SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Interfaces da terapia cognitivo-comportamental familiar com a teoria piagetianaTerapia cognitiva para fobia social: consideraciones desde el modelo cognitivo de Beck índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.8 no.2 Rio de Janeiro dez. 2012

 

ARTIGOS DE REVISÃO REVIEW ARTICLES

 

Psicologia positiva no Brasil: uma revisão sistemática da literatura

 

Positive psychology in Brazil: a systematic review

 

 

Juliana da Rosa PurezaI; Cláudia Helena Corazza KuhnII; Elisa Kern de CastroIII; Carolina Saraiva de Macedo LisboaIV

IMestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - (Psicóloga Clínica em Consultório Particular) Porto Alegre - SP - Brasil
IIMestre em Psicologia Clínica (em andamento) - (Psicóloga Clínica em Consultório Particular)
IIIDoutorado em Psicología Clínica y de La Salud. - (Professora adjunta da Universidade do Vale do Rio dos Sinos)
IVDoutorado em Psicologia - (Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

Correspondência

 

 


RESUMO

A Psicologia Positiva é um paradigma teórico que se encontra em expansão no Brasil. A proposta da Psicologia Positiva é estudar os fundamentos psicológicos do bem-estar e da felicidade, assim como os pontos fortes e as virtudes humanas. Para refletir sobre as produções científicas nesta área no Brasil, este artigo teve como objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura científica nacional em Psicologia Positiva considerando o período das primeiras publicações (anos 90) até 2012. Utilizou-se o descritor "Psicologia Positiva" e a revisão foi realizada em bases de dados de publicações nacionais SciELO, BVS e BDTD. Constatou-se que houve um crescimento pouco expressivo e não-linear nas publicações científicas nesta área no país. Encontraram-se poucos estudos brasileiros que se propuseram a estudar a psicologia positiva com rigor científico, o que permite concluir que a produção de pesquisas brasileira nesta área ainda é limitada. Com relação aos construtos teóricos, observou-se que o bem-estar é o tema central da maioria dos estudos, e foram identificados sete diferentes instrumentos de pesquisa utilizados para avaliação de diferentes construtos da psicologia positiva. Foram encontrados também estudos que verificaram a efetividade de intervenções em Psicologia Positiva, sugerindo a aproximação nas áreas de psicologia clínica, da saúde e escolar.

Palavras-chave: bem-estar; psicologia positiva; revisão sistemática.


ABSTRACT

Positive Psychology is a theoretical paradigm that is expanding in Brazil. The Positive Psychology proposal is tostudy the psychological fundamentals of well-being and happiness, as well as the strengths and human virtues. To discuss about scientific production on this field in Brazil, this article aimed to present a systematic review of national scientific literature about Positive Psychology considering the period of its initial publications until 2012. The descriptor "Positive Psychology" was used and the review was conducted in databases of national publications SciELO, BVS and BDTD. Little and nonlinear scientific publications increase was found in this area. Few Brazilian studies have proposed to study positive psychology with scientific rigor, what allows to conclude that Brazilian research's production in this area is still limited. Considering the theoretical constructs, well-being was the focus of the majority of studies and seven different survey instruments used to evaluate different constructs of positive psychology were also identified. Studies that assessed the effectiveness of interventions in Positive Psychology were found, suggesting an approach and application in clinical, health and school psychology areas.

Keywords: positive psychology; systematic review; welfare.


 

 

INTRODUÇÃO

A Psicologia Positiva é a área da psicologia que estuda os fundamentos psicológicos do bem-estar e da felicidade, bem como os pontos fortes e virtudes humanas (Seligman, 2011). É composta por três pilares essenciais, que se referem aos três níveis de atuação da psicologia positiva: 1) o nível básico ou subjetivo, que diz respeito ao estudo dos elementos da felicidade, bem-estar e outros construtos relacionados; 2) o nível individual, que diz respeito a traços e características individuais positivas; e 3) o nível grupal, que se refere a virtudes cívicas e instituições com características e traços de funcionamento positivos, que induzem os indivíduos à felicidade (Giacomoni, 2002; Rodrigues,2010; Seligman, 2004; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).

