SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 issue2Emotion-focused therapy and the processes of change in psychotherapyDialectical behavior therapy for drugs addiction tatiens author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.11 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20150015 

ARTIGOS DE REVISÃO

 

Tratamento da anorexia nervosa nas terapias cognitivo-comportamentais de terceira geração

 

Third generation cognitive-behavior therapy treatment for anorexia nervosa

 

 

Renata Groba BandeiraI; Clarissa Tochetto de OliveiraII

IPsicóloga pela Universidade de Brasília - (Pós-graduanda em Psicologia pela Wainer & Piccoloto) - Brasília - DF - Brasil
IIPsicóloga e Mestre pela Universidade Federal de Santa Maria, especialista em Psicoterapia Cognitivo-comportamental pela Wainer & Piccoloto. - (Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.)

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é revisar publicações que investigaram a aplicabilidade das estratégias das terapias cognitivo-comportamentais (TCCs) de terceira geração no tratamento da anorexia nervosa (AN) e, assim, promover e incentivar o uso de técnicas psicoterapêuticas mais eficazes. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, por meio de pesquisa em livro e artigos científicos publicados a partir do ano 2010. Os critérios de inclusão foram a data de publicação - menos de cinco anos - e a adequação ao assunto escolhido para esta revisão. Verificou-se que a literatura reconhece a AN como uma patologia multifatorial e resistente ao tratamento, inclusive em relação às intervenções psicoterapêuticas. Diversos estudos sugerem que os pacientes com AN apresentam, com frequência, dificuldades na regulação dos afetos. Outros estudos encontraram prevalência de alexitimia em indivíduos com AN. Existem evidências na literatura especializada atual que sugerem ganhos de eficácia no tratamento da AN em relação às intervenções sistematizadas no domínio das emoções - como preconizam as TCCs de terceira geração. Não obstante, necessitam-se mais estudos para atestar a eficácia das estratégias de regulação emocional no tratamento dessa patologia.

Palavras-chave: Anorexia nervosa; Regulação emocional; Terapia cognitivo-comportamental


ABSTRACT

The objective of this study is to review publications that investigated the applicability of strategies used by third generation Cognitive Behavioral Therapy approaches (CBT) in the treatment of anorexia nervosa (AN), and, therefore, to promote the use of the most effective techniques. To this end, a systematic review of the literature was carried out by research in books and scientific articles published as from 2010. The inclusion criteria were the publication date of the work- less than five years - and the appropriateness to the subject chosen for this review. It was found that the literature recognizes AN as a multifactorial pathology and resistant to treatment in general, including to psychotherapeutic interventions. Several studies suggest that patients with AN often face difficulties in regulating their affections. Other studies have found prevalence of alexithymia in individuals with AN. Evidence was found in the current specialized literature suggesting gains in the efficacy in the treatment of AN regarding the systematic interventions in the control of emotions - such as recommended by the third generation CBT approaches. Notwithstanding, further research is needed to attest the effectiveness of emotional regulation strategies in the treatment of this pathology.

Keywords: Anorexia nervosa; Emotional regulation; Cognitive behavioral therapy


 

 

TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA NAS TERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS DE TERCEIRA GERAÇÃO

A mais recente versão do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5; American Psychiatric Association [APA], 2014) define a anorexia nervosa (AN) como um transtorno alimentar (TA) que envolve três características essenciais: restrição persistente da ingesta calórica (critério A); medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso (critério B); e perturbação na percepção do próprio peso ou da própria forma (critério C). No estudo dos fatores etiológicos, diversas posições teóricas recentes entendem a AN como um transtorno que envolve déficits na regulação dos afetos (Beadle, Paradiso, Salerno, & McCormick, 2013; Fiore, Ruggiero, & Sassaroli, 2014; Ritschel, Lim, & Stewart, 2015; Torres et al., 2011).

Evidências sugerem que a alexitimia, ou seja, "... a incapacidade de reconhecer, classificar, diferenciar e fazer a conexão entre as emoções e os eventos" (Taylor, 1984, apud Leahy, Tirch, & Napolitano, 2013, p. 26), pode caracterizar um fator tanto predisponente como mantenedor da AN. Na AN, sintomas alexitímicos estão presentes antes da redução do peso e após a sua recuperação (Beadle et al., 2013; Torres et al., 2011).

