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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.8 no.2 Rio de Janeiro dez. 2012

 

RELATOS DE PESQUISAS RESEARCH REPORTS

 

Desenvolvimento e propriedades psicométricas da Escala de Pensamentos Depressivos - EPD

 

Development and psychometric properties of Depressive Thoughts Scale - EPD

 

 

Adriana M. CarneiroI; Makilim Nunes BaptistaII

IMestre em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco - Itatiba - SP. (Psicologo) Bragança Paulista - SP - Brasil
IIDoutor pelo departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo. (Docente do programa de Pós Graduação Stricto - Sensu da Universidade São Francisco - Itatiba - SP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Os pensamentos são considerados pela Terapia Cognitiva como parte fundamental para o tratamento da depressão, e pressupõe que a percepção negativa que o sujeito tem de si, dos outros e do futuro interfere diretamente em sua vulnerabilidade cognitiva. Assim, esse estudo objetiva apresentar a construção, avaliação de conteúdo e análise fatorial da Escala de Pensamentos Depressivos - EPD, elaborada segundo a tríade cognitiva. Participaram do estudo inicial 639 sujeitos com e sem diagnóstico confirmado de depressão, com idades entre 18 e 50 anos, de ambos os sexos. As aplicações foram realizadas individualmente para aqueles com diagnóstico, e coletiva para os demais. Verificou-se que os itens da EPD diferenciaram os grupos, apontando os com diagnóstico de depressão como aqueles com maiores distorções de pensamento. Após a análise fatorial, a escala foi reduzida a 34 itens, com cinco fatores interpretáveis e não aleatórios, sendo eles nomeados como Baixa autoestima/desvalorização, Relacionamento interpessoal, Auto-valorização, Expectativas negativas/insatisfação e Desajustamento social. Os índices de fidedignidade demonstraram que há a necessidade de outros estudos na configuração da escala. Tais resultados indicam qualidades psicométricas promissoras para a escala, e servem ao intuito de suscitar novos estudos para buscar evidências de validade e precisão.

Palavras-chave: depressão; pensamento; psicometria.


ABSTRACT

Thoughts are considered by Cognitive Therapy as an essential part for depression treatment and consider that the negative perception of yourself, the others and future interfere directly in their cognitive vulnerability. This way, the present study aims to present the item construction process, content evaluation and factor analysis of the Depressive Thoughts Scale - EPD, based on cognitive triad. Participated of the study 639 subjects with and without depression diagnosis, aged 18 to 50 of both sexes. Applications were performed individually for those with confirmed diagnostic of depression and collectively for others. It was found that EPD items were able to differentiate the groups, indicating those diagnosed with depression as those with higher depression thoughts. After factor analysis, scale was reduced to 34 items, with five interpretable factors and not randomized, named as Low self esteem, Interpersonal relationship, Self appreciation, Negative expectations and Disarrangement social and dissatisfaction. The reability indices pointed the need for further studies in order to investigate the scale configuration. These results indicate adequate psychometric properties for the scale, and serve the purpose of arousing further studies to find evidence of validity and reliability.

Keywords: psychometrics; thinking; unipolar depression.


 

 

INTRODUÇÃO

Os pensamentos/cognições são considerados pela terapia cognitiva (TC) como pilar para o tratamento de diferentes transtornos psiquiátricos, entre eles, a depressão (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1982; Haaga & Davidson, 1993; Macavei & McMahon, 2010; Matta, Bizarro, & Reppold, 2009). Segundo a TC, os sintomas depressivos são ativados não pelos eventos de vida, mas pela interpretação distorcida que o sujeito tem sobre três áreas específicas, quais sejam, sobre si, o futuro e o mundo (Beck et al., 1982; Pearsons & Rao, 1985). Nesse sentido, cognições (p. ex. eventos verbais, imagens criadas) baseiam-se nas interpretações da tríade, sendo que, quanto mais disfuncionais, maior será o sofrimento psiquico (Beck et al., 1982).

É importante ressaltar que aqueles com depressão não precisam necessariamente apresentar distorções nas três áreas que compõem a tríade, pois, conforme a gravidade e estado da depressão, uma estrutura da tríade pode estar mais acionada do que outra (Haaga & Davidson, 1993). Willner (1984) afirma que dos três componentes da tríade cognitiva, a visão negativista sobre si mesmo é mais acionada, e seria ela a responsável por gerar distorções sobre o mundo e o futuro. Assim, a percepção distorcida sobre si levaria o sujeito a avaliar suas relações com o outro de forma desastrosa e evitar pensar sobre o futuro, pois esse se tornaria aversivo. Assim, investigar sobre como as pessoas interpretam suas vivências levaria a identificar "sintomas da depressão" (Beck, 1997). Esse pressuposto é confirmado por diferentes estudos científicos, os quais apontam para o aumento de interpretações negativistas à medida que aumenta a gravidade do transtorno (Eaves & Rush, 1984; Lynch, Moore, Moss-Moris, & Kendrick, 2011; Medeiros & Sougey, 2010). Além dos estudos mencionados, existem outros que demonstram relações entre crenças disfuncionais e sintomas depressivos, evidenciando a importância de sua avaliação para auxílio ao tratamento da depressão (Haaga & Davidson, 1993; Matta et al., 2009).

