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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.10 no.1 Rio de Janeiro June 2014

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20140009 

ENTREVISTA

 

Entrevista com Dr. Stefan G. Hofmann: carreira, terapia cognitiva e DSM-5

 

 

Wilson Vieira Melo

Instituto de Terapia Cognitiva do Rio Grande do Sul

 

 

O Professor Stefan G. Hofmann é atualmente um dos mais importantes autores em terapia cognitiva, tendo publicado mais de 240 artigos, 14 livros e diversos capítulos de livros. Atua na Boston University como pesquisador de novos modelos de tratamento além de dar supervisão clínica e aulas.

Em junho de 2014, o Dr. Hofmann esteve no Brasil participando da III Jornada de Terapias Cognitivo-comportamentais (JoTCC), em Ribeirão Preto (SP). Nesse evento, falou sobre os modernos tratamentos para o transtorno de ansiedade social (TAS) e sobre o desenvolvimento do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - 5ª edição (DSM-5), de cuja elaboração participou.

Em entrevista exclusiva, o Dr. Hofmann falou sobre sua carreira, seu novo livro recentemente publicado em português pela Editora Artmed sob o título Introdução à terapia cognitivo-comportamental contemporânea, a terceira onda em terapia cognitiva e sobre o DSM-5. Veja a seguir como foi esse bate-papo e entenda por que ele é considerado um dos principais nomes das terapias cognitivo-comportamentais na atualidade.

1) Como é a sua rotina de trabalho na Boston University e quais são as suas principais atividades atualmente?

Neste momento eu estou completando meu ano sabático. Durante um ano acadêmico normal, costumo utilizar 40% do meu tempo escrevendo e pesquisando, o que inclui gerenciar os grants (verbas de pesquisa); 20% do meu tempo é usado para dar aula; 10% é dirigido para supervisão de estudantes; 20%, atividades administrativas, incluindo o trabalho editorial; e talvez 10% com o contato direto com pacientes. Conclui recentemente um livro editado pela Guilford Press, intitulado Psychotherapy and Emotion: From Theory to Clinical Practice (em português, Psicoterapia e emoções: da teoria para a prática clínica), e estou iniciando um livro novo, a ser publicado pela Wiley Press, intitulado Clinical Psychology:An International Perspective (em português, Psicologia clínica: uma perspectiva internacional).

Meus projetos de pesquisa atuais incluem um grande ensaio clínico randomizado envolvendo tratamento controlado e placebo comparado com ioga, TCC e psicoeducação para estresse no transtorno de ansiedade generalizada, e um segundo ensaio clínico examinando o uso de d-cicloserina e TCC para o tratamento do transtorno de ansiedade social. Então, eu estou bastante ocupado.

2) Quanto tempo você tem dedicado atualmente para os cuidados com pacientes em sua prática clínica?

Eu costumava ter uma agenda bastante ocupada. Entretanto, nos últimos 10 anos aproximadamente, reduzi a prática clínica para somente 1 ou 2 pacientes em razão de o meu foco ter mudado mais para pesquisa, escrita acadêmica e supervisão. Eu continuo com uma prática clínica pequena para manter minhas habilidades afiadas. A maior parte dos meus estudos é na área de processos de terapia e seus desfechos. Eu também treino e supervisiono clínicos e desenvolvo novos tratamentos. Ademais, apesar de não atender muitos pacientes individuais diretamente, eu tenho muito contato indireto com pacientes por meio de seus terapeutas e livros.

3) Você é um pesquisador com extensa produção bibliográfica, tendo publicado diversos artigos ao longo de sua carreira. Quanto da sua rotina é dedicado exclusivamente para a pesquisa e produção textual?

Eu passo boa parte do meu tempo pesquisando e escrevendo. Meu dia típico começa com um pouco de escrita pela manhã. Dependendo do projeto específico em que esteja trabalhando, também reservo um tempo durante a tarde. Eu não gosto de escrever muito ao final do dia ou à noite porque isso tende a me manter alerta, e meus dois meninos (um de 10 e outro de 12 anos) não me deixariam fazer isso de qualquer modo.

4) Na sua opinião, quais são as principais diferenças entre a terapia cognitiva atual, as chamadas abordagens da "terceira onda" e a terapia cognitiva praticada na década de 1970?

Eu particularmente não gosto do termo "terceira onda". Ondas vêm e vão. Progressos científicos não ocorrem em ondas. A ciência clínica é muito mais como uma árvore com seus diferentes galhos em que todos compartilham do mesmo tronco e das mesmas raízes. Novos modelos se constroem a partir do conhecimento científico prévio acumulado. Nossos tratamentos, atualmente, são enraizados e enormemente beneficiados do comportamentalismo dos anos 1960 e 1970 e também da terapia cognitiva dos anos 1970 e 1980.

Uma das principais contribuições do comportamentalismo foi o foco no comportamento observável e a aceitação radical do método científico para o entendimento do comportamento humano. Uma das grandes contribuições da revolução cognitiva foi nos ajudar a perceber que eventos externos não causam diretamente uma resposta (assim como postulado pelo comportamentalismo), mas sim a interpretação e a avaliação cognitiva desses eventos é que determinam a resposta a esses eventos. Isso não revolucionou somente o campo da psiquiatria e da psicologia clínica, mas mudou fundamentalmente todos os aspectos da psicologia.

