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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.3 n.2 Rio de Janeiro dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Habilidades sociais em fumantes, não fumantes e ex-fumantes*

 

Social skills in smokers, non-smokers and ex-smokers

 

 

Vanessa Dordron de PinhoI; Angela Donato OlivaII

I Psicóloga (clínica particular), formação em Terapia Cognitivo-Comportamental, monitora voluntária da disciplina “Terapia Cognitivo-Comportamental” na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
II Doutora em Psicologia pela USP e Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi tentar preliminarmente conhecer a relação entre habilidades sociais e a condição de ser fumante, não fumante ou ex-fumante. A hipótese do presente estudo foi a de que os ex-fumantes seriam mais habilidosos socialmente. Foi aplicado o Inventário de Habilidades Sociais (IHS) em 148 pessoas. Os dados foram processados pelo SPSS versão 13.0 e foram realizadas análises descritivas e um cálculo de regressão múltipla. A amostra pequena, e alto nível de escolaridade impossibilitam generalizações para a população em geral. Embora a diferença não tenha sido significativa, as habilidades sociais se mostraram mais elaboradas entre os ex-fumantes, o que sugere a necessidade de novas investigações com um maior número de participantes para que fique mais clara a relação entre habilidades sociais e ser fumante, não fumante ou ex-fumante. A despeito de ser um estudo preliminar, os resultados seguem as tendências observadas em outros estudos nos quais são identificadas variáveis que atuam como fator de proteção ou de predisposição ao tabagismo, bem como fatores facilitadores do tratamento da dependência. Futuras investigações sobre o tema são necessárias para que possam ser aprimoradas estratégias preventivas e de tratamento do tabagismo.

Palavras-chave: Tabaco, Habilidades sociais, Dependência à nicotina.


ABSTRACT

The aim of this research was to try to apprehend the relation between social skills and being a smoker, a non-smoker or a former smoker. This study’s hypothesis was that former smokers would be more socially skilled. A social skills inventory was applied to 148 people. The data were processed by SPSS version 13.0 and descriptive analyses were made, as well as a multiple regressive calculation. The study was conducted with individuals with a high level of education and therefore did not allow for broader conclusions that could extend to the population as a whole. Despite no significant differences, former smokers seemed to display more elaborate social skills, which suggest that researches with a larger number of individuals are needed in order to clarify the relation between social skills and the condition of being a smoker, a non-smoker or a former smoker. Although this is a preliminary study, the results follow the same tendencies observed in other studies in which variables are identified that act like a protection or a favoring factor to tobacco addiction, as well as factors that facilitate the treatment of addiction. Future investigations on the subject are necessary to improve prevention strategies and the treatment of tobacco addiction.

Keywords: Tobacco, Social skills, Addiction to nicotine.


 

 

Introdução

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2000), o DSM-IV, incluiu em sua classificação e descrição o abuso de substâncias como um dos tipos de transtornos mentais. São apresentadas onze classes de substâncias capazes de levar a alterações importantes de comportamentos e causar dependência: álcool, anfetaminas, cafeína, maconha, cocaína, alucinógenos, inalantes, nicotina, opióides, fenciclidina e sedativos, hipnóticos e ansiolíticos. Tais substâncias podem levar a dois grupos de transtornos. O primeiro tem efeitos mais imediatos, decorrente do uso que delas se faz.  Esses efeitos podem ser circunstanciais ao uso, mas acarretam, em muitos casos, abuso ou dependência da substância. O segundo grupo de transtornos resulta de alterações mais ou menos permanentes cujas conseqüências transcendem aos efeitos imediatos do uso. Algumas podem se tornar irreversíveis, apesar de controláveis, como é o caso da Síndrome Wernicke-Korsakoff (SWK) que traz alterações de memória importantes decorrentes do abuso de álcool.

O abuso de substâncias pode levar, mais imediatamente, à dependência, cujo diagnóstico se caracteriza pela presença nas queixas do paciente de três ou mais dos sete critérios enumerados no DSM-IV (APA, 2000): 1. Tolerância à substância, com necessidade de quantidades progressivamente maiores para obter o efeito desejado; 2. Abstinência, ocorrendo após um período sem utilizar a substância e reversão dos sintomas com ingestão da mesma; 3. Consumo cada vez maior da substância e por um período maior do que o pretendido; 4. Tentativas mal-sucedidas para controlar (ou reduzir) o uso da substância, apesar do conhecimento de seus malefícios; 5. Gasto de tempo grande na obtenção da substância; 6. Abandono ou redução de importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas em virtude do uso da substância; 7. Uso continuado da substância a despeito de problemas físicos ou psicológicos decorrentes disso.

