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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.1 Rio de Janeiro jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares

 

The effects of depression on contrast visual perception in humans: preliminary results

 

 

Alessandra Magalhães CavalcantiI; Natanael Antonio dos SantosII

I Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba
II Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo caracterizar alterações na percepção visual da forma em portadores de depressão maior, utilizando a função de sensibilidade ao contraste (FSC). Participaram dos experimentos seis voluntários, entre 20 e 26 anos, três sem depressão e três com depressão maior, todos livres de doenças oculares identificáveis. A FSC foi estimada com as freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg e o método psicofísico da escolha forçada. Os resultados mostraram que a sensibilidade máxima para freqüências radiais ocorreu em 0,2 cpg para ambos os grupos. Entretanto, os participantes com transtorno depressivo precisaram de aproximadamente 1,7 vezes mais contraste, para detectar as freqüências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem de 3,4 vezes mais contraste, para detectar a freqüência radial de 4 cpg, quando comparados aos participantes sem transtorno. Os resultados demonstraram alterações na sensibilidade ao contraste relacionadas à depressão maior.

Palavras-chave: Percepção visual da forma, Sensibilidade ao contraste, Depressão, Freqüência radial.


ABSTRACT

The objective of this study was the characterization of alterations in visual perceptions of form in patients with major depression disorder, using the contrast sensitivity function (CSF). Six volunteers between the ages of 20-26 years participated in the experiments, three without depression and three with major depression, all of them without visual illness. The CSF was estimated with a radial frequency of 0.2, 1 and 4 cpd and forced-choice psychophysical method. The results showed maximum contrast sensibility to radial frequency occurring in 0.25 cpd for both groups. Therefore, participants with depression disorder needed around 1.7 more contrast to detect the radial frequency of 0.2 and 1 cpd and around 3.4 more contrast to detect the radial frequency of 4 cpd, when compared with participants without the disorder. The results showed alterations in the sensibility to contrast associated with major depression.

Keywords: Form visual perception, Contrast sensitivity, Depression, Radial frequency.


 

 

Introdução

O mundo começa a tomar forma e fazer sentido ao homem a partir do processamento sensorial. A percepção é responsável pelo processamento analítico realizado pelos sistemas sensoriais que, em associação com a memória, experiências pessoais e a cognição, impõe um significado às sensações produzidas pelos órgãos perceptivos (Lent, 2004). O grande desafio é relacionar este processo sensorial aos transtornos neuropsiquiátricos, procurando entender a percepção visual humana em um contexto multi-fatorial. Portanto, é necessário investigar os aspectos sensoriais da percepção em alguns transtornos mentais, para entender os processos cognitivos e as alterações comportamentais presentes neste tipo de patologia.

Neste contexto, a função de sensibilidade ao contraste (FSC) surge como uma lupa, pois a mesma é um bom indicador dos aspectos ópticos e neurais da visão (Akustsu & Legge, 1995; Artal, Ferro, Miranda & Navaro, 1993; Elliott & Situ, 1998; Kiper, Gegenfurtner & Kiorpes, 1995; Kiper & Kiorpes, 1994; Polat, Sagi & Norcia, 1997; Ross, Bron, & Clarke, 1984; Suter et al, 1994; Vleugels, Van Nunen, Lafosse, Ketelaer & Vandenbussche, 1998). A FSC tem sido utilizada na avaliação do desenvolvimento da percepção visual (Santos & Simas, 2003; Van Sluyters, Atkinson, Held, Peter Hoffman & Serats,1990) e na avaliação de alterações neuropatológicas (Regan & Murray, 1997; Elliott & Situ, 1998; Kiper et al, 1995; Polat et al, 1997; Vleugels et al,1998). Inclusive, ultimamente, alterações na FSC têm sido fortemente relacionadas aos sintomas positivos e negativos do transtorno esquizofrênico (Slaghuis, 1998). Isto porque, a forma da FSC muda em função das condições visualizadas e de alterações no sistema nervoso central.

Uma outra característica marcante da FSC advém do fato de que a habilidade do homem em perceber os detalhes dos objetos é determinada pela capacidade do sistema visual em distinguir contrastes ou brilhos em áreas adjacentes. Neste sentido, ela é uma ferramenta importante porque mensura o desempenho do sistema visual humano (SVH) em níveis diferentes de contraste.

A sensibilidade ao contraste é definida na literatura como a recíproca da quantidade mínima de contraste necessária para detectar um padrão qualquer (p.ex., uma grade) de uma freqüência espacial específica (Cornsweet, 1970). A FSC é o inverso da curva de limiar de contraste (1/FSC).

Um outro aspecto notável é que o procedimento para mensurar a FSC é relativamente simples. Isto é, precisa apenas que o participante ajuste o contraste com um procedimento comportamental ou psicofísico, até o SVH possa detectar um padrão (ou objeto) de freqüência espacial de um outro, com um campo homogêneo de luminância média. Luminância média é a luminância máxima somada a luminância mínima dividida por dois. Freqüência espacial é o número de ciclos (listras claras e escuras) por unidade de espaço que, em percepção visual da forma, foi convencionalmente denominado de ciclo por grau de ângulo visual (cpg). Enquanto o contraste é definido pela relação entre a luminância máxima (listra clara) e mínima (listra escura), dividida pela soma das mesmas.

 

Transtorno Depressivo

A depressão é um distúrbio recorrente e crônico que representa um problema importante de saúde pública em todo o mundo, com elevada prevalência e com consideráveis morbidade e mortalidade (Versiani, 2004). Embora existam várias teorias tentando explicar este transtorno (Cordás et al., 1997), sabe-se que não existem marcadores biológicos precisos para um diagnóstico explicativo. A sua etiologia é multifatorial e envolve fatores causais que podem ser subdivididos em biológicos, genéticos, comportamentais, cognitivos e psicossociais (Rodrigues, 2000; Calil & Guerra, 2004; Carlson, 2003). Alguns pesquisadores buscam evidências para o desenvolvimento do transtorno depressivo respaldados na hipótese do desequilíbrio bioquímico neuronal ocorrido no sistema nervoso central, SNC (Rodrigues, 2000; Calil & Guerra, 2004). Esta idéia, conhecida como teoria monaoaminérgica, emerge com o nascimento da psicofarmacologia e dos estudos de possíveis mecanismos de ação dos medicamentos antidepressivos (Rodrigues, 2000).

Técnicas mais modernas (p.ex., PET scan e ressonância magnética funcional) procuram abranger outros atributos, por exemplo, os aspectos mentais (psicologia cognitiva) e seus substratos neuroanatômicos e neurofuncionais (Rosenthal, Laks & Engelhardt, 2004; Carlson, 2002). Por exemplo, Calil e Guerra (2004) apontaram anormalidades no córtex pré-frontal, núcleos de base, hipocampo, tálamo e lobo temporal em portadores de depressão. Carlson (2002) discutiu a hipótese de redução de tecido no córtex pré-frontal de pacientes jovens com depressão unipolar, o que pode sugerir a presença de anormalidade durante o seu desenvolvimento ou um processo degenerativo precoce. Estudos anteriores já encontravam redução no cérebro de pacientes que morreram com depressão (Ongur, Drevets & Price, 1998; Drevets et al., 1997).

Por sua vez, existem indícios de que a genética é importante no desenvolvimento do transtorno de humor, pois parentes próximos de pessoas que sofriam de distúrbios afetivos apresentavam uma probabilidade dez vezes maior de desenvolver esta patologia do que pessoas sem parentes afetados (Rosenthal, 1971). Inclusive, estudos com gêmeos monozigóticos mostraram que a probabilidade de um gêmeo ser afetado era de 69%, caso o outro estivesse doente. Este percentual caiu para 13% em gêmeos dizigóticos (Gershon et al.,1976). A hereditariedade neste transtorno implica na presença de uma base fisiológica na sua gênese.

 

Critérios Diagnósticos

Apesar da gravidade, a depressão ainda é pouco ou mal diagnosticada. Os critérios diagnósticos adotados atualmente são propostos por dois sistemas de classificação: O CID–10 (Classificação Internacional de Doenças), que é um manual de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, desenvolvido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e o DSM IV-TR (Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais) produzido pela Associação Psiquiátrica Americana. Ambos preocupados em proporcionar abrangência e especificidade nas classificações. Segundo o DSM-IV-TR, manual escolhido como referência neste estudo, o critério diagnóstico para Depressão Maior envolve a presença de cinco ou mais dos seguintes sintomas, durante o período de duas semanas: 1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias; 2) interesse ou prazer acentuadamente diminuído por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia; 3) perda ou ganho significativo de peso, quando não está realizando dieta, ou aumento no apetite; 4) insônia ou hipersonia; 5) agitação ou retardo psicomotor; 6) fadiga ou perda de energia; 7) sensação de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada quase todos os dias; 8) capacidade diminuída para pensar ou concentrar-se, dificuldade na resolução de problemas 9) pensamentos recorrentes sobre morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente (sem um plano específico) ou tentativa de suicídio.

A divisão na classificação diagnóstica dos transtornos do humor no DSM-IV-TR engloba: transtorno depressivo maior, distimia, transtorno depressivo sem outra especificação, transtorno bipolar I, transtorno bipolar II, transtorno ciclotímico, transtorno bipolar sem outra especificação, transtorno do humor devido a uma condição médica geral, transtorno do humor induzido por substância, transtorno do humor sem outra especificação.

A sintomatologia geral do transtorno inclui, de acordo com Kaplan e Sadock (1995), alterações nos níveis somáticos (sono, apetite, atividade sexual, vulnerabilidade a doenças e dificuldade de recuperação), cognitivos (dificuldade na aquisição de conhecimentos, devido a déficits de atenção, concentração e memória) e do humor (tristeza recorrente, desesperança). Observa-se também, em alguns casos de depressão, a redução da sensibilidade aos estímulos sensoriais, tornando a percepção lenta, monótona, abstrata e descolorida (Paim, 1991).

 

O presente estudo

Partindo da premissa de que a depressão pode alterar o funcionamento do SNC e atuar em uma série de disfunções sensoriais, cognitivas e emocionais, objetivamos mensurar a curva de limiar de contraste (1/FSC) para freqüências radiais, em participantes com transtorno depressivo maior, utilizando o método psicofísico da escolha forçada.

Pesquisas, envolvendo percepção visual e depressão, são dispersas e raras. Dentre as poucas, encontra-se um trabalho utilizando a técnica de mascaramento para investigar o processamento da informação visual de 51 participantes esquizofrênicos, 49 com depressão maior e 47 normais (Bjorn et al., 2004). Os autores encontraram alteração no processamento visual, apenas, nos participantes esquizofrênicos.

É possível que estudos, relacionando depressão e FSC, possam contribuir para a caracterização de mecanismos neurofisiológicos básicos envolvidos nesta patologia. Podendo revelar, inclusive, novos aspectos teóricos, comportamentais e funcionais da depressão em geral e apontar meios ou alternativas para o diagnóstico.

Estudar a depressão, com novos enfoques, pode ser de extrema importância, considerando que dados da OMS (2002) destacam que 450 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de transtorno mental, neurobiológico ou problemas psicossociais (p.ex., abuso de álcool ou drogas). E, dentre as patologias neuropsiquiátricas, a depressão é considerada, na atualidade, uma das mais prevalentes a nível mundial (Baptista, 2004).

 

Método

 

Participantes

Participaram do experimento seis voluntários com idade entre 20 e 26 anos, três sem depressão (Grupo Controle, GC) e três com depressão maior (Grupo Experimental, GE). Todos apresentavam acuidade visual normal ou corrigida, tinham consultado os seus oftalmologistas há menos de 12 meses e estavam livres de doenças oculares identificáveis. Os participantes do GE foram categorizados como portadores de depressão maior, de acordo com critérios diagnósticos do DSM IV-TR (Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais), por psiquiatra da cidade de João Pessoa – PB. A participação na pesquisa ocorreu mediante a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos.

 

Equipamentos e Estímulos

Os estímulos visuais de freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg (Figura 1) utilizados para mensurar sensibilidade ao contraste foram apresentados em um monitor de vídeo CLINTON MEDICAL DS2100HB-Ea, monocromático, digital, de alta resolução e de 21 polegadas compatível com sistemas PC e MAC. O monitor foi controlado por um microcomputador. Um programa escrito em linguagem C++ foi desenvolvido pelo próprio laboratório para rodar os experimentos. Uma cadeira giratória foi fixada a 150 cm da tela do monitor de vídeo. A luminância foi ajustada por um fotômetro do tipo SPOT METER com precisão de um grau ASAHI PENTAX.

Figura 1. Exemplos de estímulos de freqüência radiais da esquerda para a direita 1 e 4 cpg. Estímulos originalmente calibrados para serem vistos a 150 cm de distância antes de fotografados.

 

Procedimento

As estimativas foram realizadas com método psicofísico da escolha forçada (Santos & Simas, 2002; Santos, Simas & Nogueira, 2003, 2004; Simas & Santos, 2002a, 2002b). Este método se baseia no cálculo da probabilidade de acertos consecutivos por parte do voluntário, ou seja, em cerca de 100 apresentações de escolhas entre os dois estímulos, o estímulo de teste (freqüência radial) é percebido 79% das vezes pelo voluntário. O procedimento para medir o limiar de contraste em cada freqüência consistiu na apresentação sucessiva simples do par de estímulos, e o voluntário teria que escolher, dentre eles, qual continha a freqüência radial. O estímulo neutro foi sempre um padrão homogêneo com luminância média de 0,5 cd/m2. O critério adotado para variar o contraste da freqüência radial (estímulo de teste) foi o de três acertos consecutivos para decrescer uma unidade e um erro para acrescer da mesma unidade (0,08%).

Durante cada sessão experimental foi apresentada uma seqüência de estímulos, iniciada com um sinal sonoro, seguido, imediatamente, pela apresentação do primeiro estímulo por 2 s, seguido de um intervalo entre estímulo de 1 s, seguido pela apresentação do segundo estímulo por 2 s e da resposta do voluntário. A ordem de apresentação foi aleatória. Se a resposta do voluntário fosse correta, era seguida por outro sinal sonoro e um intervalo de 3 s para a seqüência se repetir. Os sinais sonoros que indicavam o início da apresentação do par de estímulos e a escolha correta eram diferentes. A sessão experimental variava em duração, dependendo dos erros e acertos do participante, até proporcionar um total de 10 reversões (cinco máximos e cinco mínimos), conforme requerido para o final automático da mesma.

Cada uma das freqüências radiais, utilizadas para mensurar a FSCr , foi estimada pelo menos duas vezes (duas sessões experimentais), em dias diferentes, por cada um dos participantes. No total, seis curvas foram medidas para cada grupo de participantes, gerando uma amostra de aproximadamente 60 valores de contraste máximos e mínimos para cada uma das freqüências radiais. Todas as estimativas foram medidas à distância de 150 cm, com visão binocular.

Os participantes foram orientados a pressionar o botão número 1 (um), do lado esquerdo do mouse, quando o estímulo de teste (freqüência radial) fosse apresentado primeiro e o botão número 2 (dois), do lado direito, quando fosse apresentado em segundo lugar, isto é, após o estímulo neutro.

 

Resultados

Os valores de contrastes máximos e mínimos obtidos para cada ponto, foram agrupados em planilhas, por freqüência radial e por grupo (GC e GE), e a grande média foi utilizada como estimativa do limiar de contraste em função da freqüência radial. A sensibilidade ao contraste (FSCr) é o inverso do limiar de contraste (1/FSCr). Ou seja, quanto menor o limiar de contraste, maior a sensibilidade do SVH e vice-versa. Assim, os menores valores de limiares correspondem aos maiores valores de sensibilidade ao contraste.

