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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.2 Rio de Janeiro dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Transição da menopausa: a crise da meia-idade feminina e seus desafios físicos e emocionais

 

Menopause transition: feminine midlife crisis and its physical and emotional challenges

 

 

Carmen Lúcia Souza

Psicóloga clínica, Doutora em Psicologia Clínica pelo Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Laboratório de Terapia Comportamental, Instituto de Psicologia, USP, São Paulo, SP. Casa do Climatério (Fundação Zerbini/Incor)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Até a década de noventa, o climatério feminino era tema raramente abordado, tanto na literatura científica quanto na leiga. Pesquisa realizada na época na grande São Paulo atestava essa invisibilidade: a maior parte das mulheres entrevistadas afirmou que a menopausa devia ser vivida de forma discreta e silenciosa. Os sentimentos dessas mulheres em relação à menopausa eram, em grande parte, negativos decorrendo principalmente das alterações corporais que costumam ser características dessa fase. A partir do final dos anos noventa as publicações a respeito da menopausa aumentaram consideravelmente. O aspecto emocional dessa fase, no entanto, continuou pouco discutido. Uma forma de abordá-lo, que parece promissora, é considerar a fase de menopausa como um momento de “crise de desenvolvimento” (crise caracterizada pela mudança das tarefas psicológicas e dos papéis sociais). O papel da informação também é fundamental nesse processo, uma vez que as mulheres lamentam desconhecer as alterações orgânicas e emocionais características desse período, alterações essas que podem ser de grande impacto na auto-estima das mulheres. Os “grupos informativos sobre menopausa” têm se mostrado uma excelente opção para a veiculação dessas informações e neles, é essencial o papel do psicólogo cognitivo-comportamental.

Palavras-chave: Menopausa, Saúde da mulher, Crise de transição.


ABSTRACT

Until the nineties, feminine climacteric was rarely mentioned in the literature, both scientific and non-scientific. At that time, a research made in São Paulo confirmed that invisibility: the majority of the interviewed women said menopause should be discreet and silent. These women's feelings about menopause were basically negative on account of body modifications that usually take place at that time. From the end of the nineties on, there was an increase in publications about menopause. Emotional aspects of this phase, on the other hand, remained under-discussed. Explaining this aspect as a developmental crisis (crisis marked by changes in psychological tasks and in social roles) may be a good alternative. Information is also fundamental in this process once women regret ignoring organic and emotional characteristics that may impact strongly on their self-esteem. Menopause informative groups are an excellent alternative to give this kind of information. In these groups, the role of a cognitive-behavioral psychologist is essential.

Keyword: Menopause, Women's health, Transition crisis.


 

 

O climatério feminino, período que marca o final da fase de fertilidade biológica com o término das menstruações, foi tema raramente abordado, tanto na literatura científica quanto na leiga, até a década de noventa. Quando as pesquisas na área começaram a proliferar, elas foram, principalmente, pesquisas médicas voltadas para a avaliação da eficácia da terapia hormonal.

Embora o climatério se caracterize por uma ampla gama de eventos orgânicos e emocionais e a menopausa (literalmente, última menstruação) se refira a apenas um desses eventos, o termo menopausa foi oficializado, por sugestão da própria Organização Mundial de Saúde (Ramos, 1998), como indicativo de todo o período climatérico. De fato, usualmente as mulheres sabem o que significa menopausa, mas não o que significa climatério. Pesquisa realizada na grande São Paulo, com mulheres de diferentes níveis sócio-econômicos (Rhodia-Farma, 1998), mostrou que a maioria das entrevistadas desconhecia o significado do termo climatério, mas todas sabiam que, por volta dos cinqüenta anos, “acontecia a menopausa” e as mulheres paravam de menstruar.

Esta pesquisa constatou também a expectativa pela invisibilidade da menopausa: embora todas as mulheres tivessem reconhecido que a menopausa costuma ser uma fase difícil, a maior parte delas afirmou que a menopausa devia ser vivida de forma discreta e silenciosa e que o ideal seria passar por ela “como se nada estivesse acontecendo”. Os sentimentos das mulheres entrevistadas com relação à menopausa foram, em grande parte, negativos, decorrendo, principalmente, das alterações corporais que costumam ser características dessa fase (Rhodia-Farma, 1998).

