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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.2 Rio de Janeiro dez. 2010

 

ARTIGOS

 

Análise dos processos cognitivo-afetivos inerentes ao desempenho tático-esportivo

 

Analisis of cognitive and emotional processes inherent to sports tactical performance

 

 

Gabriela Andrade Vorraber

Universidade de Brasília - Instituto de Psicologia. Doutoranda em Ciências do Comportamento - Cognição e Neurociências

 

 


RESUMO

Influenciados pelas transformações geradas pela revolução cognitiva da década de 60, pesquisadores passaram a atribuir grande importância aos conteúdos cognitivos e ao método de estudo em campo. Com essas transformações, passou-se a enfatizar a prática mental, controle do estresse, imaginação e biofeedback em circunstâncias esportivas. Essa metodologia, porém, carece de referencial teórico consistente. O presente artigo tem dois objetivos: 1. Descrever, com base em conhecimentos da neurobiologia e do modelo cognitivo de Beck, os processos cognitivos e afetivos que interferem no desempenho tático-esportivo. 2. Propor um modelo de intervenção para o desenvolvimento desta capacidade atuando sobre os processos anteriormente citados com as contribuições da terapia cognitiva. O modelo de tomada de decisão esportiva refere-se aos elementos cognitivos constituintes do desempenho tático e serve de referência no estudo sobre o desenvolvimento destas funções. Inicialmente é feita a descrição e análise das bases neurobiológicas dos processos cognitivo-afetivos, evidenciando o potencial de interferência emocional sobre as funções perceptivas, analíticas e motoras. Em seguida se apresenta o modelo cognitivo como estratégia de intervenção sobre as respostas emocionais. Sua aplicação no contexto esportivo é, sobretudo, favorecida pelas características de sua prática: psicoeducativa, colaborativa, breve, voltada ao presente e orientada a metas.

Palavras-chave: Esporte, Desempenho Tático, Abordagem Cognitiva.


ABSTRACT

Influenced by the changes generated by the cognitive revolution of the 1960's, researchers of sports sciences began to attribute great importance to cognitive contents and to the empirical method of study. Such changes led to emphasize mental functioning, stress control, imagination and biofeedback within the sports context. This methodology, however, lacks consistent theoretical reference. The aims of this article are: 1. Describe, on the basis of neurobiology and Beck's cognitive model, cognitive and affective processes that intervene in tactical performance. 2. Propose an intervention strategy for the development of this skill working on the processes previously studied through cognitive therapy contributions. Cognitive elements of tactical performance are acknowledged in the sports decision-making model, which serves as reference for the study of tactical skills development. Initially, description and analysis of the neurobiological bases of cognitive and emotional processes are held, highlighting the potential of emotional interference in perceptual, analytical and motor functioning. Finally, the cognitive model is presented as an intervention strategy on emotional responses. The application in the sports context is favored by the characteristics of its practical form: psychoeducation, team-work, focus on the present, time-limited therapy and orientation to objective problem-solving.

Key-words: Sport, Tactical Performance, Cognitive Science.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Considerada uma ciência e uma disciplina aplicada relativamente recente, a psicologia do esporte tem buscado avançar na teoria e na prática incorporando modelos teóricos e linhas de atuação que promovam o rendimento esportivo, a educação e a saúde de seus praticantes. Suas pesquisas foram iniciadas há aproximadamente um século abordando inicialmente aspectos fisiológicos como o condicionamento reflexo. Em seguida, as atenções voltaram-se para os temas motivação, personalidade, agressão e violência, dinâmica de grupo, bem-estar psicológico, pensamentos e sentimentos (Rubio, 2002).

Em 1895 Fitz publicou na revista Psychological Review o primeiro trabalho reconhecido da área, o qual se tratava de uma investigação do tempo de reação múltiplo. Em seguida, em 1898, Normann Triplett analisou os efeitos da presença de outros competidores na performance de ciclistas. Entretanto, foi a partir da década de 60 que tal área científica se estabeleceu através da criação da International Society of Sports Psychology (ISSP) e seus conhecimentos foram publicados no International Journal of Sport and Exercise Psychology (JSEP). A partir da década de 90 houve um considerável aumento na produção científica da psicologia do esporte (Souza, 2000).

Souza (2000) ressalta que, apesar desta disciplina continuar negligenciada nos cursos de psicologia, um bom número de pesquisadores vem construindo um saber cada vez mais fundamentado acerca dos fenômenos psíquicos manifestados na prática esportiva em todas as suas finalidades. Entretanto, Rubio (2002) argumenta que o grande referencial de pesquisas e teóricos advém da educação física devido à inclusão da psicologia do esporte no currículo desta graduação há mais de vinte anos.

Devido à demanda encontrada na prática esportiva, hoje em dia o psicólogo pode estar inserido neste novo campo de atuação de várias formas: em programas de promoção de saúde e qualidade de vida, avaliando e orientando a prática de atividade física para benefícios psicológicos e sociais; em projetos sociais, utilizando a prática esportiva como ferramenta educativa; em escolas de iniciação esportiva, orientando a prática de forma a garantir e promover o desenvolvimento e a participação saudável de crianças em idade escolar; por fim, em contextos de competição, buscando melhorar o rendimento de atletas e equipes de alto rendimento (Weinberg & Gould, 2001; Samulski, 2002; Dosil, 2004).