A literatura especializada reconhece a AN como uma patologia multifatorial e resistente ao tratamento, inclusive em relação às intervenções psicoterapêuticas (Schulte-Rüther, Mainz, Fink, Herpertz-Dahlmann, & Konrad, 2012). A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é frequentemente indicada como abordagem psicoterápica no tratamento da AN, no entanto, atualmente, a literatura questiona a eficácia dos modelos tradicionais da TCC no tratamento desse transtorno (Beadle et al., 2013; Davenport, Rushford, Soon, & McDermott, 2015). Estudos recentes sugerem que as TCCs de terceira geração - as quais contemplam intervenções focadas na regulação emocional - são mais eficazes para tratar a AN (Torres et al., 2011).

Hayes (2004, apud Melo, 2014) propôs a terapia da aceitação e compromisso (ACT) e corresponde ao grupo de teóricos que sugere a separação didática das TCCs em três gerações ou "ondas". O modelo comportamental de Watson, Skinner, Bandura, Wolpe e outros corresponderia à primeira geração. A segunda geração, por sua vez, incluiria as TCCs de enfoque cognitivo, como a terapia cognitiva de Beck e a terapia racional-emotiva de Ellis. A terceira geração é a mais recente - começou a se desenvolver nos anos 1990 -, sendo definida pelos modelos integrativos, assim chamados porque integram técnicas de diferentes abordagens. A terapia comportamental dialética (TCD), de Linehan; a terapia do esquema, de Young; a ACT, de Hayes; a terapia focada na compaixão, de Gilbert; e a terapia metacognitiva, de Wells, são exemplos expressivos das abordagens classificadas didaticamente como TCCs de terceira geração. Os modelos integrativos são baseados em evidências e se valem dos pressupostos das TCCs. A ideia de que a atividade cognitiva afeta a emoção e o comportamento está presente nas abordagens de terceira geração (Melo et al., 2014).

As abordagens de segunda e terceira geração utilizam técnicas focadas na regulação emocional, mas atuam em "estágios" diferentes do processo emocional. As estratégias das TCCs de segunda geração atuam nos antecedentes da regulação emocional - pensamento e comportamento. As estratégias das TCCs de terceira geração, por sua vez, atuam nas respostas disfuncionais resultantes de tentativas malsucedidas de regulação emocional, como a supressão da emoção (Hofmann & Asmundson, 2008).

Estudos sobre a aplicação das técnicas de terceira geração nos casos de AN, no entanto, ainda são escassos e pouco divulgados no Brasil, o que compromete o uso e o desenvolvimento de técnicas mais eficazes para o tratamento desse TA no País. Portanto, o objetivo deste estudo é revisar publicações que investigaram a aplicabilidade das estratégias das TCCs de terceira geração no tratamento da AN e, assim, promover e incentivar o uso de técnicas mais eficazes.

 

MÉTODO

Realizou-se uma revisão da literatura nas fontes de dados PubMed e PsycINFO. Utilizou-se - combinadas com o termo anorexia nervosa - as seguintes palavras-chave: treatment, therapy, cognitive behavioral therapy, dialectical behavior therapy, behavioral, cognitive, acceptance and commitment therapy, metacognitive therapy, combined interventions, mindfulness, emotional regulation, emocional disregulation, alexithymia. Os critérios de inclusão dos textos foram o ano de publicação - últimos cinco anos - e a adequação ao assunto escolhido para esta revisão - tratamento da anorexia nervosa em TCC e a pertinência da inclusão de estratégias de regulação emocional.

Foram encontradas 42 publicações. Após a submissão dos artigos encontrados aos critérios de inclusão, restaram 16 publicações para análise. O processo de seleção dos trabalhos a serem analisados na íntegra é apresentado na Figura 1. As informações identificadas nas 16 publicações foram organizadas em três categorias: a) regulação emocional e AN, b) anorexia e alexitimia, e c) tratamento da AN nas terapias cognitivas de terceira geração.