Os critérios que definem a dependência fisiológica são basicamente os seguintes: a) tolerância à substância, condição na qual se torna necessário aumentar cada vez mais a dose da droga para conseguir a produção do mesmo efeito; b) síndrome de abstinência, situação na qual havendo interrupção no uso da droga, os efeitos contrários são produzidos. Por exemplo: a nicotina provoca uma melhor capacidade de concentração; ao abandonar seu uso, os abstinentes reclamam de falta de concentração. Sabe-se, no entanto, que os dependentes químicos apresentam diferenças consideráveis relacionadas à tolerância e à abstinência.

McMullin (2005) faz uma distinção entre abusadores da substância e dependentes químicos. Para ele, os usuários de substâncias psicoativas identificados como abusadores usam a droga como uma “muleta” que os auxilia a enfrentar determinadas situações e para lidar com o estresse, frustrações, raiva e outras emoções ou por condicionamento a determinados estímulos externos. Supostamente, não teriam habilidades sociais ou pelo menos não julgam tê-las em grau suficiente para enfrentarem situações de problema. Diferentemente, os dependentes químicos apresentam predisposição genética para a dependência e, em geral, têm três ou mais parentes com problema similar. São severamente dependentes físicos da substância.

Essa distinção de McMullin (2005) pode abrir um caminho de investigação empírica. Os usuários sempre foram considerados de maneira igual, mas os resultados dos tratamentos de tabagismo indicam muita variabilidade no processo ou trajetória de abandono da substância por parte dos pacientes. Tamanha variabilidade pode ser explicada inteiramente pela técnica utilizada?  A adesão ao tratamento, o grau de motivação e preparação para a parada são fatores que ajudam nessa compreensão, mas há elementos bioquímicos relacionados ao problema.

 

O que leva um fumante a se tornar dependente?

Sabe-se que a nicotina (alcalóide responsável pela adicção ao tabaco) tem um papel fundamental na produção de dependência física que acompanha o hábito de fumar. Socialmente é bastante fácil utilizá-la. Não necessita de armazenamento especial e seu transporte não pesa &– cabe na bolsa ou no bolso. Pode-se levá-la para qualquer lugar. Mesmo que não se fume, sua presença dá, para alguns, conforto e segurança. Em relação ao uso da nicotina, pode ser útil no tratamento fazer a distinção proposta por McMullin (2005) entre abusadores e dependentes.

Para Gazzaniga e Heatherton (2005) a adicção ou dependência ocorre porque no nível neuroquímico as substâncias psicoativas agem em sistemas neurotransmissores do cérebro responsáveis pela motivação e emoção. Elas ativam mecanismos de recompensa ao liberar dopamina em áreas do cérebro conhecidas como centros de prazer.  O sistema cerebral mais importante envolvido no reforço positivo do uso de drogas é o sistema mesolímbico de dopamina, que conecta a área tegmental ventral ao nucleo accumbens.

De acordo com Gigliotti, Carneiro e Ferreira (2001) são muitos os fatores que predispõem ao uso do primeiro cigarro. Consideram relevantes para a deflagração disso, a imitação do comportamento de pais ou colegas fumantes, a enorme quantia de dinheiro que a indústria de tabaco emprega para induzir as pessoas a fumarem e fatores hereditários relacionados à modulação dos efeitos da nicotina e do humor. Estimam que um terço das pessoas que experimentam o primeiro cigarro venham a se tornar dependentes.

Os fumantes com dependência fisiológica à nicotina começam a perceber os primeiros sintomas da síndrome de abstinência em pouco tempo. Segundo Gigliotti et al. (2001), quando o uso do cigarro é interrompido, o fumante pode apresentar dificuldade de manter o alerta e a concentração, sonolência diurna e distúrbios do sono à noite, irritabilidade, ansiedade, sintomas depressivos, aumento do apetite e peso. Estes sintomas atingem o auge em dois ou três dias de abstinência.