Moretti (2004) ressalta que a psicologia do esporte veio encontrando espaço na área esportiva devido às necessidades específicas oriundas desta prática, criando campos de atuação no esporte de reabilitação, recreativo, escolar e de alto rendimento. Neste último, a psicologia do esporte torna-se um diferencial, uma vez que a equivalência técnica, tática e física dos atletas e equipes tem sido notória. Desta forma, dentre os diversos temas das ciências do esporte, muitos convergem para a descrição e intervenção sobre elementos psicológicos que influem no rendimento esportivo de atletas e equipes, tais como motivação, ansiedade, autorregulação emocional, atenção e concentração, liderança, coesão de equipe, estresse e personalidade.

Em face desta multiplicidade de variáveis foram-se formando modelos teórico-práticos que servem para o diagnóstico e intervenção voltada para atletas e equipes. Estes modelos se formaram a partir de três abordagens predominantes: psicofisiológica, sociopsicológica e cognitivo-comportamental, cada qual contribuindo com seus aportes conceituais e técnicas elaboradas a partir da experimentação (Weinberg & Gould, 2001).

Entre os anos 70 e 80 foi proposta uma variedade de modelos teóricos sobre personalidade e esporte em resposta à insatisfação com a perspectiva behaviorista, considerada simplista e mecânica. Assim, influenciados pelas transformações geradas pela revolução cognitiva da década de 60, pesquisadores passaram a atribuir grande importância aos conteúdos cognitivos e ao método de estudo em campo. Passaram a enfatizar a prática mental, controle do estresse, imaginação e biofeedback, sendo que essa metodologia carecia de referencial teórico consistente em circunstâncias esportivas (Weinberg, Gould & Jackson, 1980).

Este trabalho tem como objetivos descrever, com base em conhecimentos da neurobiologia e do modelo cognitivo de Beck, os processos cognitivos e afetivos que interferem no desempenho tático-esportivo, além de propor um modelo de intervenção para o desenvolvimento desta capacidade, intervindo nos processos anteriormente citados com as contribuições da terapia cognitiva.

O tema do desempenho tático-esportivo será abordado de forma genérica, considerando toda demanda de tomada de decisão que implica a participação em jogos esportivos, não abordando com profundidade as diferenças entre esportes individuais e coletivos ou de oposição, cooperação e cooperação-oposição.

 

2. DESEMPENHO TÁTICO-ESPORTIVO

O tema das capacidades táticas sob o olhar cognitivo tem tomado relevância na literatura somente a partir dos anos 70 e, de acordo com Greco (1999), inicialmente os estudos abordavam estratégias de jogo, formas de treinamento e descrição de sistemas de ataque deixando à margem a função dos processos psicológicos. Atualmente, os estudos da escola anglo-americana enfocam a análise dos processos cognitivos (atenção, percepção e memória) ligados à tomada de decisão, porém, de forma isolada do tema "tática", enquanto a escola germânico-europeia enfatiza a regulação psíquica da ação. De acordo com o mesmo autor, na língua portuguesa são maioria os cientistas do esporte que se apoiam na linha anglo-americana.

No entanto, será apresentado a seguir um modelo de tomada de decisão tática em esportes coletivos que leva em consideração a linha germânico-europeia. Nesta, o referencial teórico parte da teoria da ação, na qual concentram-se trabalhos sobre processos cognitivos inerentes à regulação e controle do movimento.

Rubinstein (1984, citado em Greco, 1999) incorpora aos estudos sobre a tomada de decisão tática a importância da parte sensorial e cognoscitiva, da aferência periférica, da análise e síntese dos sinais recebidos do ambiente, através dos quais são reguladas as ações e o comportamento. Além disso, o autor aponta o fator emocional como um aspecto condicionante e limitador da mesma.

2.1. Processo de Ensino-Aprendizagem da Tática

O conteúdo de conhecimento sobre a ação e a forma de aprendizagem são alguns dos fatores que constituem o cenário cognitivo da tomada de decisão tática e interferem na qualidade de sua execução. Em uma revisão sobre os modelos de ensino da tomada de decisão tática, Raab (2007) descreve que muitos deles incorporavam mecanismos de aprendizagem cognitiva tais como a aprendizagem implícita e a explícita. Caracteriza-se aprendizagem implícita quando a ação é incidental por natureza, ou seja, o indivíduo aprende sem ter a intenção, ou sem ter o conhecimento sobre as regras estruturais da situação, gerando decisões não verbalizadas. A aprendizagem explícita, por outro lado, é quando o atleta, por exemplo, é introduzido a uma situação de ataque através de um quadro de esquema demonstrativo e tem a oportunidade de treinar a habilidade repetindo o mesmo movimento em um contexto, produzindo um conhecimento verbalizado das regras de produção se-então, caracterizadas pela associação de uma situação antecedente (se) e a melhor execução ou solução correspondente (então). Segundo McPherson e Kernodle (2003), na questão tática, atualmente predomina este método como guia de treinamento.