 

 

RESULTADOS

As informações das 16 publicações revisadas foram organizadas na Tabela 1. Organizou-se essa tabela com o objetivo de relacionar o tema principal - tratamento da AN nas TCCs de terceira geração - aos temas secundários e imprescindíveis para a compreensão do tema principal, a saber: regulação emocional e alexitimia (na anorexia).

Déficits na capacidade de regular a emoção são gatilhos para muitos transtornos psicológicos (Fiore et al., 2014). No estudo dos fatores etiológicos, diversas posições teóricas entendem a AN como um transtorno que envolve a autorregulação, em especial os déficits na regulação dos afetos (Beadle et al., 2011). O papel específico da desregulação emocional na psicopatologia da AN já foi sugerido em adaptações da TCD (Ritschel et al., 2015).

Os pacientes com AN apresentariam menor capacidade de regular as emoções do que os sujeitos considerados "saudáveis" (Fiore et al., 2014). Os hábitos alimentares restritivos teriam como objetivo compensar a insuficiência na capacidade de regulação emocional, principalmente na redução dos afetos negativos e da ansiedade (Beadle et al., 2013; Fiore et al., 2014; Wildes & Marcus, 2011).

Diversos estudos demonstraram correlação positiva entre déficits na regulação emocional, alexitimia e sintomas de AN (Haynos, Roberto, & Attia, 2015). A alexitimia estaria relacionada à persistência dos sintomas nesse TA (Courty et al., 2014). Indivíduos com AN vivenciam suas emoções de uma forma confusa, manifestam dificuldade em distingui-las e descrevê-las e evitam diálogos que envolvam a comunicação de sentimentos (Beadle et al., 2013).

Dois estudos encontraram escores elevados de alexitimia em pacientes com AN (Lulé et al., 2014; Schulte-Rüther et al., 2012). Pesquisas demonstram que a taxa de alexitimia na AN frequentemente assume valores superiores a 50% (Beadle et al., 2013). A prevalência da alexitimia da população em geral é menor do que 20% - alguns estudos sugerem 10% (Torres et al., 2011).

A American Psychological Association concluiu, em 1998, que existe apenas evidência modesta/controversa sobre a eficácia da TCC tradicional na AN. Uma vez que as estratégias psicoterapêuticas da TCC tradicional foram originalmente desenvolvidas para tratar depressão e ansiedade, muitos terapeutas cognitivos demonstram dificuldade quando o foco do tratamento é um TA (Brown & Keel, 2012).

A efetividade do tratamento limita-se em razão dos ainda obscuros processos cognitivos e emocionais que controlam, regulam e ativam o pensamento do paciente com AN (Davenport et al., 2015). Evidencia-se a necessidade do desenvolvimento de modelos de intervenção baseados na regulação emocional e nos processos cognitivos subjacentes, uma vez que os modelos da TCC tradicional têm sido questionados quanto à sua eficácia para tratar a AN (Davenport et al., 2015).

Estudos preliminares sugerem que a TCC é útil para a prevenção de recaída em adultos com AN que recuperaram um peso saudável (Wildes & Marcus, 2011). Mas a TCC tradicional não provou ser um tratamento eficaz para tratar os indivíduos na fase ativa da AN - quando os pacientes têm baixo peso e elevada restrição alimentar (Wildes & Marcus, 2011).

Diversos estudos destacam o déficit na regulação emocional como característica importante dos pacientes com AN e que deve ser abordada na psicoterapia (Haynos, Crosby et al., 2015; Haynos et al., 2014; Leahy et al., 2013; Oldershaw et al., 2015). A Emotional Acceptance Behavior Therapy (EABT), modelo psicoterapêutico inspirado nas TCCs de terceira geração proposto por Wildes e Marcus (2011), tem suporte na concepção de que os sintomas da anorexia facilitam a evitação emocional. O tratamento combina intervenções comportamentais tradicionais com técnicas delineadas para aumentar a consciência das emoções, reduzir as estratégias de evitação emocional e encorajar o engajamento em atividades e relacionamentos sociais significativos (Wildes & Marcus, 2011).

