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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.8 no.1 Rio de Janeiro jun. 2012

 

ARTIGOS DE REVISÃO REVIEW ARTICLES

 

Terapia cognitivo-comportamental e tratamento psicológico de pacientes com HIV/AIDS

 

Cognitive-behavioral therapy and the psychological treatment of patients with HIV/AIDS

 

 

Carolina Aita Flores

Especialização/Pós-graduação (Psicóloga Clínica e Docente em Ensino Superior) Chapecó - SC - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Com o surgimento dos medicamentos antirretrovirais, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) deixou de ser configurado como uma doença terminal e passou a ser visto como doença crônica, o que aumentou a sobrevida das pessoas infectadas e, consequentemente, levou a maiores investigações sobre a qualidade de vida dessa população. A infecção por HIV, apesar de não gerar sintomas psicológicos por si só, traz como consequência alterações psicológicas importantes. Desde o surgimento da terapia cognitivo-comportamental (TCC), de Aaron Beck, essa linha de atuação foi adaptada a uma gama enorme de populações, com diferentes transtornos ou problemas. Por seu caráter amplo e flexível, essa modalidade de terapia pode ser facilmente adaptada às particularidades da população com HIV. Somado a esse aspecto prático da TCC, outro fator que pode auxiliar o tratamento das pessoas com HIV é o entendimento de seu modo de pensar como fator-chave no aparecimento de emoções e comportamentos. A TCC pode contribuir para o tratamento psicológico das pessoas soropositivas, bem como melhorar a adaptação e a convivência com a doença.

Palavras-chave: aspectos psicológicos; terapia cognitiva; vírus da imunodeficiência humana.


ABSTRACT

With the discovery of antiretroviral medications, the Human Immunodeficiency Virus (HIV) was no longer classified as a terminal disease, but seen as a chronic disease. This led to an augmentation of life for people infected with the virus, and, as a consequence, more investigations towards quality of life for these people. The infection with HIV by itself does not cause psychological symptoms, but can lead to significant psychological problems. Since the development of Beck's cognitive-behavior therapy, this method was adapted for a diverse set of populations, with different disorders or emotional problems. Due to its wide and flexible nature, this approach can be easily adapted to the particularities of the population suffering from HIV. In addition to the practical characteristics of cognitive-behavior therapy, another aspect that can help to treat people with HIV is recognizing their way of thinking as a key-factor in the emergence of emotions and behaviors. The cognitive-behavior therapy can contribute to the psychological treatment of seropositive people, as well as in helping them ameliorate their adaptation to and acceptance of the disease.

Keywords: cognitive therapy; human immunodeficiency virus; psychological aspects.


 

 

INTRODUÇÃO

A infecção por HIV vem sendo estudada, desde sua descoberta, por diferentes áreas do conhecimento. Inicialmente, o foco dos estudos e tratamentos disponíveis estava na preparação para lidar com a morte após o diagnóstico ter sido efetuado. Com o advento da terapia antirretroviral (TARV), a preocupação passou a ser a convivência com a doença e a melhora da qualidade de vida, em função do aumento da sobrevida das pessoas diagnosticadas com o vírus. Assim, uma doença que antes era tida como terminal passou a ser considerada crônica (Brasil, 2008; Carvalho, Morais, Koller, & Piccinini, 2007; Church, 1998).

Consequentemente, as investigações sobre o impacto psicológico da AIDS também se alteraram, deixando de ser voltadas ao enfrentamento da morte iminente, passando a centrarem-se no gerenciamento de uma doença crônica e ameaçadora à vida (Lechner et al., 2003).

Devido à enorme gama de sintomas físicos e doenças oportunistas que as pessoas com HIV podem apresentar, bem como à possibilidade de a infecção pelo vírus evoluir para a AIDS, muitos estudos voltaram sua atenção à adesão aos medicamentos antirretrovirais e ao acompanhamento médico (Faustino & Seidl, 2010; Parsons, Golub, Rosof, & Holder, 2007; Safren et al., 2009).