Um dos marcos históricos da Psicologia, fundamental para a compreensão da trajetóriada Psicologia Positiva, é a inserção da Psicologia no mercado de trabalho devido à Segunda Guerra Mundial. Neste momento, a área da Psicologia começa a focar seus esforços e a sua atenção no sofrimento psíquico em função das demandas criadas no período pós-guerra (Seligman, 2004; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). No início da década de 70, observa-se uma explosão de estudos científicos acerca de problemas psicológicos, bem como do efeito negativo de ambientes estressores (Giacomoni, 2002). Além disto, neste momento, a área da saúde de um modo geral também estava sofrendo alguns processos de mudança: em 1947, a Organização Mundial da Saúde introduz o modelo biopsicossocial para compreensão do conceito de saúde, contrapondo-se ao modelo biomédico vigente da época e ampliando este conceito para englobar também aspectos relacionados à qualidade de vida (WHO, 1947).

Somente em 1998 que esse movimento de mudança do enfoque na ênfase do sofrimento ao foco na saúde começar a atingir a psicologia, com o nascimento da psicologia positiva e a presença de Martin Seligman na presidência da American Psychological Association (APA). Anteriormente a este momento, a Psicologia havia deixado de lado estudos e pesquisas acerca dos aspectos positivos do ser humano, considerando em suas práticas principalmente os aspectos relacionados ao sofrimento (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000; Paludo, & Koller, 2007). A proposta da Psicologia Positiva era a de que a Psicologia deveria focar na construção das forças do sujeito para tratar e prevenir as desordens psicológicas (Seligman, 2002). Desde então, diversos estudos vêm sendo realizados nessa área em temáticas como felicidade, otimismo, resiliência, emoções positivas, experiências de flow e, em especial, o tema do bem-estar, que é o tema central da psicologia positiva (Seligman, 2011).

O surgimento de estudos utilizando o termo bem-estar é identificado quando cientistas sociais e do comportamento começam a se interessar pelo estudo e pela pesquisa sistemática da felicidade, investigada através do construto de bem-estar subjetivo (Giacomoni, 2002). Porém, existe atualmente na literatura uma forte discussão a respeito do hedonismo característico do uso deste termo, que muitas vezes vincula as experiências de bem-estar apenas a experiências de prazer e gratificação, desconsiderando outros aspectos da experiência de felicidade humana (Seligman, 2004, 2011). Em função disso, recentemente o conceito de bem-estar foi reestruturado a partir da Psicologia Positiva, e é compreendido a partir de cinco elementos fundamentais: emoções positivas, engajamento, sentido, realização e relacionamentos positivos (Seligman, 2011).

No Brasil, a porta de entrada para a Psicologia Positiva ocorreu através dos estudos sobre resiliência, em função dos fatores de vulnerabilidade e das situações de riscos existentes no contexto brasileiro. O termo resiliência refere à capacidade de adaptação frente à um contexto de mudança, pela utilização de recursos positivos para enfrentar as adversidades (Sapienza & Pedromônico, 2005; Souza & Cerveny, 2006). De fato, o primeiro livro de Psicologia Positiva escrito por autores brasileiros intitula-se "Resiliência e Psicologia Positiva: interfaces do risco à proteção", e consiste em uma coletânea de dez artigos científicos escritos por 16 colaboradores no período de 2004 a 2006 (Dell'Aglio, Koller & Yunes, 2006). O movimento de expansão da Psicologia Positiva no Brasil também teve como importante marco a criação da Associação de Psicologia Positiva da América Latina (APPAL) em 2010, e com a realização da 1º Conferência Brasileira de Psicologia Positiva no Rio de Janeiro, em 2011.

Atualmente, a Psicologia Positiva está em processo de expansão dentro da ciência psicológica e, se esse movimento é inicial no cenário internacional de pesquisa, mais recente é o seu aparecimento no Brasil (Paludo & Koller, 2007). Compreender o panorama da Psicologia Positiva no Brasil é importante para maior entendimento e apropriação deste paradigma pelos psicólogos em âmbito nacional. Dessa forma, o presente artigo teve como objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura científica nacional em psicologia positiva.