Estudos de Pooltron, Masters e Maxwell (2006) verificaram que decisões de alta complexidade, com muitos elementos perceptuais e cognitivos são mais bem executadas quando o praticante aprendeu os movimentos pelo método explícito, ou instrução analógica.

Raab (2007) também identificou que muitos modelos ignoram os elementos ambientais (informação disponível para o atleta e número de preditores apontando uma opção e a relação entre eles) quando precisam definir em quais situações um processo de aprendizagem será benéfico e em quais situações ele falhará.

Para Pooltron, Masters e Maxwell (2006), como no contexto esportivo muitas vezes é necessário que um atleta tome uma decisão e execute um movimento em curto espaço de tempo ou simultaneamente, a qualidade final do movimento torna-se produto da habilidade do atleta em combinar decisões e ações efetivamente. Segundo os autores, estudos comprovaram que se o controle de um movimento é aprendido com grande conteúdo de conhecimento declarativo (informação factual estática que pode ser descrita verbalmente) a performance pode ser desastrosa no caso de tarefas simultâneas, enquanto que, se for aprendido por instrução analógica (com pouco conteúdo de conhecimento declarativo), na mesma situação, a performance motora não seria afetada. Compreende-se, assim, que a tomada de decisão pode causar uma distorção na performance motora por ser uma tarefa cognitiva adicional, sendo menor o prejuízo quando a aprendizagem ocorre de forma analógica.

2.2. Modelo de Tomada de Decisão em Esportes Coletivos

O desafio para o atleta é lidar com toda esta complexidade de elementos de uma situação de jogo. A tática é uma série de sucessivas decisões tomadas de acordo com a evolução da ação e a capacidade de executá-la se desenvolve sobre a habilidade para tomar decisões rápidas e eficientes. Tática, portanto, caracteriza-se pela capacidade senso-cognitiva que se baseia em processos psicofisiológicos de recepção, transmissão, análise de informações, além da elaboração da resposta que melhor resolverá as situações-problema encontrados em situação de jogo. Leva-se em conta a escolha de alternativas baseadas em conhecimentos internalizados na memória (Greco, Souza & Paula, 2000).

Com a experiência, relatam Gréhaigne e Godbout (1995), o atleta adquire uma matriz de ações, assimilando e refinando dados coletados em uma imagem de ação mental pessoal que o permite agir e reagir rapidamente. Neste contexto encontra-se a grande importância dos processos cognitivos para extrair informações, representar a situação, acessar eventos potenciais ou antecipar e desenhar cenários de ação. A análise de um jogador sobre uma ação dentro de grandes limitações de tempo é conduzida com referência a algumas configurações típicas de jogadas e seus preditores, aumentando a capacidade de antecipação através da experiência.

Deve-se acrescentar que a seleção e execução de jogadas mais adequadas para determinada situação de jogo tem importância também para as ações de movimentação e posicionamento realizadas sem a posse de bola, em função do projeto tático viável para a equipe naquele momento (Rezende & Valdés, 2003).

Para Mesquita e Graça (2002) o objetivo da tática é obter o máximo rendimento na construção ofensiva, criando situações que favoreçam o ataque e dificultem ou driblem a organização da defesa adversária, reduzindo a previsibilidade das jogadas, gerindo segurança e risco. Em ambas as situações levam-se em conta para a tomada de decisão as características das equipes (perfil técnico e emocional dos companheiros, organização e qualidade da recepção e características do bloqueio adversário) e o fluxo de jogo (momento do set: início, meio ou final, contexto de jogo e situação no placar).

Em um estudo sobre cognição e ação, Greco (1999) examina os elementos do desempenho tático e apresenta um modelo de tomada de decisão. O modelo contempla a interação de três grandes grupos de capacidades: recepção, elaboração e armazenamento das informações, fatores determinantes dos mecanismos necessários à tomada de decisão. No modelo proposto, diferentes processos cognitivos interagem e relacionam-se dentro de três estruturas: perceptiva, de processamento e de tomada de decisão. A ideia central é que a tomada de decisão acontece paralelamente com o decorrer dos outros processos cognitivos, tornando-se visível na concretização da ação motora.

De acordo com o modelo de Greco (1999), são destacadas no desempenho tático as demandas de capacidades perceptivas (visualização, interpretação das circunstâncias de jogo e orientação temporo-espacial), analíticas (representação de conceitos, memória e tomada de decisão) e motoras (qualidade técnica e preparo físico). O autor acrescenta como relevantes da opção tática o estágio de conhecimento tático, habilidade técnica, potencial físico e estado psicológico. Dentro da estrutura perceptiva interagem: a) habilidades atencionais: estado intenso e seletivo da percepção (podendo ser concentrativa ou distributiva), b) habilidades de antecipação: prefiguração e representação mental do objetivo a ser alcançado (imaginação e previsão) e c) habilidades perceptivas: identificação e interpretação de informações relevantes (seleção e codificação dos insumos sensoriais). A próxima estrutura é a de processamento, dentro da qual interagem: a) habilidades de conhecimento: interação entre a situação atual e experiências anteriores (pode ser declarativo: o que fazer ou processual: como fazer), b) habilidades de memória: armazenar e recuperar informação (através de reconhecimento e recordação) e c) habilidades de pensamento: interpretação e organização de informação (podendo ser divergente: onde há várias opções e convergente: uma resposta correta). Por último, encontra-se a estrutura decisória, na qual se configura a habilidade de tomada de decisão, escolha da melhor solução (elaboração e chamada de planos). O resultado desse processo cognitivo é a execução de uma ação tática, via interpretação de uma técnica.

