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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2010

 

ARTIGOS

 

Qualidade de vida e depressão de pacientes em hemodiálise

 

Quality of life and depression in hemodialysis patients

 

 

Greici Rössler MacugliaI; Fabiane Caillava RossattoII; Marco Antonio Pereira TeixeiraIII; Cláudia Hofheinz GiacomoniIV

IPsicóloga, Especialista em Psicologia Hospitalar, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIPsicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIIPsicólogo, Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor Adjunto do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IVPsicóloga, Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O avanço da medicina possibilitou a pacientes renais crônicos a manutenção de suas vidas através de procedimentos como a hemodiálise. Se por um lado, a expectativa de vida destes pacientes aumentou, por outro, o restabelecimento da saúde plena não será possível, favorecendo o surgimento de transtornos como depressão, comprometendo a qualidade de vida. Este estudo tem por objetivo investigar os indicadores de qualidade de vida e a prevalência de depressão em pacientes adultos submetidos à hemodiálise. Foram avaliados 49 pacientes através da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS-D) e o Questionário de Avaliação de Qualidade de Vida (WHOQOL-bref). Os resultados indicaram que 28,6% da amostra apresentou um grau leve ou moderado de depressão, sendo o sexo feminino o mais afetado, e uma melhor qualidade de vida em relação ao domínio psicológico e relações sociais. A HADS-D apresentou coeficientes de correlação negativos significativos com todos os domínios do WHOQOL-bref, com destaque para o domínio psicológico. Os dados sugerem que o aumento da sobrevida destes pacientes não significa, necessariamente, melhora na qualidade de vida, indicando a necessidade de se direcionar a atenção para todos os aspectos da vida do paciente, não somente para os aspectos físicos.

Palavras chave: hemodiálise, depressão, qualidade de vida.


ABSTRACT

The advances in medicine made it possible to chronic renal failure patients to maintain their lives through procedures such as hemodialysis. On the one hand, the life expectancy of patients has increased, on the other, the restoration of full health will not be possible, favoring the emergence of disorders such as depression, and impairing quality of life. This study aims to investigate the indicators of quality of life and prevalence of depression in adult patients undergoing hemodialysis. Forty nine patients were evaluated with the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS-D) and the Assessment Questionnaire Quality of Life (WHOQOL-bref). The results indicated that 28.6% of the sample had a mild or moderate depression, with women being most affected, and a better quality of life in relation to the psychological and social relations. The HADS-D had significant negative correlations with all domains of WHOQOL-bref, especially the psychological domain. The data suggests that increased survival of these patients does not necessarily mean better quality of life, indicating the need to direct attention to all aspects of patient's life, not only the physical aspects.

Keywords: hemodialysis, depression, quality of life.


 

 

INTRODUÇÃO

O avanço da Medicina possibilitou a inúmeros pacientes a manutenção de suas vidas, mesmo daqueles que tiveram comprometidas importantes funções orgânicas. Em relação à função renal, é possível, através da hemodiálise (HD) e de outros métodos substitutivos, assegurar a vida de pacientes por períodos indeterminados de tempo, que podem chegar a vários anos (Thomas & Alchieri, 2005).

Ao receber o diagnóstico de insuficiência renal crônica o paciente adentra no universo da doença, ficando, assim, delimitada a impossibilidade de cura e o retorno a um estado de plena saúde (Thomas & Alchieri, 2005). A partir deste momento, traçar-se-á uma trajetória de perdas que se estenderá muito além da perda da função renal (Law, 2002). Tais perdas acarretarão mudanças na qualidade de vida (QV) destas pessoas, podendo ocasionar as mais diversas reações, dentre estas a depressão (Morales-Jaimes, Salazar-Martínez, Flores-Villegas, Bochicchio-Ricardelli, & López-Caudana, 2008). Em pacientes renais, a depressão seria uma resposta subjetiva ao que a doença física desperta, relacionando-se com características de personalidade, situação sócio-econômica e cultural, forma de incidência da doença, entre outros aspectos (Cengić & Resić, 2010). Trata-se do transtorno psiquiátrico mais comum em pacientes em HD (Kovac, Patel, Peterson, & Kimmel, 2002). No entanto, sua prevalência não está bem estabelecida, devido aos diferentes critérios adotados para seu diagnóstico, apresentando variações entre 0 e 100% nos grupos pesquisados (Gyamlani et al., 2011; Kimmel, 2002; Morales-Jaimes, et al., 2008; Tyrrell, Paturel, Cadec, Capezzali, & Poussin, 2005). Episódios recorrentes de depressão poderão influenciar de forma negativa a evolução da enfermidade, chegando a desencadear o agravamento da doença e até mesmo a abreviação do tempo de vida do paciente (Drayer, Piraino, & Reynolds, 2006; Gyamlani et al., 2011). A severidade da depressão pode resultar, também, em uma postura suicida ou no abandono da HD (Cengić & Resić, 2010; Drayer et al., 2006).

