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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.11 no.2 Rio de Janeiro dez. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20150014 

ARTIGOS DE REVISÃO

 

Terapia focada nas emoções e processos de mudança em psicoterapia

 

Emotion-focused therapy and the processes of change in psychotherapy

 

 

Marco Aurelio Mendes

Psicólogo, mestre em Ciências pela UFRJ, psicoterapeuta certificado pela FBTC, professor do Instituto WP, professor e supervisor de Psicologia do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL-RJ), Diretor do NUNAP - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A terapia focada na emoção é um modelo de psicoterapia neo-humanista e experiencial. Ela se baseia na aplicação da empatia no contexto terapêutico e na utilização de procedimentos vivenciais deflagrados por marcadores específicos observados durante as sessões. O modelo tem como objetivo central a reestruturação dos esquemas emocionais apresentados pelo cliente, possibilitando, assim, a formação de um novo sentido do self e do sistema de significados pessoais. O presente trabalho faz uma breve revisão sobre o campo das emoções e sobre o consenso que vem emergindo a partir dos estudos neurocientíficos das últimas décadas. Os pressupostos teóricos da terapia focada na emoção também serão apresentados devido à importância crescente do enfoque emocional nos consultórios e à escassez de literatura sobre o tema em português. Foi realizada revisão teórica dos principais autores e publicações, bem como a descrição de algumas intervenções ocorridas no atendimento de um caso clínico, a partir das concepções propostas pelo modelo. Mesmo sem aderir totalmente ao modelo da terapia focada na emoção, conhecer as intervenções específicas pode ser extremamente útil aos terapeutas cognitivos, sobretudo quando a intervenção tradicional não consegue beneficiar adequadamente o cliente.

Palavras-chave: Psicoterapia; Emoções; Revisão


ABSTRACT

Emotion-Focused Therapy is a neohumanistic and experiential psychotherapy, based on the application of empathy in the therapeutic context combined with experiential interventions triggered by specific markers observed during sessions. The core goal of this model is the restructuring of client's emotional schemes, creating personal meanings and a new sense of Self. This work makes a brief review about emotions and the consensus that emerged from neuroscientific studies in the last decades. The theoretical assumptions of Emotion-Focused Therapy will also be presented due to the growing importance of emotional-focus approach in psychotherapist's offices and the scarcity of literature on this topic in Portuguese language. A review of the main authors and publications was conducted, as well as the description of some interventions that occur in psychotherapy when using Emotion-Focused Therapy approach.

Keywords: Psychotherapy; Emotions; Review


 

 

INTRODUÇÃO

A partir dos anos de 1990, diferentes modelos de psicoterapia vieram se juntar às abordagens cognitivo-comportamentais já consagradas, no movimento chamado "terceira onda das terapias cognitivas". Esses modelos, apesar de compartilhar dos pressupostos básicos da terapia cognitivo-comportamental (TCC) proposta por Aaron Beck, são considerados mais integrativos, com maior destaque aos aspectos emocionais da experiência, buscando também o diálogo e a inclusão de técnicas e procedimentos de outras abordagens (Melo, 2014; Mendes & Falcone, 2015).

A terapia focada na emoção (TFE) vem sendo desenvolvida nos últimos 30 anos por Leslie Greenberg e colaboradores, sendo reconhecida pela Associação Americana de Psicologia (APA) (Society of Clinical Psychology, 2016) como uma terapia baseada em evidências para depressão, revelando também evidências de eficácia no tratamento de traumas complexos (Paivio & Pascual-Leone, 2010), transtorno de ansiedade social (Shahar, 2013), transtornos alimentares (Robinson, Dolhanty, & Greenberg, 2015), bem como em conflitos familiares e de casais (Goldman & Greenberg, 2015).

A TFE destaca-se por seu caráter integrativo, sendo um modelo de psicoterapia desenvolvido a partir da aplicação de princípios humanistas, fenomenológicos e construtivistas, com ênfase na relação terapêutica, na empatia e em intervenções vivenciais guiadas por marcadores específicos observados durante as sessões. Tem como objetivo principal a reorganização do sistema de significados do paciente a partir de processos experienciais e relacionais desenvolvidos para acessar as emoções (Greenberg, 2010a).

Apesar de não ser considerada um modelo de terceira onda, a TFE pode contribuir com o trabalho do clínico cognitivo-comportamental sobretudo com clientes que não se beneficiam das intervenções clássicas da TCC. Há escassez de literatura sobre TFE no Brasil, sendo o objetivo deste artigo descrever os fundamentos teóricos e algumas intervenções, relatando brevemente um caso clínico.

 

EMOÇÕES

Apesar da existência de diversas teorias e discussões, existe, atualmente, um certo consenso sobre alguns aspectos definidores do que é uma emoção. As emoções fazem parte do mais importante sistema de processamento de informação dos organismos e tiveram origem na história evolutiva das espécies, trazendo vantagens de sobrevivência. São processos determinados biologicamente, mas que podem adquirir novos significados a partir da interação com o ambiente. No caso do homem, as experiências pessoais e a cultura são fatores importantes para moldar as emoções (Tooby & Cosmides, 2008; Stets & Turner, 2008).

