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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.2 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006

 

ENTREVISTA

 

Entrevista com Robert Friedberg 1

 

 

Adriana Nunan

Psicóloga. Mestre em Psicologia e Doutoranda em Psicologia Clínica (PUC-Rio)

 

 

Dr. Robert D. Friedberg, PhD, é psicólogo clínico e pertence ao corpo docente da Wright State University School of Professional Psychology. É também Professor do Penn State College of Medicine – Milton Hershey Medical Center, além de dirigir o Predoctoral Internship Program e o Preventing Anxiety and Depression in Youth Program (PANDY). É autor de diversas publicações sobre crianças e adolescentes, dentre os quais se destacam os seguintes livros: A Prática Clínica de Terapia Cognitiva com Crianças e Adolescentes (2004); Therapeutic Exercises for Children: guided self-discovery through cognitive-behavioral techniques (2001); Therapeutic Exercises for Children: A Professional Guide (2001) e Switching Channels: A cognitive-behavioral work journal for adolescents (1992). É ainda autor de inúmeros artigos em publicações especializadas e tem proferido palestras para profissionais sobre sua vasta experiência na área de Terapia Cognitiva com crianças e adolescentes. Finalmente, cumpre destacar que é membro fundador da Academy of Cognitive Therapy (ACT), cujo Presidente Honorário é Aaron T. Beck e a atual Presidente é Judith Beck.

RBTC: O senhor é atualmente um renomado especialista em psicoterapia com crianças. Conte-nos sobre suas motivações e as origens do seu interesse neste assunto.

RF: Meu interesse em Terapia Cognitiva com crianças começou durante a graduação, quando me deparei com o tema das atribuições causais em crianças pequenas, assunto que até aquele momento não tinha sido estudado porque as pessoas achavam que crianças eram muito ingênuas para fazerem atribuições causais significativas. O que nós fizemos foi simplificar a tarefa, usando a ciência cognitiva, e descobrimos que, ao fazer tarefas simples, as crianças eram capazes de serem muito específicas. A partir dessa pesquisa eu me dirigi para Newport Beach para tentar estabelecer a Terapia Cognitiva lá, trabalhando com a Dra. Christine Padesky. Lá nós realmente aplicamos minha abordagem Cognitivo-Comportamental com crianças, que consiste basicamente em manter as coisas simples. Nós podemos usar o que sabemos sobre adultos e tornar este conhecimento acessível, em termos de desenvolvimento, a crianças, de modo que elas possam tirar proveito desta abordagem.

RBTC: O que o levou a escolher o modelo Cognitivo-Comportamental?

RF: Eu fiz a graduação na California School of Professional Psychology, em San Diego. Em meados dos anos 80, esta era um bastião de pensamento psicanalítico, não psicodinâmico, mas psicanalítico mesmo. Os meus primeiros professores de fato atendiam pacientes cinco vezes por semana no divã. Após um ano e meio, eu descobri que essas teorias não me satisfaziam empírica e clinicamente e, portanto, gravitei mais em direção às terapias e professores das áreas comportamentais e cognitivas, com o intuito de desenvolver minhas pesquisas e meus interesses acadêmicos. Em poucas palavras, foi uma mistura de experiência clínica com o fato de eu ter tido acesso à abordagem Cognitivo-Comportamental.

RBTC: Quais avanços têm sido feitos na Terapia Cognitiva com crianças?

RF: Muitos, muitos. Para citar alguns, posso mencionar a técnica de “coping cat” **, de Kendall e Temple, que gerou uma série de variações em diferentes idiomas e países. Também cito o trabalho de Seligman, na Pennsylvania, que analisa a resiliência. Outras áreas que tiveram avanços são o treinamento de Habilidades Sociais, o tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo, o tratamento da Ansiedade Generalizada e o tratamento do Transtorno do Pânico. Todos estes avanços abriram o caminho para outros estudos na área.

RBTC: O senhor poderia falar sobre o envolvimento dos pais na terapia da criança?

RF: Do meu ponto de vista, os pais estão sempre envolvidos. Eles podem estar envolvidos como co-clientes na Terapia de Família ou na Terapia Cognitivo-Comportamental, ou podem estar envolvidos como instrutores no tratamento individual de exposição, por exemplo, auxiliando a criança a aproximar-se de situações amedrontadoras. Eles também podem estar envolvidos como pacientes individuais, em treinamento de pais. Isto é, pais devem sempre estar envolvidos, em maior ou menor grau, dependendo do modo em que eles são capazes de auxiliar a criança. Por exemplo, quando eu estou atendendo uma criança de cinco anos de idade, os pais estão sempre envolvidos, pois raramente atendo uma criança tão pequena sozinha. Para um adolescente de 17 anos, isto é muito menos importante, visto que ele é quase um adulto.