O progresso clínico de cada paciente dependerá, inclusive, de um amadurecimento cognitivo e emocional, muitas vezes, superior ao que antecedeu seu adoecimento. Suas características pessoais poderão influenciar a aderência ao tratamento, e a maneira como o paciente processa a doença e suas conseqüências, do ponto de vista cognitivo, e como reage a elas comportamentalmente, podendo predizer um melhor ou pior prognóstico, interferindo diretamente na sua QV (Thomas & Alchieri, 2005).

Desta forma, uma vez controlada a disfunção orgânica através do emprego da HD, busca-se lidar da melhor maneira possível com as conseqüências advindas da doença e do tratamento, isto é, ir além do interesse pela manutenção da vida. A QV surge, então, como um novo fator a ser considerado, juntamente com outros aspectos, na avaliação do paciente (Botell, 2002).

QV é um conceito multidimensional visto que abrange aspectos relacionados à capacidade funcional, às funções fisiológicas, ao comportamento afetivo e emocional, às interações sociais, ao trabalho e à situação econômica, centrados na avaliação subjetiva dos indivíduos. Isto faz com que este construto seja visto de uma forma mais ampla do que simplesmente a ausência ou presença de saúde (Lima & Gualda, 2001). Segundo a OMS, QV é definida como o modo que um indivíduo percebe sua posição na vida, no contexto cultural e no seu sistema de valores, em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (Fleck, 2000; WHOQOL Group, 1998, 2004).

As investigações em QV tornam possível investigar os efeitos da enfermidade ao longo de sua evolução, a imagem social e individual que se tem da uma determinada doença e seu tratamento, os efeitos do tratamento sobre o estado de ânimo e as expectativas do paciente, os efeitos do ingresso hospitalar, das relações médico-paciente, as características do apoio familiar, da análise dos projetos de vida e as formas que se percebe esse complexo processo (Pérez, 2002).

Este estudo tem por objetivo investigar a prevalência de depressão e o nível de QV em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à HD, bem como explorar possíveis relações entre estas variáveis. Espera-se que a prevalência de depressão entre pacientes em HD seja maior do que na população geral, e que existam associações negativas entre depressão e QV.

 

METODOLOGIA

Participantes

Participaram do estudo pacientes com diagnóstico de insuficiência renal crônica submetidos à HD. Foram adotados como critérios de exclusão a presença de algum transtorno neurológico, verificado através dos prontuários dos pacientes, e a ausência de condições clínicas para responder aos instrumentos, resultando em 49 indivíduos cujas idades variaram entre 19 e 81 anos (M= 48,9; DP= 14,1). A maioria dos pacientes pertencia ao sexo masculino (63,3%), estavam aposentados ou em benefício (71,4%), eram casados (57,2%) e possuíam primeiro grau incompleto (59,2%).

O tempo médio da condição de insuficiência renal crônica variou entre 0,16 e 30 anos (M= 9,77; DP= 7,93). O tempo de realização de HD variou entre 0,16 e 21 anos (M= 6,69; DP= 6,36). As frequências dos dados clínicos podem ser visualizadas na Tabela 1.