O modelo de terapia do esquema emocional (TEE), proposto por Leahy e colaboradores (2013), propõe a integração de técnicas de outros modelos da terceira geração de TCCs, como a TCD, a ACT e, ainda, técnicas do modelo cognitivo tradicional de Beck, como a reestruturação cognitiva. Por meio das estratégias propostas pelo modelo psicoterapêutico da TEE, é possível desenvolver a regulação emocional dos pacientes (Leahy et al., 2013).

 

DISCUSSÃO

Regulação emocional e AN

A regulação emocional envolve a capacidade do indivíduo de mitigar, intensificar ou manter determinada emoção. Essa capacidade refere-se à estratégia de enfrentamento - problemática ou adaptativa - que o indivíduo usa para confrontar uma intensidade emocional desconfortável. Nesse sentido, a regulação emocional teria o papel de modular as emoções, mantendo-as em um "nível controlável" para que o indivíduo consiga lidar com elas. Assim como os demais estilos de enfrentamento, a regulação emocional depende do contexto. Portanto, não se pode afirmar que ela seja problemática ou adaptativa independentemente da pessoa e das características da situação (Leahy et al., 2013).

A literatura sugere que as pessoas que utilizam estratégias do tipo evitativas - por exemplo, comer compulsivamente, purgar, beber, mutilar-se - para regular as emoções são mais propensas ao desenvolvimento de psicopatologias. O uso dessas estratégias pode reduzir a intensidade da emoção (por meio de reforço negativo) e trazer a sensação momentânea de bem-estar (Leahy et al., 2013).

Não obstante, a evitação tende - em longo prazo - a acentuar a intensidade e a frequência das emoções negativas (Fiore et al., 2014). Em outros casos, as estratégias evitativas também se mostram problemáticas ao longo do tempo por não condizerem com as metas e os propósitos que o indivíduo aprovaria (Leahy et al., 2013). Um indivíduo com AN que preze, por exemplo, a honestidade, pode mentir à família com o objetivo de manter um padrão de restrição alimentar que lhe serve de estratégia evitativa para lidar com emoções intensas.

A literatura sugere que, na AN, existe um problema central na regulação da emoção e no controle da ansiedade (Fiore et al., 2014). Muitos indivíduos com AN relatam a presença de um transtorno de ansiedade ou sintomas previamente ao aparecimento do TA (APA, 2014). Experiências emocionais intensas (sintomas de ansiedade ou de depressão) podem desencadear comportamentos de enfrentamento problemáticos, como a purgação ou a restrição alimentar (Leahy et al., 2013).

No estudo dos fatores etiológicos, diversas posições teóricas entendem a AN como um transtorno que envolve a autorregulação, em especial os déficits na regulação dos afetos (Beadle et al., 2011). Quanto maior a desregulação emocional, maior seria a obsessão pela magreza, uma vez que a restrição alimentar teria uma função ansiolítica para alguns indivíduos (Wildes & Marcus, 2011).

Embora os sintomas de AN sejam, em princípio, efetivos na redução da emoção no curto prazo, em longo prazo eles têm um efeito paradoxal, aumentando a intensidade e a frequência das reações emocionais aversivas. Um vasto corpo de pesquisas documenta que as tentativas de evitar estímulos internos (emoções, pensamentos, sensações físicas) são altamente ineficazes e geralmente resultam em mais (e não menos) experiências indesejadas (Wildes & Marcus, 2011).

Sintomas de anorexia (restrição alimentar extrema, purgação, exercícios excessivos, pensamentos ruminativos sobre alimentação e peso) teriam a função de facilitar a evitação da emoção por meio de dois mecanismos: a prevenção da experiência da emoção e a redução da intensidade e da duração das reações emocionais (Wildes & Marcus, 2011). Assim, na tentativa de evitar a emoção, pacientes com AN podem ficar "presos" em um ciclo de vulnerabilidade emocional, evitação e comportamento alimentar inadequado. Em razão de passarem muito tempo focados nos sintomas da AN, esses pacientes podem negligenciar outras áreas importantes da vida, como atividades de lazer e relacionamento social (Wildes & Marcus, 2011).