A expectativa de invisibilidade que as mulheres demonstraram em relação à menopausa pareceu ser fruto de um duplo estigma constatado pelos pesquisadores: era vergonhoso estar na menopausa, mas, pior do que estar na menopausa era ter uma menopausa sintomática. Considerando-se, como fazem Nissim (1984) e Vivaldi (1997), que apenas 10% das mulheres passam pela menopausa sem sentir nenhum desconforto, o estigma com relação à menopausa sintomática pode ser considerado um doloroso fardo para a maioria esmagadora das mulheres.

A partir do final dos anos noventa o silêncio sobre a menopausa começou a ser quebrado e as publicações sobre esse tema aumentaram consideravelmente. Essa abertura cada vez maior com relação ao tema menopausa pode ser considerada fruto de três forças: a geração de mulheres que chegou ao climatério durante os anos noventa, as pesquisas médicas e o movimento feminista.

A geração de mulheres que chegou à fase de menopausa no final dos anos noventa, reivindicando maior compreensão e informação sobre seus próprios processos, teve sua história marcada pela conquista de novos espaços como a liberdade sexual, o uso da pílula anticoncepcional, a ampliação do mercado de trabalho e o rompimento da sociedade conjugal. Foi também a geração que acompanhou a emergência e o fortalecimento do movimento feminista. As carac¬terísticas dessa geração de mulheres que “(...) desafiou e rompeu os valores tradicionais da família (...) que inventou e experimentou novas formas de viver e estar no mundo” também foram destacadas por Ciornai (1999, p. 23).

O segundo fator de influência na crescente visibilidade do universo da menopausa foram as pesquisas médicas. O peso deste fator parece evidente, uma vez que o médico é o profissional procurado, preferencialmente, pelas mulheres quando os desconfortos da menopausa se fazem sentir. Essa “medicalização” da menopausa, isto é, acreditar que a menopausa é um evento puramente biológico e, portanto, restrito à alçada médica, teve, de acordo com Souza (2004), duas implicações. Em primeiro lugar, a menopausa passou a ser vista como mais uma doença a ser tratada, mais especificamente uma doença de carência hormonal que deveria ser superada com a reposição dos hormônios que estivessem em baixa. Em segundo lugar, a ênfase no aspecto orgânico da menopausa, redundou em negligenciar as turbulências psicológicas que também podem caracterizar (muitas vezes, fortemente) esse período.

À medida que as pesquisas médicas pros¬seguiram, a concepção da menopausa como doença foi sendo gradualmente substituída pela sua aceitação como uma etapa natural da vida da mulher. Essa alteração se deveu, em grande parte, à pressão do movimento feminista, sempre atento às questões relativas à saúde da mulher e sempre crítico aos interesses da indústria farmacêutica. De fato, na literatura feminista há uma forte crítica ao modelo biomédico da menopausa. Rostosky e Travis (2000), por exemplo, ao analisarem criticamente esse modelo concluem que ele se apóia em três pressupostos que levam a uma oposição entre mulheres e homens saudáveis. Esses pressupostos estabeleceriam que, quando comparadas ao homem, as mulheres:

1. são consideradas como “o outro” em relação à normalidade. O exemplo disso aparece quando se observa que as mudanças hormonais que ocorrem nos homens de meia-idade são vistas como naturais enquanto as alterações hormonais femininas típicas da meia-idade são consideradas patológicas e merecedoras de tratamento;

2. são apresentadas como “doentes”. A menopausa, por exemplo, é concebida como uma síndrome que engloba vários sintomas (irregularidades menstruais, ondas de calor, enxaqueca, depressão), apesar da evidência de que esses sintomas não aparecem unicamente durante a menopausa;

3. são apresentadas como “fracas” e “sem poder” em relação ao médico e à autoridade científica. Ao definir a menopausa como síndrome, o médico determina não só o que ela é mas, principalmente, como ela deve ser vivenciada.

Para as feministas, a menopausa é uma fase natural, que muito além do aspecto puramente biológico, sofre influência de variáveis psicossociais que ainda precisam ser estabelecidas e estudadas. Uma vez que a abordagem médica da menopausa tende a ignorar a possível influência dessas outras variáveis, ela é considerada limitada e limitadora (Buchanan, Villagran & Raga, 2001; Greer, 1994; Nissim, 1995; Ramos, 1998; Rostosky & Travis, 1996 e 2000; Vanwesenbeeck, Vennix & Van de Wiel, 2001; Vivaldi, 1997).