Apesar dos estudos chegarem à concordância de que os pensamentos disfuncionais se mostram relacionados à depressão, observa-se que a mensuração de pensamentos foi realizada a partir de diferentes instrumentos de testagem psicológica, e que, apesar dos estudos psicométricos iniciarem concomitantemente as primeiras publicações de A. Beck (década de 1960), ainda não se chegou a uma conclusão de como e qual seria o mais adequado para acessar pensamentos distorcidos. A esse respeito, cabe considerar que essa lacuna se deve também à dissonância entre a teoria e as escalas. Por exemplo, apesar de a literatura se referir a testes que avaliam "crenças depressivas" ou "crenças irracionais", teoricamente, a avaliação de crenças é um processo mais complexo e amplo, possível apenas após sessões de psicoterapia (Beck, 1997). Neste estudo, apesar de respeitar-se a nomenclatura das pesquisas, parte-se do pressuposto que o conteúdo a ser avaliado durante o processo de testagem é o pensamento, o qual possibilita a identificação da tríade. A seguir, serão apresentados alguns instrumentos utilizados para avaliar pensamentos distorcidos, com seus principais resultados psicométricos.

O Cognitive Triad Inventory (CTI) tem como proposta itens baseados na tríade cognitiva e foi elaborado por Beckham, Leber, Watkins, Boyer e Cook (1986) a partir de uma coleta com 54 depressivos, sendo a maior parte mulheres, com média de idade de 36 anos. O diagnóstico de depressão foi realizado por meio de entrevistas não estruturadas, e uma versão inicial de 37 itens foi aplicada. A versão final ficou com 36 itens, sendo a consistência interna de α = 0,91 para visão de si, α = 0,81 para visão de mundo e α = 0,93 para visão de futuro, com consistência interna total de α = 0,95.

Mcintosh e Fischer (2000) examinaram a estrutura fatorial da tríade cognitiva do CTI testando a solução fatorial de um, dois ou três fatores em 641 universitários, sendo 56% do sexo feminino, com 58,5% com idades abaixo de 18 anos, 32% entre 19 e 25 anos, 2,3% entre 26 e 30 anos e 0,6% acima de 40 anos. Foi adotado o método de máxima verossimilhança, que indicou os seguintes índices de ajuste χ2 (402) = 2048,98; p = 0,001; CFI = 0,73; GFI = 0,76; AGFI = 0,72 e RMR = 0,09, indicando adequação do modelo para fatoração, mas com possíveis problemas de ajuste, considerando o CFI. Ademais, as correlações entre os fatores foram de r = 0,79 a r = 0,90, indicando uma única dimensão por trás dos itens, sugerindo que o modelo de três fatores não se mostra adequado para o CTI. Com esses resultados, foi realizada uma análise exploratória, com base na análise dos componentes principais, que apontou como solução de um único fator, e, após eliminação de alguns itens, os dados foram modelados até o CFI indicar que o modelo estava ajustado, confirmando a estrutura unifatorial. Os autores sugerem outras análises, haja vista a composição da amostra não possuir depressivos, sugerindo também que o modelo da tríade talvez não tenha sido identificado por não haver representatividade amostral desse perfil.

No mesmo ano em que a CTI foi divulgada, Cane, Olinger, Gotlib e Kuiper (1986) publicaram um estudo sobre a estrutura fatorial da Dysfunctional Attitude Scale (DAS), que também foi desenvolvida a partir da teoria de A. Beck. Para esse estudo, 664 universitários foram recrutados. A análise fatorial exploratória utilizou a rotação varimax e encontrou-se a possibilidade de dois fatores. O primeiro fator, com 47% da variância, foi denominado de Avaliação de Performance, ao passo que o segundo, com 14%, de Aprovação pelos Outros. O alfa total foi de 0,87, e as correlações item-total variaram de r = 0,39 a r = 0,60, sendo que o primeiro fator foi composto por 15 itens e o segundo por 10 itens.

Himle, Hnat, Thyer e Papsdorf (1985) buscaram determinar a estrutura fatorial do Rational Belief Inventory (RBI) em uma amostra de 510 universitários, sendo 327 do sexo feminino, e média de idade de 22 anos. A análise fatorial foi efetuada considerando o método de máxima verossimilhança, mantendo apenas os itens que apresentassem cargas acima de 0,30. Quatro itens foram eliminados, e a variância assumida pelos 11 fatores foi de 40%, ficando, assim, uma solução com 34 itens. Os fatores e suas variâncias foram Infortúnios e Acidentes (14% da variância total), Catastrofização (34,5%), Perfeccionismo (4,5%), Culpa (3,5%), Independência (2,8%) e Aprovação (1,9%). No estudo, consta que o sétimo fator, Cuidado e Ajuda, possui 2,1% de variância, ou seja, maior do que o sexto fator. O oitavo fator, Inércia e Evitação, apresentou 1,9% de variância, ao passo que o nono (Rebelião) e o décimo (Autoajuda) ficaram com 1,6% da variância e o décimo primeiro fator (Visão Negativa dos Outros) com 1,4% da variância total. Por fim, os autores salientam que as qualidades psicométricas encontradas se mostram longe do observado em outros estudos, e acrescentam, ainda, a necessidade de se utilizar grupos clínicos.

O Cognitive Error Questionnaire (CEQ) visa acessar os erros cognitivos, propostos por A. Beck como um dos componentes para interpretação do substrato da depressão, com estudos de suas propriedades psicométricas para uso na Alemanha por Pössel (2000). A amostra foi de 766 universitários, sendo 80% (n = 638) mulheres, com média de idade 23,71 (DP = 6,57) anos que responderam, além da CEQ, à Center for Epidemiological Studies - Depression Scale (CES-D). Os participantes responderam à mesma escala após quatro semanas. Para analisar as qualidades psicométricas do instrumento, os autores efetuaram a análise fatorial confirmatória para verificar a adequação do modelo de quatro fatores propostos por Lefebvre (1981) para a amostra alemã. Os resultados indicaram a não adequação do modelo de quatro fatores, e, na escala unifatorial, o CFI foi < 0,90, ou seja, dentro dos parâmetros de ajuste. A consistência interna foi de α = 0,62 em Catastrofização (F1), α = 0,73 para Supergeneralização (F2), α = 0,64 para Personificação (F3), α = 0,59 para Abstração Seletiva (F4) e α = 0,87 para a escala total. Referente à fidedignidade, o teste-reteste indicou uma boa confiabilidade para a escala em torno de 0,70 para as dimensões, e a correlação com o CES-D variou de r = -0,25 a r = -0,33 para os fatores e escala total. Para os autores, existe a limitação de não se ter uma amostra não clínica, assim como a necessidade de outros estudos que atestem a qualidade psicométrica da escala.

