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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.2 Rio de Janeiro dez. 2010

 

ENTREVISTA

 

Entrevista com Dr. Aristides Cordioli

 

Interview with Dr. Aristides Cordioli

 

 

Carmem Beatriz Neufeld

Doutora em Psicologia pela PUCRS, Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC. Contato: cbneufeld@ffclrp.usp.br; lapicc@usp.br

 

 

 

BIOGRAFIA

Dr. Aristides Volpato Cordioli tem sua formação e atuação profissional fortemente ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS em Porto Alegre. Graduado em Medicina em 1969, Especialista em Psiquiatria a partir de 1972, obteve seu título de Mestre em Medicina - Psiquiatria em 1984 e o de Doutor em Ciências Médicas - Psiquiatria em 2003. Atualmente é Professor Associado do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua desde 1975. Suas pesquisas têm ênfase nas seguintes áreas: transtornos de ansiedade, especialmente transtorno obsessivo-compulsivo, psicoterapias em geral, terapia cognitivo-comportamental, terapia em grupo e psicofármacos.

Na década de 90 foi Presidente da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul e do Centro de Estudos Luis Guedes em Porto Alegre. Desde este período atua junto ao Ambulatório de Transtornos de Ansiedade - PROTAN da UFRGS.

Em suas quatro décadas dedicadas à ciência, exibe a marca de mais de 50 artigos publicados em periódicos com distintivo corpo editorial, sendo que destes, 20 foram publicados nos últimos 10 anos. Além disso, possui 10 livros publicados/organizados e, ainda, 46 capítulos em livros organizados por outros autores.

Além de suas publicações, conta com uma extensa lista de cursos ministrados nas mais diversas regiões do Brasil. Seu robusto trabalho de pesquisa dirigido ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) também tem tornado o Dr. Cordioli um grande divulgador das Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs).

RBTC: COMO FOI SEU CONTATO INICIAL COM A TCC?

Dr. CORDIOLI: Eu sempre me interessei por psicoterapia e inicialmente eu tive uma formação psicodinâmica, pois esta era a formação que se recebia na graduação naquela época. Após a criação do ambulatório (PROTAN), passei a perceber que muitos pacientes não reagiam, simplesmente não se encaixavam no modelo psicodinâmico. Eu e alguns colegas passamos a estudar e aplicar o modelo da terapia comportamental para o tratamento da ansiedade, pois encontramos bons resultados da terapia comportamental para o TOC. Foi um interesse motivado pela realidade clínica e embasado em estudos autodidatas. Os resultados que obtivemos mostraram muito sucesso. Utilizávamos principalmente a intervenção baseada em exposição e prevenção de resposta. Ao final dos anos 90 tive contato com a visão mais cognitiva e percebi que poderíamos avançar ainda mais no tratamento do TOC e dos outros transtornos de ansiedade. Foi nesta época que foi ofertado o curso extramuros do Instituto Beck em Porto Alegre. Essa foi, sem dúvida, minha experiência mais intensa de formação pessoal. Passei então a integrar intervenções cognitivas tanto para o tratamento e as pesquisas com TOC quanto para o tratamento de fobias.

RBTC: O QUE MAIS O ATRAIU NESTA TRAJETORIA COM A TCC?

Dr. CORDIOLI: Por ter uma formação psicodinâmica e em psicoterapia breve, percebi desde muito cedo que, na prática poucas pessoas realizavam a terapia psicodinâmica propriamente nos serviços de psiquiatria, devido à dificuldade dos pacientes e terapeutas para se adaptarem a este tratamento. Rapidamente percebi uma necessidade de diversificar, de adaptar o trabalho psicoterápico à necessidade do paciente. Hoje tenho clareza de que mais importante que o modelo a ser seguido, é necessário pensar no paciente e nas suas necessidades. Por isso, sempre fui favorável a utilização de diferentes alternativas de tratamento no PROTAN, para que os pacientes sejam atendidos em suas necessidades e possam melhorar efetivamente. Vejo na TCC alguns aspectos muito positivos, como por exemplo, a efetividade, a curta duração, os excelentes resultados para diversos transtornos e o fato de ser facilmente manualizável. Confesso que foi um grande desafio para mim, ter sido formado dentro de um modelo e mudar de modelo, mas busquei o mais breve possível passar a tratar todos os pacientes dentro do novo modelo. Depois de adquirir certo domínio do modelo passei a interessar-me muito pela TCCG (Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos). Criei um protocolo de TCCG para o tratamento de TOC e passei a testá-lo experimentalmente. Apesar da pesquisa em psicoterapia ser um desafio, pela dificuldade de financiamento, é fundamental a busca da validação da TCC a partir de pesquisas controladas.

RBTC: COMO DESPERTOU O SEU INTERESSE PELAS PESQUISAS E TRATAMENTO DO TOC?