Contudo, além das alterações fisiológicas provocadas pela infecção, pessoas diagnosticadas com HIV possuem risco elevado de desenvolver transtornos do humor ou de adaptação, bem como de apresentar sintomas de ansiedade e estresse, baixa autoestima, reações de medo, culpa, raiva e frustração, além de preocupações excessivas com sua saúde, entre outras alterações psicológicas (Blanch et al., 2002; Carrico et al., 2009; Remor, 1997, 1999).

Dessa forma, além do tratamento médico e farmacológico, é importante considerar a intervenção psicológica como uma aliada ao tratamento das pessoas com HIV, pois se sabe que a infecção geralmente acarreta alterações psicológicas desde o momento do conhecimento do diagnóstico, ou mesmo antes, quando há apenas a suspeita da contaminação (Remor, 1997, 1999).

Considerando esses aspectos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) apresenta-se como uma estratégia válida para o tratamento psicológico das pessoas com HIV, visto que pode auxiliá-las a enfrentar a doença de modo mais adaptativo e reduzir os sintomas psicológicos decorrentes do ajustamento às demandas de conviver com uma doença estigmatizada e crônica (Carrico et al., 2009; Church, 1998; Petersen, Koller, Vasconcellos, & Teixeira, 2008).

Sendo assim, este trabalho consiste em uma revisão da literatura e pretende centrar-se na relação entre a TCC e o tratamento psicológico das pessoas com HIV/AIDS, considerando estudos realizados sobre o assunto, por meio de uma descrição narrativa sobre os principais resultados encontrados nas línguas portuguesa e inglesa.

 

O HIV E AS ALTERAÇÕES PSICOLÓGICAS

A infecção por HIV, por si só, não produz diretamente sintomas psicológicos, com exceção dos casos em que a doença atinge estruturas neurológicas. No entanto, as alterações psicológicas podem estar presentes nas pessoas afetadas pelo vírus antes mesmo da confirmação do diagnóstico, quando há apenas a suspeita de contaminação, devido à noção que a pessoa tem sobre ter praticado comportamentos de risco (Remor, 1999).

Em caso de confirmação do diagnóstico, pessoas com HIV passam por um processo contínuo de ajustamento à doença, apresentando sintomas depressivos mais significativos no início da instalação da doença e oscilando entre a remissão e o reaparecimento da sintomatologia depressiva conforme a manifestação dos sintomas clínicos do HIV (Church, 1998).

Em todos os estágios relacionados à doença, a pessoa pode experimentar uma série de reações psicológicas, que podem ou não exigir intervenção. Algumas respostas são compreensíveis, esperadas e, inclusive, saudáveis, visto que a doença está associada a ameaça à vida. Outras, por serem mais severas do ponto de vista psicológico, podem requerer a atenção de profissionais da saúde mental (Church, 1998).

De acordo com Remor (1999), durante a evolução da infecção por HIV e AIDS, as respostas de ansiedade e depressão são as alterações emocionais mais comuns:

"A resposta de ansiedade é o resultado de uma ativação no organismo, que se produz para fazer frente a uma ameaça [...] Se produz um aumento na tensão muscular, incremento do ritmo cardíaco e da taxa respiratória [...] A resposta de depressão se produz quando o indivíduo percebe que seu meio, inclusive ele mesmo e seu futuro, apresentam apenas possibilidades negativas e ausência de gratificações [...] Se produz um estado de ânimo disfórico, abatido, e o indivíduo apresenta uma profunda sensação de tristeza e apatia." (Remor, 1999, p. 5).

Sabe-se que, evolutivamente, as reações de ansiedade têm a função adaptativa de alertar o organismo e prepará-lo para se proteger de ameaças (Leahy, 2011). Contudo, no caso de pacientes com HIV/AIDS, a "ameaça" é real, visto que a doença verdadeiramente ameaça a saúde e insere o paciente em uma realidade de fato negativa (Church, 1998; Remor, 1999).