Anorexia e alexitimia

Em termos globais, os níveis de ansiedade estão positivamente correlacionados à alexitimia (Culhane & Watson, 2003; Eizaguirre, Saenz de Cabezon, Alda, Olariaga, & Juaniz, 2004, apud Leahy et al., 2013). A alexitimia está relacionada, portanto, à forma desadaptativa de lidar com a ansiedade e é um sintoma presente em diversas psicopatologias, incluindo TAs (Leahy et al., 2013).

Existem evidências empíricas de que a alexitimia é uma característica marcante nessa patologia e parece não se desenvolver secundariamente como um efeito da doença, nem em associação a determinadas variáveis sociodemográficas. Pesquisas demonstram que a taxa de alexitimia na AN frequentemente assume valores superiores a 50% (Beadle et al., 2013). Considera-se que esses valores são expressivos, pois a prevalência da alexitimia na população em geral é menor do que 20% - alguns estudos sugerem 10% (Torres et al., 2011).

A hipótese da alexitimia como sintoma característico da AN também se sustenta em descrições clínicas que afirmam que indivíduos com AN vivenciam suas emoções de forma confusa, manifestam dificuldade em distingui-las e descrevê-las e evitam diálogos que envolvam a comunicação de sentimentos (Beadle et al., 2013).

Tratamento da AN nas terapias cognitivas de terceira geração

A TCC é, frequentemente, indicada como abordagem psicoterápica no tratamento dos TAs. Existem duas razões para isso. A primeira delas seria a natureza cognitiva da principal característica dos TAs - a superavaliação do peso e do formato do corpo (critério C do DSM-5 para AN). A segunda razão para a indicação da TCC para TAs é o amplo reconhecimento acerca da eficácia dessa abordagem no tratamento da bulimia nervosa e, ainda, evidências sobre sua eficácia no tratamento de outros TAs não especificados (Murphyet al., 2010).

Não obstante, o tratamento da AN é frequentemente malsucedido, e muitos pacientes recaem após a recuperação de peso inicial (Schulte-Rüther et al., 2012). A TCC tradicional para AN visa alterar as crenças e os pensamentos disfuncionais relacionados à comida, à imagem corporal e à influência do peso/forma do corpo no valor próprio.

Em parte, a efetividade do tratamento limita-se em razão dos ainda obscuros processos cognitivos e emocionais que controlam, regulam e ativam o pensamento do paciente com AN (Davenport et al., 2015). A constatação de déficits em habilidades cognitivo-sociais específicas - como o reconhecimento da emoção em outras pessoas - pode ajudar no desenvolvimento de estratégias de tratamento mais eficazes (Schulte-Rüther et al., 2012).

As terapias baseadas em intervenções com a família são, atualmente, consideradas as mais eficazes para o tratamento de crianças e adolescentes com AN (Schulte-Rüther et al., 2012). As terapias baseadas na família focam na comunicação, utilizando a influência parental para promover o comportamento alimentar adequado e o controle do ganho de peso. Esse modelo utiliza, portanto, as interações sociais com pessoas significativas para treinar habilidades sociais de maneira implícita (Schulte-Rüther et al., 2012).

A eficácia da terapia familiar poderia ser explicada pelo fato de que as crianças que vivem em um ambiente familiar no qual as pessoas falam sobre as emoções apresentam menor propensão a desenvolver alexitimia (Schulte-Rüther et al., 2012). Supõe-se, portanto, que essas crianças teriam a capacidade de regulação emocional mais desenvolvida (Berenbaum & James, 1994, apud Leahy et al., 2013).

São escassas as opções de modelos de tratamento baseados em evidências para adolescentes mais velhos e adultos com AN. Apesar de ser conhecida como o tratamento mais eficaz para a AN, estudos demonstram que a terapia familiar não seria igualmente eficaz no caso de pacientes com mais de 17 anos de idade (Wildes & Marcus, 2011).

Estudos preliminares sugerem que a TCC é útil para a prevenção de recaída em adultos com AN que recuperaram um peso saudável (Wildes & Marcus, 2011). No entanto, a TCC tradicional não provou ser um tratamento eficaz para tratar os indivíduos na fase ativa do transtorno - quando os pacientes têm baixo peso e elevada restrição alimentar (Wildes & Marcus, 2011).