Em nossa amostra pode-se observar que 34 indivíduos (69,4%) não se encontravam na lista pela espera de um órgão, 8 (16,3%) já estavam na lista aguardando por um doador, e 7 (14,3%) estavam em processo de avaliação para a entrada na lista ou realização de transplante de doador vivo.

Instrumentos

Além dos questionários clínico e sócio-demográfico, foram utilizados dois instrumentos para avaliação de depressão e QV. Através do questionário de dados sócio-demográfico procurou-se identificar a idade, o sexo, a situação profissional atual, o estado civil e o nível de instrução de cada paciente. Através do questionário de dados clínicos verificou-se o tempo de doença renal, a doença de base, a presença de comorbidades, a ocorrência de transplante prévio (doador cadáver ou doador vivo) e a espera em lista para transplante.

Para avaliação da depressão usou-se a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão - HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale) (Zigmond & Snaith, 1983) validada para a população brasileira por Botega et al. (1995). A escala é composta de 14 questões auto-aplicáves de múltipla escolha divididas em duas subescalas, sendo uma referente à ansiedade e outra à depressão. Para fins desta pesquisa utilizou-se somente a subescala de depressão A pontuação global varia de 0 a 21 em cada subescala, sendo 0 correspondente ao menor índice de depressão e 21 ao maior. A escolha deste instrumento deve-se a ausência de itens que avaliam sintomas vegetativos que podem ocorrer tanto na depressão quanto na doença renal crônica, confundindo o diagnóstico (Botega, Bio, Zomignani, Garcia Jr., & Pereira, 1995).

Para avaliação da QV foi utilizado o WHOQOL - bref (World Health Organization Quality of Life) (OMS, 1998), uma versão abreviada do WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life - 100), adaptado e validado para a população brasileira por Fleck et al. (2000). O questionário é composto por 26 questões - 02 questões gerais de QV e as demais 24 representam cada uma das facetas que compõem o instrumento original - as quais obtiveram os melhores desempenhos psicométricos aliados à praticidade de uso. A versão abreviada é composta por 4 domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio-ambiente. Cada domínio varia de 4 a 20 em seu escore bruto, sendo 4 o indicativo de pior QV e 20 de melhor (Fleck, 2000, WHOQOL Group , 1998, 2004).

Procedimentos

Os prontuários dos pacientes foram analisados, inicialmente, para a identificação daqueles que atendiam aos critérios de inclusão e não preenchiam nenhum critério de exclusão do estudo e, posteriormente, para coleta dos dados clínicos. Aos pacientes selecionados para participar da amostra foram informados os objetivos da pesquisa e solicitado que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após sua leitura. O questionário de dados sócio-demográfico foi preenchido através de informações obtidas dos próprios pacientes. A seguir, aplicou-se a HADS-D e na seqüência o WHOQOL-bref. A aplicação dos instrumentos ocorreu em dias aleatórios, durante as sessões de HD, no momento em que os participantes sentiam-se em condições para o preenchimento dos mesmos.

Análise dos Dados

A análise dos dados consistiu em procedimentos descritivos para as variáveis de interesse (depressão e QV) e para as variáveis clínicas e sócio-demográficas, envolvendo propriedades da distribuição, medidas de tendência central e medidas de dispersão ou variabilidade. A estatística inferencial consistiu em cálculos de diferenças entre médias (Testes t) e cálculos correlacionais (coeficiente de correlação de Spearman). Foi aceito para significância p<0,05. Os dados foram analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS versão 18.0.

 

RESULTADOS

Depressão

Adotando-se o ponto de corte >8, segundo a classificação da intensidade de sintomas depressivos proposta por Botega et al. (1995), obteve-se 28,6% de pacientes com um grau leve ou moderado de depressão (Figura 1). Nenhum participante pontuou para depressão grave. Houve correlação significativa entre depressão e sexo, sendo o sexo feminino o mais afetado (r = 0,36; p<0,01) (Tabela 2). Não foram encontradas diferenças significativas nos níveis de depressão quando correlacionados às demais variáveis sócio-demográficas e clínicas. O coeficiente de confiabilidade encontrado para a HADS, sub-escala de depressão foi α = 0,76.