Então, se a ameaça é real e a realidade é mesmo negativa, pode a psicologia ajudar pessoas com HIV/AIDS? Corroborando esse raciocínio, cabe citar o questionamento de Church (1998, p. 83, tradução nossa): "A terapia cognitiva de Beck é capaz de proporcionar às pessoas com AIDS o alívio de seu sofrimento psicológico quando a causa desse sofrimento está firmemente arraigada a uma realidade negativa?".

Em uma possível tentativa de responder a perguntas semelhantes às mencionadas anteriormente, diferentes pesquisadores investigaram a relação entre a TCC e o tratamento das pessoas com HIV/AIDS, realizando, inclusive, medições da carga viral e do número de linfócitos CD4, associados ao sistema imune, a fim de testar sua eficácia nessa população (Faustino & Seidl, 2010; Parsons et al., 2007; Petersen et al., 2008; Remor, 1997).

Esta revisão de literatura é mais uma dessas tentativas, visto que se propôs a investigar o que vem sendo estudado por profissionais da área cognitivo-comportamental no tratamento de pessoas com HIV e AIDS.

A intervenção cognitivo-comportamental em pessoas com HIV/AIDS

Desde o surgimento da TCC de Beck, essa linha de atuação foi adaptada a uma gama enorme de populações, com diferentes transtornos ou problemas. Nas adaptações existentes, as técnicas, o foco e a duração do tratamento podem ser diferentes, porém todas elas baseiam seu tratamento em uma formulação cognitiva e na consideração sobre as crenças e comportamentos que caracterizam os transtornos psicológicos (Beck, 2011). Corroborando isso, Knapp e Beck (2008, p. 55) ressaltam que "[...] a pesquisa e a prática clínica mostraram que a TC (terapia cognitiva) é efetiva na redução de sintomas e taxas de recorrência, com ou sem medicação, em uma ampla variedade de transtornos psiquiátricos".

A TCC, segundo Beck (2011), pode ser realizada em pacientes com diferentes níveis de educação e renda, bem como em culturas e idades variadas. Além disso, hoje em dia é utilizada em contextos como consultórios, escolas, serviços de saúde e assistência primária, prisões, entre outros. Seu formato também varia, podendo ser individual, em grupo, para casais e famílias. O tempo de sessão é mais um fator que pode ser adaptado ao contexto em que a intervenção está inserida. Uma forma inovadora de atendimentos em TCC, que possui alto impacto e tempo reduzido de tratamento, conhecida como terapia cognitivo-comportamental de alto rendimento para sessões breves, tem sido desenvolvida por Wright, Sudak, Turkington e Thase (2012). Os métodos dessa modalidade de tratamento "[...] ajudam a produzir melhores desfechos, promovem a adesão, ajudam a controlar componentes concomitantes ou coexistentes de síndromes importantes, ajudam na prevenção de recorrências e atingem essas metas em tempos mais curtos" (Wright et al., 2012, p. 9).

Os fatores citados se referem aos moldes em que a TCC pode ser realizada e, ao mesmo tempo, conferem validade à sua utilização no tratamento de pessoas com HIV, visto que essa modalidade de terapia pode ser facilmente adaptada às particularidades dessa população. Somado a esse aspecto prático da TCC, outro fator que pode auxiliar o tratamento das pessoas com HIV é o entendimento de seu modo de pensar como fator-chave no aparecimento de emoções e comportamentos.

O tratamento cognitivo-comportamental preza por um entendimento individual dos pacientes, em que o terapeuta busca, por meio de diferentes estratégias e técnicas, produzir uma mudança na maneira de pensar e no sistema de crenças do paciente, com o intuito de promover uma mudança emocional e comportamental duradoura. De maneira resumida, o modelo cognitivo propõe que o pensamento disfuncional, que influencia o humor e o comportamento da pessoa, é comum a todos os transtornos psicológicos, ou seja, o modo como as pessoas percebem a si mesmas e ao mundo a seu redor influenciará o que sentem e como se comportam (Beck, 2011).

