SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número1Impacto da co-terapia no tratamento do TEPT com terapia cognitivo-comportamentalTranstornos de ansiedade na criança: um olhar nas comunidades índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Ensino de terapia cognitivo-comportamental em cursos de graduação em psicologia: um levantamento nos estados do Paraná e de São Paulo*

 

Teaching cognitive-behavioral therapy in undergraduate courses in psychology: a survey in the states of Parana and Sao Paulo

 

 

Carmem Beatriz NeufeldI; Gabriela Salim XavierII; Juliane Denise StockmannIII

IDoutora em Psicologia pela PUCRS, Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IIEstagiária do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC do Curso de Psicologia do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IIIGraduada em Psicologia pela Faculdade Assis Gurgacz - Cascavel - PR

Correspondência

 

 


RESUMO

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é um referencial teórico da Psicologia definida como uma abordagem breve e que tem como objetivo a intervenção em pensamentos, emoções e comportamentos considerados disfuncionais. Apesar de ser uma prática recente no Brasil, vem despertando grande interesse por parte dos profissionais da área da saúde e dos estudantes de graduação. Neste ínterim, o presente trabalho teve por objetivo investigar a presença da TCC nos Cursos de Graduação em Psicologia dos Estados do Paraná e de São Paulo. Para a coleta dos dados, foram contatados através de correio eletrônico ou via telefone todos os Cursos de Graduação em Psicologia autorizados pelo MEC até o ano de 2009. Foi solicitado acesso ao ementário e/ou ao plano de ensino das disciplinas que referiam conteúdos de TCC. Nos Cursos de Graduação onde não se obteve resposta, buscou-se acesso a informação pública disponível na página eletrônica das instituições tais como: a matriz curricular do curso e/ou a ementa da disciplina mencionada. Os resultados apontam para um movimento de inserção da TCC nos Cursos de Graduação em Psicologia, sendo essa presença mais marcante no Estado de São Paulo do que no Paraná.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental; Ensino de Graduação; Paraná; São Paulo.


ABSTRACT

The Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) is a theoretical line of psychology defined as a brief approach and that aims to modify thoughts, emotions and behaviors that are considered dysfunctional. Despite being a recent practice in Brazil, it is attracting great interest from health professionals and graduate students. In the meantime, this study aimed to investigate the presence of CBT in Undergraduate Courses in Psychology of the Brazilian states of Parana and Sao Paulo. To collect the data, were contacted via email or via phone all Undergraduate Courses in Psychology approved by MEC until the year 2009 in both states. Was requested access to the syllabus and / or the syllabus of the subjects who reported the contents of CBT. Undergraduate courses in which there was no response, we sought access to public information available on the website of institutions such as the curricular course and / or the menu in the discipline mentioned. The results indicate a movement of insertion of CBT in Undergraduate Courses in Psychology, being a more prominent presence in Sao Paulo than in Parana.

Key words: Cognitive-Behavioral Therapy; Undergraduate Teaching; Sao Paulo; Parana.


 

 

INTRODUÇÃO

A notoriedade das abordagens cognitivo-comportamentais tem crescido consideravelmente, o que leva estas a serem assinaladas na literatura como abordagens validadas internacionalmente. Tais indicações além da eficácia de seus procedimentos têm aumentado sua popularidade e as têm levado à condição de "paradigmas dominantes" na área da psicologia clínica internacional (Dobson & Scherrer, 2004).

Não obstante, sua integração com as neurociências vem corroborando e contribuindo para uma construção mais apurada de conhecimentos relacionados às funções da cognição e da emoção para compreensão de transtornos psicológicos (Falcone & Malagris, 2006). A combinação desses resultados de pesquisas tem amalgamado a difusão das abordagens cognitivo-comportamentais para além das disciplinas relacionadas ao saber psicológico, conferindo-lhe notoriedade nas outras áreas das ciências da saúde humana.

Além disso, Peres e Nasello (2005a) ressaltaram que os avanços tecnológicos trarão progressivamente a identificação mais precisa de circuitos neurais associados aos transtornos psicológicos. Atualmente os efeitos neurobiológicos das Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCC) têm sido vastamente demonstrados em estudos (Peres & Nasello, 2005b; Otto & Deveney, 2005; Wang, Wang & Tsai, 2005) no intuito de cada vez mais estimular nos pacientes o desenvolvimento de suas atividades neurais deficitárias.