 

MÉTODO

A revisão sistemática de literatura realizada neste estudo utilizou as seguintes bases de dados: SciELO Brasil, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) Brasil, e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A SciELO é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros. A BVS Brasil é parte integrante da Biblioteca Virtual em Saúde para América Latina e Caribe, e tem por objetivo convergir as redes temáticas brasileiras da BVS e integrar as redes de fontes de informação em saúde. Já a BDTD é um portal que integra os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa brasileiras, estimulando o registro e a publicação de teses e dissertações no meio eletrônico. A presente pesquisa foi realizada nas três bases separadamente, e as bases de dados elencadas foram escolhidas por serem consideradas bases de dados virtuais de referência para publicações nacionais.

Para a realização da pesquisa foi utilizado o descritor "psicologia positiva", com o filtro de que o descritor deveria aparecer no título. Esse critério foi adotado para excluir estudos que apenas mencionavam o tema da psicologia positiva ou que foram realizadas em outras áreas do saber, de modo a identificar apenas os estudos da área da Psicologia que apresentavam como foco principal do estudo a psicologia positiva.

Foram incluídos nesta busca todos os estudos que estivessem publicados em periódicos, revista especializadas ou indexados nas referidas bases de dados até setembro de 2012. Foram excluídos documentos que estivessem apresentados em duplicata entre as bases, cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, ou que não estivessem disponíveis no meio digital. A análise dos dados dos documentos indicados foi realizada através de uma ficha de leitura, que buscou identificar quais os conceitos teóricos utilizados, procedimentos metodológicos e os principais resultados dos estudos encontrados.

Após a busca realizada, foram identificados inicialmente 34 documentos. Destes, doze foram excluídos por apresentarem duplicatas na revisão, dois por se tratarem de livros impressos e mais um por não estar disponível na íntegra em formato digital. Dessa forma, a revisão final contemplou um total dedezenove documentos, sendo dezesseis artigos, uma tese de doutorado e duas dissertações de mestrado. O procedimento de busca de artigos adotado nesta revisão pode ser identificado na Figura 1.

 

 

RESULTADOS

No que se refere à quantidade de publicações observase que aparentemente o crescente interesse científico nesta área não está acontecendo de forma expressiva no Brasil (Aznar-Farias, & Oliveira-Monteiro, 2006; Barros, Martín & Pinto, 2010; Calvetti, Muller & Nunes, 2007; Cuadra-Peralta, Fuentes-Soto, Madueño-Soza, Veloso-Besio, & Meneses, 2012; Graziano, 2005; Haase, Kamei, 2012; Marques, 2007; Lacerda, Lima, & Lana-Peixoto, 2005; Omar, Paris, Uribe Delgado, Silva Junior, & Souza, 2011; Paludo & Koller, 2007; Passareli, & Silva, 2007; Pérez-Ramos, & Pérez-Ramos, 2004; Pocinho &Perestrelo, 2011; Prati & Koller, 2011; Siqueira & Padovam, 2008; Scorsolini-Comin, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2010; Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Yunes, 2003). O aumento de publicações nesta área apresentou um crescimento pouco expressivo e não-linear, como pode ser visto na Figura 2.

 

 

Com relação aos delineamentos de pesquisa utilizados, também foi observado que ainda encontram-se poucos estudos brasileiros que se propõem a estudar a psicologia positiva a partir metodologias científicas. Das publicações encontradas, treze consistiam em revisões não-sistemáticas da literatura, e apenas seis apresentavam estudos empíricos, sendo quatro estudos quantitativos, um estudo qualitativo e um estudo com delineamento misto.

É importante enfatizar que todos os documentos encontrados foram considerados para a avaliação da quantidade de publicações em Psicologia Positiva no Brasil, uma vez que este estudo também teve como objetivo analisar a frequência de publicações ao longo do tempo. Todavia, para a análise mais aprofundada dos estudos, optou-se por eleger apenas os estudos empíricos, uma vez que este artigo tem como principal interesse analisar a produção científica nacional da Psicologia Positiva. As informações referentes aos estudos empíricos analisados podem ser identificadas na Tabela 1.