Com a TCC, a partir da reestruturação colaborativa de distorções cognitivas, a pessoa aprende a avaliar seu pensamento de maneira mais realista e adaptativa, experienciando, então, uma melhora em seu estado emocional e comportamental. Para melhoras duradouras no humor e no comportamento, o terapeuta cognitivo trabalha com níveis mais profundos de cognição, ou seja, com as crenças básicas do paciente sobre si mesmo, o mundo e outras pessoas, sabendo que as modificações nas crenças do paciente podem alterar sua percepção sobre as situações que enfrenta diariamente (Beck, 2011; Knapp & Beck, 2008).

A terapia cognitiva vem sendo utilizada no tratamento de doenças orgânicas com o intuito de reduzir os sintomas e ajudar as pessoas a aceitarem melhor e lidarem de forma mais adaptativa com a condição que lhes acomete. Além disso, "[...] outra razão para usar a TCC é que pacientes com problemas físicos muitas vezes apresentam ansiedade ou depressão, o que é suficiente para justificar o encaminhamento para um especialista em saúde mental para tratamento [...]" (Wright et al., 2012, p. 234). Church (1998) também ressalta que pessoas com HIV podem ser mais propensas a apresentar reações que as deixam vulneráveis ao aparecimento de depressão, o que pode diminuir sua função imunológica. Nesses casos, a TCC pode auxiliá-las a promover mudanças em seus pensamentos, emoções e comportamentos.

Em uma de suas publicações recentes, Wright et al. (2012) citam várias pesquisas sobre a eficácia da TCC como adjuvante no tratamento de pacientes com doenças físicas. Para esses autores, os terapeutas que atendem pessoas com doenças orgânicas devem estimular a adesão ao tratamento médico especializado, auxiliá-las a levar uma vida saudável, promover habilidades para lidar com os sintomas físicos e, especialmente, compreender os significados que essas pessoas atribuem ao diagnóstico médico, visto que problemas psicológicos secundários ao aparecimento de doença orgânica estão estreitamente relacionados a esse significado pessoal.

"As categorias de pensamento disfuncional sobre a doença incluem pensamentos e crenças desadaptativos sobre a experiência de estar doente, as consequências de uma determinada doença, o tipo de doença em si; ou sobre médicos, medicações e hospitais [...] Os métodos da TCC podem ser direcionados para a modificação de significados potencialmente prejudiciais e o desenvolvimento e fortalecimento de significados positivos." (Wright et al., 2012, p. 235)

Em estudo realizado por Carrico e colaboradores (2009) com pessoas com HIV, ficou comprovada a eficácia da intervenção cognitivo-comportamental na redução de comportamentos de risco (de transmissão de HIV). A intervenção adotada dividiu-se em três módulos de cinco sessões cada. O primeiro módulo consistia no desenvolvimento de estratégias de coping; o segundo, em reduzir comportamentos sexuais de risco; e o terceiro, em melhorar a adesão ao tratamento médico do HIV. As sessões tinham duração de 90 minutos e eram individuais.

Já Lechner e colaboradores (2003) realizaram uma intervenção com mulheres com AIDS, visando identificar melhoras na qualidade de vida. Para isso, em formato de terapia de grupo, utilizaram estratégias cognitivo-comportamentais para gerenciamento do estresse, apoio e expressão de sentimentos. A duração da intervenção foi de 10 semanas, com encontros semanais de duas horas, durante as quais 90 minutos eram destinados às técnicas psicoterapêuticas e 30 minutos envolviam treinamento de relaxamento.