A ideia de um conjunto complexo de reações químicas e neurais que formam um padrão diferente do habitual, da linha de base do organismo, emerge em diversas teorias. Isso fica claro nas emoções que envolvem grande excitabilidade (Damasio, 1994). Além das reações fisiológicas, a emoção tem características motivacionais ou tendências para a ação, indicando que algo importante acontece e precisa ser observado, bem como que mudanças no organismo ou na sua relação com o ambiente podem ser necessárias para lidar melhor com a situação. O contexto ou avaliação é outro aspecto a ser destacado, pois podem ocorrer reações fisiológicas parecidas em situações diversas, com a análise do contexto permitindo a classificação da emoção com um determinado rótulo. A emoção também tem características externas que podem ajudar terceiros a identificarem-na a partir da observação, apesar de essa expressão poder ser regulada de certa forma pelo indivíduo (Le Doux,1996; LeDoux & Phelps, 2008; Damasio, 1994).

As emoções são cruciais para a solução rápida de problemas, para a comunicação interpessoal e para a sobrevivência. Sendo assim, elas surgem a partir do processamento da informação relacionado à análise automática e involuntária. A emoção do medo é um bom exemplo. Uma vez ativados os circuitos neurais em áreas cerebrais específicas relacionadas a essa emoção, como a amígdala, uma cascata de respostas neuroquímicas se inicia, gerando diversas reações fisiológicas. No processamento automático, todos os mecanismos necessários para a emoção podem ser acionados automaticamente, sem uma reflexão consciente (Damasio, 1994, 2010; LeDoux & Phelps, 2008). Os processos que desencadeiam uma reação emocional podem iniciar sem que se tenha conhecimento consciente do indutor da emoção. Podemos perceber, por exemplo, um estado de angústia ou felicidade, mesmo que não saibamos o porquê desse estado, que pode ser tanto uma alteração química do corpo causada por fatores diversos, como, por exemplo, dieta, clima ou uma imagem que tinha potencial para ser consciente, mas não o foi. Assim, as emoções podem parecer imotivadas pelo fato de terem sido induzidas de maneira inconsciente (Damasio, 2010; Greenberg, 2010a; LeDoux & Phelps, 2008; Panksepp, 2008).

Além do processamento automático, as emoções humanas são impactadas pela capacidade de avaliação cognitiva por meio dos processos reflexivos e pela capacidade de inferir, de fazer previsões, de pensar e de racionalizar. De acordo com a história evolutiva, o organismo humano foi ganhando cada vez mais complexidade, com outros neurônios se interpondo entre o estímulo e a resposta, resultando na emaranhada e complexa rede neural atual. O que garante, porém, a possibilidade de pensar sobre algo é a capacidade de transformar as representações neurais em imagens e linguagem, de forma que possamos interpretar e manipular, permitindo-nos fazer escolhas e previsões das consequências das situações e ações (Damasio, 2010). Podemos, portanto, sentir emoções quando pensamos sobre o passado e sobre o futuro, bem como quando fazemos críticas e elogios a nós mesmos e a terceiros.

A vivência das experiências tem sempre algum colorido emocional. Diferentemente de outras espécies, não somos necessariamente dominados pelas emoções. Podemos experienciar, refletir e criar novos significados. Isso é o que nos faz humanos e não simplesmente máquinas programadas para a ação quando as emoções nos despertam, fazendo com que possamos até agir de forma contrária ao que estas nos indicam (Damasio, 2010).

Como seres sociais, as ideias centrais que temos a respeito de nós mesmos, do mundo, de como somos capazes de enfrentar as situações, têm um tom emocional específico para cada indivíduo, sendo temas dos quais emanam fortes emoções. As emoções também nos informam sobre os laços entre os indivíduos, a possibilidade de ruptura e aproximação, comunicando rapidamente nossas necessidades e objetivos, auxiliando também a regular o comportamento de terceiros (Greenberg, 2002, 2004, 2010b).

As emoções na TFE

Para a TFE, mais do que algo racional ou irracional, as emoções são o grande sistema de construção de significados das experiências, sendo, portanto, fundamentais para o sentido do self e da auto-organização. São elas que adicionam qualidades e promovem a sobrevivência e o bem-estar, informando que algo importante está acontecendo. O medo sinaliza sobre o perigo; a raiva ajuda na proteção, no estabelecimento de fronteiras e na remoção de obstáculos; a tristeza, a simbolizar perdas, a comunicar necessidades; e o prazer indica que existe algo que pode oferecer enorme recompensa, levando então à aproximação com o objeto/situação. Cada emoção define uma forma de relacionamento do organismo com o ambiente, com outro organismo e também com o próprio organismo (Elliot, Watson, Goldman, & Greenberg, 2004; Friedrickson, 2001; Greenberg, 2002).

As emoções provenientes dos processos automáticos promovem, portanto, a primeira avaliação dos eventos. Depois de sentirmos uma emoção, podemos avaliar se devemos segui-la ou transformá-la, realizando uma síntese entre os processos automáticos e reflexivos. Porém, nem sempre conseguimos mudar as nossas emoções por meio de pensamentos mais realistas e racionais (Greenberg, 2004).