De fato, observa-se que a construção de instrumentos para avaliar padrões cognitivos se mostra um tema estudado há décadas e com diferentes propostas para que a sua construção venha a ser mais bem fundamentada. Seguindo esse propósito, uma importante contribuição estrangeira no estudo das características psicométricas dos instrumentos de pensamentos é a pesquisa de Terjesen, Salhany e Sciutto (2009), que examinaram as propriedades psicométricas e as características técnicas de medidas de mensuração de pensamentos irracionais com base na terapia racional emotiva comportamental (TREC) por meio de uma pesquisa na PsychINFO entre os anos de 1872I e 2005. As palavras irrational beliefs foram cruzadas com palavras-chave e sinônimos, como cognições, atitudes, pensamentos, e os resultados psicométricos foram analisados conforme os Standards da American Educational Research Association (AERA), da American Psychological Association (APA) e do National Council on Measurement in Education (NCME) (1999). Foram encontrados 14 testes, a maior parte publicada a partir de 1970, com uma variação de 9 a 100 itens (M = 43,6). O número de sujeitos que responderam ao estudo de confiabilidade variou de 50 a 567, com os alfas de Cronbach variando de 0,57 a 0,90, sendo os com maior confiabilidade o Rational Behavior Inventory (RBI) e a Child and Adolescent Scale of Irrationality (CASI). Referente às correlações com instrumentos de depressão, essas variavam de r = 0,27 a r = 0,68.

Similar ao trabalho de Terjesen e colaboradores (2009), Bridges e Harnish (2010) revisaram 25 medidas de pensamentos irracionais que avaliassem depressão ou ansiedade mediante busca de literatura nas bases de dados PsycINFO,por meio dos termos measures of irrational thoughts, thoughts e beliefs. Os critérios foram publicação a partir de 1968, quando o Irrational Beliefs Test (IBT) foi apresentado; possibilidade de avaliar as medidas quanto ao seu conteúdo e escritas em inglês. Foram encontrados 31 artigos, e, a partir do critério de exclusão adotado, seis foram eliminados, restando 25 artigos com medidas de pensamentos que variavam de unidimensionais até 10 fatores, todas elas tipo Likert acima de três pontos. Do total, 16 eram baseadas no modelo de Ellis, sete no modelo de A. Beck e duas não eram relacionadas nem com a teoria de A. Beck e nem com a de Ellis. Os autores salientam que a maior parte desses testes apresentava estudos de precisão e validade discriminante ou concorrente. Adicionalmente, criticam a variação de confiabilidade e validade, já que conclusões adequadas por meio dos testes dependem de bons parâmetros psicométricos. Por fim, sugerem que medidas de pensamento devem ter itens positivos e negativos.

No Brasil, ao realizar um breve levantamento em sites de busca em outubro de 2012 (BVS, PePSIC, Redalyc e SciELO), estipulando como tempo para a busca das publicações os anos de 1960 a 2012, e como palavras-chave os descritores "questionário de crenças irracionais" e irrational belief questionnaire, irrational belief, irrational belief scale, disfuncional atitudes scale, foram recuperados três estudos que avaliam propriedades psicométricas de instrumentos de crenças, descritos a seguir. Yoshida e Colugnatti (2002) estudaram as propriedades psicométricas da Escala de Crenças Irracionais (ECI) e do Questionário de Crenças Irracionais (QCI) em 849 universitários de cursos da área de humanas e exatas. Desses, 64,4% eram do sexo feminino (n = 547), com média de idade de 21,3 anos (DP = 3,98). O alfa de Cronbach da ECI foi de 0,73 e para a QCI de 0,71. Os coeficientes de correlação de postos para a ECI com o Questionário de Saúde Geral foram estatisticamente significativos e de magnitude fraca (0,18 a 0,37), com magnitudes que variaram de fracas a nulas com o QCI (0,08 a 0,16). Complementarmente, a fidedignidade foi investigada por meio do teste-reteste, com 87 participantes, sendo 0,88 para os homens e 0,82 para as mulheres no ECI e 0,78 e 0,72 para a QCI, respectivamente. É sugerido pelos autores estudos com amostras provenientes de postos de serviços de saúde mental.

