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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.1 Rio de Janeiro jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Controle percebido: um estudo comparativo entre homens e mulheres

 

Perceived control: a comparative study with adult males and females

 

 

Andréa Temponi dos Santos

Doutora em Educação pela Unicamp

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Entre os moderadores do bem-estar subjetivo está o senso de controle. Objetivos: verificar semelhanças e diferenças entre homens e mulheres adultos e idosos quanto ao senso de controle. Sujeitos: foram 300, em três grupos de idade (20-29, 40-49 e 60-69), cada um com 50 homens e 50 mulheres. Instrumentos: foi realizado um estudo de corte transversal através de dois instrumentos: questionário de dados sócio-demográficos; escala multidimensional de auto-controle. Resultados. Através da estatística descritiva (medidas de tendência central e dispersão e testes de comparação entre as médias), concluiu-se que os grupos crêem fortemente que podem controlar sua saúde e suas relações sociais. Os escores mais baixos ocorreram entre os idosos. Os que menos crêem no próprio esforço como veículo de controle, são os que mais acreditam na sorte e em outros poderosos. Os mais velhos são os que menos crêem na possibilidade de controlar relações sociais e familiares, finanças e produtividade. Os jovens atribuíram mais a si do que os idosos o controle da própria saúde e das relações sociais.

Palavras chave: Controle percebido, Adulto, Senso de controle.


ABSTRACT

Perceived control is assumed as self-regulatory mechanisms and as moderator variables to psychosocial adaptation along the life-span. This study was aimed at investigating similarities and differences concerning these processes and their interactions with the subjective well-being of young, middle-aged and adult subjects from both genders. Subjects were 300 individuals aged 20-29, 40-49 and 60-69; half of them were male. Instruments included a questionnaire on socio-demographic data; a multidimensional scale of perceived control. Data analysis indicated that all the sample held strong beliefs on its own ability to control health and social relationships. Lowest scores occurred among adults in the social relationships, family relations, finances and productivity domains. Those that held low beliefs on effort showed the strongest beliefs on chance and on powerful others as sources of control. Factorial analysis applied to the control scale showed a neat split between items related to beliefs on chance and powerful others, and to effort and ability.

Keywords: Perceived control, Adult, Sense of control.


 

 

Introdução

O controle percebido é reconhecido como forte preditor dos comportamentos social, emocional e cognitivo, da motivação, da aprendizagem, do desempenho, do sucesso e do fracasso em muitos domínios de vida. Revisões teóricas o relacionam à saúde física, à realização, ao desempenho escolar, à motivação, à competência, a crenças políticas, à ação social, ao ensino, à satisfação conjugal, ao sucesso no trabalho, à criatividade, à emoção, à longevidade, ao bem-estar subjetivo (Baltes &Mayer, 1999; Heckhausen, 1991; Strickland, 1989; Peterson, 1980). No trabalho clínico, o controle tem sido relacionado ao enfrentamento, à depressão, à ansiedade, à alienação, à apatia, a fobias, à auto-estima e ao ajustamento pessoal (Womg et al., 1999; Rogers, 1999; Nemerolf & Midlarsky, 2000; Chou & Chi, 2001). A base de tudo parece ser o fato de que todos os humanos têm um desejo inato de interagir efetivamente com o meio, prevenindo efeitos indesejáveis. As pessoas necessitam de experiências de controle e a necessidade de competência, ou eficácia é considerada universal (Skinner, 1995).

As condições objetivas de controle incluem as contingências provenientes do mundo social e psíquico e a competência do indivíduo em colocá-las em funcionamento. Já o senso de controle está baseado nas cognições que o organismo deriva de sua interação com o meio (Weisz, 1983). Assim, a análise das experiências de controle envolve três fatores diferentes: (a) condições de controle objetivo, ou contingência real ou competência; (b) ação individual, ou início e persistência de resposta; e (c) controle subjetivo, ou como estas interações são percebidas e interpretadas.

Quatro teorias influenciam os pensamentos no campo da investigação do controle percebido: locus de controle (Lefcourt, 1981), atribuição causal (Weiner, 1986), desamparo aprendido (Seligman, 1975) e auto-eficácia (Bandura, 1977,1986).