 

3. BASES NEUROBIOLÓGICAS DOS PROCESSOS COGNITIVO-AFETIVOS

Diante da constatação da participação e da importância dos processos cognitivos no desempenho tático, far-se-á a seguir uma análise sobre as bases neurobiológicas que destacam a relação, ora benéfica, ora limitante, dos processos emocionais sobre as funções cognitivas.

Sócrates (470-399 a.c), ainda na idade antiga, introduziu a ideia de que a forma como percebemos nosso meio não é totalmente pura, sendo toda percepção também interpretação, o meio somado ao conhecimento precedente, às expectativas, à forma peculiar de cada um absorver elementos da situação e processar a informação; segundo ele, o conhecimento do meio é imperfeito, pois nos vem através dos sentidos, via imperfeita, sujeita a ilusões (citado em Freire, 1997). Tal formulação filosófica corrobora o preceito central do modelo cognitivo de que o comportamento não é algo determinado pelo meio, mas fruto da sua interpretação. Existem, entretanto, comportamentos voluntários e comportamentos reflexos.

Muitas vezes os indivíduos são tomados por emoções que levam a respostas rápidas e inconscientes. Esse comportamento é fruto da estrutura e do circuito cerebral, caracterizando um comportamento reflexo. Quando o cérebro, apesar de um estímulo emocional forte, consegue planejar e executar uma ação conscientemente, é caracterizado um comportamento voluntário (Damasio, 1994). O mesmo autor ressalta a importância das emoções, apontando seu caráter indispensável para a tomada de decisão racional porque apontam a direção adequada para tirar o melhor proveito das possibilidades que oferece a fria lógica. A aprendizagem emocional ao longo do desenvolvimento nos permite eliminar certas opções e destacar outras.

Da mesma forma, as lições emocionais aprendidas durante a infância modelam os circuitos emocionais tornando as pessoas mais ou menos aptas no manejo dos princípios que regem a inteligência emocional, esta caracterizada pela automotivação, resistência à frustração, capacidade de enfrentamento, reconhecimento de recompensas, autorregulação emocional, empatia, confiança e capacidade de evitar que a angústia interfira nas faculdades racionais. A infância e a adolescência são uma autêntica oportunidade para assimilar hábitos emocionais fundamentais que governarão a vida de um indivíduo (Goleman, 1996).

3.1. Sistema Límbico: O Centro das Emoções

A estrutura cerebral mais primitiva e responsável pelas emoções é o sistema límbico. Dentre as estruturas mais importantes que compõem este sistema estão a amígdala, o hipocampo, o hipotálamo e o tálamo. A amígdala é o centro identificador de perigo, que põe o ser humano em alerta através do medo e da ansiedade, preparando-o para a luta ou fuga. A falta da amígdala faria com que o homem perdesse o caráter emocional de suas percepções, não saberia discriminar entre gostos e preferências sobre as coisas e sofreria com a dificuldade para tomar decisões, pois sem o caráter emocional da percepção torna-se difícil optar por algo. Neste caso, o papel das emoções seria fazer com que algumas opções fossem eliminadas e outras ressaltadas (Andrade, Santos & Bueno, 2004).

Outra estrutura de grande importância no circuito emocional é o hipocampo, responsável pelos fenômenos de memória de longo prazo. Se não existisse, nada mais seria gravado na memória. Sua principal atividade é proporcionar uma memória detalhada do contexto registrando fatos puros, enquanto a amígdala é a encarregada de registrar o clima emocional dos mesmos. Quanto mais intensa é a ativação da amígdala, mais fortes são as marcas emocionais de uma situação. O hipocampo, portanto, faz com que seja possível comparar situações ou ameaças atuais com experiências passadas similares, auxiliando também na tomada de decisão, pois traz informações sobre a melhor opção para sua preservação. O hipotálamo, entretanto, é considerado a estrutura mais importante do sistema límbico, é ele que controla as funções vegetativas, condições internas do corpo como temperatura, sono, fome, além de ter sua estrutura relacionada com as respostas de prazer, raiva, aversão, desprazer e alegria. Mantém vias de comunicação com todo o sistema límbico (Smith & Kosslyn, 2007).

E, finalmente, o tálamo, cuja importância se deve ao fato de ser o conector de outras estruturas com o sistema límbico, como, por exemplo, córtex pré-frontal e hipotálamo. Toda informação sensorial chega a princípio no tálamo para, em seguida, ser transmitida às outras estruturas cerebrais (Kandel, 2000).