Orsini, Tavares e Tróccoli (2006) avaliaram as propriedades psicométricas de duas versões da Escala de Atitudes Disfuncionais (DAS-A e DAS-B) com o objetivo de verificar a relação entre atitudes disfuncionais e depressão clínica. A amostra foi composta por 273 universitários, com 62,6% (n = 102) do sexo feminino, com idades entre 19 e 25 anos. Desses, 86,1% referiram não passar por tratamento psicoterápico e 95,6% nunca receberem medicação psiquiátrica. Os estudantes responderam, além do DAS, ao Inventário de Depressão de Beck (BDI) e a Escala de Bem-estar. O estudo fatorial foi realizado por meio de análise de componentes principais e rotação varimax, indicando três possíveis fatores, responsáveis por 24,7% na forma A e 26,1% na forma B, sendo a carga mínima aceitável dos itens de 0,30. A consistência interna da DAS foi de 0,81 para a forma A, com os seguintes fatores e índices: Baixa autoestima indutora (α = 0,71), Baixa autoestima induzida por objeto esquemático (α = 0,57) e Atitudes mantenedoras de depressão (α = 0,64). Para a forma B, o alfa foi de 0,80, com a seguinte solução fatorial: Baixa autoestima induzida por autoprescrição irrealizável (α = 0,77), Baixa autoestima indutora (α = 0,75), Atitudes mantenedoras de depressão (α = 0,64). Por fim, a correlação da DAS com o BDI foi estatisticamente significativa, porém fraca (r = 0,22 para a DAS-A e r = 0,21 para a DAS-B), assim, quanto maiores as crenças disfuncionais, maior o nível de depressão. São sugeridos pelos autores investigações com amostras maiores e outros procedimentos metodológicos para aumentar a confiabilidade da escala, como análise semântica, tal como maior atenção à especificidade da escala.

Matta e colaboradores (2009) investigaram as relações entre a Escala Fatorial de Neuroticismo (EFN) e a Escala de Satisfação com a Vida (ESV), o Questionário de Crenças Irracionais (QCI) e a Escala de Crenças Irracionais (ECI). Fizeram parte da amostra 157 universitários, com média de idade de 21 anos (DP = 4,15), sendo 76,8% do sexo feminino. Como resultado, verificou-se que não foram encontradas diferenças entre os sexos no ECI ou QCI, e a correlação entre os dois foi positiva e significativa (r = 0,56; p = 0,01). A consistência interna da ECI foi 0,78, mas não foram realizadas essas análises para a QCI. A correlação do EFN com a ECI foi estatisticamente significativa, limítrofe e moderada (r = -0,40; p = 0,06) e com o QCI foi estatisticamente significativa, negativa e de magnitude fraca (r = -0,21; p = 0,05), indicando, assim, que, quanto maiores as crenças, maiores os traços de neuroticismo do sujeito.

Desse modo, os trabalhos brasileiros apresentados permitem inferir que os estudos trouxeram indicativos de que as escalas apresentaram uma precisão adequada. Entretanto, as poucas evidências de validade apresentadas nem sempre se associaram às expectativas teóricas dos construtos e medidas relacionadas, ponderando variação das correlações entre moderadas a baixas. É necessário observar a relação entre validade e precisão, pois, segundo Urbina (2007), esse é um dos problemas aos quais alguns testes psicológicos podem estar propensos, justamente por terem uma métrica adequada para qualquer construto teórico, mas não necessariamente refletir o construto desejado.

Em uma perspectiva mais ampla, nota-se que existem mais estudos sobre a relação entre pensamentos e depressão fora do País, com alguns dedicados a discutir as propriedades psicométricas desses instrumentos construídos, tais como a escolha dos itens, o propósito de aplicação do teste, a cultura à qual é aplicado, o formato e a congruência de seus resultados com os pressupostos teóricos. Referente à cultura, Goodwin e Gaines (2004) são dos poucos autores que discutem a problemática na avaliação de pensamentos. O objetivo do trabalho foi avaliar as relações da intensidade das crenças conforme a cultura, selecionando para isso 206 trabalhadores da Georgia (n = 78), da Hungria (n = 60) e da Rússia (n = 68). Os resultados foram obtidos mediante a aplicação do Relationship Beliefs Inventory, o qual demonstrou que as crenças não são componentes totalmente estáveis, mas que dependem do contexto, da sociedade em que o sujeito se desenvolve, para que determinados itens sejam mais assinalados do que outros. Esse resultado ilustra um dos problemas que são discutidos em relação à aplicabilidade de testes provenientes de outra realidade, que é a adaptação dos itens para realidades diferentes, o que pode interferir não apenas na parte semântica dos itens, mas também em todo o entendimento do construto (Pasquali, 1999).

No Brasil ainda não existem estudos avaliando crenças em pacientes depressivos ou testes que possuam diferentes estudos de precisão e validade. Sem deixar de citar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos [SATEPSI], 2013), também se observa a falta de um instrumento que avalie pensamentos depressivos aprovado para uso do psicólogo no Brasil, o que diminui a cientificidade dos dados nas avaliações clínicas, bem como o acompanhamento mais monitorado do paciente. Observando essas características, o presente estudo visa descrever o processo de construção da Escala de Pensamentos Depressivos (EPD), além de buscar evidências de validade com base no conteúdo e na estrutura interna.

 

MÉTODO

O desenvolvimento da escala foi dividido em duas etapas: 1. Construção do instrumento e evidências de validade baseadas no conteúdo; e 2. Evidência de validade baseada na estrutura interna e na fidedignidade por meio da teoria clássica dos testes. Etapa 1: Construção do instrumento Os itens da EPD foram elaborados com base na Teoria Cognitiva da depressão de A. Beck, que parte do pressuposto que depressivos tendem a distorcer a realidade e aplicar um viés negativo às interpretações sobre si, futuro e mundo/outros, o que se denomina por tríade cognitiva. Juntamente com o referencial teórico, considerou-se também como fonte de informação instrumentos que apresentassem como proposta avaliar padrões disfuncionais relacionados à depressãosendo eles: Instrumento de Crandell sobre a Tríade Cognitiva - Crandell Cognitions Inventory (Crandell & Chambless, 1979); Questionário de Pensamentos Automáticos - Automatic Thoughts Questionnaire (Hollon & Kendall, 1980); Questionário de Estilo Atribucional - Attributional Style Questionnaire (Peterson et al., 1982); Questionário de Estilo Atribucional Ampliado - Expanded Attributional Style Questionnaire (Peterson & Villanova, 1988); Escala de Crenças - Belief Scale (Malouff & Schutte, 1986); Inventário da Tríade Cognitiva - Cognitive Triad Inventory (Beckham et al., 1986); Escala de Valores Irracionais - Irrational Values Scale (IVS) (MacDonald & Games, 1972); Mood Survey (Underwood & Froming, 1980); e Escala de Atitudes Disfuncionais - Dysfunctional Attitude Scale (DAS) (Weissman & Beck, 1978). A partir dessas fontes, foram elaborados 249 itens, positivos e negativos, sendo 121 sobre si, 67 sobre o mundo e 61 sobre o futuro, sendo 17 pautados nos instrumentos recém-mencionados, mas com adaptações em relação ao tempo verbal, tipo de respostas e conteúdo semântico. Após sua distribuição aleatória em uma escala tipo Likert de quatro pontos, desenvolveram-se também as instruções de preenchimento.

Em todos os passos, a exclusão de itens foi realizada sempre que apresentassem conteúdo similar ou que avaliassem esquemas secundários (de vulnerabilidade, p. ex., "Se eu não consigo cumprir uma tarefa, é porque não sou tão bom" ou "Percebo que se não fizer o que me pedem, não consigo ficar bem"), referentes à avaliação de comportamentos em vez de pensamentos (p. ex., "Tenho um desempenho ruim em tudo que faço" em vez de "Acredito que sou um fracasso em tudo que faço") ou, ainda, ao distress ou sintomas de depressão (p. ex., "Viver está cada vez mais difícil") ou outros construtos, conforme proposto por Bridges e Harnish (2010) e Terjesen e colaboradores (2009). A exclusão de itens também se deu pela má compreensão do item pelos participantes durante a fase de avaliação semântica e pelo índice de concordância de juízes. Na Figura 1 é demonstrado o passo a passo da redução de itens da escala.

 

 

Conforme demonstra o esquema da Tabela 1, a primeira versão da EPD apresentou 137 itens, os quais foram submetidos a uma avaliação semântica. Participaram 21 sujeitos sem diagnóstico relatado de depressão e nove com diagnóstico de depressão feito por psiquiatra e confirmado pela Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica (SCID-CV) (Del-Ben et al., 2001). Do total, 60% (n = 18) eram do sexo masculino, tendo 37% o ensino médio completo (n = 11), seguidos por ensino fundamental incompleto e ensino superior completo, ambos com 17% (n = 5). Os em itens que os participantes indicavam dificuldade ou dúvida para responder foram modificados (n = 16; 11,67%) ou excluídos (n = 22; 16,05%), restando, assim, 115 itens. Posterior a essa primeira avaliação, foi realizada uma revisão do teste pelos autores, sendo eliminados outros 12 itens em decorrência de dualidade dos itens ou outros critérios de exclusão, restando, assim, 103 itens.

Optou-se por manter a escala em formato Likert de quatro pontos, sendo pontuação 1 - não concordo, e 2, 3 e 4 - concordo pouco, muito ou fortemente, com o cálculo da pontuação feito de forma ascendente; assim, quanto maior a pontuação, mais pensamentos disfuncionais. A partir dessa configuração da escala, ocorreu sua aplicação em 619 sujeitos, 582 (n = 94%) sem diagnóstico relatado de depressão e 37 (n = 6%) com diagnóstico de depressão. Prezou-se pela aplicação em diferentes contextos, assim, participaram 313 (n = 50,6%) universitários, 119 (n = 19,2%) trabalhadores administrativos e 150 (n = 24,2%) profissionais da saúde. Nesse passo, as análises foram feitas adotando como critério para manter o item que esse diferenciasse depressivos de não depressivos, com significância maior que p = 0,01. Assim, 12 itens foram retirados por esse método e mais 11 pelos autores, por julgarem estar diferentes do proposto para a escala, restando 80 itens.

A versão de 80 itens foi submetida a 20 psicólogos, com no mínimo especialização em Terapia Cognitiva, atuantes no Estado de São Paulo. O tempo de atuação variou de menos de 6 meses de experiência a mais de 15 anos. Foi entregue para cada um dos juízes uma lista com os 80 itens da EPD e uma explicação prévia sobre a definição da tríade cognitiva (Beck et al., 1982), solicitando-se que cada um dos itens fosse alocado em apenas uma opção da tríade ou em "outro", no caso de dúvida ou de o item não corresponder às definições contempladas. A análise das respostas foi feita por meio do índice de correspondência entre os juízes, aceitando-se apenas manter o item que apresentasse mais de 75% de concordância, restando, então, 49 itens. Desses 49,7 foram retirados devido aos conteúdos ainda não se adequarem aos critérios selecionados a partir dos trabalhos de Bridges e Harnish (2010) e Terjesen e colaboradores (2009), levando à versão final de 42 itens.

Sintetizando esses dados, é possível observar que, a partir da versão de 137 itens, 95 itens foram eliminados, correspondendo à redução de aproximadamente 20% dos itens da EPD, até a versão final de 42 itens. Do total, 22 foram retirados após a avaliação de conteúdo, 12 foram retirados após diferença de média, 31 retirados após a análise de juízes e, por fim, 30 foram retirados pelo conteúdo não abranger as considerações de Terjesen e colaboradores (2009), por dualidade do item ou, ainda, por se mostrarem similares a outro item. A partir dos 42 itens restantes, foi realizado o estudo para buscar a segunda evidência de validade da escala, descrita a seguir.

Etapa 2: Evidência de validade baseada na estrutura interna e na fidedignidade por meio da teoria clássica dos testes.