Essa intervenção atingiu seu propósito, pois demonstrou melhor funcionamento cognitivo e qualidade de vida associada à saúde mental das participantes. Além disso, comprovou que intervenções de grupo nesses moldes promovem um ambiente de apoio em que as mulheres são livres para explorar as emoções e angústias associadas com a AIDS (Lechner et al., 2003).

Outro estudo que considerou a qualidade de vida de pessoas com HIV/AIDS foi realizado por pesquisadores brasileiros, via programa Eurovihta:

"O Eurovihta é um programa de intervenção para pessoas vivendo com HIV/AIDS que agrega técnicas cognitivas, comportamentais e da abordagem gestáltica, com o objetivo de auxiliar os pacientes a enfrentarem de um modo mais efetivo as questões relacionadas à doença". (Petersen et al., 2008, p. 91)

A intervenção utilizada nesse estudo foi realizada em grupo, ao longo de 16 semanas, com pessoas com HIV que faziam uso de terapia antirretroviral. Os resultados dessa intervenção demonstraram que o tratamento em grupo produziu mudança positiva, apesar de pequena, na percepção de qualidade de vida dos participantes (Petersen et al., 2008).

Em outro estudo com pessoas soropositivas (Blanch et al., 2002), também ao longo de 16 semanas, a intervenção ocorreu em grupo (média de 8 participantes), os encontros tinham duas horas de duração e aconteciam uma vez por semana. Por esse estudo ocorrer no contexto de um departamento de psiquiatria, os objetivos da terapia, nesse caso, eram reduzir os sintomas de ansiedade e depressão e melhorar o ajustamento à doença.

Para alcançar os objetivos citados, os participantes eram treinados a utilizar técnicas cognitivas e comportamentais, incluindo relaxamento muscular progressivo, ressignificação cognitiva e aumento de suas atividades. Além disso, suas habilidades de resolução de problemas eram treinadas para lidar com preocupações tipicamente relacionadas ao HIV. Cada sessão também contava com espaço para discussões e troca de experiências, especificamente associadas ao HIV (Blanch et al., 2002).

Como resultado do tratamento realizado, os níveis de depressão e ansiedade sofreram significativa redução, demonstrando que grupos de TCC, como o descrito neste estudo, podem beneficiar pessoas com HIV e ser úteis para o controle emocional, tanto em curto como em longo prazo (Blanch et al., 2002).

Diferentemente da intervenção de Blanch et al. (2002), Safren et al. (2009) procuraram constatar se a TCC poderia melhorar a adesão ao tratamento médico e reduzir sintomas de depressão em pessoas diagnosticadas com HIV e depressão. Para isso, desenvolveram e testaram a TCC-AD (do inglês CBT-AD), ou seja, a TCC para adesão e depressão, combinando abordagens de aderência à medicação antirretroviral e estratégias cognitivo-comportamentais para tratamento da depressão.

O tratamento disponibilizado consistia de 10 a 12 sessões de TCC-AD, com duração de aproximadamente 50 minutos. A primeira sessão tinha como único foco a adesão à medicação, e as sessões subsequentes, além de trabalhar esse tópico em paralelo, incluíam técnicas como: psicoeducação do HIV e da depressão; exercícios de entrevista motivacional; incentivo à prática regular de atividades prazerosas; reestruturação cognitiva, com atenção especial aos pensamentos automáticos negativos associados à medicação; resolução de problemas; seleção de um plano de ação, dividido em pequenos passos; estratégias para modificação de comportamentos; relaxamento muscular progressivo e respiração diafragmática (Safren et al., 2009).

Logo ao final da intervenção, os participantes demonstraram maior adesão à medicação antirretroviral e redução significativa nos níveis de depressão. Além disso, foi constatada a diminuição da carga viral no acompanhamento realizado, de 6 meses a 1 ano depois do tratamento (Safren et al., 2009).