O conceito de locus de controle estrutura-se a partir da teoria da aprendizagem social e é um termo que foi originalmente utilizado na matemática (Crandall & Battle, 1970, Rotter, 1966). Rotter (1966) definiu o construto como crenças individuais acerca dos resultados. Segundo o autor, quando o indivíduo não percebe o reforço como contingente à sua ação, atribuindo-o à sorte, à oportunidade, ao destino ou a outros poderosos, ele crê que suas ações são controladas externamente; porém, se o indivíduo percebe que o reforço é contingente ao seu próprio comportamento, ele crê no controle interno.

Weiner (1986) examinou as causas usadas para distinguir a dimensão interna-externa que diferem de acordo com outra dimensão: a estabilidade. Em sua teoria da causalidade, o autor enfatizou que quando há algum acontecimento negativo ou inesperado, as pessoas perguntam por que. As causas as quais elas atribuem esses eventos podem variar ao longo de um número de dimensões, sendo as mais importantes: internalidade, estabilidade, controlabilidade e intencionalidade. Estas dimensões predizem resultados importantes, tais como emoções, comportamentos e motivação.

Estudando o desamparo aprendido, Seligman (1975) examinou a ligação entre a exposição à não contingência e subseqüentes déficits cognitivos, comportamentais e motivacionais. O autor enfatizou que quando pessoas e animais experimentam estímulos que ocorrem independentemente de suas próprias respostas, eles aprendem que seus desempenhos são ineficazes e que eles são incapazes. Quando depois são colocados em situações em que os eventos são objetivamente contingentes, elas se comportam como se ainda estivessem em uma situação não contingente, porque a percepção anterior generalizou-se.

Bandura (1977) notou que o comportamento é mediado pela percepção de que os meios para atingir os fins podem estar ou não estar disponíveis, o que cria diferentes expectativas de desempenho, que passam a mediar o comportamento. Deu o nome de senso ou crença de auto-eficácia a essa variável cognitiva. Para o autor, o efeito moderador dessa expectativa deriva da convicção de que a pessoa pode executar com sucesso o comportamento requerido para produzir o resultado, quer porque dispõe da capacidade, quer porque é capaz de fazer o esforço necessário. Estas crenças são denominadas expectativas de eficácia e são a base de uma nova área de pesquisa que se propõe a examinar os efeitos da auto-eficácia sobre o comportamento, a emoção e a motivação. Trabalhos nesta área concentraram-se inicialmente sobre os fracassos na regulação do comportamento, tais como as fobias. Entretanto, os estudos também foram estendidos para a pesquisa em educação, relações sociais, esportes e trabalho, com crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Em vez de eventos independentes, as crenças sobre locus de controle, as atribuições causais, o desamparo aprendido e o senso de auto-eficácia fazem parte de um sistema de competência (Skinner,1995). Segundo esta autora, cada construto refere-se a um processo dentro de um conjunto e diferem (a) na extensão em que funcionam primariamente para regular ou interpretar o desempenho e (b) na influência que exercem sobre o comportamento.

O sistema de competência exerce função reguladora e ajuda a pessoa a interpretar as interações com o meio. Uma visão simples do sistema de competência descreve uma seqüência em que as crenças individuais contribuem para a ação das pessoas que depois influenciam o sucesso de seu desempenho real que, por sua vez, tem um impacto sobre as crenças. Na teoria do locus de controle, o sucesso ou o fracasso dependem das crenças que regulam a ação. O controle é localizado interna ou externamente e a partir do esforço, da internalidade ou da persistência obtém-se resultados favoráveis ou desfavoráveis (sucesso ou fracasso). As crenças que regulam a ação na teoria do desamparo aprendido focalizam a expectativa de não-contingência e têm como conseqüência, em primeira instância, déficits motivacionais e cognitivos. Os fracassos são percebidos como não-contingentes e têm como conseqüência déficits afetivos, já que essa percepção é generalizada para outras situações contingentes. A teoria da auto-eficácia enfatiza as expectativas que regulam a ação e nas interpretações de desempenhos que determinam níveis subseqüentes de expectativas de eficácia. Em contraste, a teoria da atribuição causal focaliza as crenças que são interpretações de desempenho.