Como apontam diversos estudos (Gigliotti et al., 2001; Gazzaniga & Heatherton, 2005), a nicotina promove um efeito recompensador no cérebro, que pode ser responsável pela manutenção do tabagismo. A nicotina age nos centros de prazer cerebrais, aumentando o desempenho cognitivo, o alerta, o bem-estar e o controle sobre emoções negativas e diminuindo a ansiedade e o apetite. Entretanto, esta substância também age em outros sistemas além do sistema nervoso central, como no sistema endócrino e no sistema cardiovascular, provocando efeitos adversos. Além da dependência, estudos indicam forte associação do tabagismo com diversos tipos de câncer, enfarte, morte precoce e com outras doenças graves (Otero et al., 2006; Gigliotti et al., 2001).

Outro fator que também pode estar relacionado ao início e manutenção do uso de uma droga é a expectativa de resultados positivos no âmbito físico, psicológico, etc, que se refere às “expectativas sobre o que acontecerá como um resultado do engajamento no comportamento” (Marlatt & Gordon, 1993, p.122).

Avalia-se, a partir dos estudos de Marlatt e Gordon (1993), McMullin (2005), Caballo (2003), entre outros, que muitos dependentes percebem a si mesmos como incapazes de lidar com situações sociais de conflito. Subestimam a si próprios como agentes eficazes de resolver confrontos e buscam saídas idealizadas ou irreais para tais conflitos. Eles encontram no uso de substâncias psicoativas uma saída, se não ideal, mas a que se configura possível para diminuir ansiedade e dificuldades. Minimizar suas inabilidades sociais e maximizar o potencial de ação da substância pode estar na base da aderência às drogas no caso de abusadores.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido utilizada com bastante sucesso no tratamento das dependências químicas como destacam diversos estudos (Sardinha, Oliva, D’augustin, Ribeiro & Falcone, 2005; Otero et al. 2006). Em linhas gerais, o programa busca informar ao fumante sobre os riscos do tabagismo e os benefícios de parar de fumar, apoiar o paciente durante o processo de cessação, fornecendo orientações para que possa lidar com a síndrome de abstinência. Especificamente, ajuda o paciente a desenvolver estratégias de enfrentamento diante das situações de risco e a identificá-las. Há um treinamento sobre o manejo de emoções negativas e incentiva-se o próprio paciente a criar estratégias eficazes para determinadas ocasiões.

Os programas de tratamento baseados em TCC cumprem, de um modo geral, as seguintes etapas, conforme relata o estudo de Sardinha et al. (2005): entrevista de triagem, sessão de preparação, sessões (semanais) que objetivam a parada e sessões (quinzenais) cujo objetivo é a manutenção da parada.

Da mesma forma que há fatores predisponentes ao uso do cigarro (ou outras substâncias psicoativas), há aqueles que podem proteger do uso. Os estudos de Forster, Barros, Tannhauser e Tannhauser (1992); Muza e Costa (1993); Segat, Santos, Guillande, Pasqualotto e Benvegnu (1998); Rosseto, Rosseto Júnior e Rosseto (2002); Halty et al. (2002); Rondina, Gorayeb e Botelho (2003); Kroeff et al. (2004); Rondina, Gorayeb, Botelho e Silva (2005) arrolam uma série de variáveis que precisam ser consideradas nesse processo. Fatores tais como religião, estado civil, profissão, escolaridade etc., podem influenciar no processo de tratamento e abandono de substâncias que levam à dependência.

Em função do que foi aqui exposto, cabe propor algumas questões: que fatores podem predispor um indivíduo à dependência? Que fatores podem facilitar o abandono de certas substâncias? Por que alguns usuários de substâncias químicas se tornam dependentes? Por que alguns apresentam grande dificuldade para largar o vício?

A problemática do uso de drogas é algo muito complexo. Para que se possa compreender, tratar e prevenir o problema da dependência química é preciso tratar a questão a partir de diferentes perspectivas e, ao mesmo tempo, empreender um esforço para integrá-las de maneira compreensiva. Há fatores sociais, culturais, psicológicos, genéticos, neuroquímicos, entre outros, inter-relacionados e colaborando para que se inicie ou se mantenha o uso de substâncias psicoativas.

No entanto, o que se observa a partir da revisão de literatura, é que há poucas investigações sobre os fatores psicossociais envolvidos no processo da dependência. Há muitos estudos sobre o tabagismo e métodos de tratamento. Há grande número de trabalhos descritivos. Porém as perguntas sobre os aspectos contextuais que levam uma pessoa a se tornar dependente da nicotina e resistente ao tratamento, ainda merecem investigação mais minuciosa. Aspectos teóricos também precisam ser considerados e desenvolvidos.