Com relação aos construtos teóricos pesquisados nos estudos encontrados, observou-se que o bem-estar é o tema central em quatro dos estudos identificados (Graziano, 2005; Marques, 2007; Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Scorsolini-Comin, 2009). Além disso, outros temas como a satisfação em determinadas áreas da vida, (laboral ou conjugal) (Cuadra-Peralta, et al., 2012; Scorsolini-Comin, 2009), experiências de flow (Scorsolini-Comin, 2009; Kamei, 2012), emoções positivas (Scorsolini-Comin & Santos, 2011), saúde geral (Marques, 2007), auto-estima (Marques, 2007), habilidades sociais (Cuadra-Peralta, et al., 2012), e felicidade (Cuadra-Peralta, et al., 2012) também foram investigados. Os construtos teóricos identificados nesta revisão podem ser vistos na Figura 3.

 

 

Também se optou por analisar as áreas de atuação da psicologia nas quais os estudos foram realizados. A partir da leitura dos artigos identificados, observou-se que os mesmos foram realizados na área da psicologia escolar (Cuadra-Peralta, et al., 2012), das relações familiares (Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Scorsolini-Comin, 2009), dos processos psicológicos básicos (Scorsolini-Comin, 2009), e da psicologia da saúde (Kamei, 2012, Marques, 2007).

Com relação aos instrumentos de pesquisa utilizados, identificou-se que foram utilizados uma entrevista-narrativa com roteiro estruturado (Kamei, 2012) e sete instrumentos de pesquisa publicados na literatura utilizados para avaliação de diferentes construtos da psicologia positiva (Tabela 1). Dentre estes instrumentos, o mais utilizado foi a Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES) desenvolvida por Albuquerque e Tróccoli (2004), que foi aplicada em três dos seis estudos empíricos encontrados (Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Scorsolini-Comin, 2009; Marques, 2007). As informações referentes aos trumentos de pesquisa para avaliação de construtos da psicologia positiva podem ser identificadas na Tabela 2.

No que tange aos participantes, pode-se observar populações e características distintas. A maioria dos participantes dos estudos foi adulta (Graziano, 2005; Kamei, 2012; Marques, 2007; Scorsolini-Comin, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2011), tendo sido encontrado apenas um estudo que investigou a população de crianças e adolescentes (Cuadra-Peralta, et al., 2012). No que se refere às características dos participantes, estes foram selecionados por serem casais (Scorsolini-Comin, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2011), universitários (Graziano, 2005), professores e alunos (Cuadra-Peralta, et al., 2012).

No que diz respeito aos objetivos e resultados nos estudos identificados, observou-se que três pesquisas propuseram delineamentos correlacionais (Graziano, 2005; Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Scorsolini-Comin, 2009), enquanto as outras três tiveram como objetivo verificar o efeito de uma intervenção baseada na psicologia positiva (Cuadra-Peralta, et al., 2012; Kamei, 2012; Marques, 2007). De um modo geral, as intervenções baseadas na Psicologia Positiva mostraram uma melhora significativa em todas as variáveis analisadas (Cuadra-Peralta, et al., 2012; Kamei, 2012; Marques, 2007).

 

DISCUSSÃO

A partir dos resultados encontrados, foi observado que a quantidade de estudos realizados acerca da Psicologia Positiva ainda é pouco expressiva, e não apresenta um crescimento linear. Apesar de ser uma área que está em expansão no âmbito científico internacional (Paludo, & Koller, 2007), ainda não se observa o mesmo movimento no Brasil. Observa-se que o primeiro artigo em Psicologia Positiva surgiu em 2003, cinco anos após o marco do nascimento oficial (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000; Paludo, & Koller, 2007).

Também foi identificado que a maioria dos estudos realizados é de caráter teórico, tendo sido encontrados poucos estudos empíricos. Isto demonstra que o tema da psicologia positiva ainda está sendo utilizado como um paradigma de trabalho, apresentando poucas propostas de intervenção. É importante ressaltar que existe na literatura uma diferenciação entre a realização de estudos a partir da perspectiva da psicologia positiva, de intervenções em psicologia positiva, e de programas de desenvolvimento positivo. Estudos realizados sob a perspectiva da psicologia positiva buscam compreender, discutir ou promover aspectos relacionados à saúde e aos aspectos positivos do ser humano. As intervenções em psicologia positiva, por outro lado, são aquelas que visam aumentar as emoções positivas e o bem-estar dos participantes, através da indução de atividades e exercícios (Seligman, 2011; Sousa, 2010). Podem ser realizados também, os chamados programas de desenvolvimento positivo, que são intervenções mais amplas com o foco na construção de qualidades positivas de jovens e crianças, bem como na promoção de aspectos positivos do desenvolvimento (Sousa, 2010).