3.2. Processamento da Informação Sensorial: Razão versus Emoção

Piaget foi um dos primeiros nomes a questionar a separação entre cognição e afetividade, ele afirma que estes elementos são diferentes em natureza, porém inseparáveis em todas as ações humanas. Para Piaget a afetividade é funcional para a inteligência, pois funciona como fonte de energia para a cognição (Damasio, 2001).

Segundo Le Doux (1993), há duas vias de envio de impressões sensoriais, uma delas é a chegada dos sinais ao tálamo e, através dele, o envio destes às regiões corticais responsáveis pelo processamento e organização da informação sensorial. Esta é a forma como funciona na maioria das vezes. Existe, porém, outro caminho, secundário e mais curto, uma espécie de atalho: o envio da informação diretamente do tálamo à amígdala, o que faz com que seja emitida uma resposta antes que os sinais sensoriais sejam registrados pelo neocórtex. Goleman (1996) batizou este processo de "sequestro emocional". Desde uma perspectiva anatômica, o sistema emocional pode atuar independentemente do neocórtex (razão), certas reações e lembranças emocionais ocorrem sem participação cognitiva consciente. Tal bagagem emocional tem valor de sobrevivência e integrou-se ao sistema nervoso em forma de tendências inatas e automáticas.

Todas as emoções são impulsos que levam a agir, programas de reação automática dos quais a evolução dotou os seres humanos (emoção, do latim "movere"). Essas predisposições biológicas à ação são modeladas posteriormente pelas experiências e pelo meio cultural em que se vive (Goleman, 1996).

Goleman (1996) explica que um dos inconvenientes do sistema de sequestro emocional é que, com frequência, a mensagem enviada pela amígdala costuma ser obsoleta, especialmente com as mudanças da sociedade. O processo de reação com respostas que foram gravadas há algum tempo, com pensamentos, emoções e comportamentos aprendidos em acontecimentos vagamente semelhantes, torna-se um sistema rudimentar que não se detém em verificar a adequação de suas conclusões, atuando sem confirmação. Emoções pré-cognitivas às vezes atrapalham mais e ajudam menos, por isso a necessidade de se trabalhar sobre sua gestão. Enquanto a amígdala prepara uma reação ansiosa e impulsiva que pode desequilibrar o organismo e agir com imprecisão, o cérebro se encarrega de elaborar uma resposta mais adequada, porém não tão rápida.

O regulador cerebral que desconecta os impulsos da amígdala é o córtex pré-frontal. No neocórtex uma série de circuitos registra e analisa a informação, compreende e organiza-a através do lóbulo pré-frontal, e, se a situação requer uma resposta emocional, é ele quem a direciona. O sequestro emocional é, portanto, caracterizado pela intensa ativação da amígdala e o fracasso em ativar os processos corticais que mantêm equilibradas nossas respostas emocionais (Le Doux, 1993).

Evolutivamente o cérebro cresceu de baixo para cima, sendo os centros superiores derivações dos centros inferiores. O fato de o cérebro emocional ser muito anterior ao racional, e que este seja derivado daquele, revela com clareza as autênticas relações entre pensamento e sentimento (Kandel, 2000).

A existência de uma via nervosa que liga o córtex pré-frontal ao sistema límbico faz emoções intensas, como ansiedade, raiva e tristeza, paralisarem a capacidade deste lóbulo e não manterem a memória de trabalho. Essa tensão emocional prolongada pode obstaculizar as faculdades intelectuais e dificultar a aprendizagem, o que limitaria a tentativa de resolução de problemas que necessitassem tais processos cognitivos (Goleman, 1996).

3.3. Respostas Emocionais e sua Influência sobre os Processos Cognitivos

A inteligência emocional, segundo Goleman (1996), tem como pedra angular a premissa de que conhecer os próprios sentimentos é uma capacidade sobre a qual se edifica o autocontrole emocional. A consciência de seus próprios estados de ânimo e pensamentos impede que o indivíduo seja dominado, aceitando passiva e resignadamente suas emoções. Por outro lado, entende-se o papel primordial das mesmas na evolução, e sua importância se estabelece nos processos de tomada de decisão na medida em que são usadas como mais uma fonte de informação e não um determinante. A raiva que surge da sensação de ameaça, e funciona como um preparo para a ação de luta ou fuga representa um destes casos. Deve-se frear a escalada de pensamentos hostis ou a intensidade da emoção poderá gerar a incapacidade cognitiva, o que impede que a pessoa pense racionalmente.

De forma semelhante, Goleman (1996) explica que a ansiedade se caracteriza pela falta de controle sobre o ciclo de preocupação. Assim como a raiva, gera respostas psicofisiológicas que atrapalham a concentração, pois o foco torna-se interno e estreito (focado nos pensamentos negativos que a pessoa está experimentando) e também afetam a coordenação e execução motora, prejudicadas pelo aumento significativo dos batimentos cardíacos, sudorese e hiperventilação. Corta-se este ciclo mudando o foco de atenção.