A Figura 2 mostra a curva de limiar de contraste (média geral de cada grupo, 1/FSCr) em função das freqüências radiais em ciclo por grau de ângulo visual (cpg). As barras verticais indicam os erros padrões das médias, com intervalos de 99% confiança, corrigido para o tamanho da amostra (total de máximos e mínimos) pelo teste estatístico t-Student. A sensibilidade máxima ocorreu na freqüência radial de 0,2 cpg para ambos os grupos (Figura 2). Entretanto, os participantes do GE precisaram da ordem de 1,7 vezes mais contraste, para detectar as freqüências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem de 3,4 vezes mais contraste, para detectar a freqüência radial de 4 cpg quando comparado ao GC.

Figura 2. Curvas de limiares de contraste de participantes sem depressão (GC) e com depressão (GE) para freqüências radiais. As linhas verticais mostram o erro padrão da média para cada freqüência.

 

A análise de variância simples (One-Wey ANOVA) revelou diferenças significantes entre GC e GE [F(7; 359)=18,5; p<0,0001]. As análises com o teste post-hoc Tukey HSD utilizando nível de significância p=0,05 mostraram valores de limiares de contraste maiores (ou menor sensibilidade) para o GE do que para o GC nas freqüências radiais de 1 cpg (p<0,03) e 4 cpg (p<0,001).

Estes achados indicam um prejuízo na percepção visual dos participantes depressivos, quando comparados a participantes sem transtorno.

 

Discussão

Observações clínicas e laboratoriais têm fornecido indícios de que alterações neuropsiquiátricas afetam o sistema nervoso e a percepção visual da forma ou de contraste (O‘Donnell et al, 2002; Slaguis, 1998). Dentro deste contexto, visou-se investigar possíveis alterações na percepção visual de contraste em portadores de depressão maior. Os resultados, utilizando freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg, apontaram prejuízo em todas as freqüências radiais estudadas. Os participantes com depressão precisaram da ordem de 1,7 a 3,4 vezes mais contraste (dependendo da freqüência), para detectar as freqüências radiais, comparados aos participantes sem transtorno depressivo. Entretanto, o prejuízo provocado pela depressão foi menor na freqüência radial mais baixa (p.ex., 0,2 cpg) e maior na freqüência radial mais alta (p.ex., 4 cpg). Os resultados sugerem que a patologia depressiva pode alterar os mecanismos envolvidos na percepção visual da forma ou no processamento visual de contraste, de maneira diferente.

Convém ressaltar, que é cedo para afirmar que o prejuízo encontrado na percepção visual de contraste seja fruto, apenas, de alterações produzidas pela depressão no SNC. Outros fatores, como por exemplo, o uso dos antidepressivos, podem interferir no processamento visual da forma, visto que estas substâncias atuam modulando o funcionamento do SNC. Inclusive, nos estudos que tentam relacionar transtornos psicóticos e alterações na percepção visual, há indícios de que o tipo de medicamento antipsicótico (típicos ou atípicos) utilizado altera de forma distinta a percepção de contraste (Chen et al, 2003). Assim, a relação entre antidepressivos e FSC é uma hipótese que precisa ser testada.

Um melhor entendimento de alguns atributos da percepção visual em portadores de transtornos depressivos pode facilitar, tanto o diagnóstico, como a prevenção desta patologia. Estudos desta natureza podem ainda orientar ações em saúde mental, visando uma melhor qualidade de vida destes pacientes e de seus familiares.

Finalmente, convém ressaltar que os nossos achados, relacionando FSC e depressão, são iniciais e inéditos. Novas pesquisas precisam ser realizadas com o objetivo de confirmar ou não estes resultados e investigar os efeitos de outras variáveis que possam alterar a percepção visual de contraste. É dentro desta perspectiva que o nosso laboratório pretende aprofundar os estudos sobre depressão e percepção visual.

 

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Endereço para correspondência
Rua Garibaldi Texeira de Carvalho, 180/802 Bessa, CEP 58036-160, João Pessoa - PB. E-mail: alessandramcm@ig.com.br.

Recebido em: 09/04/2005
Aceito em: 17/06/2005

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