Assim, esta interação com outras áreas como, por exemplo, as neurociências, a psicopatologia, a psicobiologia, a sociobiologia, a psicologia cognitiva experimental, a psicologia sociocognitiva e a psicofarmacologia tem sedimentado e fortalecidos as TCC no meio científico. Tais diálogos exemplificam uma das características principais destas abordagens: a ênfase em nortear suas intervenções psicoterapêuticas nos dados de pesquisa de diferentes áreas, tornando-as essencialmente integrativas (Pergher & Stein, 2005).

Knapp (2004) aponta que as TCC partem do pressuposto que o processo da cognição é responsável pela mediação do comportamento e da emoção. Assim, um mesmo evento pode ser avaliado como agradável para uma pessoa, levando a um comportamento de aproximação, ou para outra, como ameaçador, provocando ansiedade e esquiva.

Cabe ressaltar ainda, o papel do terapeuta nas TCC. Cottraux e Matos (2007) descreveram o terapeuta como um catalisador cuja função é ajudar o paciente a se "autonomizar", favorecendo o aumento das suas competências pessoais e sociais para a gestão da sua vida, em relação a si e aos outros. Seu papel ativo inclui a mediação do crescimento individual, ensinando ao cliente a tomar conta de si, devolvendo-lhe a gestão da sua própria vida, através de um processo de desenvolvimento pessoal e social.

No entanto, as abordagens cognitivo-comportamentais congregam uma série de autores, teorias e técnicas distintas. Em uma recente revisão, Rangé, Falcone e Sardinha (2007) apresentaram de forma clara e contundente uma proposta baseada na literatura que divide as abordagens em 3 grandes grupos: os modelos de reestruturação cognitiva representados principalmente por Beck e Ellis; os modelos construtivistas representados principalmente por Mahoney, Neimeyer, Guidano, Liotti, Gonçalvez e Greenberg, e os cognitivo-comportamentais representados principalmente por Meichenbaum, Barlow e Lineham. Além destes, os autores indicam ainda a proposta de Young como um possível modelo integrativo das duas primeiras posições teóricas (para informações detalhadas consultar além de Rangé, Falcone & Sardinha, 2007; Dobson & Scherrer, 2004; Costa, 2002).

O presente trabalho considerou essa diversidade que compõem as TCC, para proferir o levantamento do ensino das TCC nos Cursos de Graduação em Psicologia nos Estados do Paraná e de São Paulo. No entanto, antes de apresentar o estudo propriamente dito, será conduzida uma breve reflexão sobre as diretrizes que norteiam a Graduação em Psicologia no Brasil e retomados alguns aspectos históricos do desenvolvimento da TCC no Brasil. Essa reflexão tem o intuito de familiarizar o leitor com os dois pilares que nortearam a motivação para o estudo: o perfil de profissional de psicologia a ser formado e o desenvolvimento da TCC no Brasil.

A perspectiva das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)

As DCN correspondem às orientações sobre princípios, fundamentos e condições de oferecimento e procedimentos para o planejamento, a implementação e a avaliação de um Curso de Graduação. As DCN dos Cursos de Graduação em Psicologia tiveram sua primeira versão formal em 1999, no entanto, o debate em prol de uma construção coletiva de DCN remonta à década de 70. Os documentos que refletem essa trajetória podem ser consultados no site da Associação Brasileira de Psicologia (ABEP, 2010).

As DCN dos Cursos de Graduação em Psicologia foram instituídas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, na resolução nº 8, de 7 de maio de 2004 (CNE/CES - D.O.U., 18/05/2004). De acordo com estas, os Cursos de Graduação em Psicologia tem como objetivo principal a formação do Psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia, garantindo uma formação baseada em princípios e compromissos éticos, técnicos e sociais. Cabe ressaltar, igualmente, que as diretrizes em vigor primam pela formação generalista, opondo-se ao direcionamento dos Cursos de Graduação em Psicologia tanto para áreas quanto para abordagens teóricas prioritárias. Nesse sentido, o "espírito" das diretrizes é pela diversidade de saberes e práticas em Psicologia.

Tal pressuposto fundamenta a substituição de uma tradição curricular caracterizada pela enunciação de disciplinas e conteúdos programáticos por diretrizes curriculares baseadas em competências e habilidades profissionais. Essa transição exige o estabelecimento de acordos sobre um conjunto de desempenhos e habilidades, sobre a identidade profissional do psicólogo que também sofreu alterações no período citado, o que remete à mudança de papel na sociedade contemporânea e aos novos campos de atuação que tangem à Psicologia (ABEP, 2010).