Outro ponto que merece destaque se refere aos construtos investigados nos estudos de psicologia positiva. Foi observado que o construto do bem-estar foi o mais pesquisado. Tal fato corroborou o resultado que apareceu nas análises dos instrumentos de pesquisa utilizados nos estudos encontrados, sendo o mais utilizado a Escala de Bem Estar Subjetivo - EBES (Albuquerque & Tróccoli, 2004), o que pode ser compreendido pelo fato de que, como já foi ressaltado anteriormente, ao fato que de o tema do bem-estar é o tema central da psicologia positiva (Seligman, 2011).

Apesar disto, o bem-estar é um construto muito diverso, e encontra-se na literatura uma dificuldade em estabelecer uma definição principal para o mesmo. De um modo geral, as teorias do bem-estar podem ser divididas em teorias "Bottom up", que consideram que o bem-estar é obtido principalmente através de influências situacionais - como experiências de cunho positivo, prazeroso ou gratificante -, e em teorias "Top-down", que discutem fatores intrínsecos como fundamentais para a obtenção de bem-estar - como traços e características de personalidade, discrepâncias cognitivas, entre outros (Giacomoni, 2002). Observou-se que os estudos encontrados nesta revisão que utilizaram o construto do bem-estar, basearam-se tanto em teorias Bottom up como Top-down, muitas vezes não apresentando um posicionamento definido com relação à compreensão deste fenômeno (Graziano, 2005; Marques, 2007; Scorsolini-Comin & Santos, 2011; Scorsolini-Comin, 2009).

Com relação aos participantes, pode-se identificar que, de um modo geral, foi encontrado apenas um estudo utilizando crianças e adolescentes. Estes dados sugerem uma lacuna na literatura nacional em psicologia positiva, uma vez que um dos focos da psicologia positiva diz respeito à educação positiva e aos programas de desenvolvimento positivo e de promoção de resiliência, que são intervenções que tem como foco principal a população infantil (Seligman, 2004; Seligman, 2011; Sousa, 2010). Além de apontar uma lacuna, este dado deixa em aberto a explicação para a escassez de estudos com a população infantil e adolescente. É possível pensar que não existam de instrumentos de medida validados e adequados para esta faixa etária.

No que diz respeito aos resultados, constatou-se que o número de estudos empíricos encontrados é muito pequeno para concluir-se acerca da qualidade e situação da produção científica neste tema. Porém, apesar de serem poucas, todas as intervenções realizadas que foram encontradas nesta revisão apresentaram resultados significativos nas variáveis analisadas. Estes dados corroboram a literatura sobre o tema que aponta que os programas e intervenções em psicologia positiva, apesar de serem recentes, têm apresentado resultados efetivos, tanto no contexto clínico quanto em outros contextos sociais (Seligman, 2011, Sousa, 2010). Foi observado que, no que se refere à área de atuação da psicologia nas quais os estudos foram realizados, contextos muito importantes que são focos de muitos estudos de psicologia positiva no âmbito internacional, como a psicologia organizacional e a psicologia clínica, não foram contemplados. De fato, atualmente, tanto a psicologia clínica quanto a psicologia organizacional dizem respeito às principais áreas de foco na APPAL (Assossiação de Psicologia Positiva da América Latina). Esse resultado sugere uma diferença dos estudos nacionais em relação ao movimento internacional dentro da Psicologia Positiva, uma vez que este paradigma teórico, desde o seu surgimento, traz como um de seus pilares a psicoterapia positiva e a importância das terapias baseadas em evidências (Seligman, 2002; Seligman, 2011).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De um modo geral, este artigo possibilitou um entendimento da perspectiva e compreensão do panorama da psicologia positiva no Brasil. Observa-se que a produção científica ainda é escassa e não parece demonstrar um crescimento expressivo. Porém, foram encontrados alguns estudos com propostas empíricas de intervenções que encontraram resultados efetivos, demonstrando que esta é uma área promissora para a atuação da psicologia no Brasil.