Com objetivo similar ao de Safren et al. (2009), pesquisadores brasileiros (Faustino & Seidl, 2010) realizaram estudo a fim de avaliar os efeitos de uma intervenção cognitivo-comportamental em pessoas com HIV com dificuldades em aderir à medicação antirretroviral. A intervenção proposta por eles foi realizada em dupla (dois participantes), ao longo de cinco encontros semanais de duas horas de duração.

O tratamento, embasado em referencial cognitivo-comportamental e fundamentos de grupo psicoeducativo, utilizou-se de técnicas de reestruturação cognitiva, balança de vantagens e desvantagens, solução de problemas, autorregistro e monitoramento, relaxamento diafragmático e disponibilização de informações sobre HIV e terapia antirretroviral. A combinação desses recursos visava:

"Integrar os participantes, manter um vínculo entre eles e os facilitadores, identificar e manejar dificuldades em relação ao uso da TARV, melhorar o nível de conhecimento sobre HIV/AIDS e TARV, aumentar a percepção de benefícios sobre o tratamento, modificar crenças catastróficas sobre HIV/AIDS e TARV, melhorar a expectativa de autoeficácia para seguimento das prescrições antirretrovirais e favorecer o emprego de estratégias de enfrentamento adaptativas." (Faustino & Seidl, 2010, p. 124-125)

Ao final da intervenção, além de elevarem os níveis de adesão à medicação, os participantes relataram redução na percepção da dificuldade em realizar o tratamento medicamentoso e melhor autoavaliação de sua condição de saúde. Esses dados refletem a eficácia da intervenção realizada no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais adaptativas ante a doença e melhor preparo dos participantes para lidar com as dificuldades impostas pelo tratamento do HIV (Faustino & Seidl, 2010).

Ainda considerando a temática da adesão à medicação, Parsons et al. (2007) aliaram recursos de entrevista motivacional à técnicas cognitivo-comportamentais para verificar a eficácia dessa combinação na aderência à medicação do HIV e na redução do consumo de álcool em pessoas soropositivas. A intervenção proposta consistia em oito sessões individuais, de uma hora de duração. As técnicas utilizadas tinham o objetivo de aumentar a motivação, promover um senso de responsabilidade pessoal pela adesão à medicação, reduzir o consumo de álcool, desenvolver planos de mudanças comportamentais, entre outros. Os resultados desse tratamento revelaram diminuição da carga viral e aumento da contagem de linfócitos CD4 (associados ao sistema imune) no follow-up realizado três meses depois da intervenção, bem como aumento da aderência à medicação, que se manteve inclusive seis meses depois da intervenção, e redução no consumo diário de álcool.

Além das pesquisas descritas até o momento, vale citar um estudo de caso relatado por Remor (1997) a respeito de uma paciente soropositiva que tratou com base na TCC. A paciente em questão, além do HIV, apresentava diagnóstico de depressão maior, e seu tratamento ocorreu em nove sessões semanais, com duração de 1 hora e 15 minutos, e uma sessão de follow-up, com intervalo de 60 dias.

A intervenção realizada por Remor (1997) incluiu recursos como: avaliação do estado clínico da paciente - considerando doenças oportunistas - efeitos colaterais das medicações, sintomas físicos e aspectos imunológicos, verificação de seus conhecimentos sobre HIV e AIDS, técnicas de terapia cognitiva para depressão, identificação de erros cognitivos em relação à infecção por HIV e discussão sobre eles, retomada de atividades prazerosas, verificação e reforço das redes de apoio da paciente envolvendo sua família, e indicação de biblioterapia.

Ao final do tratamento, a sintomatologia depressiva reduziu de modo importante; a paciente conseguiu inserir atividades de lazer e de interação social em sua rotina; referiu melhora em sua qualidade de vida e estado geral de saúde e houve elevação do nível de linfócitos CD4. Na sessão de follow-up, constatou-se que os resultados positivos alcançados com o tratamento se mantinham (Remor, 1997).