Assim sendo, neste contexto, sendo a TCC uma nova abordagem teórico-metodológica que vem se destacando cientificamente, deveria então ser ministrada nos cursos de graduação, garantindo a "base homogênea" dos psicólogos formados no País. Tal conclusão justifica a importância do presente estudo, visto que a formação generalista que deve ser adotada pelos cursos de graduação pressupõe a diversidade em estudar o fenômeno psicológico.

O desenvolvimento da TCC no Brasil

O artigo de Rangé, Falcone e Sardinha (2007) sistematizou em uma publicação a história da TCC no Brasil, tomando por base os Estados pioneiros. Por não se tratar do objetivo deste trabalho deter-se neste tópico, sugere-se outras leituras para aprofundamento do tópico (para informações detalhadas consultar além de Rangé, Falcone & Sardinha, 2007; Dobson & Scherrer, 2004; Abreu, Ferreira & Appolinário, 1998). No presente trabalho, esta secção visa apenas retomar alguns aspectos que parecem ser relevantes para as discussões futuras sobre os resultados encontrados nos dois Estados estudados. Além disso, esta secção visa registrar a história da TCC no Estado do Paraná, uma vez que a mesma não foi mencionada nos textos clássicos citados anteriormente por se tratar este de um Estado aonde a TCC vem se desenvolvendo apenas mais recentemente.

Ao final da década de 80 a notoriedade das TCC exerceu influência suficiente para constituir-se em um movimento visível no Brasil. Rangé e Guilhardi (1995) ponderaram que a adesão dos profissionais brasileiros aos novos modelos cognitivo-comportamentais de intervenção se deu apenas 20 anos após o início de seu movimento no mundo, em vista da insuficiência dos recursos da informática e do acesso mais restrito à literatura científica internacional. Esse movimento parece ter se fortalecido inicialmente em São Paulo (Abreu, Ferreira & Appolinário, 1998) e no Rio de Janeiro, tornando estes Estados pioneiros no desenvolvimento da TCC no Brasil (Rangé, Falcone & Sardinha, 2007).

Os anos 90 caracterizaram-se pela rápida difusão e consolidação do movimento cognitivo-comportamental nos Estados pioneiros, e pela entrada e expansão gradativa das TCC no Rio Grande do Sul. Neste Estado a chegada da TCC veio diretamente do contato com o Beck Institute, e tornou-se tão profícuo que no ano de 1998, em Gramado foi fundada a Sociedade Brasileira de Terapias Cognitivas (SBTC). Nos anos 2000, a Paraíba e a Bahia tornaram-se destaque no desenvolvimento da TCC. Neste mesmo período, o Estado de Santa Catarina desponta para o cenário da TCC, onde o desenvolvimento da abordagem cresce de forma sólida. Em 2009 a SBTC torna-se FBTC - Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC, 2010).

O Paraná teve seu contato inicial com TCC neste mesmo período, com a criação de cursos e eventos em um Estado onde pouco se falava em TCC. Para exemplificar, podemos citar que, em 2002, a SBTC contava com dois associados no Paraná: Maria das Graças Razera em Foz do Iguaçu e Carmem Beatriz Neufeld em Cascavel (site da SBTC consultado em 25 de maio de 2002). Em 2003, Carmem Beatriz Neufeld ofereceu o primeiro curso de aperfeiçoamento em Cascavel intitulado "Bases da Terapia Cognitiva", o primeiro curso do interior e um dos primeiros do Estado paranaense. Seguem-se a este, outros cursos e eventos como a conferência e um curso ministrado em Cascavel por Renato Caminha (presidente da SBTC na época) em maio de 2005 e o primeiro Curso de Formação em TCC no Paraná ao final de 2006 (C.B. Neufeld, comunicação pessoal em 4 de abril de 2009).

Paralelamente, em Curitiba, Paulo Knapp realizou o primeiro encontro de TCC em 2006 e o Curso de Formação em 2007 (ATC-PR, 2010). Salmo Zugmann e Marco Callegaro lançaram em 2007 o primeiro Curso de Especialização em TCC pelo Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC, 2010). Em 2008 foi fundada a Associação de Terapia Cognitivo-Comportamental do Paraná (ATC-PR), tendo Gláucio Luiz Bachmann Alves como seu primeiro presidente. Em 2010 a ATC-PR promoveu seu primeiro grande evento, um Workshop internacional com Paul Stallard, confirmando a consolidação da TCC no Estado (ATC-PR, 2010).