Algumas autoras feministas destacam, inclusive, o uso de termos francamente pejorativos na linguagem médica descritiva da menopausa (Rostosky & Travis, 1996). Essa linguagem médica negativa, com termos de uso corrente como “falência ovariana” ou “disfunção ovariana”, estabeleceria as bases para nossa consciência cultural, ajudando a construir uma imagem altamente negativa da meia-idade feminina.

Essa imagem negativa da menopausa apareceu sistematicamente em diferentes grupos de mulheres organizados para informar-se sobre menopausa (Souza, Diksztjen & Hori, 1999; Souza, Salazar & Silvares, 2000; Souza, 2004). Nesses trabalhos de cunho informativo, mostrou-se muito produtivo o exercício de estabelecer um paralelo entre as duas transições mais marcantes do curso de vida da mulher: a puberdade e a menopausa. A transição da menopausa carrega o estigma de ser marcador de envelhecimento, e isso numa sociedade em que é vergonhoso envelhecer. Para questionar esse preconceito em relação à menopausa, nada melhor do que estabelecer um paralelo entre ela e a puberdade, uma fase de transição socialmente bem-vinda e festejada.

O que se tem observado na prática clínica com grupos informativos sobre menopausa, é que as mulheres, quando estimuladas a recordarem as turbulências da puberdade, geralmente acabam destacando três tipos de alterações marcantes: as de aparência, as emocionais e as de papel social. Geralmente, à medida que o grupo se aprofunda na troca de lembranças e vivências sobre essas alterações, as semelhanças com a menopausa começam a se evidenciar.

As alterações de aparência se referem, geralmente, às mudanças na forma do corpo e às alterações na pele, pêlos e cabelo, típicas dessas transições. Assim, enquanto a adolescente (nem sempre tranqüilamente) se adapta ao arredondamento das formas de seu corpo e ao desenvolvimento dos seios, as mulheres, em fase de menopausa, se surpreendem com o acúmulo de gordura principalmente na região abdominal e nos quadris que costuma acontecer durante o climatério. Com relação à pele, enquanto a adolescente encara o aparecimento de acne e excesso de oleosidade, mulheres menopáusicas enfrentam ressecamento da pele e a conseqüente aceleração no aparecimento de rugas e manchas. Aparecimento de pêlos numa fase, seu processo de embranquecimento em outra.

Do ponto de vista das turbulências emocionais, as duas transições aparecem marcadas por questionamentos básicos bastante semelhantes: quem sou eu? O que está acontecendo comigo? A turbulência hormonal e as mudanças corporais, geralmente inesperadas e em ritmo acelerado, acabam por provocar sentimentos de insegurança e vulnerabilidade que são, usualmente, característicos dos momentos de transição. Esses sentimentos muitas vezes se fazem acompanhar de ansiedade, irritabilidade e mesmo depressão e são agravados pelo questionamento a respeito dos novos papéis sociais que serão característicos da nova fase de vida que seguirá à fase de transição.

Aliás, o aspecto emocional das fases de transição, o da menopausa em especial, continua pouco discutido. Uma forma de abordá-lo, que parece promissora, é considerar a fase de menopausa como um momento de crise. Alguns autores sinalizam o aspecto de crise dessa transição (Mankowitz, 1987; Ramos, 1998), mas não se detém para analisá-la sob essa perspectiva. Aliás, Mankowitz (1987) chama a menopausa de "a crise negligenciada" indagando-se por que um acontecimento tão importante na vida das mulheres é praticamente ignorado socialmente.

À primeira vista a palavra crise parece referir-se a situações em que há apenas aspectos "negativos" tais como desastres, doenças ou perdas. E, de fato, as crises incluem sempre uma faceta de desestruturação. Mas o aspecto negativo não esgota os parâmetros necessários para esclarecer o que caracterizaria uma situação de crise. Na escrita chinesa, por exemplo, a palavra crise é formada usando-se dois ideogramas: um que se refere a “perigo” e o outro a “oportunidade”. Perceber a crise a partir da junção dessas duas perspectivas à primeira vista opostas (perigo e oportunidade) pode ser um ponto de partida bastante interessante para uma avaliação psicológica. Aguilera (1998), por exemplo, considera que crise implica em perigo, na medida em que ameaça sobrecarregar o indivíduo ou sua família, mas, por outro lado, é também oportunidade, pois os momentos de perigo são aqueles em que os indivíduos costumam ficar mais receptivos à influência terapêutica.