A noção de sistema de competência baseia-se na teoria da ação, que tem a ação intencional e orientada à meta como unidade de análise, em lugar das respostas (Skinner, 1985). A partir dela, três cenários de crenças podem ser definidos: (a) “crenças de controle” que se referem a expectativas generalizadas acerca da extensão em que o self pode produzir eventos desejáveis ou prevenir eventos indesejáveis; (b) “crenças de estratégia” que se referem a expectativas generalizadas acerca da extensão em que certos meios ou causas são condições suficientes para a produção de fins ou resultados; e (c) “crenças de capacidade” (ou agência) que se referem a expectativas generalizadas acerca da extensão em que o self possui ou tem acesso a certas causas.

Estes três cenários de crenças demonstram as funções de regulação e de interpretação exercidas pela ação. As crenças de controle são crenças reguladoras primárias. Apesar de as crenças de estratégias e de capacidade também serem utilizadas para regular a ação, as crenças de controle têm primazia na determinação do desempenho. As crenças de estratégia e de capacidade ajudam a explicar o significado do sucesso e do fracasso e são influenciadas pelo curso da ação e pelos resultados do desempenho.

Segundo Skinner (1995) o funcionamento do controle percebido ocorre diferentemente nas crianças, nos adolescentes, nos adultos e nos idosos. Em diferentes idades, as pessoas preocupam-se com o controle em diferentes domínios e diferem extremamente nas estratégias de controle que utilizam. Portanto, é essencial conhecer o desenvolvimento do controle percebido.

Skinner (1995) estabeleceu uma conceituação de controle percebido e a dividiu em três segmentos. Essa segmentação produz três cenários de crenças acerca do exercício de controle. O primeiro faz alusão às crenças que se referem a possuir ou ter acesso a meios apropriados, sendo que esses meios incluem esforço, habilidade, sorte e a influência de outros poderosos ou de fatores desconhecidos. O segundo menciona as crenças nos meios e fins, enfatizando que, ou os meios são efetivos na produção de eventos desejados, ou previnem os eventos indesejados. Já o terceiro cenário cita as crenças de controle, atribuindo a elas, ou a produção de efeitos desejados, ou a esquiva dos eventos indesejados independente de quaisquer meios.

No início da vida adulta, o repertório básico de estratégias de controle está formado e deve aumentar com a idade. Com a idade ocorrem mudanças no controle percebido nos domínios específicos do funcionamento que declinam com o envelhecimento. Saúde física e funcionamento intelectual são os dois exemplos mais freqüentemente relatados (Lachman & Leff, 1989).

A meia-idade parece ser um período etário particularmente relevante, com relação ao processo de mudança. Durante a meia-idade os indivíduos defrontam-se com certos limites biológicos e sociais, que restringem a possibilidade de alcance de certas metas, como, por exemplo, ter filhos. É possível predizer que os indivíduos aumentam seus esforços para alcançar metas importantes antes dos prazos dispostos pelas agendas biológicas e social. Essa exigência funcional transforma a transição da meia-idade em um campo privilegiado para testes do funcionamento do controle. Investigações com adolescentes, adultos e idosos confirmaram que as metas e os interesses dos indivíduos refletem as tarefas evolutivas típicas dessas etapas da vida. Os adultos jovens freqüentemente mencionam metas relacionadas à educação e à futura família, os adultos de meia-idade relatam metas voltadas para a vida dos filhos e para a posse e propriedade e as pessoas mais velhas estão interessadas em sua saúde, na aposentadoria, em atividades de lazer e no mundo. Investigando as crenças de controle autores concluíram que as metas de adultos mais velhos eram influenciadas por essas crenças. À medida que envelhecem, as pessoas tornam-se menos interessadas nos domínios de vida geralmente considerados controláveis (como a educação) e mais interessadas nas áreas sobre as quais julgam ter pouco controle (como a saúde e a vida dos filhos) (Nurmi,1992; Nurmi, Pulliainen & Salmela-Aro, 1992; Heckhausen, 1999).

Uma grande quantidade de pesquisas experimentais, de levantamento e observacionais demonstra que os indivíduos aproveitam oportunidades para controlar diretamente resultados em suas vidas. Vários experimentos de campo demonstram o benefício de intervenções visando ao aumento do controle em idosos (Rodin & Langer, 1980; Schulz & Hanusa, 1980; Bowsher & Gerlach, 1990; Wahl, 1991).

Prenda & Lachman (2001), examinaram a correlação entre os domínios de funcionamento social, cognitivo e de personalidade. Para tanto, levantaram auto-relato sobre planejamento para o futuro e sobre a relação entre planejamento para o futuro, controle percebido e satisfação com a vida. As variáveis suporte social, personalidade, estresse, memória, solução de problemas, planejamento para o futuro, controle percebido e satisfação com a vida, foram medidas em 2.971 adultos com idade variando entre 25 e 75 anos (média de 46,9 anos). Os dados demonstraram que educação, renda, suporte social e as variáveis escrupulosidade e abertura para experiências foram positivamente relacionados ao planejamento para o futuro. Os homens estiveram mais orientados para o futuro do que as mulheres, sendo que quanto maior a idade, menos planos para o futuro. Os resultados demonstraram que os efeitos do planejamento para o futuro sobre a satisfação com a vida apareceram como mais orientados pelo senso de controle e que, apesar de o auto-relato sobre as metas para o futuro mostrar que elas decrescem com a idade, os efeitos positivos das estratégias de planejamento para o futuro sobre a satisfação com a vida foram mais relatados por idosos. Esta relação foi mediada por crenças de controle.

Esse estudo propõe o seguinte objetivo:

‚ Verificar semelhanças e diferenças entre homens e mulheres adultos e idosos quanto ao senso de controle.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo de corte transversal comparando homens e mulheres adultos pertencentes a três grupos de idade quanto ao controle percebido. Foram 300 sujeitos, sendo 150 do sexo masculino e 150 do sexo feminino, atribuídos a três grupos de idade, com 50 homens e 50 mulheres em cada um. O Grupo 1 tinha de 20 a 29 anos, o Grupo 2 tinha entre 40 e 49 anos e o Grupo 3, entre 60 e 69 anos de idade. Os dados foram coletados na Universidade, o que se refletiu sobre as características gerais da amostra. Os sujeitos participaram voluntariamente do estudo. Foi dada aos sujeitos garantia de sigilo quanto aos dados individuais e das instituições onde ocorreram a coleta de dados. Também foi facultado a eles abandonar a pesquisa a qualquer momento que desejassem. No grupo de adultos jovens (20-29) predominaram estudantes universitários, parte dos quais trabalhavam e estudavam. No grupo de adultos maduros (40-49) havia principalmente profissionais portadores de grau secundário e superior de educação. O grupo de idosos (60-69) era composto majoritariamente por participantes de programas de extensão universitária para idosos, parte dos quais eram aposentados ou eram donas de casa. Este grupo tinha escolaridade formal mais baixa do que os outros.

Os sujeitos foram contatados de forma coletiva, no caso de serem alunos da Universidade. Foi feita coleta de dados que consistiu na aplicação de um formulário impresso contendo um questionário e três escalas. A instrução foi também impressa, mas foram dadas informações padronizadas sobre o instrumento e sobre os modos de resposta, no início de cada sessão.

Foi feita uma sessão piloto para calibrar o conteúdo dos instrumentos e a forma de aplicação. Com base nos resultados, os instrumentos foram reformulados e foram gerados procedimentos para treinamento dos monitores que atuaram na coleta.

Segue-se a apresentação dos instrumentos.

Questionário para a coleta de dados sócio-demográficos: compreendeu 15 questões fechadas que solicitavam informação sobre as seguintes variáveis: dados pessoais, gênero, estado civil, escolaridade, profissão, ocupação, com quem mora e sustento da família.

Escala para a medida de crenças de controle: consistiu numa seqüência de 23 itens em formato Likert, isto é, que permitia que os sujeitos concordassem ou discordassem de cada afirmação numa escala de 5 pontos, em que 1 = discordo totalmente; 2 = discordo; 3 = nem concordo, nem discordo; 4 = concordo, e 5 = concordo totalmente. Ela foi traduzida do original em inglês de autoria de Staudinger e Fleeson (1999) e submetida à avaliação de especialistas quanto à tradução. Continha 14 itens que avaliavam senso de auto-eficácia (1 a 14) e 8 que avaliavam senso de auto-controle (15 a 23). De acordo com as proposições teóricas dos autores, esses itens pertenciam a domínios e sub-domínios conceituais associados a concepção sócio-cognitiva sobre controle. Ou seja, foi adotado um instrumento de caráter multidimensional.

Pesquisa piloto sobre os instrumentos: foi realizada uma aplicação individual dos instrumentos em 30 pessoas, sendo 10 de cada uma das faixas etárias que seriam abrangidas pela pesquisa, para verificar o seu entendimento em relação às instruções, às sentenças e avaliações a serem realizadas. Foi verificado também, o tempo de aplicação da bateria de instrumentos para cada sujeito. Os resultados do estudo piloto demonstraram que os sujeitos não apresentaram dúvidas em relação às questões propostas. Todos os participantes compreenderam as instruções dadas e preencheram tanto o questionário quanto às escalas de forma adequada e satisfatória.

Treinamento dos auxiliares de pesquisa: foram treinados cinco alunos de um curso de graduação em Psicologia para servirem como auxiliares de pesquisa. O treino consistiu de duas sessões, onde foram explicados os objetivos da pesquisa, mostrados os instrumentos e fornecidas informações sobre a aplicação. Na segunda sessão, houve a simulação de uma aplicação.

 

Resultados

Em primeiro lugar serão apresentados os resultados da análise univariada, utilizando-se a estatística descritiva. Foram feitas medidas de tendência central e dispersão, bem como testes de comparação entre as médias dos grupos de gênero e de idade. Em seguida, serão mostrados os resultados da análise de variância controlando-se as variáveis idade e gênero.

Quando comparadas, as médias da variável senso de controle apresentaram variação quanto aos domínios “saúde” (M = 4.15) e “relações sociais” (M = 4.24), como pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1: Estatísticas descritivas relacionadas aos domínios da variável senso de controle para a amostra total

 

As medidas mais altas foram em controle nos domínios relações sociais e saúde, cujo enunciado evidencia controle interno, sem especificar se na capacidade ou no esforço. As médias mais baixas ocorreram nos itens 21 e 22, cujo enunciado menciona capacidade.

Analisando-se a Tabela 2, verificou-se que todos os participantes acreditam que manter a saúde depende de medidas que eles mesmos possam tomar em relação ao seu bem estar, sendo que o grupo que mais apresentou essa crença foi o de mulheres jovens (M = 4.30). Os dados sugerem ainda, que os grupos acreditam que dependem deles ter relações de amizades satisfatórias. O grupo que mais apresentou essa crença também foi o de mulheres jovens (M = 4.52).

Tabela 2: Estatísticas descritivas relacionadas ao gênero e a idade dos sujeitos considerando-se as variáveis com nível de significância de p < 0,05 dos domínios do senso de controle

 

Na comparação das variáveis contínuas entre os grupos foi utilizada a análise de variância (ANOVA), usando os efeitos da idade e do gênero e a interação entre eles, para comparar o desempenho médio dos grupos. Quando o efeito da interação não foi significativo, foi realizado o teste de Tukey, aglomerando os grupos para o outro valor. O teste Tukey estabeleceu letras para as médias dos grupos, tendo-se: grupos com letras diferentes foram estatisticamente diferentes e grupos com letras iguais não foram estatisticamente diferentes.

Quando comparados os grupos de idade e gênero quanto ao senso de controle, observou-se que o grupo de 60-69 anos diferiu significantemente dos demais grupos de idade, independentemente do gênero. Realizado o teste de Tukey, obteve-se: M=3.78 (a) para idade de 20 a 29 anos, M=3.79 (a) para idade de 40 a 49 anos e M=3.59 (b) para a idade de 60 a 69 anos. Como mostram os dados da Tabela 3, o grupo de idosos apresentou menor pontuação do que os demais grupos, independente do gênero.