Qualidade de vida

A consistência interna encontrada para o instrumento WHOQOL-bref total foi α= 0,88. Todos os domínios apresentaram coeficientes de correlação significativos (p<0,01) entre si. O domínio relações sociais apresentou os coeficientes de correlação mais baixos em relação aos demais domínios. Os melhores coeficientes de correlação encontraram-se entre os domínios meio ambiente e psicológico, físico e psicológico, relações sociais e psicológico (Tabela 3).

Analisando-se os escores brutos dos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio-ambiente, obtiveram-se as médias e desvios-padrão descritos na Tabela 4. Observou-se que os participantes da amostra apresentaram melhor QV em relação ao domínio relações sociais.

A média do escore bruto em todos os domínios do WHOQOL-bref foi maior nos indivíduos do sexo masculino, mas com significância estatística apenas nos domínios físico, psicológico e relações sociais (p<0,01, p<0,05 e p<0,05), respectivamente. Através do teste t foram identificadas diferenças significativas entre os sexos no domínio físico (t (47)= 2,971, p<0,05), no domínio psicológico (t (47)=1,988, p<0,05) e no domínio das relações sociais (t (47)=2,222, p<0,03). A Tabela 5 demonstra as médias e os desvios-padrão encontrados nos domínios conforme o sexo.

Os participantes da amostra foram divididos em dois grupos em relação a seus níveis de escolaridade, para fins de comparação com a variável QV. O grupo 1 foi formado por pacientes não-alfabetizados e com ensino fundamental incompleto. O grupo 2 foi composto por pacientes com ensino fundamental completo até curso superior completo. A análise destes dados indicou correlação significativa entre os domínios psicológico (r = 0,29; p<0,05) e meio-ambiente (r = 0,31; p<0,05) do WHOQOL-bref com o nível de instrução. Através do teste t foram identificadas diferenças significativas entre o grupo 1 (t (47)= -2,114, p<0,04) e o grupo 2 (t (47)= -1,97, p<0,05) para a QV total. Não foram encontradas correlações entre as demais variáveis sócio-demográficas e clínicas com QV.

Relação entre as variáveis depressão e qualidade de vida

A escala HADS, em sua subdivisão para depressão, apresentou coeficientes de correlação negativos significativos com todos os domínios do WHOQOL-bref (Tabela 6). Observa-se que o domínio psicológico é o que melhor se correlaciona com o escore total da HADS-D.

 

DISCUSSÃO

A amostra estudada pode ser descrita quanto às características demográficas observadas como sendo composta por homens (63,3%), casados (57,2%), com mais de 50 anos (38,8%). Além disso, aspectos sócio-econômicos como grau de instrução fundamental incompleto (59,2%) refletem características de um grupo peculiar de pacientes, ressaltando-se a desproporção entre os sexos e o nível educacional relativamente baixo. Também se observa uma alta freqüência de indivíduos profissionalmente inativos (71,4%), talvez uma contingência provável deste tipo de tratamento. Nosso estudo está de acordo com o realizado por Diefenthaeler (2008), que também descreve uma amostra composta na maioria por homens, casados e com alta incidência de inatividade profissional. Zimmermann et al. (2001) apontam para a existência de um número maior de homens em tratamento hemodialítico e de mulheres em CAPD (Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua) ( Zimmermann, Poli, & Fonseca , 2001).

Em relação à depressão, 28,6% dos sujeitos da amostra estudada apresentaram grau leve a moderado de depressão, segundo o ponto de corte sugerido por Botega et al. (1995). Outras pesquisas já haviam adotado o ponto de corte oito como indicativo de depressão, procedimento também seguido em estudos de validação do instrumento (Freitas & Botega, 2002; Mendes, Tilbery, Balsimelli, Moreira, & Barão-Cruz, 2003; Montazeri, Vahdaninia, Ebrahimi, & Jarvandi, 2003).