Dattilio e Freeman (1995) assinalam que na década de cinqüenta, Erikson também já havia considerado os aspectos positivos e negativos das situações de crise ao postular que, na caminhada da infância à velhice, o ser humano passa por diferentes estágios de desenvolvimento psicológico e a transição entre eles é sempre mediada por crises. Essas crises, que foram chamadas por Erikson de “crises de desenvolvimento”, são caracterizadas pelas mudanças das tarefas psicológicas e dos papéis sociais que marcam a passagem de um estágio a outro.

As alterações que acontecem no papel social da adolescente e da mulher madura são diferentes: uma entrando no universo dos adultos jovens, outra transitando pelo período de maturidade que antecede e prepara a fase que é chamada de velhice. Embora diferentes, as alterações de papel social dessas duas transições são balizadas por inquietações e indagações muito semelhantes: o que está acontecendo comigo? Quem sou eu? Que novas tarefas e novos desafios eu encontrarei pela frente? Do que precisarei abrir mão pra seguir adiante? De acordo com Erikson (1998), essas crises, quando bem administradas, levam ao crescimento pessoal e à maturidade. Kanel (1999) alerta que as crises de desenvolvimento não devem ser confundidas com as crises situacionais (crises desencadeadas pela ocorrência de eventos incomuns e inesperados que o indivíduo não tem meios de controlar, tais como morte e doenças).

As definições de crise são variadas e Dattilio e Freeman (1995) apresentam algumas delas analisando com maior atenção a definição apresentada por Slaiku (1990 citado por Dattilio & Freeman, 1995, pág. 22):

Um estado temporário de perturbação e desorganização, caracterizado principalmente pela incapacidade de um indivíduo de enfrentar uma situação particular, utilizando métodos costumeiros de resolução de problemas e pelo potencial para um resultado radicalmente positivo ou negativo.

Essa definição é analisada por Dattilio e Freeman (1995) como apresentando quatro componentes, ou seja, a crise é vista como sendo: temporária, perturbadora, situacionalmente incapacitante e com potencial de superação. Essas quatro características parecem ajustar-se muito bem à transição da menopausa, como se verá a seguir.

A menopausa, como a crise, é temporária. Os autores que se dedicam ao estudo da menopausa são unânimes com relação à sua transitoriedade. "Os problemas da menopausa geralmente são de curta duração, desaparecendo entre dois e cinco anos" (Trien, 1994, p. 19).

A menopausa, como a crise, apresenta um aspecto perturbador. Esse aspecto perturbador pode ser evidenciado, segundo Souza (2004), principalmente em dois momentos. O primeiro deles quando as mulheres, ainda sem se reconhecerem como menopáusicas, começam a detectar transformações, orgânicas e/ou emocionais, para as quais não encontram justificativas. Stocchero (1993), por exemplo, refere-se ao grande número de clientes que, a partir dos 35 anos, chegavam a seu consultório de ginecologia com queixas bastante parecidas a respeito de inexplicáveis mudanças físicas e psíquicas. Na maioria das vezes, o desconhecimento em relação à menopausa acabava levando essas pacientes a atribuírem seus sintomas a excesso de trabalho ou a problemas familiares ou sentimentais.

Outro momento em que o aspecto perturbador da menopausa pode se fazer presente é quando se assume a sua realidade. Aqui, o aspecto perturbador pode estar relacionado tanto ao desconforto da sintomatologia, quanto às mudanças na aparência que acontecem nessa fase. De fato, muito freqüentemente a auto-imagem e as expectativas pessoais passam por alterações durante a transição da menopausa, pois as mudanças na aparência (alterações na forma do corpo com acúmulo de gordura no abdômen e nos quadris, ressecamento da pele, embranquecimento dos cabelos) que, em geral, acompanham as oscilações hormonais, comumente remetem a reflexões sobre o enve¬lhecimento, numa cultura centrada nos valores da juventude.