A Tabela 4 apresenta os resultados dos testes de comparação entre as médias dos grupos em senso de controle.

Tabela 3: senso de controle entre os grupos de idade e gênero

 

Os resultados indicam que houve diferença significativa nos domínios transporte, relações familiares, finanças, relações sociais e capacidade. Em relação a transporte, o grupo de mulheres independentemente da idade apresentou menor pontuação. Quanto às relações familiares, apresentaram menor pontuação os jovens e os homens idosos. Em relação às finanças e à capacidade, o grupo de idosos foi o que pontuou mais baixo. No domínio relações sociais, tanto os grupos de idade quanto os de gênero apresentaram diferença significativa: os grupos de meia-idade e dos idosos foram os que tiveram escores mais baixos e os homens apresentaram menor pontuação do que as mulheres.

Os dados sugerem que os grupos crêem que podem controlar sua saúde e suas relações sociais. Os escores mais baixos ocorreram entre os idosos. No Quadro 1 podem ser visualizados os resultados estatisticamente significativos.

Os mais velhos são os que menos crêem na possibilidade de controlar suas relações sociais, suas relações familiares, suas finanças e sua produtividade. Os jovens atribuíram mais a si do que os idosos a possibilidade de controlar a saúde e as relações sociais.

 

Discussão

Este estudo focalizou um dos aspectos relevantes da vida adulta e da velhice: o controle percebido. As variáveis antecedentes selecionadas para a análise foram gênero e idade. A idade adulta e a velhice foram enfatizadas, refletindo a preocupação com o bem-estar desses indivíduos.

Tabela 4: resultado das comparações das pontuações por domínio entre os grupos

 

Nenhum dos grupos apresentou baixo senso de controle, mas, dentre eles, o de 60-69 anos diferiu significantemente dos demais grupos de idade, independentemente do gênero, apresentando menor pontuação do que os demais grupos. Para a amostra como um todo, as medidas mais altas foram nos domínios relações sociais e saúde, cujo enunciado evidencia controle interno, sem especificar se em capacidade ou em esforço. Apesar de todos os sujeitos acreditarem que manter a saúde depende de medidas que eles mesmos possam tomar em relação ao seu bem estar e que dependem deles ter relações de amizades satisfatórias, as mulheres jovens foram as que mais apresentaram essas crenças.

Quadro 1: resultados significativos em relação à variável senso de controle

 

Essas diferenças entre os grupos etários quanto ao funcionamento do controle percebido são similares às encontradas por Skinner (1995), que considera que, em diferentes idades, as pessoas preocupam-se com o controle em diferentes domínios e diferem quanto às estratégias de controle que utilizam.

A pontuação mais baixa dos idosos é consistente com as interpretações de Keller, Leventhal e Prohaska (1989), que identificaram cinco categorias de experiências positivas e negativas na velhice: (a) processo gradual e natural sem traços excepcionais; (b) período de avaliação de vida, reflexões filosóficas ou aumento da sabedoria e maturidade; (c) período de aumento da liberdade, novos interesses e menos exigências; (d) período associado a dificuldades de saúde física e preocupação acerca da saúde; (e) período de perdas associadas ao interpessoal e ao trabalho.

Aqueles que apresentaram crenças mais negativas provavelmente encaram o processo de envelhecimento como um período de perdas e de dificuldades. As mudanças decorrentes do envelhecimento tendem a fazer os idosos acreditar um pouco menos em seus esforços e em sua capacidade. A perspectiva de perda da capacidade física apresenta-se como fator agravante, pois as pessoas que envelhecem sentem-se mais vulneráveis e temem necessitar de auxílio para manter suas atividades. Esse contexto terá influído nos aspectos cognitivo e afetivo, sendo talvez responsável pelos escores relativamente mais baixos dos idosos com relação à satisfação com a vida no futuro. Talvez por isso, os idosos tenham colocado mais o controle de suas vidas sobre outros poderosos ou sobre a sorte. Os mais jovens tenderam a apontar mais a crença em estratégias para controlar suas vidas e para serem mais eficazes.