Um dos limitadores deste estudo pode ter sido a utilização do descritor "psicologia positiva", que restringiu o foco da revisão a estudos realizados na área da psicologia. Além disto, a opção de realizar a busca com o descritor apenas no título também pode ter contribuído para isto. Uma sugestão para futuros estudos seria a realização de uma análise de estudos e discussões realizadas por outras áreas, através da utilização de outros descritores, de modo a ampliar os assuntos estudados. Da mesma forma, trabalhos que realizem buscas internacionais, comparando a realidade brasileira e internacional, podemcontribuir para uma melhor compreensão das diferenças e similaridades da psicologia positiva no Brasil e em outras culturas.

Lacunas importantes foram identificadas, como escassas pesquisas empíricas e a quaseausência de estudos tendo como participantes crianças e adolescentes, além de poucos estudos contemplando áreas importantes, como a psicologia clínica e a psicologia organizacional. Porém, é importante ressaltar que a psicologia positiva se propõe a ir além dos construtos teóricos e âmbitos de atuação encontrados nesta revisão. A ciência e a prática da psicologia positiva são mais amplas, e o objetivo maior e principal é alcançar o entendimento científico e efetivo de como ajudar indivíduos, famílias, instituições e comunidade em geral a prosperarem e desenvolverem suas forças e virtudes, de modo a atingir mais bem-estar (Seligman, 2002).

 

REFERÊNCIASI

Albuquerque, A. S., & Tróccoli, B. T. (2004) Desenvolvimento de uma escala de bem-estar subjetivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20,15316. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722004000200008        [ Links ]

* Aznar-Farias, M., & Oliveira-Monteiro, N. R. (2006) Reflexões sobre pró-socialidade, resiliência e psicologia positiva. Revista Brasileira Terapia Cognitiva, 2(2),39-46.         [ Links ]

* Barros, R. M. A, Martín, J. I. G., Pinto, J. F. V. C. (2010) Investigação e prática em Psicologia positiva. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(2),318-327.         [ Links ]

* Calvetti, P. U., Muller, M. C., & Nunes, M. L. T. (2007) Psicologia da saúde e psicologia positiva: perspectivas e desafios, Psicologia: Ciência e Profissão, 27(4),706-717. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932007000400011        [ Links ]

* Cuadra-Peralta, A. A., Fuentes-Soto, L. K., Madueño-Soza, D., Veloso-Besio, C. B., Meneses, Y. K. (2012) Mejorando clima organizacional y de aula, satisfacción vital y laboral. Fractal: Revista de Psicologia,24(1),3-26.         [ Links ]

Dell'Aglio, D. D., Koller, S. H., & Yunes, M. A. M. (2006).Resiliência e psicologia positiva: interfaces do risco à proteção. São Paulo: Casa do psicólogo.         [ Links ]

Diener, E., Emmons, R. A., Larsen, R. J. & Griffin, S. (1985) The Satisfaction With Life Scale. Journal of Personality Assessment, 49,71-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1207/s15327752jpa4901_13        [ Links ]

* Graziano, L. D. (2005) A Felicidade Revisitada: um estudo sobre bem-estar-subjetivo na visão da psicologia positiva. Tese de Doutorado não-publicada, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.         [ Links ]

* Haase, V. G., Lacerda, S. S., Lima, E. P., & Lana-Peixoto, M. A. (2005) Desenvolvimento bem-sucedido com esclerose múltipla: um ensaio em psicologia positiva. Estudos de Psicologia (Natal), 10(2),295-304 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000200017        [ Links ]

* Kamei, H. H. (2012) Flow: o que é isso? Um estudo psicológico sobre experiências ótimas de fluxo na consciência, sob a perspectiva da psicologia positiva. Tese de Doutorado não-publicada, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.         [ Links ]

Lyubomirsky, S., & Lepper, H. S. (1999) A measure of subjective happiness: preliminary reliability and construct validation. Social Indicators Research, 46,137-155. DOI: http://dx.doi.org/10.1023/A:1006824100041        [ Links ]

* Marques, I. M. (2007) Atividade Física e Bem-Estar na perspectiva da psicologia positiva. Dissertação de Mestrado não-publicada, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.         [ Links ]

Nakamura, J. & Csikszentmihalyi, M. (2002). The concept of flow. In: Snyder, C. R. & Lopez, S. Handbook of positive psychology. New York, Oxford, 89-106.         [ Links ]