A prática clínica em atendimento com fumantes indica que a falta de destreza em situações sociais variadas pode ser considerada como um fator desencadeante para fumar. Não foram encontrados na literatura muitos estudos relacionando aspectos sociais, gerais ou específicos, ao comportamento de fumar. Um dos primeiros trabalhos que esboçam mais claramente essa relação é o de Shiffman, Read, Maltese, Rapkin e Jarvik (1993). Resultados de uma pesquisa realizada com 167 fumantes, que ingressavam em programas de cessação do tabagismo, apontaram para a existência de pelo menos dois tipos de situações sociais que funcionavam como fatores desencadeantes do comportamento de fumar. Aquelas em que os pacientes recebem (e lêem) sinais do contexto e das pessoas que predispõem ao fumar. E situações nas quais se usa o cigarro para manejar sentimentos de impotência ou falta de destreza para lidar com relações interpessoais, mesmo que não conflituosas.

O estudo de Caballo (2003) enfatiza, mais especificamente, que a falta de habilidades sociais pode contribuir para a dependência, especialmente pelo uso instrumental que as substâncias psicoativas aparentam propiciar em contextos sociais. De acordo com esse autor, evidências empíricas sugerem que não possuir habilidades sociais suficientes poderia estar relacionado ao uso de outras drogas além do álcool, ou seja, independentemente do que leva a um repertório diminuto de habilidades sociais, o uso de drogas fica associado, em sociedades ocidentais, como um meio para enfrentar a vida diária ou fortes pressões externas. Em problemas de dependência química, os usuários, com freqüência, enfrentam as situações sociais que consideram difíceis com a ajuda de alguma substância, ao invés de manifestar comportamento assertivo.

Parece ser importante, portanto, investigar mais cuidadosamente como as habilidades sociais individuais se relacionam com a dependência química. Elas poderiam ser facilitadoras das mudanças que se fazem necessárias para o paciente acabar com a dependência?

Para responder a essa pergunta, o presente estudo buscou conhecer algumas características de fumantes, não fumantes e ex-fumantes, incluindo seus níveis de habilidades sociais, além da faixa etária, sexo, estado civil, nível de escolaridade, prática de esportes, prática religiosa e uso de álcool. Outro objetivo da pesquisa foi investigar se as habilidades sociais de fumantes, não fumantes e ex-fumantes poderiam estar correlacionadas com a condição atual dos participantes. A hipótese subjacente é a de que os ex-fumantes apresentem mais habilidades sociais do que os participantes dos outros grupos.

Uma das razões para a escolha da nicotina deveu-se ao fato de que, dentre as drogas lícitas, é a de mais fácil manejo em inúmeras situações sociais, apesar da existência de leis que restringem locais para fumar. Com isso, espera-se contribuir para um maior conhecimento acerca dos fatores que podem estar relacionados ao uso do cigarro.

 

Método

 

Participantes

Como o foco de interesse do presente estudo foi investigar relações entre variáveis optou-se, como freqüentemente é feito em psicologia e ciências sociais, por utilizar uma amostra não probabilista acidental (Seidl de Moura & Ferreira, 2005). Foram selecionadas as primeiras 150 pessoas que se dispuseram a voluntariamente colaborar no estudo respondendo ao questionário de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001) a partir de divulgação realizada no curso de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dois dos participantes tiveram de ser eliminados do estudo por não terem o grau mínimo de escolaridade exigido pelo instrumento utilizado (ensino médio completo). Os participantes foram alocados em grupos de acordo com a condição: 51 não fumantes, 43 ex-fumantes, 45 fumantes regulares e 9 fumantes ocasionais. Para fins de análise estatística, estes últimos foram agrupados com os fumantes regulares. A idéia de ter um grupo de não fumantes foi para que funcionasse como um grupo de controle. Não se trata de uma amostra verdadeiramente aleatória, mas para a finalidade deste estudo aceitou-se que as primeiras pessoas que respondessem ao contato seriam os participantes do estudo, de modo a completar 50 pessoas em cada condição. Isso caracteriza uma amostra probabilística acidental utilizada com freqüência em Psicologia e Ciências Sociais e tal escolha levou em consideração os objetivos do estudo, que eram principalmente os de estabelecer relações entre variáveis e não o de descrever acuradamente as características de uma população de modo a representa-la. (Cf. Seidl de Moura e Ferreira, pp. 53-54, 2005). Obviamente tudo isso foi levado em consideração de modo a não serem feitas generalizações dos resultados para a população. O estudo serviu como um piloto para estudos posteriores.