RBTC: O senhor também inclui irmãos ou outros membros da família neste processo?

RF: Depende muito da conceituação do caso. Em casos em que o papel dos irmãos é crucial, eles certamente são incluídos. Nos Estados Unidos, não existem tantas famílias extensas como em outras culturas, o que faz com que, em muitas situações, pais e avós morem em diferentes regiões do país. Em alguns casos que acompanhei, os avós tomaram o lugar de pais, o que faz com que, naturalmente, eles tenham que ser incluídos. Ou seja, eu os incluo na medida em que estiverem envolvidos com a criança.

RBTC: O senhor recomenda algum tipo de psicoterapia individual ou, por exemplo, Terapia de Família, para pais que precisam de atenção psicológica?

RF: Se eu estou atendendo a criança, eu não vejo o pai ou a mãe dela enquanto pacientes. Se os pais precisam de tratamento, eu os encaminho para atendimento individual, para que eles possam lidar com seu próprio transtorno. Mas eu nunca atendo um pai cujo filho eu atendo sozinho.

RBTC: Que temas o senhor está atualmente investigando? Quais são seus achados?

RF: O maior projeto no qual eu estou trabalhando agora é o seguinte: nós sabemos o que é efetivo no tratamento com crianças. No entanto, nos Estados Unidos, poucos terapeutas parecem adotar esta abordagem e alguns deles sequer a conhecem. Então, o que nós estamos tentando fazer é desenvolver uma forma de disseminar o tratamento para as pessoas que clinicam na comunidade, mas que não têm acesso a revistas acadêmicas, particularmente em comunidades rurais que podem não ter acesso a conferências, e tentar ensinar estas pessoas através de outras técnicas que não sejam os tradicionais workshops. Para tanto, estamos trabalhando em um DVD ou série de vídeos que seriam disponibilizados no site do departamento da minha universidade. Estes vídeos incluiriam um caso de role-playing com um paciente real, um manual para acompanhar o vídeo e material para as pessoas imprimirem. Os terapeutas, então, poderiam ir ao workshop ou visitar o site, escolher no menu de opções, por exemplo, como trabalhar com um adolescente deprimido, fazer uma prova para testar seu grau de conhecimento sobre o assunto, ver o vídeo, imprimir alguns materiais, fazer uma segunda prova e depois ver se fomos eficazes em ensinar dessa forma e em melhorar a qualidade de atendimento a crianças na comunidade. Nós também tentaremos desenvolver um componente de supervisão, onde as pessoas poderão acessar o site ou participar dos workshops e receber supervisão constante.

Os primeiros vídeos foram financiados, então eles serão gratuitos. Se continuarmos recebendo financiamento e se este aumentar, os vídeos provavelmente continuarão a ser gratuitos, mas se não conseguirmos qualquer tipo de financiamento, haverá um custo para o usuário. Existe um programa muito específico na Universidade da Carolina do Sul que é bastante similar ao nosso. Eles estão trabalhando com crianças traumatizadas, vítimas de abuso sexual, por exemplo, usando o modelo de Deblinger e Mannarino para tratar Transtorno de Estresse Pós-Traumático em crianças. O modelo deles é muito parecido com o nosso, consistindo de pré-testes e vídeos, mas eles não possuem material impresso ou pós-testes. É tudo gratuito e financiado por uma agência governamental dos Estados Unidos. Nós acabamos de começar esse projeto. É o maior projeto no qual estou trabalhando no momento.

Nós também estamos estudando a percepção das crianças sobre o tratamento. Tipicamente, em Terapia Cognitiva, fazem-se sessões de feedback. Em adultos, isto tem sido feito no Instituto Beck utilizando material escrito. Nós acabamos de começar a usar materiais escritos para acessar o feedback de crianças. Nós temos um formulário de feedback de sessão e estamos estudando quais sessões as crianças vêem como mais úteis, quais são mais divertidas, e depois vemos se estas sessões são aquelas mais proveitosas para a criança, da qual elas podem extrair maior informação. Em outras palavras, estamos tentando investigar se o feedback da sessão e a percepção desta influenciam o impacto da sessão. Relacionado a isto, estamos trabalhando em uma medida de percepção do terapeuta por parte da criança que chamamos de “Sobre Meu Terapeuta”. Ou seja, se elas vêem o terapeuta como colaborativo, muito intrusivo, brincalhão etc., e se isto influencia o resultado do tratamento.