* Omar, A., Paris, L., Uribe Delgado, H., Silva Junior, S. H. A., Souza, M. A. (2011) Un modelo explicativo de resiliencia en jovenes y adolescentes, Psicologia em Estudo, 16(2), 269-277. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722011000200010        [ Links ]

* Paludo, S. S. & Koller, S. H. (2007) Psicologia Positiva: uma nova abordagem para antigas questões. Paidéia, 17(36),9-20. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100002        [ Links ]

* Passareli, P. M., & Silva, J. A. (2007). Psicologia positiva e o estudo do bem-estar subjetivo. Estudos de Psicologia, 24(4),513-517. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2007000400010        [ Links ]

* Pérez-Ramos, J., & Pérez-Ramos, A. M. Q. (2004) Novas perspectivas em psicologia positiva. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 24(1),57-60.         [ Links ]

* Prati, L. E. & Koller, S. H. (2011) Relacionamento conjugal e transição para a coparentalidade: perspectiva da psicologia positiva Psicologia Clinica, 23(1),103-118. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-56652011000100007        [ Links ]

* Pocinho, M., &Perestrelo, C.X. (2011) Um ensaio sobre burnout, engagement e estratégias de coping na profissão docente. Educação & Pesquisa,37(3),513-528. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022011000300005        [ Links ]

Rodrigues, S. Y. C. (2010) Forças de Carácter em Jovens Voluntários do Projecto Solsal. Mestrado Integrado em Psicologia, Universidade de Lisboa, Lisboa.         [ Links ]

Rosenberg, M. (1973) La auto imagem del adolescente y la sociedad. Buenos Aires: Paidos.         [ Links ]

Sarriera, J. C., Schwarcz, C. & Câmara, S.G. (1996). Bem-estar psicológico: análise fatorial da escala de Goldberg (GHQ-12) numa amostra de jovens. Psicologia: Reflexão e Crítica, 9,293-306.         [ Links ]

Seligman, M. E. P. (2002) Positive Psychology, Positive Prevention, and Positive Therapy. In: Snyder, C. R. & Lopez, S. J. (Eds.). Handbook of positive psychology. New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Seligman, M. E. P. (2004) Felicidade Autêntica. Rio de Janeiro: Objetiva.         [ Links ]

Seligman, M. E. P. (2011) O que é bem-estar? In Seligman, M. E. P. Florescer. Rio de Janeiro: Objetiva.         [ Links ]

Seligman, M. E. P & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An introduction. American Psychologist, 55,5-14. DOI: http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.55.1.5        [ Links ]

* Scorsolini-Comin, F. (2009) Casar, verbo (in)transitivo: bem-estar subjetivo, conjugalidade e satisfação conjugal na perspectiva da Psicologia Positiva. Dissertação de Mestrado não-publicada, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP        [ Links ]

* Scorsolini-Comin, F., & Santos, M.A. (2010) Psicologia positiva e os instrumentos de avaliação no contexto brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(3),440-448. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722010000300004        [ Links ]

* Scorsolini-Comin, F.; Santos, M. S. (2011) Relações entre bem-estar subjetivo e satisfação conjugal na abordagem da psicologia positiva. Psicologia: Reflexão & Critica, 24(4),658-665. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000400005        [ Links ]

* Siqueira, M. M. M., & Padovam, V. A. R. (2008) Bases teóricas de bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico e bem-estar no trabalho, Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(2),201-209 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722008000200010        [ Links ]

* Yunes, M. A. M. (2003) Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em Estudo, 8(spe),75-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722003000300010        [ Links ]

Warr, P., Cook, J.; Wall, T. (1979). Scales for the measurement of some work attitudes and aspects of psychological well-being. Journal of Occupational Psychology, 52(2),129-148. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.2044-8325.1979.tb00448.x        [ Links ]

Word Health Organization (1947) World Health Organization Constitution. Genebra: World Health Organization.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Juliana da Rosa Pureza
Av. Unisinos, nº 950. Cristo Rei São Leopoldo
RS. Brasil. CEP: 93022-000
E-mail: julianapureza@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 18 de junho de 2013. cod. 198.
Artigo aceito em 13 de novembro de 2013.

 

 

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Centro 2.
I As REFERÊNCIAS analisadas neste artigo estão sinalizadas com o símbolo (*).