Alguns estudos encontraram prevalência semelhante de depressão em suas amostras. Kimmel e Levy relataram 25% de pacientes em HD sofrendo de depressão, Hedayati et al. (2008) encontraram uma prevalência de 26,7%, Son et al. (2009) de 25,34% e Drayer et al. (2006) de 28% (Drayer et al., 2006; Hedayati, Bosworth, & Briley, 2008; Kimmel & Levy, 2000; Son, Choi, Park, Bae, & Lee, 2009). Embora tenha sido utilizado nestes estudos o Beck Depression Inventory (BDI) (Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961), um instrumento que possui entre seus itens questões que avaliam aspectos somáticos da depressão, a similaridade dos resultados com os encontrados em nossa amostra, possivelmente, se deve ao ponto de corte mais elevado adotado por seus pesquisadores. Este procedimento denota a necessidade de uma análise criteriosa dos resultados obtidos por determinados instrumentos, a fim de minimizar a possibilidade de falsos diagnósticos de depressão. Sendo assim, a HADS é um instrumento que avalia e quantifica sintomas depressivos, principalmente através da anedonia, e não de sintomas vegetativos, o que faz com que seja adequada para pacientes portadores de una doença crônica (Botega et al., 1995).

Na presente pesquisa o sexo feminino apresentou escores significativamente maiores de depressão, conforme o que já fora verificado em outros estudos (Almeida & Meleiro, 2000; Lopes et al., 2004). No entanto, outros autores não encontraram esta associação (Diefenthaeler, 2008; Kimmel & Levy, 2000; Kimmel & Peterson, 2005; Rocha, 2002).

No estudo de Kimmel e Peterson (2005) foi observado que a variável tempo de HD é importante na determinação de depressão. Os autores destacam que pacientes submetidos à HD há mais de um ano tendem a ter menos depressão, possivelmente por estarem mais resignados à doença. Contudo, essa relação não foi observada neste estudo.

Os dados relativos à QV indicam que a média dos escores brutos do WHOQOL-bref foi semelhante àquela encontrada por Fleck et al. (2000) em um trabalho de validação do instrumento para o nosso meio, utilizando uma amostra de pacientes ambulatoriais e internados. Outro aspecto relevante diz respeito à correlação positiva significativa encontrada entre os diferentes domínios deste instrumento, o que também está de acordo com os achados de Fleck et al. (2000), sugerindo a consistência do construto QV em nosso meio, bem como, a validade do instrumento.

Em nossa amostra, os domínios físico e meio-ambiente obtiveram os menores escores na WHOQOL-bref. A pontuação mais baixa em relação ao domínio físico era esperada, em função das inúmeras imposições que a própria doença renal acarreta ( Sathvik , Parthasarathi , Narahari , & Gurudev , 2008). O estudo de Castro et al. (2003) avaliou a QV usando o instrumento SF-36 (Medical Outcomes Study 36) e encontrou menores escores na dimensão aspecto físico, o que também vai ao encontro dos nossos achados. É importante frisar que essas dimensões avaliam principalmente o desempenho nas atividades diárias e capacidade de trabalho e que sensação de desânimo e falta de energia são sintomas freqüentes em pacientes renais crônicos (Castro, Caiuby, Draibe, & Canziani, 2003).

Todavia, uma maior insatisfação relacionada com o meio-ambiente retrata, possivelmente, dificuldades financeiras devido à restrição de atividades profissionais, poucas oportunidades de lazer, acesso a meios de transporte, bem como reduzidas oportunidades para adquirir novas competências. Déficits nesta área de QV também podem estar associados ao tratamento, já que este impõe sérias restrições à vida do paciente devido à dependência da máquina de diálise. Além disso, deve-se considerar condições estressantes durante o procedimento de HD, como possíveis intercorrências e o prolongado tempo de espera (Ginieri-Coccossis, Theofilou, Synodinou, Tomaras, & Soldatos, 2008; Sathvik et al., 2008).

Observamos pontuação significativamente menor entre as mulheres para os domínios físico, psicológico e relações sociais. Sentirem-se um fardo para suas famílias e a apreensão quanto sua imagem corporal e aparência podem estar relacionadas com esta dieferença entre os sexos ( Sathvik et al., 2008).