A menopausa, como a crise, pode ser situa¬cionalmente incapacitante. Assim como o indivíduo em crise se sente incapaz de enfrentar uma determinada situação, a mulher passando pela menopausa também pode se sentir fragilizada para lidar com todas as mudanças desencadeadas nesse período. A dificuldade de enfrentamento durante a menopausa pode se tornar realidade, não só em função dos aspectos perturbadores apresentados anteriormente, mas, também, em função do desconhecimento que a grande maioria das mulheres alega em relação ao que esperar durante a transição climatérica.

A menopausa, como a crise, envolve potencial para superação. Esse potencial inclui a oportunidade de novas experiências e a aquisição de novas habilidades e comportamentos. Qualquer que seja o fator desencadeante da crise, seja a menopausa ou outro, o potencial para mudança varia de pessoa para pessoa, dependendo, naturalmente, da história de vida de cada uma e de seus padrões cognitivos.

Padrões cognitivos estáveis formam a base das interpretações que as pessoas dão às mais diversas situações e constituem o que Beck, Rush, Shaw e Emery (1997) chamam de esquemas cognitivos. Esses esquemas se organizam num arcabouço conceitual que Beck et al (1997) chamam de paradigma pessoal. O paradigma pessoal pode ser abalado, por exemplo, quando não consegue acomodar evidências que o contradizem. De acordo com Souza (2004), a passagem pela menopausa e o processo de aceitar e incorporar todas as transformações que dela decorrem podem ser considerados, do ponto de vista cognitivo, um momento de turbulências emocionais que afetará o paradigma pessoal provocando mudanças nele. Mudanças de profundidade, semelhantes às que caracterizam o período de puberdade/adolescência que marca a transição, nem sempre suave, da infância para o mundo dos adultos jovens.

O trabalho desenvolvido com grupos tem se mostrado de ajuda nesses momentos que exigem mudanças críticas. Ciornai (1999) ressalta a ênfase que as feministas, nas décadas de sessenta e setenta, sempre deram aos grupos de conscientização (grupos voltados para compartilhar experiências pessoais sobre temas variados como sexualidade e direito ao prazer). A partir desses grupos de tomada de consciência, desenvolveu-se o conceito de grupos de apoio, que hoje em dia se formam para discutir todo tipo de questões, inclusive a menopausa (Trien, 1994).

De acordo com Souza (2004), os trabalhos com grupos de menopausa geralmente se desenvolvem a partir da perspectiva de que as participantes se beneficiam ao falar e ouvir, sobre seu processo climatérico. Souza (2004) assinala, ainda, que sendo a menopausa um período de grandes mudanças, as mulheres poderão se estruturar melhor psico¬logicamente, para lidar com elas, se receberem informações que esclareçam as razões e as origens dessas alterações. Ou seja, se forem fornecidos os esclarecimentos básicos sobre o que pode se passar com a mulher (tanto do ponto de vista orgânico, quanto emocional) durante a transição da menopausa, ela poderá obter uma compreensão desse processo que facilite não só sua aceitação das mudanças, mas, também, suas tomadas de decisão com relação a elas (Souza, 2004).

Em trabalho-piloto realizado em São Paulo, psicólogas clínicas, interessadas em discutir com grupos de mulheres suas experiências sobre a menopausa, observaram que, mais do que falar sobre menopausa e sobre os sentimentos a ela vinculados, as mulheres queriam ouvir, queriam informações (Souza et al., 1999). A demanda por informação também foi constatada por Fox-Young, Sheehan, O´Connor, Cragg e Del Mar, (1995) ao trabalharem com mulheres de 45 e 55 anos. Ao investigarem a percepção e a experiência da menopausa dessas mulheres, constataram que uma das áreas em que elas mais solicitavam informação era a de “experiência da menopausa” (O que é normal na menopausa? O que é esperado? O que está e o que não está relacionado com a menopausa?).

Para Buchanan et al. (2001) informação é poder e, como a menopausa é uma “passagem silenciosa”, as mulheres não trocam informações a respeito e acabam ficando sem pistas que possam funcionar como suporte para ajudá-las a compreender e lidar com a transição climatérica. Talvez, exatamente por isso, as mulheres venham demonstrando insatisfação com sua falta de informação sobre menopausa.