Participantes

A amostra da pesquisa foi composta por 619 sujeitos, a maior parte (n = 302; 48,8%) com ensino médio completo, e 68 (n = 68; 11%) com ensino superior completo, idades de 18 a 59 anos (M = 28,91; DP = 10,32), e 69,8% (n = 432) do sexo feminino. Os dados foram coletados em dois estados, São Paulo (n = 551; 89%) e Minas Gerais (n = 68; 11%). Em relação à procedência da amostra, 582 (n = 94%) não tinham diagnóstico relatado de depressão e 37 (n = 6%) tinham diagnóstico de depressão. Dos sem diagnóstico, 50,6% (n = 313) eram universitários, 19,2% (n = 119) eram trabalhadores administrativos e 24,2% (n = 150) eram profissionais da saúde.

Instrumentos

A EPD foi aplicada na versão com 103 itens, ou seja, em sua fase de desenvolvimento e prévia à avaliação de juízes. Entretanto, para a análise fatorial foram considerados apenas os itens aprovados pela análise de juízes. Além da EPD, foram aplicados dois instrumentos no grupo com diagnóstico de depressão como critério de inclusão: Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV, Transtornos do Eixo I - Versão Clínica - SCID-CV (Del-Ben et al., 2001): desenvolvida com o intuito de padronização dos procedimentos diagnósticos psiquiátricos por meio de entrevista. Neste trabalho, utilizou-se a versão traduzida para o português, composta por 15 perguntas, a partir das quais são preenchidos os pré-requisitos do DSM-IV para o diagnóstico do transtorno. O estudo de confiabilidade foi realizado pelos mesmos autores com pacientes psiquiátricos de um hospital do interior de São Paulo. Foi empregada a metodologia de teste-reteste, com intervalo de dois dias entre as entrevistas realizadas. Participaram 45 pacientes, com média de idade de 34,9 anos (DP = 11,8), a maior parte mulheres (60%). O índice de concordância para o diagnóstico (Kappa) foi de 0,83, o que levou à conclusão de que a escala possui boa confiabilidade mesmo não apresentando todos os critérios que a versão original para a pesquisa. Para a presente pesquisa, foi aplicado apenas o caderno referente ao humor, focando-se em 15 questões acerca do transtorno depressivo maior.

Escala de Depressão de Hamilton - HAM D: escala multidimensional de heteroavaliação, considerada como "padrão ouro" para avaliar a gravidade do episódio depressivo em pacientes portadores de transtornos do humor, não se constitui, entretanto, como instrumento diagnóstico para identificação de depressão. A versão traduzida para o Brasil do questionário de avaliação foi realizada por Carvalho, Lima, Azevedo e Caetano (1993), aplicando a versão retrotraduzida em 63 estudantes universitários bilíngues. A versão desse estudo constitui-se de 17 itens, tendo pontuação de 0 a 4 para cada item, considerando presença/ausência dos sintomas conforme a última semana. Possui em sua maior parte sintomas cognitivos e vegetativos, avaliando em menor número de itens relativos a fatores sociais, motores, ansiedade e humor, e permite a classificação da depressão em leve, moderada ou grave. Não foram encontrados estudos brasileiros sobre evidências de validade ou precisão mediante consulta no PePSIC e LILACS (em fevereiro de 2013). A confiabilidade é citada apenas em sua versão internacional, que varia de 0,83 a 0,94.

Procedimentos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (CAAE 0348.0.142.203-11) e a aplicação do instrumento foi autorizada pelas instituições. Após, buscou-se o consentimento dos participantes do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), impresso em duas vias, no qual constavam as informações pertinentes à pesquisa em questão. A seleção dos participantes foi por conveniência, sendo a aplicação dos instrumentos individual no grupo com diagnóstico de depressão, em um ambulatório de saúde mental e em clínica psiquiátrica particular. O grupo sem diagnóstico relatado de depressão respondeu coletivamente ao teste, sendo que a média de tempo para a aplicação foi de 30 a 90 minutos. O grupo clínico foi encaminhado pelo psiquiatra quando diagnosticado com transtorno depressivo maior, e respondeu, além da EPD, a SCID-CV e a HAM D como critério para classificação. As aplicações foram realizadas por conveniência, e os dados foram coletados pela autora, com auxílio de uma graduanda de Psicologia nas aplicações da área da saúde e universitários.

Análise de dados

Optou-se por realizar a análise fatorial exploratória para definir a estrutura inerente às variáveis e reduzir o número de itens da escala. À exceção da análise paralela que foi feita no programa FACTOR, as demais análises foram realizadas no Statistic Package for Social Sciences - SPSS (IBM Cor. Release [IBM], 2012). A análise fatorial foi realizada pelo método de extração de componentes principais, ou seja, considerando a variância total e derivando fatores que possuem pouca proporção de variância de erro e possibilitando reduzir dados (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Para interpretação do número de fatores a serem extraídos, optou-se pela rotação oblíqua, e, para confiabilidade/precisão, utilizou-se o teste alfa de Cronbach.

 

RESULTADOS

Primeiramente, foi utilizada uma análise paralela como critério para verificar a existência de fatores relevantes na escala, mediante simulação de 1.000 extrações de matrizes de correlação randômicas, considerando eigenvalue correspondente ao percentil 95, pelo método de extração de componentes principais. Foi encontrada uma solução não aleatória de até cinco fatores. Assim, foi realizada a verificação da adequação da amostra para análise fatorial por meio do índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Barlett para verificar a circularidade da matriz. O KMO foi de 0,93 e o teste de esfericidade de Barlett foi de χ2 = 10029.400 [861], (p = 0,001), indicando boa adequação dos dados para essa análise.

