento traumático, e as respostas emocionais podem ser disparadas sem a participação dos centros superiores de processamento neural envolvidos no pensamento consciente e avaliação racional.

O sistema da amígdala, segue Young citando LeDoux (1996), tem atributos diferentes do sistema do hipocampo e córtices superiores, como podemos notar na tabela 1.2.

Tabela 1. 2. Diferenças entre o sistema da Amígdala / Hipocampo e Córtices Superiores

 

Conclusão

Em síntese, os estudos atuais em neurociências apontam que as emoções são desencadeadas mais rapidamente e podem existir independentemente das avaliações racionais e pensamentos conscientes característicos dos níveis de processamento superior cortical. As memórias emocionais de experiências traumáticas permanecem conosco para o resto de nossas vidas, inscritas na amígdala, mas podendo ser inibidas e controladas pelo córtex pré-frontal. Com base nestes fundamentos da neuropsicologia do medo e da memória, Young et al. (2003, pp. 28-30) consideram as implicações para o modelo do esquema. Se um sujeito encontra os estímulos remanescentes da situação de infância que ocasionou o desenvolvimento do esquema, as emoções e sensações corporais associadas com o evento são acionadas inconscientemente pelo sistema da amígdala; ou, se o indivíduo está consciente deste processo, as emoções e as reações corporais são ativadas mais rapidamente do que os pensamentos e avaliações conscientes – o grupo de LeDoux verificou que a informação viaja rapidamente (doze milissegundos) por uma via direta desde o tálamo até o núcleo basolateral da amígdala, enquanto a via mais longa do tálamo ao córtex, que pode fazer distinções mais elaboradas, leva dezenove milissegundos (cerca de 65% a mais de duração). Esta ativação das emoções e reações corporais se processa automaticamente e provavelmente permanecerá presente na vida do indivíduo, embora o grau de ativação possa diminuir significativamente com o manejo do esquema.

As memórias e cognições conscientes associadas com o trauma, em contraste, são estocadas no sistema hipocampal e córtices superiores. Segundo Young et al. o fato de que aspectos emocionais e aqueles que envolvem pensamento consciente sobre a experiência traumática estão localizados em diferentes sistemas cerebrais “pode explicar por que esquemas não são modificáveis por simples métodos cognitivos” (2003, p. 29). Este é um ponto central na argumentação, pois Jeffrey Young et al. acreditam que os componentes cognitivos de um esquema freqüentemente se desenvolvem mais tarde, depois que as emoções e sensações corporais já foram estocados no sistema de memória emocional da amígdala.

Muitos esquemas desenvolvem-se em um estágio pré-verbal: Eles se originam antes da criança ter adquirido linguagem. Esquemas pré-verbais surgem quando a criança é tão jovem que tudo que está armazenado são as memórias, emoções e sensações corporais. As cognições são adicionadas depois, quando a criança começa a pensar e falar em palavras. (2003, p. 29)

Uma vez que muitos esquemas são construídos em uma etapa pré-verbal, um dos papéis do terapeuta, para Young, é ajudar o paciente a associar palavras com a experiência do esquema.

Quando um EID é acionado, o sujeito é inundado com emoções e reações corporais, e pode ou não conectar conscientemente esta experiência com a memória da situação original. Outro papel crucial desempenhado pelo psicoterapeuta da Teoria do Esquema é ajudar o paciente a conectar as emoções e sensações corporais (memórias implícitas) disparadas pelo acionamento do EID às memórias de infância explícitas relacionadas à situação.

Segundo Young et al., “a primeira meta da terapia do esquema é consciência psicológica” (2003, p.29). O terapeuta ajuda os pacientes a identificar seus esquemas e se tornar consciente das memórias, emoções, sensações corporais, cognições e estilos de enfrentamento associados com estes esquemas. O autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de enfrentamento permite que o paciente exerça certo controle sobre suas reações, aumentando seu poder de escolha e deliberação consciente – exercitando seu livre arbítrio em relação aos EIDs.

LeDoux (1996, p. 265) teorizou que a psicoterapia é uma maneira de reconfigurar os circuitos cerebrais que controlam a amígdala, em cujos circuitos as memórias emocionais estão indelevelmente gravadas. O córtex pré-frontal pode controlar a amígdala e regular sua expressão. Young et al. (2003) acreditam que, à luz deste insight proveniente das Neurociências, “a meta do tratamento é aumentar o controle consciente sobre os esquemas, trabalhando para enfraquecer as memórias, sensações corporais, cognições e comportamentos associados com os mesmos” (p. 29).

 

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Endereço para correspondência
Universidade do Sul de Santa Catarina –UNISUL, Rodovia Virgílio Várzea, 1510/201 Bloco B Cond. Central Park, Saco Grande CEP 88032 001, Florianópolis – SC. Email: mcallegaro@brturbo.com.br

Recebido em: 09/04/2005
Aceito em: 20/06/2005

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