Precisamos colocar as emoções em perspectiva, pois elas nos dão indicativos do que está acontecendo e do que realmente é importante em nossas vidas. É por isso que buscamos emoções que nos deem prazer e evitamos as que nos afetam de forma desprazerosa. Essa qualidade é também a fonte principal de energia que nos move para as relações interpessoais e para a conquista de nossos sonhos e objetivos. Uma vida sem emoções, portanto, é uma vida desprovida de sentido (Mendes & Falcone, 2014).

Classificação das emoções segundo a TFE

A TFE distingue as emoções em quatro tipos de respostas: primárias adaptativas, primárias desadaptativas, secundárias e instrumentais.

Primárias adaptativas - São fundamentais para a sobrevivência do organismo, preparando-o para a ação e auxiliando-o a lidar rapidamente com as situações, sendo respostas diretas, úteis e passageiras. Assim que o estímulo ou a situação deixa de ser importante, a emoção também cessa. Exemplos de emoções primárias são: a raiva em uma situação na qual necessitamos nos defender, envolvendo uma disposição para a ação e o medo quando precisamos evitar o perigo e, assim, sair de determinado lugar. As emoções primárias adaptativas, portanto, nos ajudam e devem ser seguidas pela sua capacidade em organizar as nossas ações (Greenberg, 2002, 2010a; Timulak, 2015).

Primárias desadaptativas - Estão baseadas na história do indivíduo, a partir de vivências traumáticas e aprendizagens passadas. A TFE postula a existência de estruturas de memória que sintetizam elementos afetivos, cognitivos e comportamentais de forma rápida e automática, relacionadas aos mecanismos implícitos, inconscientes e idiossincráticos, formando a base da organização do self. Essas estruturas, denominadas esquemas emocionais (emotional scheme), são o resultado da síntese entre as respostas emocionais inatas e as experiências pessoais, em uma espécie de memória emocional. Uma vez formadas, elas organizam as experiências e impõem significados às situações, se expressando como uma emoção básica (Greenberg, 2010b; Timulak & McElvaney, 2015).

As emoções contidas nos esquemas emocionais (primárias desadaptativas) são ativadas quando o organismo identifica alguma semelhança entre as situações ou relações atuais a algo que já aconteceu anteriormente. Passamos a reagir com medo a um animal feroz, mas podemos também temer ser íntimos com alguém, caso nossos vínculos mais básicos tenham sido recorrentemente inseguros. Apesar de automáticas, elas não auxiliam na solução de problemas, sendo geralmente acompanhadas de forte ativação emocional, pensamentos catastróficos e desqualificantes (Greenberg, 2002, 2004; 2010a). Entre as emoções primárias desdaptativas mais comuns estão o medo incapacitante, a raiva destrutiva e a vergonha congelante (Greenberg, 2010b). Os esquemas emocionais, portanto, trazem, subjacente a eles, as dores emocionais centrais referentes às necessidades emocionais não atendidas, especialmente no que se refere às relações de apego, como afeto, carinho, proteção e segurança (Timulak, 2015).

A síntese resultante da presença dos diversos esquemas emocionais é o que leva os indivíduos a construírem as organizações complexas do self, que estão em um processo dinâmico e permanente de construção (Elliot et al., 2004). É clara a sobreposição entre o conceito de esquemas emocionais da TFE e o de esquemas desadaptativos remotos da terapia do esquema (TE). A TFE é considerada por Young uma das principais fontes de influência do modelo da TE (Young, Klosko, & Weishaar, 2003).

Secundárias - Podem ser consideradas como defesas ou disfarces, derivando da impossibilidade dos indivíduos aceitarem as emoções primárias em função de seu impacto emocional doloroso, reagindo contrariamente e, assim, substituindo-as por outras emoções, transformando a emoção original (Elliot et al., 2004; Greenberg, 2002). Exemplos de emoções secundárias podem ser a raiva erguida como proteção da tristeza e o medo como proteção da raiva. Podemos também ter emoções secundárias por nos sentirmos de determinada forma, como experienciarmos raiva por nos sentirmos fragilizados e vulneráveis (Greenberg, 2002). As emoções secundárias podem acontecer também em resposta às cognições, como a ansiedade decorrente de preocupações excessivas. Costumam ser expressas em tom de acusação ou culpa, como queixas, reclamações, desesperança, resignação e ressentimento (Shahar, 2014).

Instrumentais - São formas que o indivíduo encontra para obter o que deseja, como demonstrar raiva para intimidar os demais ou tristeza para atrair a atenção (Elliot et al., 2004).

Fontes da disfunção emocional

Como já descrito, nem sempre as emoções seguem um caráter essencialmente adaptativo. Muitas vezes, a reação emocional pode ser desproporcional às situações, ou aspectos avaliados como simplórios para a maioria das pessoas serem significados como ameaçadores. A TFE considera que a disfunção emocional é proveniente de quatro fontes principais: a já referida presença de esquemas emocionais, a ausência de awareness, a incapacidade de regulação emocional e problemas na construção da narrativa emocional e do significado (Greenberg, 2010b; Goldman & Greenberg, 2015).

A ausência de awareness é a incapacidade de simbolizar a experiência corporal. Apesar de o corpo ser o "palco" das emoções, alguns indivíduos não conseguem perceber a repercussão destas e acabam perdendo a capacidade de integrar as emoções às suas experiências. Essa capacidade também pode ser perdida em função de processos evitativos generalizados. Como exemplo de emoções que costumam ser evitadas ou não simbolizadas, temos a raiva e a tristeza. Já a incapacidade de regulação emocional está presente não apenas nos indivíduos que sobrerregulam (controlam a emoção excessivamente), perdendo, assim, a capacidade informativa da emoção, mas também naqueles que sub-regulam a emoção (e se sentem invadidos e inundados por ela). A narrativa desorganizada e traumática sobre o self, os outros e o ambiente é outra fonte importante de dificuldades emocionais (Goldman & Greenberg, 2015).

A prática clínica

Diante da lógica imposta de tratamentos rápidos, pragmáticos, muitas vezes sintomáticos, e da redução das dificuldades emocionais a uma perspectiva química ou genética, o interesse do público e dos profissionais pela perspectiva humanista tem diminuído (Joy & Neufeld, 2007). A TFE vem buscando conjugar uma visão contemporânea e neurocientífica dos processos emocionais sem perder as características mais marcantes da psicologia humanista. Dessa forma, as emoções que incomodam os indivíduos não são consideradas como algo apenas disfuncional, que precisa ser controlado, suprimido ou racionalizado, mas sim como um importante sistema de significados. As dificuldades emocionais, porém, assim como na perspectiva humanista, continuam sendo vistas como emergindo a partir da supressão da saúde e da ausência das experiências de crescimento e validação do indivíduo (Elliot et al., 2004; Greenberg, 2002).

Contrariamente à TCC, que prioriza o insight cognitivo, a racionalização, os experimentos comportamentais e as tarefas de casa, a TFE valoriza as experiências emocionais, a relação terapêutica e a formação de novos significados dentro do setting terapêutico como os componentes centrais da mudança, retomando, assim, a tradição da terapia humanista de valorização da relação, da validação emocional e da compreensão empática.

A prática clínica da TFE tem foco no processo experiencial dos indivíduos, entendendo que não é possível mudar uma emoção apenas por meio do insight. Considera-se a existência de dois processos básicos: as fases de chegada (arriving) e partida (leaving). É preciso experienciar as emoções e chegar até elas (arriving) para então podermos entendê-las, transformá-las e nos libertarmos de respostas desadaptativas, automáticas e repetitivas (leaving) (Elliot et al. 2004; Greenberg, 2002; Timulak, 2015).

Novas descobertas sobre a memória endossam a utilização de processos experienciais que ativam e mobilizam emoções em psicoterapia. Segundo Nader, Schafe e Le Doux (2000), quando a memória de longo prazo é ativada, ela se torna flexível e suscetível à inclusão de outras informações para então ser novamente consolidada. Ao reviver experiências importantes, o paciente pode incluir novas informações sobre a situação, mudando o significado dos esquemas emocionais (Greenberg, 2010a; LeDoux, 2009; Mendes & Falcone, 2015).

A utilização de processos experienciais, porém, não resulta por si só em bons desfechos no processo de psicoterapia. Mais do que apenas expressar emoções, a TFE afirma a importância dos aspectos reflexivos: não basta apenas sentir; é preciso também dar sentido à experiência (Greenberg, 2010; Mendes & Falcone, 2015). Alguns indivíduos podem necessitar de facilitação para a expressão e elaboração das emoções, enquanto outros podem precisar de processos de regulação emocional. As pessoas têm de compreender o que as suas emoções indicam, para, assim, elaborar as informações em novas narrativas (Greenberg & Angus, 2004). A ideia de que apenas acessar a experiência ou entrar em contato com as emoções resolve os problemas é considerada pela TFE uma simplificação extrema e prejudicial ao processo terapêutico. Diferentes emoções que se tornaram problemáticas precisam ser manejadas de formas distintas (Goldman & Greenberg, 2015; Greenberg, 2010a; Timulak, 2015).

Greenberg (2002) considera as emoções como a chave para a organização dos significados e para a construção do self. Uma vez acessadas as emoções contidas nos esquemas emocionais, os clientes são auxiliados a tolerá-las, identificar as necessidades emocionais centrais que não foram atendidas e então acessar suas emoções primárias adaptativas. Assim, busca-se mudar emoções com outras emoções. A experiência, uma vez sentida e corporificada, é então simbolizada na narrativa, de forma a incluir novos significados. Os clientes precisam, portanto, construir novas narrativas a partir das suas experiências, da ressonância das emoções em suas vidas, em seus corpos, e não apenas ter insights cognitivos ou alternativas racionais. Para a TFE, a reestruturação cognitiva por si só não promove uma mudança estável e duradoura. As novas cognições são vistas como acompanhando a reestruturação das emoções, e não o contrário (Watson, Goldman, & Greenberg, 2011).

Empatia

Segundo Rogers (1959), a empatia é a atitude ou estado que ocorre quando experienciamos uma compreensão profunda do mundo interno da outra pessoa, do sentido da sua vivência pessoal, de suas emoções e seu significado.

Em um processo terapêutico, a empatia promove validação, quebrando o isolamento do paciente e o auxiliando a criar novos significados (Greenberg, 2002). A empatia tem, portanto, segundo a perspectiva da TFE, três funções importantes na psicoterapia: promover a aliança entre cliente e terapeuta, tendo uma função interpessoal (1); ajudar a explorar, desconstruir visões e pressupostos do cliente e a construir novos significados (2); promover a capacidade dos indivíduos de se autorregularem emocionalmente (3). A função interpessoal da empatia (1) faz o cliente se sentir compreendido e seguro, podendo, assim, entrar em contato com seu mundo interno mais obscuro e negado. O terapeuta também pode verificar como a relação com o cliente lhe afeta e, assim, ter atenção a possíveis rupturas na aliança. Na exploração e construção de significados (2), o terapeuta age como um tradutor do texto do cliente. Esse texto não é apenas o que é dito, podendo o terapeuta revelar hipóteses para as intenções que acredita estarem implícitas nesse texto, auxiliando os sujeitos a construírem o seu processo de conhecimento dialético, experienciando e simbolizando. A regulação emocional (3) está relacionada ao alívio proporcionado ao cliente quando permite a exploração das suas emoções reflexivamente. A função do terapeuta é ajudá-lo a dar contorno ao excesso ou auxiliá-lo a entrar em contato com as emoções. A experiência de ser escutado e validado de forma autêntica diminui a autocrítica, trazendo alívio emocional, sendo por si só uma experiência transformadora (Elliot et al., 2004; Goldman & Greenberg, 2015).

A empatia é a variável central na TFE, reforçando o caráter humanista da abordagem. As respostas empáticas do terapeuta podem ser divididas em dois processos principais: sintonia empática ou básica ao afeto e a exploração empática (Goldman & Greenberg, 2015; Elliot et al., 2004).

No processo de sintonia empática, o objetivo é que as respostas do terapeuta comuniquem diretamente a compreensão da experiência imediata do cliente, sem a intenção de exploração mais profunda naquele momento. Visam, portanto, transmitir segurança ao cliente, estabelecer o vínculo, demonstrar compreensão e facilitar a percepção de que o terapeuta está ali ao lado, acompanhando todo o processo de forma atenta e ativa. São basicamente derivadas da abordagem centrada na pessoa (ACP), como o acompanhamento e a compreensão empática (Watson, 2002).

Já o processo de exploração empática busca auxiliar o cliente na exploração e abertura das suas experiências mais profundas, não apenas acompanhando e mantendo a sintonia empática e a vinculação segura, mas o encorajando e guiando nesse processo. É nesse sentido que a TFE considera a existência de momentos alternados durante a psicoterapia nos quais o terapeuta acompanha (following - sintonia empática) ou lidera/guia (leading - exploração empática e tarefas específicas) o cliente na exploração e descoberta de seu mundo interno, sendo essa característica o que diferencia a condução da empatia na TFE de uma perspectiva humanista tradicional (Elliot et al., 2004).

Fazem parte desse processo de exploração as questões exploratórias ou perguntas que estimulam a exploração emocional pelo cliente (o que você sentiu ou o que você precisava naquele momento); a conjectura empática, ou seja, tentativas de descobrir o que está implícito na narrativa; e a reflexão exploratória, que visa o aprofundamento da experiência emocional, guiando o cliente na exploração do self e comunicando as tentativas de compreensão. Segue um pequeno trecho com exemplos de intervenções empáticas.

Terapeuta: Ao ouvir você falando agora, observei uma tristeza profunda em seu olhar, como se você estivesse realmente decepcionada. É o que está acontecendo com você agora? É como se todo esse ambiente hostil que você relatou da sua infância tivesse deixado você traumatizada, com medo de qualquer aproximação? Ao mesmo tempo que você deseja uma companhia e fica triste em estar sozinha...

Marcadores

A TFE considera a empatia fundamental, mas não necessariamente suficiente para a reorganização e criação de novos significados pessoais. Além da intervenção permeada pela ênfase na relação terapêutica e na condução empática, a TFE busca a facilitação de modos particulares de processos emocionais (derivados dos esquemas emocionais) que emergem durante a terapia, considerando a existência de estados emocionais ou marcadores (markers) durante as sessões. Esses marcadores sinalizam a existência de dificuldades de processamento afetivo/cognitivo merecedoras de atenção especial e formas de intervenção específicas desenhadas detalhadamente para auxiliar na solução do estado emocional emergente, como vivências (Greenberg, 2010a; Goldman & Greenberg, 2015). Exemplos de marcadores podem ser o diálogo crítico e o bloqueio emocional, mudanças no tom de voz, a vulnerabilidade e questões inacabadas com as figuras de vínculo. O terapeuta procura estar atento para a presença desses marcadores durante as sessões, que são considerados também indicadores de que o cliente está pronto para trabalhar em determinada dificuldade, auxiliando na criação de foco (Elliot et al., 2004).

São exemplos de vivências específicas o método da focalização desenvolvido por Eugene Gendlin e os diálogos entre partes do self em conflito (conflict splits) ou com figuras significativas da vida do cliente (unfinished business). A focalização é utilizada quando os clientes apresentam um distanciamento emocional, uma intelectualização dos sentimentos ou, ainda, um sentido nebuloso do self, no qual não conseguem compreender determinadas reações emocionais. Os diálogos, por sua vez, podem acontecer na forma de imagens ou, como é mais comum, na cadeira-vazia, com a externalização de conflitos internos ou bloqueios e a vivência de experiências interpessoais tóxicas nas quais as necessidades emocionais do cliente não foram satisfeitas, levando a emoções desadaptativas (Goldman & Greenberg, 2015).

 

CASO CLÍNICO

C, sexo masculino, 22 anos, filho único, encaminhado por psiquiatra para tratamento de transtorno de ansiedade social. O presente estudo de caso refere-se a 16 sessões de psicoterapia, já que o cliente continua em atendimento. Apesar de relatar alguns episódios de ataques de pânico no passado, não apresentava nenhum episódio recente. C esteve em psicoterapia por aproximadamente três anos, em abordagem cognitivo-comportamental. Disse estar consciente de que seus pensamentos eram irracionais, não tinham nenhuma lógica e que exagerava demais as coisas. Disse, também, que saber disso não o ajudava muito, pois não conseguia deixar de se sentir tomado por preocupações sem fim, em diversos temas da sua vida: sua faculdade, seu isolamento social, a falta de um relacionamento fixo, a solidão e o extremo mal-estar que apresentava toda vez que se deparava com situações sociais nas quais acreditava que poderia ocorrer algum embaraço, especialmente em novas situações. Procurava evitá-las, limitando-se apenas ao que considerava estritamente necessário. Muitas vezes, vomitava antes de eventos sociais, mesmo os já conhecidos, como as aulas na faculdade, aniversários de pessoas próximas, idas a restaurantes.

O modelo da TFE para ansiedade social considera que experiências recorrentes de crítica, rejeição ou superproteção e inadequação, em conjunto com a emoção da vergonha, são internalizadas em forma de esquemas emocionais, sendo a ansiedade a emoção secundária decorrente da tentativa de evitação do sofrimento proveniente dessas experiências, por meio de hipervigilância à crítica, vieses atencionais e de interpretação. Ao contrário da TCC, que enfatiza a importância do trabalho direcionado à flexibilização do processamento de informação e ao manejo da ansiedade, o modelo da TFE não enfatiza a ansiedade secundária, tendo o foco principal na facilitação das necessidades emocionais centrais de validação, respeito, reconhecimento e proteção, que estão implícitas no esquema emocional de vergonha e vulnerabilidade. Uma vez ativado o esquema emocional, o cliente quebra a evitação emocional, aceitando e regulando a emoção. A ideia principal é que ele possa entrar em contato com as emoções primárias adaptativas, como a raiva e a tristeza decorrentes das frustrações das necessidades emocionais centrais, incluindo essas novas emoções no esquema emocional anterior, proporcionando a reestruturação da memória, a construção de novos significados, o empoderamento do self e uma nova visão de si mesmo (Shahar, 2014).

As quatro primeiras sessões tiveram como foco principal o estabelecimento do vínculo terapêutico, a observação do estilo emocional do cliente, de como ele percebia as suas dificuldades, bem como o relato histórico do problema. O cliente sempre se viu como um garoto mais quieto e introvertido, sem muitos amigos. Não gostava de festas de aniversário nem de lugares com muitas pessoas. Dizia que seu mundo basicamente se resumia ao seu quarto na casa dos pais. Esses, por sua vez, eram descritos inicialmente como atentos e preocupados. Observou-se, também, a presença de forte autocrítica no cliente, sempre se desqualificando e se achando um "idiota, esquisito e estúpido". Havia um claro processo de evitação emocional. O cliente, já no primeiro encontro, disse que, se fosse para fazer algo que o deixasse exposto socialmente, que não continuaria na terapia.

Após as quatro primeiras sessões, C foi se sentindo mais à vontade com o terapeuta, que procurou gradativamente quebrar a evitação emocional, perguntando regularmente como o cliente se sentia ao falar sobre determinado assunto, observando a repercussão emocional em seu corpo físico e também nomeando as emoções momento a momento na terapia. O cliente mencionou que, em sua terapia anterior, a pergunta mais comum era "o que estava pensando?", enquanto na terapia atual era "o que você está sentindo?".

Na sexta sessão, ao observar a autocrítica excessiva do cliente (marcador), o terapeuta resolveu dar início ao diálogo em duas cadeiras entre as partes do self em conflito: o lado crítico do cliente (self crítico) e o lado que se sentia paralisado diante da crítica (self experiencial). O trecho a seguir refere-se a uma parte desse diálogo.

Terapeuta: Parece que há uma espécie de divisão em você. Veja se concorda comigo. Uma parte sua deseja experimentar coisas e se arriscar, e outra parte parece estar sempre lhe criticando, como se dissesse que você não vai conseguir, que nada vai dar certo... que se você errar pode acontecer alguma coisa muito ruim...

C: Sim... é verdade.

Terapeuta: Algo que costuma ajudar é realizar um diálogo entre esses lados para entender melhor o que está acontecendo. Vamos fazer? Pode nos ajudar bastante... Sente-se nesta cadeira e expresse o seu lado crítico. Na outra, vai estar o lado que é criticado, que fica imobilizado, paralisado. Critique C. O que você fala para que ele fique dessa forma, paralisado...

C (self crítico): Se você se arriscar vai dar tudo errado. O que as pessoas vão pensar se você errar quando abrir a boca? E você vai acabar sem ninguém... (cliente apresentou um tom de desprezo por si próprio, ao falar)

Terapeuta: Você vai ficar só... sem nenhuma pessoa para te ajudar...

C (self crítico): Você não consegue fazer as coisas sozinho...

Terapeuta: Você deve fazer tudo certo... a escolha perfeita... não pode errar nunca...

C (self crítico): Você vai ficar sem amigos... sem pai... mãe... sozinho... chorando... e você não consegue viver sozinho.

O terapeuta procura explorar o lado crítico do cliente para que ele perceba como esse processo leva à sua paralisia. Utiliza os processos de exploração empática, buscando também ampliar a percepção emocional do cliente por meio de uma linguagem mais dramática.

Ao perceber a abertura da narrativa e a ativação emocional, o terapeuta sugere que ele troque de lugar na cadeira. Assim, busca a recriação do processo que ocorre no dia a dia e o aprofundamento da experiência emocional.

Terapeuta: Troque de cadeira agora. Veja o que acontece dentro de você, como você se sente ao ouvir todas essas críticas? Toda essa pressão...

C (self experiencial): Fico com medo... tudo o que ele disse (o lado crítico) é verdade... (voz embargada, lágrimas nos olhos)

Observa-se, no diálogo anterior, a presença das emoções secundárias, especialmente um estado de distresse global. O cliente concorda com seu lado crítico e consegue experienciar a paralisia em sua vida a partir desse diálogo.

Terapeuta: Deve ser muito difícil... fazer coisas novas com toda essa pressão... é isso?

C (self experiencial): Sim... me sinto sem esperanças... sem futuro.

Terapeuta: Compreendo... eu não posso errar nunca... não terei outra chance...

C (self experiencial): É assim que me sinto. (chorando)

Terapeuta: Troque de cadeira agora... O que você sente ao ouvir C dizer que fica mal, sem esperanças, ao ouvir suas críticas. (dirigindo-se ao lado crítico)

C (self crítico): Só lamento... O mundo não vai ser menos cruel por isso...

Terapeuta: Fale então para C... pare de desejar.... fique quieto...

C (self crítico): Fique quieto... pare de querer as coisas... deixe de ser diferente... não vai funcionar... você só vai se machucar... não vai dar certo...

Terapeuta: Troque de cadeira mais uma vez. (indo para o lado do self experiencial) Como você se sente ao ouvir tudo isso... parar de querer ser você?

C (self experiencial): Triste... (chorando)

Terapeuta: Imagino o quanto deve ser triste viver esse dilema... querer fazer algo e ao mesmo tempo não poder correr risco nenhum de errar... Permaneça com essa emoção um pouco mais... o que você sente no seu corpo?

C (self experiencial): Sinto um nó na minha garganta... como se tivesse algo pesado sobre meu peito...

Nesse trecho, o terapeuta procura auxiliar o cliente a quebrar a evitação emocional e a simbolizar a emoção percebida em seu corpo, diferenciando as nuanças emocionais.

C (self experiencial): Me sinto vazio... como se não soubesse quem eu sou de verdade... sempre preocupado com os outros e desconectado de mim mesmo.

Terapeuta: Fale então para o seu lado crítico... O que você precisa dele?

C (self experiencial): Seja um pouco menos duro... eu não vou poder acertar sempre... eu preciso viver a minha vida. Tem outras formas de você me ajudar sem ser me criticando o tempo inteiro. Preciso ser eu mesmo (expressando raiva adaptativa).

Nesse trecho, o cliente começa a empoderar o self experiencial e a sensibilizar o self crítico. O objetivo principal foi ajudá-lo a reconhecer o bloqueio resultante da crítica e a modificar os esquemas emocionais com o aprofundamento da tristeza pelo que estava acontecendo e também da raiva.

O trabalho com o self crítico foi realizado durante algumas sessões. O cliente decidiu tomar uma decisão significativa que já estava sendo desenhada há algum tempo, que foi a troca da faculdade. Nessa troca, foi duramente criticado pelo pai, que acreditava ser uma bobagem buscar fazer o que gostava, sendo mais importante ter um emprego estável em uma profissão valorizada. O terapeuta propôs, então, o diálogo na cadeira-vazia.

Terapeuta: Vamos fazer novamente aquele trabalho com as cadeiras, só que desta vez você irá colocar o seu pai, agora, aqui na sua frente. Fale para ele como você se sente.

C: (ficou parado alguns minutos, respirando profundamente, tomando coragem para começar) Me sinto fraco para conseguir as coisas sem o seu apoio. Mas eu preciso da sua ajuda e não da sua reclamação. Demorei tanto a encontrar algo que eu gosto de fazer e, quando encontro, você não me ajuda... É muito triste (choro) (esquema emocional relacionado a tristeza e vergonha).

Terapeuta: Troque de lugar... seja o seu pai agora... pegue uma ideia de como ele é... Então... (terapeuta se dirige ao "pai do cliente") Como você se sente ao ver o seu filho dessa forma?

C (como o pai): Eu não quero que ele fique assim... mas o mundo não é esse mundo dos sonhos que ele pensa... as pessoas precisam ganhar dinheiro, não podem ficar estudando a vida inteira. Você precisa se definir logo... Acordar para vida. (tom autoritário)

Terapeuta: Troque de lugar novamente... O que você está sentindo agora? O que quer falar para o seu pai?

C: Eu preciso descobrir isso sozinho... minha vida pode ser diferente da dele... (voz fraca e baixa)

Terapeuta: Fale diretamente para ele... Eu quero viver a minha vida, fazer as minhas escolhas.

C: Sim... Pai... eu quero viver a minha vida... e eu preciso de você para me apoiar... é o que o filho precisa do pai... apoio, ajuda. Eu não sou nenhum vagabundo. (aumento do tom de voz)

Terapeuta: E o que você está sentindo agora?

C: Me sinto triste, mas também com raiva... por ele ser dessa forma... Não adianta falar... ele nunca vai concordar em me apoiar se eu não fizer o que ele acha que é o melhor para mim... (chorando) a vida inteira foi assim (integrando novas emoções aos esquemas emocionais).

Terapeuta: São palavras e lágrimas importantes. Imagino como deve ter sido difícil se sentir tão desprotegido...

O terapeuta procurou articular as necessidades emocionais do cliente de validação e suporte, e, ao mesmo tempo, facilitar a expressão emocional decorrente da frustração em não ter essas necessidades atendidas. O cliente passou então da desesperança e dos sentimentos de solidão e vulnerabilidade (emoções secundárias) para a vergonha e a tristeza (emoções primárias desadaptativas), para então acessar a raiva e a tristeza adaptativas, simbolizando a insatisfação e as perdas/luto decorrentes de uma relação fria e inóspita.

Algumas sessões depois, após a descrição de novas críticas feitas pelo pai ao cliente durante a semana, o terapeuta propôs novo diálogo na cadeira-vazia, que ocorreu de forma similar à descrita anteriormente. O terapeuta, então, sugeriu uma mudança no diálogo, conforme descrito a seguir:

Terapeuta: Vamos imaginar outra pessoa sentada na cadeira. O seu avô. Ele está sentado, olhando você. Perceba... como é o olhar dele para você?

C: (chorando) Triste... Ele fica triste com isso tudo... mas não me condena...

Terapeuta: E o que ele está falando para você agora?

C: Que eu não devo desistir... que ele vai estar sempre comigo... que eu nunca vou estar só... que eu não tenho que me importar tanto com os outros...

Terapeuta: E o que você está sentindo agora? Me descreva a emoção no seu corpo.

C: Me sinto aliviado... como se saísse um peso enorme das minhas costas... me sinto bem.

Ao perceber que o "pai" do cliente não aceitaria a autonomia do filho e após auxiliar na expressão dos sentimentos de pesar e tristeza, o terapeuta procurou eliciar a experiência de aceitação e compaixão por meio de outras figuras significativas da vida do cliente. Nesse caso, o avô (já falecido) era uma figura bastante presente e carinhosa em toda a sua infância e adolescência. Quando acontecem experiências como a do caso descrito, procuramos facilitar a emoção da tristeza para que o cliente possa gradativamente compreender e entrar em contato com as emoções passadas que ainda se fazem presentes, sem evitá-las ou mesmo sem ficar preso apenas a reclamações e ruminações. Focamos nas necessidades emocionais não atendidas, no caso, a compaixão, o suporte e o apoio, para atravessar esses momentos de tristeza. Foi nesse sentido que a presença do avô foi solicitada. A ideia da mudança dos esquemas emocionais não é substituir uma emoção por outra, e sim a de que a pessoa possa integrar novas emoções às emoções vigentes, formando uma nova configuração emocional.

 

CONCLUSÃO

A psicoterapia proposta pela TFE pode ser dividida em três etapas. A primeira envolve a formação de uma relação terapêutica sólida e o auxílio para que o cliente aumente o awareness sobre suas emoções. É relacionada ao processo de following, sendo basicamente composta pelas intervenções empáticas descritas anteriormente sob a forma da sintonia empática. A segunda etapa refere-se à evocação, à identificação e à exploração dos estados emocionais desadaptativos (markers) e dos esquemas emocionais do cliente. Relaciona-se ao leading, à exploração empática. A etapa final, de transformação emocional, envolve a utilização de procedimentos específicos (empáticos ou experienciais), a partir da identificação e exploração dos marcadores, com o objetivo de auxiliar o cliente a entrar em contato com suas necessidades emocionais não atendidas e com suas dores mais centrais, e assim poder gerar novas emoções, além de criar novas narrativas a partir das experiências emocionais vivenciadas.

A experiência humana é complexa. Os clínicos se deparam a cada dia com novos desafios sobre como utilizar seus modelos para compreender e auxiliar o cliente em sofrimento. Tanto as intervenções cognitivas clássicas da TCC, mais relacionadas ao processamento reflexivo, quanto as intervenções focadas na emoção (TFE) podem ser úteis, sendo a grande maestria do terapeuta saber com quem, quando e como utilizá-las de forma coerente e benéfica em favor daqueles que procuram auxílio.

 

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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 18 de julho de 2016. cod. 437.
Artigo aceito em 02 de novembro de 2016.

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