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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro June 2010

 

ENTREVISTA

 

Entrevista com Dr. Bernard Rangé1

 

Interview with Dr. Bernard Rangé

 

 

M. Cristina Miyazaki

 

 

 

O Prof Dr Bernard Rangé é psicólogo clínico, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ, ativo e respeitado psicólogo clínico, pesquisador e autor de importantes livros e artigos sobre Terapia Cognitiva e Cognitivo-Comportamental. Fundador da ABPMC (Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental) e pioneiro da Terapia Cognitiva e Cognitivo-Comportamental no Brasil, o Dr Rangé é também conhecido conferencista em eventos nacionais e internacionais da área. Sua experiência clínica é ampla e inclui especialmente terapia cognitivo-comportamental de transtornos da ansiedade, entre eles transtorno de pânico, agorafobia, transtorno da ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo, fobia social e fobias específicas.

RBTC: O senhor desempenhou, sem dúvida, papel central na difusão da Terapia Cognitiva/Terapia Cognitivo-Comportamental no Brasil. O que motivou seu interesse inicial?

Nos anos '60, quase todos os dias surgiam artigos com novas técnicas de terapia comportamental. Foi assim que aprendi a tratar fobias especificas com a técnica da dessensibilização sistemática que Wolpe propôs em 1958, mas que tomei conhecimento a partir de contato com as aulas de Octávio Soares Leite num curso de "Aprendizagem Humana", em 1969, na PUC-Rio. Posteriormente Miriam Vallias Oliveira Lima, recém chegada de um período de treinamento com Joseph Wolpe, na Universidade de Temple, iniciou um treinamento na prática da terapia comportamental, em 1970, antes de se mudar para São Paulo. Em 1970 também, li um artigo de Aaron T. Beck intitulado "Cognitive Therapy" publicado num número da revista Association for Advancement of Behavior Therapy [AABT, hoje, Association of Behavior and Cognitive Therapies, ABCT]. Gostei muito desse artigo e ele ficou na minha memória como um exemplo de trabalho interessante que poderia ser feito com pacientes deprimidos. Tive também oportunidade de ir à segunda Reunião da Sociedade Brasileira de Psicologia de Ribeirão Preto [que depois de transformou na Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)], em 1971, onde tive contatos iniciais com a Análise Experimental do Comportamento, através de João Claudio Todorov e de Thereza Pontual de Lemos Mettel. Com o auxílio de Ullmann & Krasner e Thomas Szaz aprendi a re-conceber os modelos nos quais me baseava, originalmente baseados em uma visão psicanalítica, inevitável nas formações de então [e ainda hoje, infelizmente...]. Com as dificuldades de comunicação da época, somente consegui ter novo contato com o trabalho de Beck por ocasião da publicação, em 1981, da versão em português do livro de Beck e colaboradores sobre a terapia cognitiva da depressão, publicado pela editora Zahar. Foi a primeira vez que tentei utilizar a terapia cognitiva com uma paciente deprimida... e o resultado foi excelente! Isso reforçou o meu comportamento e eu me inclinei mais para a trabalho com esse tipo de terapia. Isso se fortaleceu ainda mais com a leitura do livro de Beck e Emery sobre transtornos de ansiedade, no qual havia referências a conceitos com os quais eu já trabalhava, intuitivamente, como o conceito de vulnerabilidade. Nessa mesma época, Harald W. Lettner começou a trabalhar na PUC-Rio e trouxe Victor Meyer, que já vinha conseguindo muito sucesso com seu tratamento para o transtorno obsessivo-compulsivo. A aproximação com Harry culminou com a publicação do livro "Manual de Terapia Comportamental", da editora Manole, que me permitiu entrar em contato com vários autores brasileiros que colaboravam no livro, além dos estrangeiros. O contato com o livro de Hawton e colaboradores (publicado em inglês em 1989), intitulado Terapia Cognitivo-Comportamental para Problemas Psiquiátricos, um Guia Prático, publicado posteriormente pela editora Martins Fontes, foi fundamental. Foi a partir desse livro que eu diria que houve um breaking point na minha visão de como se deveria tratar pacientes com terapia cognitivo-comportamental. Esse livro fortaleceu ainda mais a minha identificação com o modelo cognitivo. Nesse mesma época, com a ajuda de muitas pessoas (como Geraldo Lanna, Eliana Falcone, Helene Shinohara, Monica Duchesne, Paula Ventura, Raquel Kerbauy, Liliana Seger, Cristiano Nabuco de Abreu, Marilda Lipp, Helio Guilhardi, Marilza Mestre, Maria Zilah Bradão, Ricardo Gorayeb, Vera Otero, consegui realizar a fundação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC).