Durante a década passada, nossa área se deu conta de que o ser humano não pode ser compreendido somente pelos seus comportamentos e cognições, mas também pelas suas emoções. Novas revistas científicas que incluem o termo emoções têm surgido, novas disciplinas inteiras são formadas (neurociência afetiva) e novos tratamentos são desenvolvidos para se focar especificamente nas emoções. Um desses tratamentos, a terapia baseada em mindfulness, tem-se tornado uma das mais influentes intervenções.

5) Quais são os principais tópicos abordados no seu último livro, recentemente traduzido pela Editora Artmed para o português?

Meu objetivo foi propiciar para o leitor uma introdução a algumas das mais modernas abordagens em TCC, as quais incluem técnicas de mindfulness, intervenções baseadas na aceitação, regulação emocional, etc. Todas essas novas estratégias são muito compatíveis com a TCC tradicional. Minha esperança é que os clínicos adotem esses tratamentos para focar em uma ampla gama de transtornos psiquiátricos.

6) O título deste livro em português é Introdução à terapia cognitivo-comportamental contemporânea. Quais são os tópicos apresentados neste trabalho que aborda a questão da contemporaneidade?

Como sugerido pelo título, o livro serve como um guia introdutório para a moderna TCC. Os capítulos descrevem estratégias modernas e convencionais para transtornos psiquiátricos específicos, começando com exemplos de casos, seguidos por uma breve descrição das técnicas de tratamento concretas. Os transtornos que são focados incluem praticamente todos os diagnósticos do DSM-IV. Não importa quão específica é a estratégia, elas são todas compatíveis com as abordagens convencionais da TCC.

7) Em sua fala durante a III JoTCC, você fez diversas críticas ao DSM-5. Quais são os principais pontos que você considera problemáticos nessa nova edição do manual?

O DSM-5 confia somente no relato subjetivo do paciente para levar a um diagnóstico com validade desconhecida e pouca relevância para o tratamento. Não é usado como fonte de informações nenhum outro campo da medicina. Além disso, um diagnóstico em medicina em geral é fortemente amarrado ao tratamento. Por exemplo, uma erupção cutânea pode ser decorrente da pele seca, ou pode ser uma reação alérgica, ou pode ser causada por uma infecção bacteriana, etc. Diferentes tratamentos podem ser prescritos, então, dependendo do diagnóstico específico.

Algumas vezes, o tratamento clínico pode ter alguns testes adicionais para guiar para um distúrbio em particular (poderia ser um câncer de pele). Isso não acontece na psiquiatria. O psiquiatra se baseia somente no relato subjetivo do paciente, e ele ou ela, em seguida, atribui um diagnóstico baseado em sintomas como "erupção cutânea na pele" e assume que, agrupar todas as pessoas com uma erupção cutânea, de alguma forma, nos leva à doença latente subjacente à "síndrome da erupção cutânea na pele"

O DSM-5 segue exatamente a mesma lógica de todas as edições anteriores. Eu acredito que o modelo cognitivo apresenta um quadro muito mais útil para desenvolver um sistema de classificação para o tratamento do que o DSM. Ao final do texto, tem a referência de um artigo recente que aborda esse tema (Hofmann, 2014b).

8) Na sua opinião, existe algum ponto positivo na nova estrutura do DSM-5?

As mudanças do DSM-IV para o DSM-5 são muito pequenas. Os dados empíricos para as mudanças que foram feitas são relativamente fracos. Isso tem sido a razão para as controvérsias em relação ao DSM-5. No entanto, outras mudanças feitas fazem sentido, como a eliminação do eixo II, uma vez que transtornos da personalidade podem ser efetivamente tratados e não são qualitativamente diferentes dos transtornos do eixo I.

9) Quais são seus principais projetos para 2015?

É verdade no campo científico que nós precisamos trabalhar as suas fronteiras na tentativa de expandi-las. Eu tenho trabalhado em duas fronteiras: neurociência e meditação. Meu trabalho em neurociência provavelmente me levará cada vez mais para dentro do tema dos agentes farmacológicos que podem ser usados para potencializar a TCC. Estudar as bases biológicas da TCC também nos dará um melhor entendimento sobre os mecanismos pelos quais os tratamentos funcionam.

Eu também tenho começado a me interessar por estratégias de meditação e estou curioso para saber por que elas funcionam tão bem como funcionam. Eu estou particularmente interessado em saber como meditar no amor e na bondade pode aumentar os afetos positivos. Nossa área tem estado muito focada em eliminar afetos negativos e reduzir sintomas negativos e muito pouco focada em se concentrar em como aumentar afetos positivos.

Algumas vezes, nós, erroneamente, acreditamos que, reduzindo afetos negativos, automaticamente aumentaremos os afetos positivos. Isso com frequência não é o caso. Nós precisamos começar a nos preocupar mais sobre como fazer as pessoas ficarem mais felizes e ter uma melhor qualidade de vida. Finalmente, tenho me interessado em regulação emocional interpessoal. Há também uma sugestão de um artigo falando sobre isso (Hofmann (2014a).

 

LEITURAS SUGERIDAS

Hofmann S. G. (2014a). Interpersonal emotion regulation model of mood and anxiety disorders. Cognitive Therapy and Research, 38,483-492.         [ Links ]

Hofmann, S. G. (2014b). Toward a cognitive-behavioral classification system for mental disorders. Behavior Therapy, 45,576-587.         [ Links ]

 

 

Artigo submetido em 01 de março de 2015.
Artigo aceito em 02 de abril de 2015.

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