A análise fatorial seguiu o mesmo critério da análise paralela para determinar a estrutura fatorial, ou seja, utilizou-se o método de extração de componentes principais e empregou-se a rotação oblíqua (direct oblimin), uma vez que há o pressuposto de que os fatores são correlacionados. Foram excluídos seis itens por terem cargas cruzadas ou por não carregarem em nenhum fator, resultando em uma versão com 34 itens, utilizando-se como critério de inclusão do item o fato de ele ter carga fatorial mínima de 0,30. Os cinco primeiros fatores extraídos apontaram eigenvalues de 11,16 no primeiro fator, 3,86 no segundo fator, 1,79 para o terceiro e 1,53 e 1,44 para o quarto e o quinto fatores. Assim, a análise fatorial foi realizada considerando cinco fatores, e suas comunalidades variaram de 0,37 a 0,67 (Tabela 1).

A solução encontrada explicou uma variância de 47,13%, com cinco fatores nomeados de F1 (baixa autoestima/desvalorização) com 11 itens, referente a pensamentos de derrota, avaliação negativa de futuro e de vida, pensamento de fracasso e desânimo; F2 (relacionamento interpessoal) com sete itens que expressam pensamentos de se sentir suportado, compreendido e querido; F3 (autovalorização) com oito itens com autoavaliação positiva sobre si em relação a suas conquistas, seu futuro e vontade de viver; F4 (expectativas negativas/insatisfação), com três itens a respeito de querer ser uma pessoa melhor e a percepção de que sua situação é insuperável; e, por fim, o último fator F5 (desajustamento social) contém cinco itens referentes a avaliar-se como uma pessoa de "mau caráter", indefeso, causador de seu próprio sofrimento e por deixar as pessoas para baixo.

Desses, o F1 apresenta seis itens sobre a avaliação de si, três sobre o futuro e dois sobre o mundo/outros; em F2, há itens sobre percepção de mundo/outros e apenas um item sobre avaliação de si; em F3 há a predominância de itens de si; em F4 cada um dos itens corresponde a um componente da tríade e, por fim, o quinto fator F5 é composto predominantemente de itens sobre a avaliação de si. Desse modo, observa-se que a maior parte dos itens da EPD refere-se a uma visão predominantemente distorcida do sujeito sobre si. Na sequência, foi realizada uma análise para verificar as correlações entre as dimensões propostas pela estrutura de cinco fatores, tal como a confiabilidade, obtida pelo coeficiente alfa de Cronbach (α) (Tabela 2).

 

 

As informações da Tabela 2, referente a matriz de correlação, confirmam os resultados da análise paralela, indicando que os fatores são complementares. No que diz respeito aos índices de confiabilidade, considerou-se como parâmetro as recomendações do Conselho Federal de Psicologia, que adota como aceitáveis os valores iguais ou acima de 0,60. Assim, a EPD apresentou confiabilidade excelente para os dois primeiros fatores ([F1 α = 0,88] [F2 α = 0,85]) e para o valor total (α = 0,91), boa para o F3 (α = 0,78), insuficiente para o F4 (α = 0,53) e suficiente para F5 (α = 0,66).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo teve por objetivo apresentar a construção da Escala de Pensamentos Depressivos (EPD), desenvolvida a partir da tríade cognitiva de Beck (Beck et al., 1982). Esse objetivo foi fundamentado a partir do pressuposto de que entender e saber avaliar como o sujeito percebe a si, o futuro e o mundo é a chave para o tratamento da depressão, uma vez que a avaliação indireta pelo número de crenças disfuncionais se mostra relacionada à severidade do sintoma depressivo (Almeida & Lotufo Neto, 2003; Beck et al., 1982). Por isso, um dos critérios iniciais para manter os itens foi a verificação de que o grupo com diagnóstico relatado de depressão apresentasse uma média maior e estatisticamente significativa de pensamentos depressivos do que os sujeitos sem diagnóstico relatado de depressão.

Apesar de o grupo com diagnóstico constituir uma pequena parcela no presente estudo, demonstrou ter médias maiores nos itens, critério, inclusive, para manutenção desses itens na escala. Esse resultado vai ao encontro da pesquisa de Eaves e Rush (1984), os quais verificaram que os pacientes depressivos, de fato, apresentavam mais pensamentos negativistas independentemente da gravidade do transtorno depressivo. O trabalho de Medeiros e Sougey (2010) constatou que aqueles com mais sintomas de depressão eram também os que pontuavam mais nos sintomas cognitivos da BDI.

O estudo parte também do pressuposto de que a construção de um instrumento para avaliar pensamentos ligados à depressão deve ter o propósito de contribuir para a promoção de saúde, considerando que a detecção de pensamentos não é uma condição única para que se tenha uma melhora no quadro clínico, mas que, sem esta e sem a identificação das crenças ativadas, a melhora e a condução de um procedimento psicoterapêutico tornam-se imprecisas (Macavei & McMahon, 2010). Pesquisadores que contribuíram para a validação de outros estudos relacionados ao uso de escalas de crenças irracionais no Brasil já salientavam também a importância de se voltar para a avaliação de sintomas depressivos (Matta et al., 2009; Orsini et al., 2006; Yoshida & Colugnati, 2002).

Discutem-se, assim, os resultados encontrados neste estudo. Foi verificado que a escala não se dividiu conforme a tríade, mas em cinco fatores que englobavam a tríade de maneira dinâmica. A divisão de itens conforme a tríade cognitiva parece ser buscada em diferentes estudos, porém, geralmente se encontram modelos unifatoriais, como no caso dos estudos de Mcintosh e Fischer (2000) e Pössel (2000), ou com mais de três fatores, como no caso dos estudos de Cane e colaboradores (1986), Himle e colaboradores (1985) e o do presente estudo.