A tristeza, pelo contrário, é uma emoção que leva o organismo a uma desaceleração do seu funcionamento. Evolutivamente serve para que a pessoa possa ajustar-se, estabelecer novos planos e assimilar uma perda. Em casos intensos e prolongados, entretanto, pode causar baixa autoestima, ansiedade, e, como sequelas intelectuais, confusão, falta ou dificuldade de concentração e perda da memória (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2006).

Nesta mesma linha que analisa a relação entre estados de ânimo e fluidez de raciocínio, ou, emoções e tomada de decisão, Goleman (1996) destaca que os estados de ânimo positivos aumentam a capacidade de pensar com flexibilidade e complexidade, facilitando a busca por soluções de problemas intelectuais ou interpessoais. O riso e a alegria parecem ampliar a perspectiva, favorecendo o pensamento amplo e criativo, assumindo relações entre elementos que poderiam passar despercebidos. Tal fluidez ajudaria também a prever consequências de uma determinada decisão, processo chamado antecipação no modelo de tomada de decisão.

Um estudo semelhante, que investigou a relação entre emoções e capacidades cognitivas de percepção, foi realizado por Schmitz, De Rosa e Anderson (2009). Em sua investigação, os autores verificaram que o humor literalmente modifica a forma como nosso córtex visual opera e como enxergamos. Quando experimentamos emoções positivas nosso córtex visual absorve mais informação, processando um número maior de objetos do ambiente, possibilitando uma perspectiva mais global e integrada. Em exagero, porém, pode causar a distração em tarefas que exijam maior concentração. Os autores relatam que, ao contrário das positivas, emoções negativas resultam em um processo perceptivo de visão em túnel, prejudicando a integração de informação externa ao nosso foco atencional.

Ao compreender o desempenho tático como produto das capacidades cognitivas, ou seja, demanda de elevada atividade intelectual relacionada com funções de percepção, processamento da informação, memória, atenção e concentração, representação mental, raciocínio e tomada de decisão, entendemos porque, em certos níveis, as emoções não são adaptativas para o rendimento esportivo (Greco, 1999).

A demanda do trabalho psicológico voltado às respostas emocionais como elementos-chave para a otimização do desempenho tático-esportivo é o tema desenvolvido a seguir. Nele busca-se esclarecer a teoria do modelo cognitivo e sua aplicação em circunstâncias esportivas.

 

4. DESEMPENHO TÁTICO E EMOÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA

O modelo cognitivo está em plena emergência. A revolução cognitiva, desde a metade do século passado, vem permeando a psicologia, promovendo os mecanismos cognitivos e as formas de processar informações de forma a descrever o comportamento. Este avanço, porém, ainda não pode ser visto da mesma forma em estudos sobre tomada de decisão e outros comportamentos no contexto esportivo (Tenenbaum & Bar-Eli, 1993).

4.1. Fundamentos do Modelo Cognitivo de Beck

No início da década de 60, através de observações de pacientes deprimidos, Beck percebeu semelhanças nos significados atribuídos por eles às situações que vivenciavam. Identificou que seus pensamentos giravam em torno de uma visão negativista do presente, passado e futuro, ocasionando a emoção específica constituinte do transtorno (Beck, 1964).

Essa constatação inicial deu início às reflexões sobre a importância das interpretações e significados atribuídos às situações sobre o comportamento, sendo, desde então, refinada com experimentos empíricos. Derivada da revolução cognitiva, a ênfase na influência do pensamento e da avaliação cognitiva dos eventos sobre as emoções e o comportamento tornou-se o cerne do modelo cognitivo formulado por Aaron Beck, aplicado na psicologia através da terapia cognitiva. Apesar de ter sido prioritariamente vinculado a psicopatologias seus princípios culminam em uma teoria explicativa da personalidade, além de propor um modelo que intervém sobre as habilidades de enfrentamento, solução de problemas e reestruturação cognitiva. Na intervenção sobre as habilidades de enfrentamento, a terapia cognitiva objetiva fornecer ao paciente instrumentos para lidar com uma série de situações problemáticas ou estressoras, enquanto que a solução de problemas enfatiza o desenvolvimento de estratégias para lidar com dificuldades pessoais (Knapp & Beck, 2008).

A reestruturação cognitiva, foco principal do trabalho terapêutico desta abordagem, tem como meta reformular pensamentos distorcidos e promover pensamentos adaptativos de forma a modificar respostas emocionais disfuncionais. Sua aplicação no contexto esportivo é favorecida por sua característica colaborativa, breve, voltada ao presente e orientada a metas.

Segundo Beck (1997), as pessoas tendem a extrair sentido do seu ambiente desde a infância, e na tentativa de organizar a sua experiência de forma a atuar adaptativamente vão-se formando crenças centrais sobre si (self), o outro (ambiente) e o mundo (futuro). Essa é a tríade cognitiva que rege os padrões de interpretação do indivíduo. Características interpretativas estão diretamente relacionadas com padrões de comportamento, os quais tornam-se estratégias compensatórias para lidar com as crenças. As crenças centrais ou esquemas constituem o nível mais profundo e fundamental da personalidade, servem como filtros pelos quais as informações e experiências atuais são percebidas e processadas. Caracterizam-se por serem globais, rígidas e supergeneralizadas, porém, muitas vezes imprecisas e disfuncionais. Exemplos: "sou incapaz", "sou inadequado", "todos me ridicularizam", "não sou merecedor", "sou vulnerável", "mais cedo ou mais tarde verão que sou um fracasso", etc. Em outro nível, mais superficial, estão as crenças intermediárias, expressas em forma de regras e pressupostos: "se errar esta bola, serei ridicularizado para sempre", "se me destacar em jogo, serei querido por todos", etc.