Quanto às diferenças de gênero encontradas, mostrando que as mulheres jovens foram as que pontuaram mais alto em relação à crença no controle interno, podemos retomar estudos sobre o processo de socialização e o desenvolvimento de papéis ligados ao gênero. Tais estudos mostram que desde a infância, a criança aprende as qualidades, as atitudes e os comportamentos vinculados ao seu sexo biológico e desenvolve um esquema de gênero contendo aquilo que é prescrito como adequado a seu próprio sexo. Ao longo de sua vida, vai processando as informações associadas ao gênero, aos papéis e aos desempenhos prescritos pelas normas e sanções sociais estabelecidas para homens e mulheres. É assim que homens e mulheres adultos, que são mais controlados por processos sociais do que por determinação biológica, tendem não só a cumprir os papéis de gênero prescritos pela sociedade (Freire, 2001), como também têm expectativas mais positivas de controle e eficácia do que os idosos.

Os resultados das mulheres jovens talvez tenham sido afetados pelo desempenho de múltiplos papéis, familiares, conjugais, sociais e profissionais. Essa é uma ocorrência relativamente recente na sociedade, que afeta de modo peculiar o estilo de vida das coortes mais novas. Elas se diferenciam das mais velhas, mais marcadas pela atribuição de papéis profissionais aos homens e de papéis familiares às mulheres. Os novos papéis exigem das mulheres maior controle das situações, já que elas passaram a exercer atividades mais difíceis, enfrentando condições mais adversas.

Em relação à saúde, constatou-se que entre todos os grupos estudados há a crença de que depende de si manter a saúde. Estudos empíricos mostram que boa saúde física é importante correlato de bem-estar subjetivo e de aspectos reconhecidos como saúde mental positiva, que inclui senso de autonomia, de crescimento pessoal e de capacidade de manter relações positivas com os outros (Neri, 2001).

Quanto às relações sociais, os participantes mostraram crer que depende de si ter relações sociais satisfatórias, confirmando os estudos que demonstram que o senso de controle associado aos fatores internos é responsável pela administração satisfatória da vida em sociedade. Segundo Grob, Little e Wanner (1999), a importância das questões sociais é maior do que a das pessoais para os adultos jovens. O inverso ocorre com os idosos. Os resultados obtidos apontam nessa direção, já que os idosos foram os que tiveram a menor pontuação relacionada à crença de que podem controlar internamente suas relações sociais. Esses dados sugerem, igualmente, que os idosos detêm diferentes posições e oportunidades sociais, e que se encontram em relativa desvantagem em comparação aos mais jovens, no que diz respeito ao controle de suas relações sociais, muitas vezes prejudicadas por preconceitos e estereótipos.

Foi observado que os idosos tenderam mais a acreditar que seu controle depende de fatores externos. Não é difícil compreender que onde a produtividade é importante (como no o caso da capacidade para produzir e no controle das condições financeiras), as crenças dos idosos na própria capacidade e esforço são um pouco mais baixas. Geralmente, trata-se de pessoas aposentadas, que já não trabalham mais e que muitas vezes não se sentem mais úteis para a sociedade. Além disso, a maioria, sobrevive com rendimentos mais baixos, contribui para o sustento da família, custeia remédios e tem outros encargos.

Conclui-se que os grupos apresentaram alto senso de controle, sendo que as medidas mais altas foram no controle de relações sócias e de saúde. As diferenças encontradas nas análises de idade e gênero estão em conformidade com a literatura.

É importante ressaltar que apesar de estudos transversais como este terem um papel importante verifica-se a necessidade de estudos longitudinais. Além do mais, será importante que outros estudos sejam feitos em outros contextos.

Enfatiza-se também que será conveniente, em próximos trabalhos, na seleção dos participantes, serem controladas variáveis relacionadas a transtornos mentais, já que o transtorno de ansiedade ou depressão maior podem ser um viés interessante para futuros estudos.

 

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Endereço para correspondência
Centro Universitário Padre Anchieta, Av. Dr. Manoel Ildefonso A. de Castilho nº 140 – Parque da Represa CEP: 13214-510 – Jundiaí/SP – E-mail: atemponi@uol.com.br

Recebido em: 11/04/2005
Aceito em: 07/06/2005

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