Participaram ao final 148 pessoas, pois dois participantes não apresentavam escolaridade mínima, sendo 85 mulheres e 63 homens com média de idade de 39,21 anos, todos com nível de escolaridade médio completo ou superior. Destes, 50% informaram ser casados, 64% disseram não praticar esportes, 53% disseram ser praticantes de alguma religião e 50% declararam utilizar álcool em situações sociais.

 

Instrumentos utilizados

Para conhecer as habilidades sociais dos participantes foi utilizado o Inventário de Habilidades Sociais (IHS), de Del Prette e Del Prette (2001). Uma das normas de uso do IHS é em relação à escolaridade mínima. Ele só pode ser aplicado em pessoas que tenham escolaridade a partir do ensino médio completo (antigo segundo grau). Isso obviamente trouxe um viés para a amostra deste estudo em relação ao “nível educacional”.

Para conhecer as características dos participantes de cada grupo (fumantes, não fumantes e ex-fumantes), foi elaborado um questionário específico (ANEXO A). Este questionário foi construído considerando-se o resultado de outras pesquisas que apontavam alguns fatores como “protetores” do uso de drogas e outros como “facilitadores” do uso de drogas. Por exemplo, as práticas religiosas e esportivas foram apontadas como fatores protetores para ambos os sexos. Ser casada ou ter um companheiro apresentava essa característica para as mulheres. Já a baixa escolaridade e o uso de álcool ficaram mais associados ao uso de drogas. Ser jovem também foi apontado como fator de risco nesses estudos.

O critério escolhido para definir fumante regular, fumante ocasional, ex-fumante e não fumante foi o mesmo de Halty et al. (2002) e pode ser encontrado no Anexo A (item 8).

 

Procedimentos

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e aprovado, como consta no parecer 048/2006.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas iniciou-se a aplicação dos instrumentos. Os participantes assinaram o termo de consentimento em duas vias, sendo que uma das vias era entregue a eles e a outra ficava com o pesquisador.

O questionário foi entregue a cada participante para ser respondido individualmente.

 

Tratamento estatístico

As respostas obtidas no IHS e os dados para caracterização da amostra foram tabulados e analisados descritivamente. Foi feito um cálculo de regressão múltipla e algumas correlações com o programa estatístico SPSS &– versão 13.0.

 

Resultados e discussões

 

Habilidades sociais em fumantes, não fumantes e ex-fumantes

O repertório de habilidades sociais foi classificado em deficitário, médio ou elaborado. De acordo com Del Prette e Del Prette (2001), o repertório é considerado deficitário quando se situa no percentil 25 ou abaixo; repertório médio está situado entre os percentis 25 e 75; a partir do percentil 75, o repertório é considerado elaborado e indica maiores escores em habilidades sociais.

Os dados em relação às habilidades sociais podem ser observados na tabela 2. Eles indicaram os seguintes resultados:

a) classificação de repertório deficitário: um percentual de 16,7% no grupo de fumantes e 11,6% no grupo de ex-fumantes.

b) classificação de repertório elaborado: um percentual de 37% no grupo de fumantes e 48,8% no grupo de ex-fumantes.

Esses números seguem a direção da hipótese, ou seja, há um maior número de pessoas com poucas habilidades sociais no grupo de fumantes e um número menor de pessoas com essa característica no grupo de ex-fumantes. Os resultados também mostraram que há mais ex-fumantes com repertório elaborado de habilidades sociais do que fumantes, configurando uma tendência consistente com a hipótese. Contudo, o número de participantes nos grupos foi pequeno e isso pode ter contribuído para que as diferenças não fossem significativas estatisticamente.

A tabela 1 indica a freqüência e a porcentagem de fumantes, não fumantes e ex-fumantes com repertório deficitário, médio ou elaborado de habilidades sociais.

 

 

Interpreta-se, a partir desses resultados, que a hipótese sobre as habilidades sociais atuarem facilitando o processo de abandono do tabagismo não pode ser descartada. Estudos com mais participantes é o que se sugere para que os resultados fiquem mais claros. Se essa hipótese for corroborada em estudos posteriores, terá importância no tratamento do tabagismo, incluindo uma parte de treino de habilidades sociais (THS).