Dessa forma, percebe-se que, apesar de diferentes em estrutura, setting, tamanho e sexo da amostra, recursos utilizados e tempo de duração, todas as intervenções cognitivo-comportamentais descritas anteriormente apresentaram resultados favoráveis à utilização dessa modalidade de terapia em pessoas vivendo com HIV/AIDS. Comprova-se, então, a eficácia da TCC na melhora da qualidade de vida dessa população; em uma maior capacidade de enfrentamento e ajustamento à doença; no manejo das distorções cognitivas associadas à soropositividade; na redução de sintomas de depressão e ansiedade decorrentes do diagnóstico e da convivência com a doença; na maior adesão à medicação; e, até mesmo, no aumento da resistência imunológica e na diminuição da carga viral.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A terapia cognitiva revolucionou a área da psicologia, especialmente nas duas últimas décadas, recebendo o status de tratamento de primeira escolha para diferentes transtornos, não apenas devido a seu caráter objetivo e por reduzir o sofrimento de maneira rápida, mas também por ajudar as pessoas a se manterem bem após o término da intervenção (Beck, 2011).

A eficácia da TCC vem sendo testada por numerosos estudos desde o seu surgimento, ficando comprovada sua eficácia para uma ampla gama de transtornos psiquiátricos, problemas psicológicos e condições médicas associadas a alterações psicológicas (Beck, 2011). Se somarmos a isso sua flexibilidade de adaptação aos mais diversos contextos e níveis de escolaridade, percebe-se o quanto essa abordagem tem para contribuir no tratamento de pessoas vivendo com HIV/AIDS.

De acordo com os resultados do presente estudo, fica evidente que há uma série de recursos e estratégias cognitivas e comportamentais que podem ser facilmente utilizados no tratamento de pessoas soropositivas, visando auxiliá-las a adaptarem-se ao diagnóstico, aderirem ao tratamento medicamentoso, conviverem melhor com as implicações decorrentes da doença, reduzirem sintomas ansiosos e depressivos, melhorarem sua autoestima e construírem redes de apoio.

Por meio da modificação de pensamentos disfuncionais e da consequente mudança comportamental, é possível contribuir para que uma realidade verdadeiramente negativa seja encarada de modo mais adaptativo, resiliente e funcional, o que responde ao questionamento feito por Church (1998) e citado anteriormente: sim, a terapia cognitiva é capaz de beneficiar as pessoas com HIV/AIDS.

Uma intervenção cognitivo-comportamental eficaz pode ser feita por meio de psicoterapia individual ou até mesmo em formato de grupo, dependendo do contexto em que a intervenção psicológica está inserida.

Neste estudo, foi constatado que a maior parte das investigações sobre a eficácia da TCC para o tratamento de pessoas com HIV foi realizada por meio de intervenções em grupo. Diferentes argumentos justificam essa escolha, como, por exemplo, a otimização de custos, a viabilização de um cenário de acolhimento - onde os participantes têm vivências em comum e a oportunidade de falar sobre elas - e a possibilidade de tratar um maior número de pessoas em um período menor de tempo (Lima & Derdyck, 2001).

Cabe ressaltar que o tratamento individual também pode beneficiar as pessoas com HIV, pois proporciona um atendimento personalizado e adaptado às demandas específicas do paciente. Dessa forma, percebe-se a importância de realizar estudos considerando a terapia individual, visando, além do bem-estar do paciente soropositivo, o desenvolvimento de novas técnicas e recursos terapêuticos específicos a essa população.

Outro aspecto a se considerar é a escassez de investigações brasileiras sobre o assunto, tendo em vista que a intenção original deste estudo teve de ser alterada em função da dificuldade em encontrar publicações realizadas no Brasil. Portanto, esse é um nicho viável para a realização de futuras pesquisas na área.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Av. Nereu Ramos, nº 75-D, Centro Profissional Chapecó, sala 502-B
Chapecó - SC. Brasil
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 26 de fevereiro de 2013. cod. 171.
Artigo aceito em 15 de maio de 2013.

 

 

Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva.