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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.11 no.2 Rio de Janeiro dez. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20150013 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Desenvolvimento de um inventário cognitivo-comportamental para avaliação da aliança terapêutica

 

Development of a cognitive behavioural inventory for therapeutic alliance assessment

 

 

Mara Livia de AraújoI; Renata Ferrarez Fernandes LopesII

IProfessora do Centro Universitário de Patos de Minas - UNIPAM
IIDoutora - (Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia)

Correspondência

 

 


RESUMO

A relação terapêutica tem sido considerada um componente primário diretamente relacionado à eficácia da psicoterapia. Considerando a importância da aliança entre terapeuta e paciente para o progresso do tratamento psicoterapêutico, o presente estudo teve por objetivo elaborar um instrumento, o Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica. Ele avalia a natureza da relação terapêutica da perspectiva do terapeuta a partir dos pressupostos teóricos desenvolvidos por J. Beck. Uma amostra de 38 psicólogos especialistas em terapia cognitivo-comportamental participou do estudo, sendo que oito realizaram uma prova de juízes, elencando em categorias preestabelecidas os itens criados, e 30 responderam ao inventário, composto por 29 afirmações. Por meio do índice de concordância Kappa, utilizado na prova de juízes, evidenciou-se uma concordância geral adequada (κ = 0,75) entre os juízes. Os resultados mostraram, ainda, que o Inventário apresentou níveis satisfatórios para as estimativas de confiabilidade (alpha de Cronbach = 0,853). De modo geral, este trabalho contribui ao disponibilizar um instrumento que possibilita a avaliação do vínculo terapêutico de acordo com os pressupostos da terapia cognitivo-comportamental. Mais análises estatísticas são necessárias para verificar a validade do instrumento.

Palavras-chave: Aliança terapêutica; Terapia cognitiva; Testes psicológicos


ABSTRACT

Therapeutic relationship has been considered the primary component directly related to psychotherapy effectiveness. Considering the importance of the alliance between therapist and patient towards the progress of the psychotherapeutic treatment, the present study aimed to develop an instrument, the Cognitive-Behavioral Inventory for Therapeutic Alliance Assessment. It evaluates the nature of the therapeutic relationship from the therapist perspective, from theoretical assumptions developed by J. Beck. A sample of 38 psychologists specialized in Cognitive-Behavioral Therapy participated in this study, being that 8 acted as trial judges, listing the created items in pre-established categories, and 30 psychologists answered the inventory comprised of 29 statements. Through the Kappa acceptance index, used by the judges, adequate general acceptance was evidenced (κ = 0.75) among the judges. The results also showed that the Cognitive-Behavioral Inventory for Therapeutic Alliance Assessment presented satisfactory levels of reliability estimates (Cronbach alpha = 0,853). Overall, this work contributes by making an instrument available that allows for the evaluation of therapeutic relationship according to the Cognitive-Behavioral Therapy assumptions. More statistical analyzes are needed in order to verify the validity of the instrument.

Keywords: Therapeutic alliance; Cognitive therapy; Psychological tests


 

 

INTRODUÇÃO

A ênfase das pesquisas em psicoterapia contemporânea nos aspectos técnicos e relacionais da aliança terapêutica tem tornado esse tema uma variável importante para a compreensão do processo psicoterápico. Na maioria dos estudos, as conceitualizações de aliança terapêutica são baseadas no trabalho de Bordin (1979), que tentou construir uma definição de aplicação universal, integradora e heurística, para que todas as escolas terapêuticas se identificassem com um conceito comum de aliança terapêutica. O autor define a aliança como a colaboração entre cliente e terapeuta no que se refere a três componentes: acordo sobre as metas, a designação/atribuição de tarefas e o desenvolvimento de vínculos positivos.

A aliança terapêutica tem sido considerada uma variável importante no processo de mudança psicoterapêutica para várias abordagens de psicoterapia (Constantino, Morrison, MacEwan, & Boswell, 2013; Orlinsky, Grawe, & Parks, 1994). Segundo Ackerman e Hilsenroth (2003), um grande número de pesquisas empíricas que estudam a relação entre aliança terapeuta-cliente e os resultados da terapia tem sido desenvolvido nas últimas duas décadas, contudo, poucos estudos se voltaram para as contribuições e a perspectiva dos terapeutas para o desenvolvimento da aliança. Embora existam algumas pesquisas que focam especificamente as atividades do terapeuta durante a sessão (Ackerman & Hilsenroth, 2003; Orlinsky et al., 1994), parece não haver um esclarecimento da relação entre as contribuições específicas do terapeuta (p. ex., atributos pessoais e intervenções técnicas) e o desenvolvimento de uma aliança positiva.

No que se refere à psicoterapia cognitiva, observa-se que consiste em uma abordagem que envolve um processo complexo, relacionada à utilização de intervenções com o intuito de promover mudanças no sistema de crenças e/ou comportamentos do paciente, para que ocorra uma diminuição do seu sofrimento (Hofmann, 2014; Rodrigues & Silva, 2011). Todo esse processo envolve fundamentalmente a interação entre terapeuta e cliente, sendo facilitado por alguns procedimentos presentes nessa relação (Beck, 1997; Meyer & Vermes, 2001). Nessa perspectiva, além da relevância das metas, tarefas do desenvolvimento de vínculos apontadas por Bordin (1979), a compreensão da aliança terapêutica é acrescida de outras características, mais voltadas para as especificidades da abordagem, como a importância do feedback do paciente, a visão que o paciente tem da terapia e as reações do terapeuta (Beck, 1997, 2013; Sudak, 2008).

Tradicionalmente a terapia cognitiva enfatizou o papel da técnica como agente central de mudança, mas atualmente muitos terapeutas da abordagem (Safran, 1998; Safran & Segal, 1990; Young, 2003) conceitualizam a aliança como parte integral do tratamento. Beck, Rush, Shaw e Emery (1979), em sua obra clássica sobre depressão, já enfatizavam a importância de um relacionamento terapêutico caloroso e empático, e complementaram, em outra obra, que "...a eficácia das técnicas cognitivas e comportamentais é dependente, em larga escala, do relacionamento entre terapeuta e paciente... O relacionamento requer calor, empatia apurada e genuinidade por parte do terapeuta. Sem esses, a terapia torna-se orientada por truques" (Beck, Wright, Newman, & Liese, 1993, p. 135). Em conformidade, Beck (2007) ressalta que a terapia cognitiva eficaz necessita de um bom vínculo terapêutico, já que muitos pacientes apenas conseguirão modificar suas cognições, respostas emocionais e repertório comportamental se a aprendizagem acontecer em uma relação de apoio e empatia.

Desse modo, Falcone (2006) aponta que, durante o processo psicoterapêutico, o terapeuta deve ter, além do conhecimento técnico, habilidades interpessoais como respeito, consideração, envolvimento e empatia. Essas habilidades contribuiriam para o estabelecimento e a manutenção de uma aliança terapêutica, podendo ser utilizadas conjuntamente com as técnicas para conduzir a mudança.

O estudo da relação terapêutica implicada no tratamento pode auxiliar o terapeuta na compreensão de problemas que surgem na terapia e que podem impedir o progresso terapêutico. De acordo com Beck (1997, 2007), essas dificuldades podem ocorrer em decorrência de várias causas, sendo uma delas a dificuldade do terapeuta em estabelecer uma aliança terapêutica. Nesse sentido, Safran e Segal (1990) ressaltam que um dos principais inibidores para a formulação de um bom vínculo não é somente o paciente, mas também o terapeuta. Alguns pacientes difíceis podem desencadear no terapeuta reações negativas, que, segundo os autores, são mais comuns do que se reconhece. Essas respostas podem ter um impacto nocivo na autoestima dos pacientes, impedindo o progresso terapêutico.

A dificuldade na manutenção do vínculo pode ocorrer especialmente em situações de conflito, nas quais as manifestações emocionais costumam se exceder e exigem um nível maior de autocontrole do terapeuta. Estudos sobre a sincronia emocional (Levenson & Ruef, 1997) demonstram que as mensagens não verbais refletem como a pessoa se expressa e contagiam o outro, promovendo respostas semelhantes. Segundo Preston e de Wall (2002), alguns circuitos neuronais que são ativados quando o indivíduo executa uma ação também são acionados quando ele percebe que outro realiza a mesma ação, o que parece explicar, a partir da neuropsicologia, o processo da sincronia emocional. Nesses momentos, uma postura empática promove efeitos positivos, sendo capaz de reduzir as queixas, a raiva e a probabilidade de rompimento. Por isso, em situações de conflito, é importante que o terapeuta procure compreender as razões do comportamento do paciente a fim de facilitar um diálogo de entendimento.

Pressupõe-se então que a dificuldade do terapeuta em manter uma postura empática pode, em determinados momentos da terapia, comprometer a aliança e, consequentemente, o progresso terapêutico. A literatura mostra que o fracasso empático e outros problemas na formação da aliança terapêutica são frequentes, até mesmo para terapeutas cognitivos experientes que dominam as técnicas (Beck, 1997, 2007, 2013).

Para Wright, Basco e Thase (2008), aprender a construir relações terapêuticas mais eficazes é um desafio, mesmo para aqueles que têm a capacidade pessoal de entender os outros e discutir assuntos emocionalmente carregados com sensibilidade, gentileza, serenidade e empatia. Quando o terapeuta já tem essas características, o caminho para se estabelecer uma boa aliança parece iniciado, mas os autores ressaltam a importância de se ampliar essa habilidade, a partir da experiência clínica, juntamente com a supervisão e a introspecção pessoal. Dessa forma, os autores apontam a importância do treinamento de profissionais no sentido de ampliar e potencializar suas habilidades, mas, para isso, é essencial que o psicólogo faça uma autorreflexão acerca de sua prática e da necessidade de desenvolvimento de aptidões interpessoais que propiciem a colaboração e o progresso do tratamento.

Judith Beck (1997, 2007) aponta algumas características que auxiliam na identificação de práticas terapêuticas que influenciam no estabelecimento e na manutenção de uma aliança e, consequentemente, no sucesso do tratamento. Para a autora, esses critérios estão relacionados à colaboração, ao feedback do paciente, à visão que o paciente tem da terapia e às reações do terapeuta (Beck, 2013).

Para se avaliar a colaboração, Beck (1997, 2013) sugere que seja investigado se o terapeuta age como uma equipe com seu paciente, assumindo o papel de guia. Isso acontece quando terapeuta e paciente tomam decisões conjuntamente sobre a terapia. Problemas na colaboração surgem quando os terapeutas são autoritários, arrogantes ou confrontadores. A avaliação do feedback do paciente refere-se ao quanto o terapeuta solicita, entende e aceita o feedback do paciente (Beck, 1997, 2013). Envolve também o quanto o terapeuta encoraja o paciente a se expressar. A visão que o paciente tem da terapia expressa a compreensão que o paciente tem da terapia e também do terapeuta. É importante que ele tenha uma imagem positiva, que acredite que a terapia irá ajudá-lo e que perceba o terapeuta como alguém competente, colaborativo e interessado (Beck, 1997, 2013).

As reações do terapeuta são avaliadas por meio de suas atitudes, investigando se mostra ao paciente que se importa com ele, se se sente competente para ajudá-lo e demonstra isso para o paciente (Beck, 1997, 2013). Além disso, considera se o terapeuta mantém uma visão realista e otimista de como a terapia pode ajudar. Nesse caso, problemas na aliança terapêutica são compreendidos como oportunidades para crescimento profissional.

Ao investigar esses critérios, o terapeuta terá condições de identificar possíveis problemas que estejam interferindo no bom andamento do tratamento, podendo então transformá-los em oportunidades para refinar suas habilidades de conceituação e planejamento, além de melhorar sua perícia técnica e sua aptidão para modificar a terapia de acordo com as necessidades específicas de cada paciente (Beck, 1997, 2013). A autora acrescenta, ainda, a importância de o terapeuta sempre monitorar seus pensamentos e seu humor em relação ao paciente, pois suas cognições podem interferir no processo de resolução dos problemas.

Para que as dificuldades no estabelecimento e na manutenção da aliança sejam identificadas, é importante que o terapeuta, além da autoavaliação embasada em seu conhecimento da abordagem, utilize instrumentos confiáveis que possam norteá-lo na identificação dos problemas. Observa-se atualmente uma diversidade de medidas psicométricas disponíveis para mensurar a aliança terapêutica (Elvins & Green, 2008; Horvath & Greenberg, 1994).

Na revisão de Elvins e Green (2008) e na metanálise desenvolvida por Horvath, Del Re, Flückiger e Symonds (2011), foram identificadas mais de 30 escalas sobre aliança terapêutica, sem contar suas versões reduzidas. Nos dois estudos, três instrumentos foram apontados como sendo os mais utilizados: o California Psychotherapy Alliance Scale (CALPAS), o Helping Alliance Questionnaire (Haq) e o Working Alliance Inventory (WAI). Hatcher e Barends (1996) realizaram uma revisão conceitual crítica desses três instrumentos e encontraram seis fatores comuns a essas escalas: colaboração, objetivos e tarefas, vínculo, relacionamento idealizado, paciente dedicado e ajuda recebida.

No cenário nacional, a revisão elaborada por Martins (2012) mostra o número reduzido de publicações brasileiras sobre instrumentos de avaliação da relação terapêutica. Este trabalho teve o intuito de ampliar o acervo de instrumentos de medida de fácil aplicação pelos clínicos e disponibilizar uma ferramenta importante para os terapeutas cognitivos brasileiros que, até então, não tinham um instrumento que avaliasse, da perspectiva do terapeuta, a aliança a partir de uma visão da psicologia cognitiva. O objetivo foi elaborar um inventário para avaliação da aliança terapêutica nessa abordagem teórica e realizar estudos psicométricos preliminares do instrumento. Além disso, com a aplicação do instrumento, buscou-se investigar a qualidade da aliança terapêutica dos psicólogos que participaram desta pesquisa.

 

MÉTODO

Participantes

Para a realização deste estudo, utilizou-se uma amostra não probabilística de especialistas, consistindo em 38 participantes (psicólogos especialistas em terapia cognitivo-comportamental - TCC). O estudo foi composto por duas etapas. Na primeira etapa, oito especialistas em TCC participaram de uma prova de juízes e, na segunda, 30 terapeutas cognitivo-comportamentais responderam ao Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica e um questionário de dados pessoais. Os juízes desta pesquisa eram quatro participantes do sexo feminino (50%) e quatro do sexo masculino (50%), com idade média de 37 anos (DP = 6,98; máx = 46; mín = 28) e formados em média há 13 anos (DP = 6,44; máx = 24; mín = 5).

A amostra da pesquisa na segunda etapa foi composta por 30 psicólogos especialistas em TCC, sendo 22 participantes do sexo feminino (73,3%) e 8 do sexo masculino (26,6%). Os psicólogos que participaram desta pesquisa tinham em média 35 anos (DP = 10,4; máx = 62; mín = 24) e 7,7 anos de formados, em média (DP = 4,9; máx = 17, mín = 3). Em relação à formação acadêmica, 65% concluíram apenas a especialização, 9% eram mestrandos, 24% finalizaram o mestrado e 3% eram doutores. Os participantes eram especialistas em TCC há três anos em média (DP = 1,9; máx = 7; mín = 1), e a maioria (68%) realizou estágio nessa abordagem durante a graduação. No que se refere à atuação, 59% dessa amostra de psicólogos atuam na área clínica; 6% trabalham em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); 3%, em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF); 6%, em ambulatório; e os outros 9% atuam em outras categorias.

Material

O Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica foi desenvolvido a partir dos pressupostos teóricos estabelecidos por Beck (2013) para o estabelecimento e a manutenção da aliança terapêutica. O instrumento investiga 29 afirmações relacionadas a quatro categorias, a saber: a) colaboração ativa com o paciente, b) feedback do paciente, c) visão que o paciente tem a respeito da terapia e d) reações do terapeuta. As respostas consistem em escala do tipo Likert, variando de nunca (1) até sempre (5). Essas categorias são apresentadas pela autora citada como características imprescindíveis do vínculo terapeuta-paciente.

Além disso, os participantes responderam aos seguintes dados para caracterização da amostra: sexo, idade, tempo de formação, tempo de conclusão da especialização em TCC, nome da instituição em que fez sua especialização. O Quadro 1 apresenta as afirmações que constituem esse Inventário e suas respectivas categorizações.

Procedimentos

Após a aprovação junto ao Comitê de Ética (Processo nº 09224312.9.0000.5152 - Anexo), realizou-se o contato com os psicólogos. O instrumento, a prova de juízes e o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foram informatizados e enviados via e-mail para os participantes. Esse procedimento é realizado por meio do recurso Google Docs, que permite a elaboração de questionários para uso online. Os contatos foram obtidos por meio da secretaria da pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia, responsável pela especialização em TCC da referida instituição.

Para a prova de juízes, foram convidados psicólogos especialistas em TCC que tivessem experiência clínica superior a cinco anos, sugerindo conhecimento na área. Na segunda etapa, 150 participantes foram convidados, via e-mail, a participar da pesquisa. Desses, apenas 30 aceitaram participar e, após receberem as informações sobre o objetivo da aplicação do Inventário, responderam aos instrumentos.

A versão online do TCLE foi enviada por meio de um link no e-mail dos participantes. É importante ressaltar que, com esse recurso, o participante preencheu o espaço destinado para o aceite da participação na pesquisa para então ter acesso aos demais instrumentos. O programa fornece, posteriormente, uma tabela que comprova a aceitação dos participantes, sem que haja qualquer identificação deles, garantindo, assim, que haja sigilo e confidencialidade.

Após receberem as informações sobre o objetivo da prova de juízes e assinarem virtualmente o TCLE, os participantes responderam à prova de juízes, que consistia em realizar a classificação das 29 afirmações contidas no Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica, segundo os critérios de Beck (1997), a saber: a) colaboração ativa com o paciente; b) feedback do paciente; c) visão que o paciente tem a respeito da terapia; e d) reações do terapeuta (Anexo). Em um segundo momento, 30 outros psicólogos responderam ao inventário, não havendo sobreposição de participantes nas duas etapas da pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Prova de Juízes

Para a análise dos resultados da prova de juízes, utilizou-se o índice de concordância Kappa. Os resultados obtidos apontam uma concordância geral adequada (κ = 0,75), sendo que o índice κ com valores entre 0,60 e 0,80 é considerado bom (Mineo et al., 2009). Dessa forma, a avaliação dos juízes revelou que o Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica apresentou um grau de concordância entre juízes além do que seria esperado pelo acaso. Em outras palavras, observa-se que o procedimento de validade do instrumento foi feito por juízes que concordaram acerca do pertencimento dos itens às referidas categorias.

A análise do índice Kappa por categoria mostrou que todas apresentaram um índice de concordância bom (entre 0,60 e 0,80), sendo que as categorias "Colaboração" e "Reações do Terapeuta" apresentaram concordância maior (0,747 e 0,741, respectivamente) (Tabela 1).

A estatística Kappa é uma medida de concordância que fornece uma ideia do quanto as observações se afastam daquelas esperadas, indicando, assim, o quão legítimas as interpretações são. Dessa forma, observou-se uma concordância boa entre os juízes nesse Inventário, aplicado para avaliar a aliança terapêutica, indicando a validade deste instrumento. Observa-se, com esses índices, que os juízes concordam que a escala realmente mede o que pretende medir - os fatores que compõem a relação terapêutica.

Observa-se que vários autores, ao longo das últimas quatro décadas, têm desenvolvido escalas com o objetivo de mensurar a aliança terapêutica, ultimamente considerada tão importante para a explicação dos resultados do tratamento. Mundialmente, os instrumentos mais utilizados para avaliação da aliança são: o CALPAS, o Haq e o WAI. No Brasil, a revisão elaborada por Martins (2012) mostra a inexistência de um instrumento de avaliação da aliança terapêutica elaborado especificamente para a população brasileira. O WAI, que tem sido o instrumento de avaliação da aliança mais utilizado no País, tem uma versão autorizada em português (Portugal), produzida por Machado e Horvath (1999).

Neste trabalho, optou-se por construir um instrumento e não adaptar os que já existem pelo fato de o Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica estar baseado nos fatores que a abordagem beckiana considera importantes para o entendimento da aliança terapêutica, utilizando para tanto os pressupostos de Beck (1997). Além disso, esse instrumento enfatiza a perspectiva do terapeuta sobre a aliança terapêutica, permitindo ao profissional corrigir possíveis entraves da terapia em função de inadequações percebidas em sua atuação com um dado cliente. Os demais instrumentos utilizados atualmente têm outros embasamentos teóricos, como a visão psicanalítica de Bordin, presentes em inventários como o WAI e o Haq.

Alpha de Cronbach do Inventário Cognitivo-comportamental de Avaliação da Aliança Terapêutica

A fim de estudar preliminarmente as propriedades psicométricas do instrumento, buscou-se determinar o alpha de Cronbach da escala para essa amostra. O valor de α = 0,853 encontrado indicou um coeficiente de fidedignidade considerado muito superior ao esperado para amostras de 25 a 50 participantes, que, segundo Davis (1964), deve ser superior a 0,5. Se tomarmos como critério Murphy e Davidshofer (1988), que consideram coeficientes de fidedignidade elevados aqueles valores entre 0,8 a 0,9, podemos afirmar que o valor do α obtido nessa amostra é elevado.

Os inventários CALPAS, Haq e WAI também apresentam índices de consistência interna elevados (Gaston & Marmar, 1994; Horvath & Greenberg, 1989; Luborsky et al. 1996). Os valores alpha do CALPAS variam entre 0,95 e 0,9; o Haq, de 0,9 a 0,94; e o WAI tem o alpha igual a 0,93. Esses valores correspondem às versões elaboradas para avaliar os terapeutas, já que essas escalas têm também a versão para clientes.

Os coeficientes alpha de Cronbach para as categorias que compõem o instrumento foram de 0,82 (fator colaboração), 0,62 (fator feedback), 0,29 (fator reações do terapeuta) e 0,80 (fator visão do paciente). Os resultados mostram que os valores de alpha para colaboração e visão do paciente são ótimos, o alpha de feedback é considerado bom e o coeficiente do fator reações do terapeuta é considerado ruim segundo os padrões estabelecidos por Murphy e Davidshofer (1988). O alpha ruim do fator reações do terapeuta pode ser explicado pela grande dispersão das respostas em itens que avaliavam essa categoria. Observa-se que alguns participantes apresentaram pontuações baixas, demonstrando dificuldade em relação às práticas que envolvem esse fator. Contudo, alguns psicólogos parecem conseguir manter reações terapêuticas condizentes com o que é esperado, o que está evidenciado na baixa consistência interna das respostas nessa categoria.Evidencia-se, ainda, que, apesar de apresentar uma consistência interna baixa, o fator tem média de concordância razoavelmente alta entre os juízes. Uma possível explicação para isso pode ser o fato de a amostra ter características semelhantes nesse aspecto. Segundo Hayers (1995), a obtenção de medidas de alta confiabilidade baseia-se em medidas de uma amostra de pessoas heterogêneas em relação ao conceito que está sendo medido. Pesquisas com amostras probabilísticas aleatórias poderiam investigar esses dados.

Análise descritiva do Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica

Os dados do Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica foram processados no aplicativo estatístico SPSS 18.0 (Statistical Package for the Social Sciences) e por meio dos recursos do Google Docs. Foram calculadas as médias e os desvios padrão das respostas, buscando-se obter uma descrição quantitativa dos escores da amostra nesse instrumento, como pode ser observado na Tabela 2. Além disso, a partir dos gráficos elaborados automaticamente pelo Google Docs, foi possível verificar a porcentagem das respostas para cada item.

A análise das médias das respostas do Inventário, nessa amostra de terapeutas, mostrou que os itens que avaliam colaboração (item 3), feedback (itens 7, 10) e visão que o paciente tem da terapia (item 27) apresentaram pontuação média mais elevada (M=4,7, 4,8; 4,7; 4,7, respectivamente). Por sua vez, três itens que apresentaram pontuação média considerada baixa (por apresentarem média inferior ao ponto médio da escala Likert, que é igual a 3) são relacionados ao fator reações do terapeuta (item 12: M= 2,0; item 13: M= 2,7; item 21: M= 2,8) (Tabela 2).

De maneira geral, todas as médias da amostra estão acima do ponto médio da escala Likert de respostas, o que parece demonstrar que os psicólogos dizem estar aplicando "quase sempre" as práticas clínicas que envolvem o estabelecimento e a manutenção da aliança terapêutica, apresentando maior dificuldade no que se refere às reações do terapeuta diante das vivências terapêuticas. O modelo teórico de aliança terapêutica proposto por Bordin (1979) apresenta três dimensões: metas (foco conjunto de terapeuta e cliente sobre os objetivos do tratamento), tarefa (atividades realizadas pelo terapeuta em conjunto com o cliente para propiciar mudanças) e vínculo (sentimentos propiciados pela relação entre terapeuta e cliente). Observa-se que o fator colaboração do Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica envolve as dimensões tarefa e metas (propostas por Bordin), por descrever as atividades que terapeuta e cliente realizam em conjunto. Além disso, os fatores visão do cliente, feedback e reações do terapeuta avaliam fundamentalmente os pressupostos básicos do estabelecimento do vínculo terapêutico.

Mais de 90% das respostas dos participantes a itens como "Eu encorajo o paciente a expressar seus pensamentos na sessão" - item 7; ou "Eu encorajo o paciente a expressar suas emoções na sessão" - item 10; foram avaliadas como ações que o terapeuta "quase sempre" ou "sempre" realiza. O motivo pode estar associado ao fato de o conteúdo dos itens referir pressupostos básicos da TCC, como a expressão de pensamentos, emoções e comportamentos na sessão, além da verificação de pensamentos automáticos e do embasamento lógico para as tarefas de casa. Parece, então, que os especialistas em TCC acreditam que têm conseguido colocar em prática o que se refere às variáveis definidoras da abordagem.

Outros itens também se acumulam nas pontuações mais altas, mas não parecem estar associados a ideias definidoras da TCC. Em itens como "Eu me importo com o paciente e transmito meu interesse para ele" - item 1, "Tanto eu como meu paciente somos responsáveis pelo progresso terapêutico" - item 3, 100% dos participantes afirmaram que agem "quase sempre" ou "sempre" dessa maneira. A análise desses itens mostra como os terapeutas têm percebido sua postura diante do paciente, que parece estar associada ao interesse pelo outro. Contudo, como não avaliamos a percepção dos pacientes, não é possível saber se de fato o paciente percebe o interesse transmitido pelo terapeuta. Segundo Oliveira e Benetti (2015), a aliança terapêutica envolve aspectos conscientes e racionais da relação, por meio da colaboração entre paciente e terapeuta.

Alguns estudos têm demonstrado que a avaliação da aliança terapêutica do cliente difere da avaliação do terapeuta. Embora a maioria dos terapeutas se julgue capaz de avaliar acuradamente a qualidade dos seus relacionamentos com seus clientes, evidências sugerem que as visões dos clientes e dos terapeutas sobre a aliança divergem (Horvath & Bedi, 2002). Além disso, os autores ressaltam que a visão do cliente é a que tende a prever o resultado do tratamento. Orlinsky e colaboradores (1994) relatam que a avaliação do cliente de que o terapeuta é empático e estabelece um bom relacionamento terapêutico está positivamente correlacionada com a recuperação clínica em 34 de 47 estudos revisados por eles.

Dessa forma, uma investigação mais detalhada, que envolvesse a avaliação dos clientes, seria interessante para que as respostas dos participantes dessa pesquisa fossem contrapostas. Outra possibilidade para avaliar a lacuna entre a visão do cliente e a do terapeuta seria a gravação das sessões, que poderia ser submetida à análise posterior de juízes experts no assunto. Assim, seria possível avaliar se, de fato, as respostas condizem com o que é colocado em prática, ou com o que é percebido pelos clientes.

Alguns itens do Inventário ilustram as dificuldades que podem estar presentes na prática profissional dos participantes. Ao item 5, "Eu peço o feedback do paciente sobre a sessão", 23% responderam "quase nunca"; 10% responderam "às vezes"; 37% responderam "quase sempre"; e 30% responderam "sempre". Os resultados mostram que muitos participantes não solicitam o feedback de seus clientes com frequência. No estudo de Bandeira e colaboradores (2006), o ato de "solicitar ao outro suas impressões sobre o trabalho que está sendo realizado" aparece como um dos menos frequentes entre os psicólogos que participaram da pesquisa.

A estimulação do feedback fortalece o vínculo e transmite a mensagem de que o terapeuta se importa com o que o paciente pensa (Beck, 2013). Beck (2007) elucida que, ao solicitar o feedback, o terapeuta dedica um tempo para que o paciente possa refletir sobre importantes conteúdos e processos da terapia, podendo avaliar o terapeuta nas áreas de atenção e competência. Além disso, trata-se de um momento para expressar algum mal-entendido que possa ter ocorrido, dando oportunidade ao terapeuta de esclarecê-lo. Esse aspecto já era considerado por Rogers (1975), que mencionava a importância de se verificar com o outro a correção de suas percepções e deixar-se guiar pelas suas respostas, o que seria para o autor o componente comportamental da postura empática. Para Beck (2007), informações valiosas podem ser obtidas nesse momento, particularmente se o terapeuta reconhece o quanto é importante receber feedback positivo e também negativo quando o paciente acha que o terapeuta poderia ser mais útil.

A dificuldade em solicitar essa opinião pode estar associada ao fato de alguns pacientes terem dificuldade em se expor. Nesse caso, Beck (2007, 2013) sugere que esse processo seja feito por meio de um formulário, aumentando a probabilidade de que ocorram feedbacks sinceros, o que pode não acontecer quando se usa a forma verbal. Outra possibilidade é a de que o psicólogo tenha receio de receber um feedback negativo. Del Prette, Del Prette e Castelo Branco (1992) realizaram um estudo com estudantes de psicologia, demonstrando as principais dificuldades que tinham na interação social. Os autores identificaram que as situações consideradas mais críticas pelos estudantes eram aquelas que envolviam uma reação ao comportamento indesejável do outro. A dificuldade para responder a essas reações pode ser um dos motivos que justificam a pouca solicitação de feedbacks pelos psicólogos desta pesquisa, o que poderia ser resolvido por treinamentos específicos em habilidades sociais.

Alguns itens demonstram a dificuldade do terapeuta em estabelecer um trabalho conjunto com o paciente. Esses itens referem-se às ideias de tomar decisões, distribuir o tempo dos itens do roteiro e negociar tarefas de casa conjuntamente, e apresentaram uma distribuição maior das respostas. No item 9, "Eu e meus pacientes tomamos decisões terapêuticas conjuntamente", 23% dos participantes disseram que "às vezes" tomam decisões conjuntamente com o paciente; 40% o fazem "quase sempre"; e 37%, "sempre". No item 11, "Eu e meus pacientes decidimos juntos como distribuir o tempo para cada item do roteiro", há uma dispersão nas respostas ainda mais ampla: 23% dos participantes dizem que "quase nunca" decidem junto com o paciente como distribuir o tempo para os itens do roteiro; 13% afirmaram "às vezes"; 40% disseram "quase sempre"; e 23%, "sempre". O item 16, "Eu e meus pacientes negociamos as tarefas de casa juntos", mostra que 3% dos participantes "quase nunca" negociam junto com o paciente; 13% o fazem "às vezes"; 40%, "quase sempre"; e 43%, "sempre". Os resultados apontam que a maioria dos participantes parece ser colaborativa "quase sempre" ou "sempre", mas alguns demonstram alguma dificuldade na tomada de decisão conjunta com seus pacientes.

Beck (2007) menciona que esses problemas na colaboração podem ocorrer por erro do terapeuta ou podem estar relacionados às percepções do paciente sobre o comportamento do terapeuta. Alguns psicólogos, mesmo sem perceber, podem demonstrar arrogância, autoritarismo ou confrontação, determinando o andamento da sessão e das tarefas para a casa. Por sua vez, alguns pacientes podem ser o que Beck (2007) chama de "desafios" e não colaborar facilmente para que ambos cheguem a um acordo.

Problemas na formação ou no treinamento dos psicólogos também podem dificultar que o trabalho psicoterapêutico seja realizado de maneira conjunta entre terapeuta e paciente. Para que a terapia ocorra de forma colaborativa, é necessário que o profissional tenha flexibilidade e experiência para se adaptar a situações nas quais o paciente discorde de sua conduta, por exemplo, na escolha de uma técnica ou tarefa de casa. Observa-se que a amostra deste trabalho não é constituída de muito profissionais experientes, já que metade tinha menos de três anos de experiência com a abordagem (tempo de conclusão da especialização), o que pode contribuir para a explicação dos resultados.

Contudo, em alguns momentos pode ser interessante para o progresso terapêutico não estruturar a sessão. O nível de estruturação pode ser diminuído caso o terapeuta perceba a necessidade de deixar a sessão fluir de forma mais livre. Isso pode acontecer quando as informações que o paciente está relatando, mesmo que em um momento inoportuno, são importantes; quando um assunto abordado no início da terapia, antes de se estabelecer a agenda, envolve crenças centrais ativadas; ou mesmo quando um relaxamento é necessário para que o paciente esteja pronto para a solução de problemas (Beck, 2007).

Os pensamentos negativos sobre alguns pacientes aparecem como outra dificuldade dos psicólogos, já que 30% dos participantes disseram ter essa experiência "às vezes" ou "quase sempre". Itens como "Eu tenho pensamentos negativos sobre alguns pacientes", "Eu tenho pensamentos negativos sobre minha competência em relação a alguns pacientes" e "Se tenho, avalio e respondo os pensamentos negativos sobre os pacientes." (itens 12, 13 e 14) mostram que 46% da amostra disse ter pensamentos negativos sobre sua competência em relação a alguns pacientes ("às vezes" = 30%, "quase sempre" = 13%, e "sempre" = 3%). Além de terem esses pensamentos, 60% dos participantes demonstraram que nem sempre avaliam e respondem a esses pensamentos.

As reações disfuncionais ocorrem especialmente com pacientes que representam um desafio. Quando essas reações são percebidas como naturais e não envolvem culpa, geralmente são solucionadas pelos terapeutas por meio de estratégias de resolução de problemas. Segundo Leahy (2001), o problema surge quando os psicólogos mantêm expectativas irreais ("Eu nunca devo ter sentimentos negativos em relação aos pacientes"), ou quando criticam a si próprios por terem reações negativas ("Isso mostra que eu não sou um bom terapeuta"). Nesse sentido, Beck (2007) sugere uma série de estratégias que podem ser empregadas quando o terapeuta percebe que existe um problema na sua relação com o paciente: a) melhorar sua competência por meio de leitura, vídeos ou treinamento adicional; b) responder às suas cognições (reagindo às cognições negativas, por exemplo, a partir de respostas alternativas); c) desenvolver expectativas realistas para si mesmo e para os pacientes, identificando expectativas muito altas ou muito baixas que podem gerar reações inadequadas; d) moderar o nível da expressão da empatia, o que geralmente aparece de forma insuficiente; e) estabelecer limites adequados; f) dar feedback para o paciente, com o intuito de melhorar a aliança terapêutica e oferecer uma oportunidade de aprendizagem para os pacientes, para que possam melhorar seus relacionamentos fora da terapia; g) melhorar o autocuidado, o que envolve a organização da agenda para que os atendimentos mais difíceis tenham um momento para preparação mental e emocional, e um período após a sessão para reflexão - pode ser conveniente também acrescentar diariamente exercícios de relaxamento e meditação; h) encaminhar o paciente quando ambos, terapeuta e paciente, julgam que seja a melhor decisão, tendo sempre o cuidado de que houve um fechamento positivo.

Essas dificuldades, quando não identificadas, podem gerar problemas na aliança terapêutica e, consequentemente, no progresso do tratamento. Discrepâncias entre as percepções do terapeuta e do cliente sobre a aliança podem refletir em rupturas desse vínculo, o que deve ser abordado como um problema na sessão. Para Oliveira e Benetti (2015), identificar e compreender os fatores associados a esses fenômenos são passos fundamentais para evitar que ocorra uma ruptura da aliança terapêutica e a desistência prematura do tratamento. Nesse sentido, a utilização de instrumentos que avaliem como os terapeutas e os clientes percebem a relação seria eficaz para a identificação de possíveis rupturas que poderiam passar despercebidas (Horvath & Bedi, 2002).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica, elaborado nesta pesquisa, contribuiu para a compreensão da natureza da relação terapêutica, na perspectiva do terapeuta que atua em TCC, além de disponibilizar um instrumento que tem por objetivo avaliar a aliança terapêutica por meio do olhar do psicólogo cognitivo-comportamental. Martins (2012) ressalta que o interesse por pesquisar escalas de aliança terapêutica no cenário nacional ainda é bastante incipiente e identifica a inexistência de uma escala elaborada para amostras brasileiras, o que amplia a importância deste instrumento.

Diante da quantidade restrita de participantes, esta investigação tem apenas um caráter exploratório. Novos estudos serão necessários com o objetivo de validar e aprimorar o Inventário Cognitivo-comportamental para Avaliação da Aliança Terapêutica, por exemplo, a partir de uma análise fatorial exploratória e confirmatória. Além disso, seria interessante que o instrumento fosse ampliado de forma a abranger a percepção do cliente sobre a relação terapêutica. Sugere-se, ainda, que novas pesquisas sejam realizadas com o intuito de identificar se psicólogos de outras perspectivas da TCC, como a terapia de esquemas, de Young, a psicologia construtivista, ou a terapia dialética, entre outras, avaliariam a aliança terapêutica da mesma forma que essa amostra voltada para a abordagem beckiana.

No que se refere às implicações para a prática profissional, observa-se que esta pesquisa pode colaborar para a psicologia clínica, especialmente para os psicólogos da abordagem cognitivo-comportamental, disponibilizando um instrumento de avaliação do vínculo terapêutico que pode tornar a prática de autoavaliação e aprimoramento mais comum entre os profissionais da psicologia.

 

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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 01 de março de 2015. cod. 339.
Artigo aceito em 26 de outubro de 2016.
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