O percentual de mais de 80% de repertório médio e elaborado de habilidades sociais entre os fumantes desse grupo poderia ser decorrente do hábito de fumar para enfrentar situações sociais consideradas difíceis. Por mecanismos associativos simples, os fumantes passam a se perceber como pessoas mais hábeis do que realmente seriam. O uso constante do cigarro como estratégia de enfrentamento em situações sociais adversas poderia levar muitos fumantes a superestimarem suas habilidades sociais. Isso precisaria ser melhor investigado, pois não se pode estabelecer, a partir desses resultados, que haja uma relação na qual o hábito de fumar aumentaria o repertório de habilidades sociais. Foi feita essa consideração para esse grupo em virtude do percentual encontrado nos resultados, mas essa relação pode ter ocorrido por diferentes fatores não controlados na amostra.

As variáveis: religião, prática de esporte, sexo, estado civil, nível de escolaridade, idade e uso de álcool foram associadas ao uso do cigarro.

 

 

A tabela 2 indica a freqüência e a porcentagem de participantes em cada característica estudada.

Para essa análise, foi utilizado o cálculo da regressão &– que nos permite isolar as variáveis independentes e verificar o poder de influência de cada uma delas sobre a variável dependente (fumar).  Essa análise indicou que apenas dois fatores ou variáveis foram preditores da variável dependente: a faixa etária (significância de 0,000) e o uso de álcool (significância de 0,001). A interpretação desses dados é preliminar e novas investigações precisam ser realizadas.

Em relação ao fator idade, por exemplo, o estudo indicou grande concentração de não fumantes na faixa dos 21 aos 30 anos, com percentual de 66,6%. Há mais fumantes na faixa dos 41 aos 50 anos, com percentual de 48,1%. O maior número de jovens não fumantes não segue a tendência apontada pelo estudo de Rosseto et al. (2002). Uma possível explicação para isso seria o fato de que os jovens do presente estudo possuem alta escolaridade. Estudos como o de Forster et al. (1992) e Kroeff et al. (2004), apontam maior prevalência de tabagismo entre pessoas com escolaridade mais baixa.

Além disso, há uma tendência dos jovens de aderirem aos valores da chamada “geração saúde”, com culto ao corpo, alimentação equilibrada, prática de esportes, etc. Além disso, a propaganda tabagística é proibida e as campanhas de saúde pública contra o tabaco vêm enfatizando mais o seu lado maléfico que o positivo.

Seguindo essa linha argumentativa, a maior concentração de fumantes e ex-fumantes na faixa que vai dos 41 aos 50 anos parece refletir bem as condições sócio-culturais vividas por essa outra geração, que na juventude foi influenciada por valores de liberdade, independência, revolução, contestação de antigos costumes e foi fortemente marcada pela propaganda tabagística. A mídia das décadas de 60-80 apresentava fortemente a imagem de cigarro como símbolo de poder, prestígio social, charme e liberdade sexual.

Em relação a variável “uso de álcool” os resultados indicaram que 51% de não fumantes não bebem e 49% bebem socialmente.  Já entre os que fumam, apenas 24% não fazem uso de álcool, 50% bebem socialmente e os demais bebem semanalmente ou diariamente. O álcool e o tabaco são drogas lícitas socialmente e podem estar sendo usadas como estratégia de enfrentamento em situações interpessoais difíceis. Pode-se interpretar esses resultados como uma tendência de que quem bebe não necessariamente fuma, mas quem fuma geralmente bebe.

A variável “nível de escolaridade” não apresentou diferença significativa, mas os dados mostram a tendência já delineada por outros estudos de que maior escolaridade estaria associada a índices menores de fumar. O estudo também indicou que há mais fumantes e ex-fumantes nos grupos de pessoas casadas, mas sem diferença significativa. Esse resultado não corrobora o que foi descrito por Kroeff et al. (2004), no qual ser casada ou ter um companheiro funcionava como fator de proteção contra o fumo em mulheres. A prática de esportes não estava na rotina da maioria dos participantes desta pesquisa. Assim, os resultados não corroboraram o estudo de Muza e Costa (1993), que sinalizaram que a prática esportiva é um fator de proteção contra o tabagismo.

Os resultados mostraram que 69,8% dos ex-fumantes são praticantes religiosos. Essa tendência também foi observada por Muza e Costa (1993). Uma interpretação é de que a prática religiosa pode funcionar como inibidora do uso de cigarro.