Em função dessa demanda por informação, Souza (2004) propôs um tipo de trabalho em grupo, os grupos informativos sobre menopausa, onde o aspecto informativo é considerado tão importante quanto a troca de impressões e experiências entre as participantes. Nos grupos informativos as sessões são mais estruturadas e o conteúdo informativo a ser apresentado e discutido está previamente estabelecido.

O trabalho com grupos informativos pode, à primeira vista, parecer não abrir espaço para a individualidade das participantes, por se apresentar como um pacote pronto de informações. Mas, uma vez que o trabalho é realizado com grupos de mulheres que se reúnem para discutir vivências muito íntimas e pessoais, torna-se fundamental que, além de receber informações, as mulheres falem e ouçam, umas às outras, percebendo similaridades e diferenças entre suas vivências. O profissional acostumado a trabalhar com grupos, o psicólogo em especial, sabe que cada grupo tem energia, dinâmica e ritmo próprios e que o trabalho a ser desenvolvido, para ser bem realizado, deve ser sensível a essas características (Souza, 2004).

Nos grupos informativos, qualquer outro tema pertinente (mas fora da programação) que, even¬tualmente, venha a ser levantado pelo grupo, não deverá ser ignorado, ao contrário deverá receber, por parte do coordenador, encaminhamento avaliado como o mais conveniente (às vezes o possível) naquele momento. Souza e Meyer (2001) fizeram um exercício de análise funcional da atuação verbal do psicólogo em uma sessão de grupos informativos sobre menopausa e concluíram que a categoria comportamental “dar informação programada” estava na dependência tanto dos comentários feitos pelas participantes quanto da programação estabelecida previamente.

E como saber que a informação previamente programada é, de fato, a informação que interessa ao grupo? Por mais heterogêneos que possam ser os grupos de mulheres que se formem para participar de um trabalho sobre menopausa, todos eles têm um denominador comum: o interesse das mulheres pelo tema. Esse denominador comum aliado, de um lado à falta de informação que as mulheres lamentam ter sobre seus próprios processos biológicos, e de outro ao conteúdo das publicações sobre menopausa, fornecem as coordenadas para o planejamento das informações a serem dadas (Souza, 2004).

E que informações seriam essas? Ao se trabalhar com grupos informativos o conteúdo das sessões deve ser estruturado de forma a abranger tanto o aspecto orgânico quanto o emocional da menopausa. Esse conteúdo foi estabelecido por Souza (2004) a partir dos itens mais freqüentes na literatura sobre menopausa e pode, em síntese, ser considerado o seguinte:

- aspectos orgânicos: fisiologia dos ciclos hormonais femininos, sintomas da menopausa, terapia hormonal, alimentação e atividade física;

- aspectos emocionais: fantasias e expectativas a respeito da menopausa, depressão/ansiedade, qualidade do sono e sexualidade.

Outra característica dos grupos informativos que os diferencia da maioria dos trabalhos que têm sido desenvolvidos com mulheres menopáusicas é a ênfase no aspecto psicológico da menopausa. Mais especificamente, no aspecto de crise desse período, analisado a partir de uma abordagem cognitivo-comportamental. Por isso, o trabalho com grupos informativos sobre menopausa, aproxima-se dos trabalhos cognitivo-comportamentais desenvolvidos para lidar com situações de crise, tais como os apresentados por Parad e Parad (1990), Dattilio e Freeman (1995) e Beck et al (1979/1997). Ou seja, grupos:

- com orientação psicoterapêutica, isto é, coordenados por psicólogo;

- de curta duração (quatro a doze sessões);

- com uma agenda clara de passos a serem dados (que vão de informações básicas e necessárias, relativas ao tipo de crise pelo qual o grupo está passando, a discussão e aprendizagem de técnicas de enfren¬tamento).

Para Dattilio e Freeman (1995) a abordagem cognitivo-comportamental apresenta características que a habilitam especialmente para a intervenção em crises. Algumas dessas características relacionam-se com a atuação do terapeuta (que atua como modelo, é ativo, direto e trabalha em equipe com seu paciente), outras, com o próprio modelo de terapia (de curto prazo, com conteúdo e direção estabelecidos desde o começo criando um enfoque de resolução de problemas, modelo de terapia que promove rápida auto-revelação das cognições individuais). Ressaltam, também, o aspecto psico-educacional da terapia cognitivo-comportamental que não visa a “cura” mas a aquisição de novas habilidades que permitam modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais.