Por último, o outro projeto é o estudo de esquemas em meninas com Transtornos Alimentares, tanto crianças quanto adolescentes, usando o questionário de esquemas de Stallard e vendo quais esquemas parecem ser mais prevalentes nessas meninas com esses transtornos. Na universidade em que trabalho, nós temos uma clínica muito grande de Transtornos Alimentares e, recentemente, temos começado a ver crianças pré-púberes com estes tipos de transtornos. Eu acho que terapeutas nessa clínica atendem crianças menores de 11 anos de idade.

RBTC: Quais são os desafios de trabalhar com crianças?

RF: Esta é uma pergunta difícil, porque eu acho que trabalhar com crianças é mais divertido do que trabalhar com adultos. Elas são mais transparentes e têm menos dificuldade de se engajar na terapia. Acho que o desafio na Terapia Cognitiva com crianças é que você deve torná-la divertida, animada. A criança deve se engajar ativamente no processo. A terapia não pode passar por cima da cabeça dela. Uma vez que você consegue fazer com que o estímulo se torne significativo, provocativo e emocionalmente evocativo, as crianças prontamente se engajam no tratamento.

A parte mais difícil de treinar psicólogos e psiquiatras é ajudá-los a serem mais informais. Muitas vezes, crianças são vistas como pequenos adultos e espera-se que elas conheçam as regras da terapia e funcionem dentro delas tal como um adulto faria, e este não é o caso. A Terapia Cognitiva deve ser colocada dentro de um contexto de desenvolvimento. A Terapia Cognitiva com uma criança de 5, 10 ou 12 anos de idade é muito diferente. Eu gosto muito de dizer para os meus supervisionandos: “você tem que brincar com a criança”. Se ela está com raiva, você deve participar deste processo, não distanciar-se dela. Com crianças ansiosas, nós temos que fazer coisas que sabemos que irão aborrecê-las e aumentar sua ansiedade, mas podemos fazer isto de uma forma divertida.

O uso do humor com crianças também é muito importante. Além da utilização de humor e de brinquedos, outra forma de fazer com que a Terapia Cognitiva se torne acessível e agradável para crianças é o desenho. Pode-se desenhar um registro de pensamento, ao invés de escrevê-lo. Também se pode usar um personagem de desenho animado, tal como o “Coping cat”, “Pandy the mouse” ou “Coping koala”. Você também pode fazer trabalhos manuais com a criança. Uma das coisas que fazemos é usar uma “coroa de pensamento”, que nada mais é do que uma coroa de cartolina que as crianças colocam em suas cabeças e depois pintamos uma pequena bolha na coroa, de modo que fica parecendo que o pensamento está saindo diretamente da cabeça da criança. Elas realmente entendem isso quando nós estamos falando sobre as coisas que passam pela cabeça delas.

Muitas vezes eu acho que os psicoterapeutas intelectualizam a terapia, como se ela se passasse toda na cabeça do terapeuta. Uma das coisas que eu gosto na terapia cognitiva é que ela é muito experiencial e me permite usar uma série de técnicas, tais como trabalhos manuais. Deixe-me usar um caso de uma criança com uma mãe superprotetora para exemplificar isto: eu atendia uma menina de nove anos, muito ansiosa, e nós criamos um kit de trabalho manual para que ela e a mãe pudessem fazer juntas um colar de continhas. Eu falei: “vá lá e faça o colar”. Então a menina pegou a caixa do kit e as continhas caíram por todos os lados. A mãe, muito aborrecida, foi imediatamente limpar a bagunça. Ela estava muito preocupada que a filha errasse e bagunçasse a sala. Este acontecimento foi um excelente momento para fazer um registro de pensamento do que estava passando pela cabeça da menina (“minha mãe vai me criticar porque as continhas saíram voando por todos os lados”) e da mãe (“ela vai errar e nós nunca vamos conseguir fazer este colar”). Como você pode ver, a criança tinha medos relacionados a perfeccionismo porque se ela cometesse um erro isto seria catastrófico, e este foi um grande momento para intervir nesses pensamentos. Eu acho que estas são as coisas que nós, enquanto terapeutas cognitivos, precisamos fazer para que a criança se engaje na terapia: brinquedos, trabalhos manuais e jogos.

RBTC: Crianças tendem a colaborar mais no processo terapêutico do que adultos?