Esta breve retomada histórica mostra que os dois Estados estudados diferem inicialmente em termos de tempo de atuação em TCC. O Estado de São Paulo divide com o Rio de Janeiro o pioneirismo da atuação nesta abordagem, tendo uma história tão profícua que praticamente se confunde com a própria história da TCC no Brasil. Já o Estado do Paraná solidifica ações mais coletivas de divulgação das TCC mais de dez anos depois do início do movimento nos Estados pioneiros, tendo um contato muito mais tímido com a abordagem que vem se fortalecendo na atualidade.

Portanto, a TCC no Brasil completou recentemente vinte anos e muitos psicólogos ainda não tiveram contato com a mesma. Pressupondo-se que a apresentação da abordagem ainda na graduação constitui-se em um caminho fundamental para a difusão e expansão da TCC, avaliar em que extensão a mesma se encontra representada poderá auxiliar na proposta de estratégias de divulgação tanto para a FBTC quanto para as ATC. O presente trabalho visou mapear a extensão da TCC no ensino de graduação dos dois Estados participantes, uma vez que esta é atualmente uma das psicoterapias mais bem validadas cientificamente no tratamento da maioria dos transtornos psicológicos. Para tanto, foi investigado se a TCC é abordada nos Cursos de Graduação em Psicologia dos Estados do Paraná e de São Paulo e, em caso afirmativo, qual a extensão de sua inserção e o conteúdo ministrado.

 

MÉTODO

Participantes

Em consulta ao site da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP, 2008; 2009), foram relacionados todos os Cursos de Graduação em Psicologia autorizados pelo Ministério da Educação (MEC). Na ocasião deste levantamento foram indicados 28 Cursos, em um total de 24 Instituições de Ensino Superior (IES) no Estado do Paraná, sendo destes, 4 em IES pública e 20 de IES privada. No Estado de São Paulo, foram indicados 96 Cursos de Graduação em Psicologia, pertencentes a 64 IES diferentes, sendo 4 delas públicas e 60 IES privadas.

Instrumentos e Procedimentos de coleta de dados

Para a coleta dos dados foi(ram) utilizado(s) preferencialmente o(s) plano(s) de ensino da(s) disciplina(s) relacionadas à TCC, sendo que quando este não era disponibilizado, foram tomados como base o(s) ementário(s) e a matriz curricular de cada Curso de Graduação em Psicologia. Inicialmente, foram pesquisados na Internet, na homepage das IES, os planos de ensino, e, quando estes não estavam disponíveis, foram feitos contatos via email com os coordenadores dos Cursos de Psicologia. Após três tentativas de obter respostas via e-mail, era realizado contato telefônico com os coordenadores, convidando-os a participar do estudo e quando aceitavam era perguntando a eles sobre a existência ou não de disciplinas e/ou conteúdos relacionados à TCC, e solicitado o acesso ao ementário e/ou plano de ensino das disciplinas em caso afirmativo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados derivam do levantamento de dados realizado através da ABEP, e foram agrupados de acordo com o objetivo proposto. Foram realizadas análises de frequência referente à presença ou não de disciplina(s) e/ou conteúdos ministrados na(s) disciplina(s) de TCC, nos Cursos de Graduação em Psicologia. Para fins didáticos, serão expostos os resultados de cada Estado separadamente, e ao final serão traçados alguns comparativos entre os Estados.

Resultados do Estado do Paraná

Após a realização do acesso aos sites dos 28 Cursos de Graduação paranaenses e feita a busca pelos planos de ensino dos mesmos, fez-se necessário o contato via e-mail com os coordenadores de curso, uma vez que as informações requisitadas foram encontradas apenas em 7,14% dos cursos indicados como autorizados no site da ABEP. Dos 26 cursos restantes e que foram contatados via e-mail foi obtida resposta de 11,53% dos coordenadores. Tendo em vista a dificuldade de acesso as informações, procedeu-se então o contato telefônico. Ao fim da coleta de dados, foram obtidas respostas de 13 cursos, o que totaliza um percentual de 46,42% dos 28 cursos de Graduação em Psicologia do Estado do Paraná. No entanto, foram consideradas inespecíficas as respostas de 4 coordenadores (14,28%), o que não permitiu afirmar com certeza a presença ou não de TCC nestes cursos. Nestes casos, a confusão teórica presente na fala dos coordenadores não foi esclarecida por outros dados, como plano de ensino, que apesar de solicitado, não foi fornecido.

Dentre estes coordenadores, cabe ressaltar ainda que foi possível perceber uma confusão teórico-metodológica, uma vez que, no contato via telefone, um dos coordenadores afirmou que a ênfase do curso sob sua responsabilidade era em TCC. No entanto, proferida a análise documental da matriz curricular e do plano de ensino enviado, os mesmos evidenciavam um caráter estritamente comportamental, tanto em termos de conteúdo quanto em termos das referências básicas e complementares indicadas. Este dado evidencia o desconhecimento desta área por parte dos profissionais acadêmicos, bem como a confusão entre a abordagem comportamental e a cognitivo-comportamental que ainda se perpetua, mesmo no meio acadêmico.

Sendo assim, foram analisados os dados de 32,14% dos Cursos de Graduação em Psicologia. Destes, 44,4% dos cursos não elencam a TCC dentre suas abordagens teóricas, sendo este dado corroborado pela análise da matriz curricular e dos planos de ensino, uma vez que os mesmos evidenciaram um foco na vertente do Behaviorismo Radical.

Quanto aos 55,6% dos cursos restantes cujos coordenadores responderam ao contato e enviaram a matriz curricular e o plano de ensino, a TCC é abordada em algum momento do curso. Em 44,4% a TCC está presente em pelo menos uma disciplina, e nos 11,2% restantes a TCC é abordada em uma parte ou unidade da disciplina. Em ambos os casos, a TCC concentra-se nos semestres/anos finais do curso, e com ênfase na teoria 'beckiniana'.

No que se refere aos 54% (15 cursos) dos Cursos de Graduação em Psicologia do Estado do Paraná onde não foram encontrados os planos de ensino no site e não foram obtidas respostas nem via e-mail nem via telefone, procedeu-se a análise da matriz curricular quando disponível no site da IES. Destes cursos, 20% não apresentavam nenhuma informação em suas homepages referente à matriz curricular, planos de ensino ou ementário das disciplinas. Tomando por base o total de cursos paranaenses, este percentual representa 10,71% dos cursos onde não foi possível obter nenhuma informação a respeito dos objetivos desta pesquisa, o que denota um comprometimento e transparência da grande maioria das instituições paranaenses com a divulgação dos conteúdos e/ou disciplinas ministradas nos Cursos de Graduação em Psicologia.

Dos 80% dos cursos restantes dentre os que não responderam aos contatos via e-mail e telefone, 33,3% indicam em sua matriz curricular pelo menos uma disciplina intitulada TCC e 66,7% não fazem menção na grade curricular a nenhum termo que possa ser identificado como correspondente a abordagem. Entretanto, vale ressaltar que a análise destes dados encontra-se comprometida em sua confiabilidade, uma vez que não foi possível o acesso aos planos de ensino e/ou ementário das disciplinas. Esta dificuldade impõe a necessidade de considerar que não há garantia de que as disciplinas intituladas TCC realmente ministrem autores desta abordagem, assim como as disciplinas que não fazem menção aos termos relacionados à área podem conter dentre seus conteúdos autores e conceitos referentes à TCC. Cabe ressaltar ainda, que as disciplinas de TCC nas matrizes dos cursos analisados, assim como dos cursos cujos coordenadores responderam aos contatos, estão localizadas em sua maioria no quarto ano dos Cursos de Graduação em Psicologia do Estado do Paraná.

Resultados do Estado de São Paulo

Primeiramente, foram acessados os sites dos 96 Cursos de Graduação em Psicologia do Estado de São Paulo, disponibilizados pela ABEP, buscando-se a matriz curricular e os planos de ensino dos mesmos. Entretanto, as informações foram encontradas apenas em 5,2% dos casos. Procedeu-se então o envio de email para os coordenadores dos cursos. Destes, foi obtida resposta de 25%, o que fez com que fosse feito o contato telefônico com os coordenadores. Ao final desta etapa de coleta de dados, foram obtidas respostas de 54 cursos, totalizando 56,25% dos Cursos de Graduação em Psicologia indicados pela ABEP. Foi constatado também que um dos Cursos de Psicologia autorizado e constante da lista da ABEP teve suas atividades descontinuadas, reduzindo para 95 os Cursos de Graduação em Psicologia em funcionamento atualmente no Estado de São Paulo.

Proferida a análise dos planos de ensino, assim como no Paraná, foi evidenciada a contradição entre a resposta dos coordenadores e a apresentação documental. Em 6,1% dos cursos, apesar dos coordenadores terem afirmado que a TCC configurava-se como uma das abordagens do curso sob sua responsabilidade, o conteúdo programático e a bibliografia apresentada referia-se a autores estritamente comportamentais. Tal contradição indica que ainda ocorre a confusão entre a abordagem comportamental e a cognitivo-comportamental, também entre os profissionais paulistas.

Assim, foi analisado um total de 47 cursos paulistas (49,5%). Destes que responderam aos contatos apenas 10,6% relataram não ministrar a TCC em nenhuma de suas disciplinas. Os coordenadores destes cursos afirmaram adotar um caráter estritamente comportamental e, sendo que um deles indicou como justificativa a dificuldade em encontrar profissionais da área para ministrar o conteúdo das abordagens cognitivo-comportamentais. Em 14,89% dos cursos contatados a TCC é abordada apenas em uma parte ou em uma unidade de uma disciplina. Em 74,51%, ou seja, na maioria dos cursos que responderam ao contato o conteúdo de TCC ocupa pelo menos uma disciplina na matriz curricular. Além disto, assim como no Estado do Paraná nos cursos paulistas as disciplinas de TCC encontram-se a partir do quarto ano na estrutura curricular e encontram-se embasadas, fundamentalmente, na teoria 'beckiniana'.

Em relação aos 41 cursos restantes, que representam 44,5%, não foi obtido nenhum retorno aos contatos das pesquisadoras. Nesse caso, foram adotadas como material de estudo as matrizes curriculares disponíveis nos sites das instituições. Em 16,8% do total dos Cursos de Graduação do Estado de São Paulo não foi possível obter nenhuma informação condizente com os objetivos do presente estudo, uma vez que, além das tentativas de contatos via email e telefone terem sido frustradas, as homepages não disponibilizavam informações referentes à matriz curricular, aos planos de ensino ou ementário das disciplinas.

Dentre os cursos paulistas que não responderam aos contatos dos pesquisadores, em 48% dos casos foi encontrada na matriz curricular pelo menos uma disciplina cujo nome remete a TCC, enquanto os 52% restantes não fazem menção a esta abordagem teórica no rol das disciplinas indicadas na matriz curricular. No entanto, assim como ressaltado anteriormente, estes dados não podem ser indicados como definitivos uma vez que os nomes das disciplinas não refletem, necessariamente, o conteúdo ministrado nas mesmas, comprometendo a análise dos dados dos 44,5% dos cursos avaliados apenas com base na matriz curricular. Esta análise também indicou que as disciplinas relacionadas à TCC estão alocadas no quarto ano dos cursos analisados.

Comparativo entre os resultados

Considerando os dados obtidos, foram realizadas análises de comparação entre os percentuais dos dois Estados participantes do estudo. Para tanto, foram considerados os percentuais apenas dos cursos cujos coordenadores responderam aos contatos ou cujas informações documentais estavam integralmente disponíveis no site das IES. As análises contaram, portanto com 32,14% dos 28 Cursos de Graduação em Psicologia do Estado do Paraná e 49,5% dos 95 Cursos de Graduação em Psicologia do Estado de São Paulo, indicados pela ABEP.

Para esta comparação entre os percentuais alcançados em cada Estado foi utilizado o teste qui-quadrado (χ2) no intuito de verificar se as diferenças foram estatisticamente significativas, ou se as mesmas se deram meramente ao acaso. Foram realizadas três comparações entre os percentuais de respostas obtidos nos dois Estados utilizando o teste qui-quadrado, sendo que os resultados se encontram expostos abaixo.

 


Tabela 1 - clique para ampliar

 

Considerando os dados do primeiro teste qui-quadrado realizado pode-se perceber que não foi encontrada diferença estatisticamente significativa no número de respostas obtidas via contato com os coordenadores na comparação entre os dois Estados. O mesmo resultado se repete na comparação entre respostas válidas e respostas inconsistentes, onde fica evidenciada a igualdade entre as respostas obtidas no Paraná e em São Paulo.

Já o teste que comparou as respostas dos dois Estados quanto a ministrar, não ministrar ou ministrar em uma disciplina os conteúdos de TCC, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Com base nos resultados, podemos afirmar que TCC é uma disciplina ministrada em maior número de Cursos de Graduação em Psicologia do Estado de São Paulo do que nos Cursos do Paraná. Uma possível explicação para esta diferença pode centrar-se no fato do Estado de São Paulo ter uma caminhada histórica na divulgação da TCC no Brasil, enquanto que o Paraná tem se voltado mais para a TCC nos últimos anos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve por objetivo investigar se os conteúdos das abordagens cognitivo-comportamentais estavam presentes nos Cursos de Graduação em Psicologia de dois Estados das regiões sul e sudeste do país. A TCC pode ser considerada uma nova forma de explicação e intervenção dos transtornos mentais, bem como do funcionamento humano. Nesse sentido, acredita-se que a inserção de conteúdos relacionados a estas abordagens nos Cursos de Graduação em Psicologia seja premente. Grande parte dos profissionais em psicologia acaba tendo contato com a TCC apenas após algum tempo no mercado de trabalho. Esse fato compromete a divulgação da TCC de forma mais parcimoniosa nos cursos de graduação, tolhendo muitos profissionais de se identificar com suas propostas de explicação e intervenção.

Considerando que o presente estudo obteve respostas confiáveis de menos da metade dos Cursos de Graduação em Psicologia dos Estados de São Paulo e do Paraná, dentre estes, pode-se dizer que há um movimento de divulgação da TCC. Este movimento parece ser mais consistente no Estado paulista do que no Estado paranaense. Poder constatar tal discrepância, pode ser considerada uma contribuição do presente estudo tanto para as ATCs (SP e PR) quanto para a própria FBTC, uma vez que é objetivo constituinte destas entidades a divulgação das TCC no Brasil.

Além disso, cabe ressaltar ainda dois aspectos fundamentais dos resultados obtidos. O primeiro deles refere-se à confusão teórica e o desconhecimento sobre as novas vertentes na ciência psicológica que ainda se faz presente no discurso de alguns coordenadores de curso. Vale refletir que, o coordenador de um curso de graduação é considerado um profissional altamente qualificado e atualizado, sendo sua função salvaguardar a formação generalista e ética dos futuros profissionais em psicologia. O fato de coordenadores de curso afirmar que o curso sob sua responsabilidade ministra a TCC como referencial teórico e os documentos por eles encaminhados apresentarem dados opostos aponta para confusões teóricas. Na formação em psicologia, tais confusões geram e mantém preconceitos teóricos, além de refletir estagnação de profissionais da área acadêmica e fomentar uma visão parcial da ciência psicológica, o que prejudica a formação de novos profissionais no campo da psicologia.

O segundo dado relevante é apontado pela localização das disciplinas que abordam TCC na matriz curricular. Na grande maioria dos casos as disciplinas de TCC e suas correlatas imediatas se encontram situadas na segunda metade do curso, mais precisamente no quarto e quinto anos da graduação. Tal fato pode ser explicado pela necessidade de pré-requisitos para a compreensão desta teoria, e/ou pelo fato de se tratar de disciplinas de intervenção, que historicamente têm sido alocadas nos anos finais dos cursos de graduação. No entanto, estes dados também servem de alerta para o fato de que os alunos de graduação acabam por ter contato tardio com a TCC. Considerando a importância da diversidade na psicologia, o contato tardio com novas vertentes teóricas pode acabar criando, muitas vezes, grande resistência aos seus conteúdos, uma vez que, os graduandos já se acostumaram com determinadas formas de interpretação, determinados olhares sobre o fenômeno psicológico. Novamente cabe um alerta aos professores da área e às entidades representativas da TCC para aumentar suas ações de divulgação do referencial teórico junto aos graduandos dos primeiros anos, para que os mesmos possam ter acesso a diferentes formas de prática em psicologia ainda nos anos iniciais dos cursos de graduação.

Considerando os resultados do presente trabalho sugere-se que estudos similares sejam realizados em diferentes Estados brasileiros, para que possam ser mapeadas as áreas onde sejam necessárias mais ações de divulgação da TCC. Além disso, espera-se com este trabalho contribuir com os professores de graduação que tem o desafio de apresentar a TCC aos graduandos de psicologia, que muitas vezes não se mostram tão receptivos quanto deveriam a uma formação generalista, apesar de estar no foco das DCN.

 

REFERÊNCIAS

ABEP (2010). Linha do tempo. Documentos sobre formação em Psicologia. http://www.abepsi.org.br/web/LinhadoTempo.aspx Acessado em 22/01/2010.         [ Links ]

ABEP (2009). Cursos de Graduação em Psicologia autorizados pelo MEC. http://www.abepsi.org.br/web/cursodegraduacao.aspx Acessado em 11/02/2009.         [ Links ]

ABEP (2008). Cursos de Graduação em Psicologia autorizados pelo MEC. http://www.abepsi.org.br/web/cursodegraduacao.aspx Acessado em 14/06/2008.         [ Links ]

Abreu, C. N., Ferreira, R. F., & Appolinário, F. (1998). Construtivismo terapêutico no Brasil: uma trajetória. In R. F. Ferreira & C. N. Abreu (Orgs.). Psicoterapia econstrutivismo (pp. 17-25). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

ATC-PR (2010). Histórico. http://www.atcpr.com.br/index.html Acessado em 22/01/2010.         [ Links ]

CNE/CES (2004). Resolução 8 2004 publicada no Diário Oficial da União, Brasília, 18 de maio de 2004, Seção 1, pp. 16-17.         [ Links ]

Costa, N. (2002). Terapia analítico-comportamental: Dos fundamentos filosóficos à relação com o modelo cognitivista. Santo André: Esetec Editores Associados.         [ Links ]

Cottraux, J., & Matos, M. G. (2007). Modelo europeu de formação e supervisão em Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs) para profissionais de saúde mental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 3(1), 49-61.         [ Links ]

Dobson, K. S., & Scherrer, M. C. (2004). História e futuro das terapias cognitivo-comportamentais. In P. Knapp (Org.) Terapia cognitivo-comportamental na práticapsiquiátrica (pp. 42-57). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Falcone, E. M.O., & Malagris, L. N. (2005). Editorial. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 1(2), 07-08.         [ Links ]

FBTC (2010). Institucional. Quem somos. http://www.fbtc.org.br/fbtc/index.php?area=institucional&subarea=gestoes&gestao=1 Acessado em 22/01/2010.         [ Links ]

IPTC (2010).         [ Links ]

Knapp, P. (2004). Princípios fundamentais da terapia cognitiva. In P. Knapp (Org.) Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica (pp. 19-41). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Peres, J. F. P., & Nasello, A. G. (2005a). Psicoterapia e neurociências: um encontro frutífero e necessário. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 1(2), 21-30.         [ Links ]

Peres, J. F. P., & Nasello, A. G. (2005b). Achados da neuroimagem em transtorno de estresse pós-traumático e suas implicações clínicas. Revista de Psiquiatria Clínica, 32(4), 189-201.         [ Links ]

Pergher, G. K., & Stein, L. M. (2005). Entrevista cognitiva e terapia cognitivo-comportamental: do âmbito forense à clínica. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 1(2), 11-20.         [ Links ]

Rangé, B., & Guilhardi, H. (1995). História da psicoterapia comportamental e cognitiva no Brasil. In B. Rangé (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva. Pesquisa,prática, aplicações e problemas (Vol. 2, pp.55-69). Campinas: Editorial Psy.         [ Links ]

Rangé, B. P., Falcone, E. M. O., & Sardinha, A. (2007). História e panorama atual das terapias cognitivas no Brasil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 3(2), 53-68.         [ Links ]

Otto, M.W., & Deveney, C. (2005). Cognitive-behavioral therapy and the treatment of panic disorder: efficacy and strategies. Journal of Clinical Psychiatry, 66(4), 28-32.         [ Links ]

Wang, M.Y., Wang, S.Y., & Tsai, P.S. (2005). Cognitive behavioural therapy for primary insomnia: a systematic review. Journal of Advanced Nursing, 50(5), 553-564.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Departamento de Psicologia e Educação - DPE, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - FFCLRP, Universidade de São Paulo - USP
Av. Bandeirantes, 3900
CEP: 14040-901 Ribeirão Preto - SP
Telefone: (16) 3602-3724
E-mail: cbneufeld@ffclrp.usp.br

 

 

* Apoio: Fundação Araucária