RBTC: Como vê a evolução do interesse pela área no Brasil?

Uma pesquisa realizada por Eliane Falcone, Aline Sardinha e por mim, publicada no volume 3(2) de 2007 da Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, demonstra que desde 1991, ocasião em que a primeira apresentação sobre terapia cognitiva feita por mim no Brasil durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Maceió, o crescimento foi vertiginoso, quase geométrico. Atualmente tenho sido convidado a dar cursos sobre TCC desde cidades menores como Campos dos Goitacazes até cidades maiores como São Paulo e Rio de Janeiro [passando por Manaus, Santarém, Teresina, Recife, Maceió, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Cascavel]. Cada vez mais psicólogos de outras formações vêm buscar treinamento em TCC. Cada vez mais a psiquiatria reconhece a efetividade da TCC, com ou sem o auxílio de medicamentos.

RBTC: Sua produção como docente, pesquisador, autor e clínico é significativa. Como desempenha todas estas atividades de forma integrada?

Tenho trabalhado como professor universitário desde que me formei em psicologia, em 1971. Primeiro na PUC-Rio, onde aprendi a importância da produtividade manifestada com base em publicações em revistas científicas. Trabalhei lá até 1993, quando me transferi para o Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde trabalho até hoje colaborando com o Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Desde 1971 atendo pacientes com base na terapia (cognitivo-)comportamental. Em 1975 publiquei um capítulo sobre terapia comportamental num livro de abordagens diferentes sobre a personalidade. De lá para cá tenho tentado a mesclar a atividade clínica com a pesquisa e publicações, que já resultaram numa variedade de livros organizados, até este último publicado em 2011 depois de 10 anos da primeira edição do livro Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais, um Diálogo com a Psiquiatria. Acho que ficou ótimo, bem mais atualizado que o primeiro de 2001. Já havia organizado outros como o Manual de Psicoterapia Comportamental, juntamente com o Harald Lettner numa publicação da Editora Manole e os editados pela Editorial Psy em 1995. Muito da minha produção tem a ver com a minha atividade como docente e na prática clínica, onde tenho compreensões que transformo em textos para leitores.

RBTC: Como descreveria o estágio atual da TC/TCC? E o futuro da área?

O estágio atual não poderia ser mais promissor. Cada vez mais, há mais pessoas interessadas em fazer formação e treinamento avançados em TCC nas mais variadas cidades dos país. Ela está começando a ter, no Brasil, o reconhecimento e a respeitabilidade que são observados fora daqui. Mas uma necessidade é que os novos terapeutas tenham uma certificação quanto à qualidade de sua prática, para que seja possível oferecer para nossa população maior uniformidade nos atendimentos.

RBTC: Quais são as principais habilidades e competências de um terapeuta? O que sugere aos iniciantes para se tornarem bons terapeutas?

A capacidade de estabelecer uma aliança terapêutica eficiente, de modo a unir isso com um conhecimento aprofundado das técnicas terapêuticas que marcam o trabalho em TCC. Isso será adquirido com uma supervisão próxima e contínua, complementada por um estudo atualizado dos diferentes protocolos de intervenção para os vários transtornos.