RF: Acho que depende muito da criança. O que eu acho interessante é que você precisa brincar com a criança que não colabora e descobrir quais são as crenças que nós temos sobre evitação, não-colaboração e todas essas coisas.

RBTC: Existe algum tipo específico de transtorno que seja mais difícil de tratar em crianças?

RF: Essa é uma boa pergunta. O Mutismo Seletivo é muito difícil, para mim, sobretudo porque existem muitos fatores diferentes operando simultaneamente. Às vezes, pode haver uma ansiedade paralisante ou algum grau de oposição, o que faz com que eu tenha dificuldades em trabalhar efetivamente.

Acho que a grande maioria dos terapeutas tem dificuldade com Transtornos de Conduta. Os dados que possuímos sobre Transtornos de Conduta não são muito bons, exceto pela Terapia Familiar Multi-Sistêmica ou pela Abordagem de Solução de Problemas de Kasdan. Também existe um Programa de Manejo da Raiva de Lochman, que tem mostrado algum progresso, mas todos têm dificuldades com estes pacientes. Uma das razões desta dificuldade é que estas crianças raramente se apresentam à terapia sem algum grau de coerção por parte dos pais, da escola, ou do sistema de justiça infanto-juvenil, e inicialmente percebem o tratamento como castigo. Acredito que este seja um dos fatores que torna isso difícil para mim. O outro fator é que, em alguns casos, os pais abdicaram de seu papel, ou seja, quando a criança chega para ser atendida o problema já se tornou tão severo que os pais desistiram. Sentindo-se muitas vezes desamparados, não são capazes de atuar como reforçadores.

RBTC: Qual é a sua opinião sobre a utilização de técnicas tais como “externalização do problema” com crianças?

RF: Você está me perguntando sobre Terapia Narrativa, certo? Eu acho que um dos usos mais interessantes da técnica de externalização é o trabalho de John March com Transtorno Obsessivo Compulsivo, no sentido de fazer com que o paciente “grite com” ou “mande” no transtorno ao invés de ser subjugado por este. Esta é uma variação da técnica de externalização do problema. Outra é o trabalho de Greco e Eifert com famílias, Terapia Cognitivo-Comportamental Familiar, que utiliza muito a externalização do problema, em uma abordagem mais construtivista.

RBTC: Qual é a sua opinião sobre medicação psiquiátrica para crianças?

RF: Acho que depende muito do caso. Diria que provavelmente 70% das crianças que eu atendo estão medicadas. Tenho muita sorte porque trabalho em um excelente centro médico acadêmico, com profissionais maravilhosos, o que tem me permitido ver os benefícios da medicação. Penso que, como tudo na vida, ela tem suas vantagens e suas desvantagens, seus usos e seus maus-usos, mas os avanços na farmacologia têm ajudado muitas crianças, sobretudo aquelas com Depressão Severa, Transtorno Bipolar, TDAH grave, Asperger e Autismo. Por isso diria que tenho uma postura mais favorável ao uso de medicação em Terapia Cognitivo-Comportamental com crianças. Atendo algumas crianças bipolares com processos psicóticos. Não vemos muitos casos de Esquizofrenia infantil, mas esta é uma área muito nova. A Terapia Cognitivo-Comportamental com adultos esquizofrênicos e psicóticos em geral é muito promissora, o que faz com que suspeitemos que ela também seja uma intervenção efetiva para crianças, sempre e quando tivermos mais estudos sobre o assunto.

RBTC: Que mudanças o senhor acha que ocorrerão nas investigações e tratamentos no futuro?

RF: Deixe-me dar-lhe uma visão muito pessoal. Eu acho que uma das linhas de pesquisa mais interessantes em Terapia Cognitivo-Comportamental é o trabalho de Bruce Tropeda, John Weisz e Robin Weersing, que estuda abordagens modulares em contraposição a abordagens manuais. Este trabalho é realmente de ponta. O que eu acho que vai acontecer é que mais terapeutas começarão a desenvolver uma abordagem modular em relação à terapia, e isto facilitará o uso de tratamentos testados empiricamente. O que temos observado é que muitos terapeutas têm medo de utilizar uma abordagem manual e acabam não fazendo nada. Neste sentido, uma abordagem modular aproveita o que a abordagem manual tem de melhor e a torna mais acessível. Isto é muito excitante. Para mim, ser capaz de ajudar outras pessoas a fazerem uso do que é tão fascinante na Terapia Cognitiva é uma fronteira que me impele adiante.

 

 

Nota

1 Entrevista realizada no dia 8 de abril de 2006, na cidade do Rio de Janeiro.

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