Dr. CORDIOLI: Os pacientes com TOC estavam abandonados no ambulatório. O tratamento do TOC em uma perspectiva psicodinâmica era frustrante, pois a partir da livre associação os pacientes ficavam ruminando nas suas obsessões e pouco progresso era alcançado na remissão de seus sintomas. A partir dessa realidade montei um grupo de estudos com alguns residentes sobre terapia de exposição e prevenção de respostas e passaram a aplicar esta intervenção no ambulatório. A grata surpresa foram os bons resultados que obtivemos em relativamente pouco tempo. A partir disso, veio o doutorado nesta área e a criação de uma linha de pesquisa que se solidificou e gerou muitos frutos. Hoje temos um grande grupo de pesquisadores trabalhando e eu sou um dos líderes dos grupos que compõem o Consórcio Brasileiro de Pesquisa sobre TOC, o C-TOC, detentores de um dos maiores bancos de dados de pacientes com TOC. Minha atuação é ser o encarregado daparte de intervenção em TCC dentro do consorcio, onde o protocolo de TCCG foi replicado em diferentes grupos de pesquisa no Brasil, tendo uma duração de em torno de 10 anos. Este grupo conseguiu unir diferentes pesquisadores, e principalmente uniu os estudos de TCC e psicofarmacologia para o TOC.

RBTC: TENDO UMA SÓLIDA CARREIRA DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS NA ÁREA, QUE METAS RESTAM A SER ALCANÇADAS?

Dr. CORDIOLI: Bem, desenvolver conhecimento é uma tarefa que não se esgota, e posso dizer que me considero feliz em ter contribuído com um tijolo no edifício do conhecimento. Existem questões que ainda me instigam. Sempre quis conhecer mais a fundo o porquêdas pessoas adoecerem e como tratá-las. Creio que o desafio que sempre se coloca é manter a humildade de submeter nossas própriasconvicções ao teste. No campo do TOC, 30 % dos pacientes não melhoram e isso é uma questão em aberto, por que elas não melhoram e como tratá-las é um desafio a ser vencido.

RBTC: COMO PERCEBE O PANAROMA DA TCC NO BRASIL?

Dr. CORDIOLI: Há dez anosa TCC era desconhecida no Brasil, não era ensinada nas universidades, poucos tinham contato. Vejo que houve um extraordinário crescimento nestes 10 anos. Hoje a TCC está incluída em grande quantidade de cursos de graduação. Podemos ver a implantação de serviços com enfoque em TCC. Eu considero que a mudança de uma cultura é difícil e ela está acontecendo, liderada em grande parte pelos cursos de formação. No entanto, tem um aspecto disso que me preocupa: a dificuldade de supervisão prática dos terapeutas em formação. Eu tenho visto pouca preocupação com a supervisão nos cursos de TCC. Os alunos ainda têm pouca oportunidade ou é pouco exigida sistemática a supervisão sistemática de casos em atendimento. Percebo um interesse muito grande de norte a sul do país pela TCC, e em geral a qualidade dos cursos é boa, mas o acompanhamento de clínico acaba sendo deficitário na formação dos jovens terapeutas.

RBTC: QUAIS SÃO OS DESAFIOS QUE VISLUMBRA PARA A TCC BRASILEIRA?

Dr. CORDIOLI: De uma forma geral eu creio que o desafio de comprovação da eficácia e o aprimoramento dos métodos de tratamento ainda são desafios para a TCC como um todo. Penso que mais pesquisadores deveriam se dedicar a ensaios clínicos controlados. No contexto da formação de novos terapeutas, o desafio de as vezes ainda se ter que perder tempo discutindo conceitos básicos como psicopatologia ao invés de poder se voltar mais para o atendimento clínico também me parece digno de nota. Outro desafio é o fato de termos no Brasil poucos professores ou terapeutas experientes que possam ser os supervisores de novos terapeutas. Este me parece ser o maior desafio neste momento onde estamos vendo uma proliferação de cursos, cuja qualidade é muitas vezes questionável.

Outro desafio que sempre me perturba um pouco é a importância de não se deixar de lado a qualidade da relação entre terapeuta e paciente. A relação é ingrediente fundamental que se seja destacado. Neste sentido sempre friso que terapeuta precisa ter estabilidade, capacidade de empatia e compaixão, aspectos que às vezes são deixados de lado. Para ser terapeuta a pessoa tem gostar de gente, ter calor humano, isso é imprescindível.

RBTC: QUE SUGESTÕES DEIXARIA PARA OS JOVENS TERAPEUTAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS?

Dr. CORDIOLI: Sobretudo eu diria para não se esquecer da qualidade da relação terapêutica, pois esta é fundamental para a manutenção do processo de terapia. Além disso, acredito que se deve ter como ponto de partida um diagnóstico e uma conceitualização de casosólidos e consistentes, e quando ficar em dúvida pedir ajuda de terapeutas mais experientes. A busca por supervisão é fundamental no meu ponto de vista, é ela que fará a diferença na formação de um bom terapeuta. É premente não perder de vista a motivação do paciente também me parece um grande desafio, principalmente para o sucesso nas tarefas de casa. As tarefas de casa precisam ser viáveis e o paciente precisa estar completamente envolvido para aderir às mesmas.

Por fim eu ressaltaria que existem múltiplas TCCs. Cada transtorno tem um modelo e técnicas específicas, em cada um tem uma conceitualização, tipos de distorções e problemas comportamentais. Portanto, um bom terapeuta precisa aprimorar-se e desenvolver suas habilidades para aplicar o método adequado para cada um dos tipos de transtornos. Neste sentido ainda, eu diria que a preocupação principal de todo bom terapeuta deve ser o paciente. Sendo assim, ele deve considerar se TCC é o melhor tipo de intervenção para aquele paciente, bem como avaliar a necessidade ou não de psicofármacos.

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