 

Considerações finais

Devemos considerar algumas limitações na presente pesquisa, como uma amostra pequena, com escolaridade superior à média educacional da realidade brasileira e composta apenas por participantes da capital do Rio de Janeiro. As características restritas desta amostra não permitem generalização dos resultados, mas, ainda assim, relações interessantes foram apontadas entre o tabagismo e algumas variáveis e merecem ser melhor estudadas futuramente.

A relação entre ser ex-fumante e apresentar repertório elaborado de habilidades sociais, apesar de não significativa, é indicativa de que essa é uma relação que necessita ser compreendida de maneira mais acurada. Contudo, o número de sujeitos deverá ser bem maior do que o do presente estudo e faz-se necessário o desenvolvimento de instrumentos que possam ser utilizados por pessoas sem restrição quanto ao nível de escolaridade.

O retrato que a pesquisa revela pode não ser o mais nítido, mas funcionou como um piloto. Espera-se, por intermédio desses caminhos investigativos, contribuir, de alguma forma, com subsídios para a elaboração de melhores estratégias promotoras de saúde, tanto em termos de prevenção quanto de tratamento do tabagismo.

Ressalta-se, finalmente, que a dependência ao tabaco está associada a uma interação complexa entre diversos fatores bio-psicossociais e que a inclusão das habilidades sociais pode cumprir um papel importante na compreensão desse processo. Espera-se, a partir do enfoque das habilidades sociais, contribuir para ampliar tal entendimento considerando especificamente a relação entre o desempenho interpessoal e o tabagismo, incentivando investigações futuras por parte dos pesquisadores da área de saúde.

 

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Segat, F. M.; Santos, R. P.; Guillande, S.; Pasqualotto, A. C. &  Benvegnu, L. A. (1998). Fatores de risco associados ao tabagismo em adolescentes. Adolesc. Latinoam., 1 (3), 163-169.

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Endereço para correspondência
Vanessa Dordron de Pinho
Rua Matutina, 141, Jardim Novo, Realengo
Rio de Janeiro, RJ. CEP: 21745-230.
E-mail: vanessanessapsi@gmail.com
Ângela Donato Oliva
E-mail: angeladonatoliva@uol.com.br

Recebido em: 26/09/2007
Aceito em: 26/12/2007

 

 

Notas

* Agradecimentos a Rafael Vera Cruz de Carvalho e à professora Maria Lucia Seidl de Moura pela ajuda nas análises estatísticas e também à professora Rita de Cássia Silva Weigel Borges pela correção do texto em Inglês. Este trabalho foi apresentado como monografia de conclusão da graduação do Instituto de Psicologia da UERJ, ano 2007.

 

 

ANEXO A

Por favor, responda esse questionário com atenção. Ele faz parte da pesquisa “Habilidades sociais e perfil de fumantes, não-fumantes e ex-fumantes”, e visa conhecer o perfil dos participantes de cada grupo.

1) IDADE: ______
2) SEXO: M (  )      F (   ) 

 

3) NÍVEL EDUCACIONAL:
(1) ENSINO FUNDAMENTAL   (a) COMPLETO   (b) INCOMPLETO
(2) ENSINO MÉDIO              (a) COMPLETO   (b) INCOMPLETO
(3) ENSINO SUPERIOR         (a) COMPLETO   (b) INCOMPLETO

 

4) ESTADO CIVIL:    (1) SOLTEIRO     (2) CASADO     (3) SEPARADO   (4) VIÚVO          

 

5) PRATICA ATIVIDADES ESPORTIVAS?   (1) NÃO   (2) SIM

 

6) PRATICA ALGUMA RELIGIÃO?             (1) NÃO   (2) SIM  

 

7) FAZ USO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS?
(1) NÃO
(2) SOCIALMENTE
(3) SEMANALMENTE
(4) DIARIAMENTE

 

8) EM QUAL DAS CATEGORIAS ABAIXO VOCÊ SE ENCAIXA:
(1) FUMANTE REGULAR &– faz uso de 1 cigarro ou mais por dia há pelo menos 6 meses
(2) FUMANTE OCASIONAL &– fuma esporadicamente ou menos de 1 cigarro por dia há pelo menos 6 meses
(3) EX-FUMANTE &– abandonou o cigarro há pelo menos 6 meses
(4) NÃO-FUMANTE &– não se encaixa em nenhuma das opções acima descritas

 

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