Beck (1997) destaca que estas crenças são evidenciadas através de pensamentos automáticos. Estes são a expressão mais superficial das características de interpretação de um indivíduo. Nestes, são encontradas distorções cognitivas, ou erros lógicos que representam os padrões errôneos de interpretação. Distorções cognitivas são recorrentes e refletem um padrão de pensamento e interpretação, entre elas estão: pensamento dicotômico (tudo ou nada), catastrofização (previsão negativa do futuro sem considerar outros resultados mais prováveis), desconsideração do positivo (atos ou qualidades positivos não contam), argumentação emocional (algo torna-se verdade por ser é sentido, evidências contrárias são desconsideradas), magnificação/minimização (magnificação irracional do negativo e minimização do positivo quando feita uma avaliação própria, de outros e de uma situação), filtro mental/abstração seletiva (atenção indevida prestada a um detalhe negativo ao invés de considerar o quadro geral), leitura mental (adivinhação sobre o que os outros estão pensando, desconsiderando outras possibilidades mais prováveis), supergeneralização (conclusão negativa radical que vai além da situação atual), personalização (sem considerar explicações plausíveis, crê que os outros tem opiniões negativas a respeito de você), declarações imperativas (eu deveria ou eu devo, idéias estabelecidas de como as pessoas e você deveriam se comportar) e visão em túnel (vê apenas os aspectos negativos de uma situação).

Ante esta estrutura cognitiva, o objetivo principal da terapia cognitiva é reestruturar as cognições disfuncionais e dar flexibilidade cognitiva no momento de avaliar situações específicas. A intervenção psicológica estará voltada inicialmente para o reconhecimento dos pensamentos automáticos que evidenciarão padrões perceptivos e crenças intermediárias e centrais que deverão ser foco da mudança cognitiva. O processo de investigação e descoberta dos pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças centrais é chamado de conceituação cognitiva e pode ser alcançado através do preenchimento de um diagrama no qual se organizam as informações que auxiliam na criação de uma hipótese sobre os padrões cognitivos da pessoa (Beck, 1975).

Para entender as reações emocionais das pessoas sobre um evento, é necessário fazer uma distinção entre o seu significado público e privado. O significado público é a definição formal e objetiva do evento, sem levar em conta a conotação ou significado pessoal. Para um atleta, por exemplo, uma situação de adversidade em um jogo pode ter um significado pessoal mais complexo como: "Eu não sou capaz", "não consigo fazer nada certo", "eu sou um fracasso", "serei ridicularizado". Enquanto para outros, esta pode ser apenas uma situação normal de jogo que não evoca esquemas de negativismo e vulnerabilidade (Beck, 1975).

Neste mesmo viés, Beck (1975) explica que significados especiais normalmente são evocados em situações que atinjam áreas importantes da vida de uma pessoa, como a aceitação social, porém, elas se mantêm privadas e não são expressas. De fato, quando pacientes revelam estes significados ao psicólogo, frequentemente, é a primeira vez que têm a chance de examiná-los e testar sua validade. Esta falha em checar a autenticidade das interpretações, ocasionada pela falta de oportunidade e habilidades para tal, faz com que significados irrealistas se mantenham vigentes.

Negativismo, narcisismo e vulnerabilidade são alguns dos temas encontrados em esquemas iniciais desadaptativos que evocam diferentes percepções, interpretações e significados de eventos, e podem ser reconhecidos nos pensamentos automáticos. Sendo assim, o conteúdo específico da interpretação de um evento leva a uma resposta emocional específica. E mais além, baseado na análise de vários exemplos similares, pode-se generalizar que, dependendo do tipo de interpretação que uma pessoa faça, ela se sentirá triste, feliz, com medo, com raiva ou não terá qualquer reação emocional. A ansiedade, por exemplo, é ocasionada pela interpretação pessoal e nem sempre pela definição social de um evento. O seguinte exemplo demonstra como um evento externo evoca significados diferentes para cada pessoa: A derrota de uma equipe de forma surpreendente é vivenciada de diversas maneiras pelos adversários. Por exemplo, um dos jogadores que venceu a partida pode interpretar a situação da seguinte forma: "Somos melhores do que eles", enquanto outro componente vitorioso atribui outro significado: "Eles não jogaram tão bem quanto podem" ou "tivemos sorte". Tais percepções e significados geram respostas emocionais que afetam de formas distintas o comportamento (Beck, 1975).