O presente estudo encontrou correlação negativa entre os domínios psicológico e meio-ambiente e o nível de instrução. Isto sugere que os pacientes com maior escolaridade podem possuir recursos intelectuais capazes de gerar melhor adaptação emocional às conseqüências da doença renal crônica e do tratamento, reforçando os resultados obtidos por outros pesquisadores (Cengic & Resic, 2010; Chiang, Peng, Chiang, He, & Hung, 2004; Coelho-Marques, Wagner, Figueiredo, Ávila, 2006; Patti et al., 2007; Sesso, Rodrigues-Neto, & Ferraz, 2003).

Não foram encontradas correlações entre o tipo de doença de base (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, nefroesclerose, rins policísticos, indeterminada e/ou outra) e comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, hepatite C, diabetes mellitus, hepatite B e/ou outras) associadas com QV, o que está de acordo com a pesquisa de Sathvik et al. (2008). Segundo Castro et al. (2003), a presença de doença crônica, a necessidade de um tratamento contínuo por um longo período e a idade avançada constituem fatores importantes na determinação da QV de pacientes renais crônicos em HD, embora estas correlações também não tenham sido observadas em nossa amostra. Isto, possivelmente, se deve ao fato de ser a média de idade não muito elevada e ao predomínio de homens em nossa amostra.

Os resultados desta pesquisa ainda indicaram correlação negativa significativa entre todos os domínios do WHOQOL-bref e depressão, relação já descrita em outros estudos (Abdel-Kader, Unruh, & Weisbord, 2009; Cengic & Resic, 2011; Dogan, Erkoc, Eryonucu, Sayarlioglu, & Agargun, 2005; Drayer et al., 2006; Garcia, Veiga, Motta, Moura, Casulari, 2010; Kalender, Ozdemir, Dervisoglu, & Ozdemir, 2007; Kimmel & Levy, 2000; Morales- Jaimes et al., 2008; Son et al., 2009; Turk, Atalay, & Altintepe, 2006). Os coeficientes de correlação entre QV e depressão encontrados em nosso estudo, com exceção do domínio meio-ambiente, também se assemelham aos apontados pelo estudo de Fleck et al. (2000), embora os instrumentos de mensuração de depressão utilizados não sejam os mesmos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços da tecnologia na medicina proporcionaram o aumento da sobrevida dos pacientes renais crônicos. Entretanto, a permanência por tempo indeterminado em tratamento hemodialítico pode interferir na QV dessa população (Castro et al., 2003; Martins & Cesarino, 2005; Unruh, Hartunian, Chapman, & Jaber, 2003).

O termo qualidade refere-se não só aos aspectos clínicos, assistenciais e à necessidade de valorizar e apreciar determinados processos vitais inerentes ao binômio saúde-enfermidade, mas também a critérios e conteúdos que permitem estimar diferentes aspectos da vida. Por isso, o interesse na melhoria da QV dos pacientes como um dos objetivos principais da atenção médica e, por sua vez, do desenvolvimento técnico relacionado com sua atenção. QV vem sendo introduzida na literatura nacional e internacional como uma nova dimensão a ser considerada na avaliação dos resultados e dos tratamentos, ao lado de parâmetros que já vinham sendo utilizados como controle de sintomas, índices de mortalidade e aumento da expectativa de vida. No entanto, ainda são poucas as pesquisas nacionais relacionando depressão e QV em pacientes em HD. Desta forma, salientamos o benefício que este estudo pode proporcionar aos pacientes em relação ao entendimento de suas necessidades, que estão para além dos aspectos clínicos. A partir dos resultados obtidos pode-se pensar na utilização destes na criação de programas de intervenção que promovam a QV, previnam o surgimento de quadros depressivos e os tratem quando já instalados nestes pacientes.

Quanto às limitações do presente estudo, salienta-se a necessidade de aumento do tamanho da amostra, principalmente, pareamento entre os sexos e a presença de um grupo controle. Sugere-se também o acompanhamento longitudinal dos pacientes estudados principalmente no que se refere à depressão.

 

REFERÊNCIAS

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