Mcintosh e Fischer (2000) argumentam que uma das hipóteses possíveis é que o modelo da tríade foi configurado essencialmente para ser interpretável em grupos clínicos (com transtorno depressivo maior). Nas amostras dos estudos mencionados e também no caso deste estudo, ocorreu a prevalência de pessoas sem diagnóstico relatado e confirmado de depressão. Essa hipótese pode parcialmente ser levantada, já que um diferencial da pesquisa foi a manutenção apenas de itens que houvessem mostrado previamente como diferenciar grupos com e sem diagnóstico relatado de depressão. Desse modo, era esperado que os pressupostos da tríade estivessem presentes, no sentido de os itens serem alocados em três fatores.

Algumas considerações sobre os resultados ainda devem ser feitas. A EPD foi desenvolvida com base nas informações contidas em trabalhos de revisão de instrumentos de crenças irracionais/disfuncionais (Bridges & Harnish, 2010; Terjesen et al., 2009). Assim, houve o cuidado para que os itens acessassem tanto pensamentos racionais quanto disfuncionais, o uso do modelo tipo Likert de quatro pontos, para poder facilitar a investigação prévia do clínico sobre as respostas fornecidas, e itens que não avaliassem comportamentos ou emoções, que são considerados como conteúdos derivados dos pensamentos (Beck, 1997).

Notou-se, ainda, que a EPD apresentou em maior parte itens sobre si. A esse respeito, volta-se aos escritos de Willner (1984), que comenta a importância central de avaliar a visão negativista de si em depressivos, já que a baixa autoestima faz com que passem a ver o mundo e os outros de forma negativa. Quanto à divisão fatorial da escala, foi verificado que sua composição é similar àquela encontrada por Himle e colaboradores (1985), em que alguns dos fatores refletiam a visão negativista dos outros, catastrofização, culpa, cuidado e ajuda, o que, em essência, é contemplado pelos fatores da EPD. Da mesma maneira, o estudo brasileiro de adaptação do DAS apontou fatores similares à EPD referentes a baixa autoestima, atitudes mantenedoras de depressão e baixa autoestima induzida por objetos esquemáticos, indicando que é marcante na disfuncionalidade a maneira como o sujeito avalia suporte social, autoestima, autoconceito e desesperança (Beck et al., 1982; Beck, 1983). Assim, observa-se que a EPD apresenta uma configuração similar a outros instrumentos e, mais do que isso, sua configuração aponta fatores que se mostram importantes detectores de vulnerabilidade, que são os pensamentos negativistas de desvalorização, o relacionamento interpessoal e as interpretações do sujeito sobre como se vê e como se avalia diante do mundo.

Cabe considerar, além da estrutura fornecida pela análise fatorial, os índices observados na matriz de correlação e os índices de precisão. Segundo Hair e colaboradores (2009), é esperado que as correlações entre os fatores não ultrapassem 0,30, já que, acima desse fator, se poderia começar a considerar que os fatores mensuram o mesmo construto, o que tornaria a manutenção de um deles desnecessária. Com base nessas informações, nota-se que os fatores F1 e F5 ultrapassaram essa correlação e, considerando a composição dos itens, pode-se levantar a hipótese de que uma configuração agrupando esses fatores pode se mostrar válida. Esse pressuposto se mostra aplicável também em F2 com F4. Inclusive, observando a precisão dos fatores, nota-se que F4 e F5 foram aqueles com menores índices de precisão da escala, sendo F4 composto por apenas três itens. Sugere-se, assim, que, apesar de ser válida uma interpretação da EPD com cinco fatores, novas investigações, com amostras maiores, devem ser realizadas, pensando em novas configurações. Considerando as evidências levantadas no presente estudo, acredita-se que os dados encontrados fornecem evidências de validade parciais para a EPD.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo investigou as qualidades psicométricas da EPD mediante evidências de validade com base nos processos de conteúdo, na estrutura interna e na confiabilidade. Como discutido, o modelo da tríade cognitiva proposto por Beck e colaboradores (1982) se mostrou válido para a interpretação de pensamentos distorcidos, contudo, com uma configuração diferente da esperada teoricamente e também com índices de fidedignidade e matrizes correlacionais que indicam a necessidade de mais estudos e amostras maiores. Tendo como base as revisões de Bridges e Harnish (2010) e Terjesen e colaboradores (2009), o número de itens da escala se mostrou similar à maior parte dos instrumentos já disponíveis no mercado. Apesar disso, cabe lembrar novamente que o modelo encontrado para a EPD possui algumas questões a serem revistas ao levar em consideração a interpretabilidade dos fatores, a matriz de correlação e a fidedignidade. Por fim, considerando que a EPD tem por objetivo detectar possíveis casos futuros de desenvolvimento do quadro depressivo e não servir de apoio aos diagnósticos, acredita-se que a adoção de diferentes análises estatísticas e busca por diferentes evidências de validade são fundamentais e recomendadas. Outras sugestões se pautam no desenvolvimento de pesquisas investigando a EPD, junto a outras medidas de pensamentos e também com depressão, de forma a investigar suas qualidades psicométricas.

 

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Correspondência:
Adriana M. Carneiro
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, nº 45, Centro
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E-mail: drimunhoz@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 14 de maio de 2013. cod. 186.
Artigo aceito em 05 de outubro de 2013.
Apoio financeiro CAPES.

 

 

Universidade São Francisco.
I Confirmar esta data. Não seria 1972? Não. É esta data mesmo que consta no artigo, por mais estranho que possa parecer.