Uma pessoa que vincula a um evento um significado irrealista ou extravagante tem mais probabilidade de experimentar uma reação emocional inapropriada ou excessiva, e somente a pessoa que experimenta a emoção, ideia ou imagem pode relatar suas observações introspectivas. A tese de que o significado especial de um evento determina a resposta emocional forma o conteúdo do modelo cognitivo das emoções. O significado está inscrito nas cognições: pensamentos e imagens. A natureza de uma resposta emocional ou distúrbio emocional depende de se a pessoa percebe que o evento está lhe adicionando, subtraindo, ameaçando ou invadindo, coagindo seu domínio (Beck, 1964).

A tristeza corresponde, então, a reação à perda ou subtração de algo importante, como a morte de um ente querido, a perda do emprego, autoestima diminuída, etc. Alegria, euforia e excitação são reações a ganho ou adição, como amor, ganho material, atendimento de metas, etc. Já a raiva é ocasionada como reação de defesa sobre ataques deliberados (físico, verbal, coerção, privação, oposição e invasão), frustração por restrição, ataque à autoestima ou violação de regras. A ansiedade é uma reação à ameaça de injúria física, doença, rejeição social, desastre econômico e perda iminente ou antecipada de algo valioso, tangível ou intangível. Se a pessoa sente-se confiante para lidar ou repelir o risco, a ansiedade é minimizada. Ela aumenta quando a pessoa considera o risco potencial iminente, muito provável e muito destrutivo (Beck, 1975).

Beck (1975) também explica que o objetivo da intervenção sobre a ideia do modelo cognitivo é orientar a pessoa para uma percepção mais correta do mundo e das situações para que suas respostas e interações com o meio sejam mais adaptativas, e isto pode ser adequado ao contexto esportivo, de forma que o atleta elabore significados e interpretações mais realistas e funcionais sobre vivências pessoais e interpessoais em treinamentos e competições. Tal intervenção é mais adequada nos casos em que o conteúdo cognitivo ou ideacional de uma pessoa sobre uma realidade particular do ambiente é distorcido, o que causa uma percepção incongruente e disfuncional.

Estudos de neuroimagem confirmaram os efeitos de intervenções desta abordagem verificando mudanças fisiológicas e funcionais em muitas áreas cerebrais. A atividade cognitiva pode, então, ser monitorada, avaliada e medida e a mudança de comportamento pode ser uma evidência direta de mudança cognitiva (Linden, 2006; Goldapple, Segal, Garson, Lau, Bieling, Kennedy & Mayberg, 2004).

Em resumo, o modelo cognitivo enfatiza o processamento de informações, postulando que emoções e comportamentos são influenciados pela percepção dos eventos e não são determinados apenas pela situação em si. Desta forma, a mudança no pensamento afetaria emoção e comportamento, mas isto requer, muitas vezes, um processo profundo que atinja os conteúdos mais rígidos da personalidade do indivíduo (Beck, 1975).

 

5. CONCLUSÕES

Pesquisas atuais têm comprovado cada vez mais a relação entre o cérebro racional e o cérebro emocional. Muitas delas estão desvendando informações encobertas a respeito da funcionalidade das emoções sobre os processos racionais tais como a tomada de decisão. Apesar de alguns autores defenderem a tese de que as emoções são benéficas e essenciais para a tomada de decisão, estudos empíricos realizados em laboratórios de neurociências têm encontrado uma sequência de resultados que afirmam que o nível de emoção (tristeza, raiva e ansiedade) experimentada pode ser disfuncional em casos de tarefas cognitivas que envolvam percepção, concentração, memória e raciocínio lógico.

Desta forma, o modelo teórico da terapia cognitiva relaciona-se ao rendimento esportivo devido à sua eficácia em intervir sobre as respostas emocionais que a certo nível limitam ou interferem negativamente nas capacidades cognitivas inerentes ao processamento de informação, análise e tomada de decisão, elementos constituintes do desempenho tático-esportivo. Um padrão de resposta emocional é ocasionado por interpretações irrealistas e significados disfuncionais sobre as situações vivenciadas. Os esquemas e crenças iniciais que determinadas situações esportivas evocam, seja em treinamento ou competições, seriam o cenário de atuação do psicólogo. Evidenciados através dos pensamentos automáticos, estes conteúdos cognitivos desadaptativos seriam reavaliados durante o processo de reestruturação cognitiva, caminhando para a mudança de afeto e novas estratégias de enfrentamento e solução de problemas.

Apesar da psicologia do esporte ter-se iniciado como campo de investigação científica há aproximadamente um século, o tema das capacidades cognitivo-afetivas ligadas à tática no esporte é ainda muito recente e profundamente arraigado ao campo da educação física. Isto se deve, em partes, à inclusão da psicologia esportiva em cursos de graduação em educação física há mais de vinte anos, enquanto os cursos de graduação em Psicologia seguem sem incorporar a disciplina aos seus currículos.

Como forma de validar e alavancar cada vez mais o conhecimento a respeito da relação entre aspectos emocionais e tática esportiva sugere-se o desenvolvimento de pesquisas de cunho experimental que verifiquem a eficácia da aplicação das técnicas da terapia cognitiva em atletas de rendimento e os efeitos sobre a habilidade tática destes sujeitos.

 

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