Trabalhar com pacientes em crise dentro de uma perspectiva cognitivo-comportamental implica, de acordo com Dattilio e Freeman (1995), em respeitar cinco estágios: (a) estabelecimento de empatia e de um bom relacionamento com o paciente, (b) identificação do problema, avaliação da gravidade e levantamento dos esquemas cognitivos, (c) avaliação e mobilização de potenciais e recursos, (d) desenvolvimento de um plano positivo de ação e (e) teste de novas cognições e novos comportamentos.

O trabalho cognitivo-comportamental em grupo é definido por White e Freeman (2003) como estando embasado em duas variáveis principais: a coesão e o foco na tarefa. A coesão é definida por eles como “o grau de interesse pessoal entre os participantes” e como “a força social dentro de um grupo, que permite aos participantes tolerarem diferenças e desentendimentos” (White & Freeman, 2003, p. 15). O desenvolvimento da coesão pode ser considerado como a principal tarefa do terapeuta de grupo. White e Freeman (2003) sugerem que o terapeuta descreva e reforce explicitamente a coesão como componente vital na formação do grupo. O foco na tarefa, por outro lado, marca o fato de que a terapia cognitivo-comportamental em grupo é uma terapia focalizada e voltada para resolver problemas. White e Freeman (2003, p.16) acreditam que “se houver suficiente foco na tarefa, o terapeuta facilitará que o grupo faça ótimo uso de sua energia construtiva”.

Nos grupos informativos sobre menopausa, o foco na tarefa consiste em manter a atenção do grupo no tema menopausa e em garantir a veiculação das informações programadas, mantendo-se, como pano de fundo, a coesão do grupo em torno dos objetivos propostos para cada sessão (Souza 2004). Um recurso que Souza (2004) sugere para ajudar a manter esse foco é a biblioterapia (indicação de leituras relacionadas aos temas discutidos). A biblioterapia tem sido usada em trabalhos com dificuldades as mais variadas como distúrbios de sono (Mimeault & Morin, 1999), depressão (Bright, Baker & Neimeyer, 1999) e tratamento de pânico (Gould, Clum & Shapiro, 1993). Para Souza (2004) a biblioterapia pode ser um recurso interessante para estimular a motivação das participantes durante o trabalho com grupos informativos sobre menopausa.

Outro aspecto de importância quando se trabalha com grupos informativos sobre menopausa é o incentivo à reflexão sobre os ganhos e as perdas da maturidade, reflexão que embora fundamental costuma ser rara. Ao analisarem a perspectiva leiga a respeito das mudanças psicológicas, características das diferentes fases de vida, Zacarés e Serra (1998) concluem que ganhos e perdas são vistos como relacionados à idade: os participantes da pesquisa disseram acreditar que à medida que a pessoa envelhece, as perdas aumentam e os ganhos diminuem.

Zacarés e Serra (1998) apontam para o fato de que vários estudos sobre a perspectiva leiga registraram a expectativa de que a sabedoria vem com a idade. Um desses estudos (Johnson, 1979 citado por Zacarés & Serra, 1998) procurou identificar os atributos que, para o leigo, caracterizariam a pessoa sábia. Foram quinze os atributos encontrados: experiência, inteligência, curiosidade, intuição, autonomia, conhecimento prático, abertura, capacidade de comunicação, paciência, auto-estima, adaptabilidade, humor, capacidade de ensinar, capacidade de aprender, capacidade de estar disponível para o outro. Outro aspecto interessante apontado por Zacarés e Serra (1998) é que nos diferentes estudos sobre maturidade, a crença de que a sabedoria vem com a idade é aceita principalmente pelos participantes jovens e adultos, mas não pelos participantes mais velhos (geralmente acima de 65 anos).

Essas observações sugerem que ainda há muito a ser visto e discutido com relação ao processo de amadurecimento e de envelhecimento, principalmente com relação às expectativas (sociais e emocionais) que formam o entorno desse processo. Assim, refletir sobre perdas e ganhos característicos das diferentes fases de vida pode, além de necessário, ser bastante enriquecedor para as participantes de grupos informativos sobre menopausa.

 

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Endereço para correspondência
Rua Inhambu, 1307/63. Moema
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E-mail: clucia@uol.com.br

Recebido em: 31/03/2005
Aceito em: 19/07/2005

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