Atualmente, evidencia-se a necessidade do desenvolvimento de modelos de intervenção baseados na regulação emocional e nos processos cognitivos subjacentes, uma vez que os modelos da TCC tradicional têm sido questionados quanto à sua eficácia para tratar a AN (Davenport et al., 2015). Ademais, a literatura atual aponta para o déficit na regulação emocional como característica importante dos pacientes com AN, devendo ser abordada na psicoterapia (Haynos, Crosby et al., 2015; Haynos et al., 2014; Leahy et al., 2013; Oldershaw et al., 2015).

A abordagem conhecida como TEE destaca o papel central da inteligência emocional. Trata-se de uma abordagem epistemologicamente baseada em autores como Beck e Young. Essa abordagem define os esquemas emocionais como um conjunto de crenças individuais a respeito das emoções. Com base nos esquemas emocionais, o indivíduo desenvolve estratégias de enfrentamento para lidar com as emoções. Estratégias como a esquiva experiencial, as preocupações e a busca de validação (essas duas últimas quando excessivas e inúteis) refletem esquemas emocionais "problemáticos" e que confirmam crenças negativas a respeito das emoções como experiências "intoleráveis" (Leahy et al., 2013).

A TEE visa desenvolver estratégias de enfrentamento que ajudam a aumentar a crença na tolerabilidade da experiência emocional. Para tal, utiliza técnicas como: identificação das emoções, exploração das emoções, rotulação das emoções, normalização de emoções, percepção da temporalidade das emoções, entre outras (Leahy et al., 2013).

Esse modelo propõe a integração de técnicas de outros modelos da terceira geração de TCCs, como a TCD, a ACT e, ainda, técnicas do modelo cognitivo tradicional de Beck, como a reestruturação cognitiva. Por meio das estratégias propostas pelo modelo psicoterapêutico da TEE, é possível desenvolver a regulação emocional dos pacientes (Leahy et al. 2013).

O modelo do esquema emocional propõe que, em vez de utilizar a esquiva e a ruminação como estratégias, pode-se usar a aceitação, a ativação comportamental e o desenvolvimento de relacionamentos sociais significativos para lidar com as emoções. Esse modelo tem suporte empírico para tratar transtornos de ansiedade e depressão. Não obstante, a TEE é uma abordagem abrangente, integrativa e aplicável a outros transtornos mentais - incluindo TAs como a AN (Leahy et al., 2013).

Existe, ainda, um tipo de intervenção psicoterapêutica específica para adolescentes e adultos com AN: a EABT. Assim como o modelo da TEE, a EABT tem suporte na concepção de que os sintomas da anorexia facilitam a evitação emocional. O tratamento combina intervenções comportamentais tradicionais com técnicas delineadas para aumentar a consciência das emoções, reduzir as estratégias de evitação emocional e encorajar o engajamento em atividades e relacionamentos sociais significativos (Wildes & Marcus, 2011).

O objetivo do modelo EABT é ajudar o paciente a identificar as funções dos sintomas da AN, principalmente aqueles que se relacionam à evitação emocional. Estratégias de reestruturação cognitiva não fazem parte do plano de tratamento (Wildes & Marcus, 2011). Os princípios do modelo EABT baseiam-se principalmente na pesquisa empírica sobre psicopatologia e tratamento da AN, na experiência clínica e em revisões da literatura especializada no tema. É um modelo de tratamento baseado na terceira onda da TCC, incluindo a ACT, a TCD e a terapia cognitiva baseada em mindfulness (Wildes & Marcus, 2011).

Uma série de estudos evidenciou, preliminarmente, que tratamentos delineados como o EABT representam alternativas promissoras para adolescentes e adultos com AN. Dos cinco pacientes que iniciaram o tratamento nessa abordagem, quatro compareceram a pelo menos 90% das sessões de psicoterapia, e três apresentaram ganho modesto de peso sem necessidade de hospitalização ou de internação com tratamento intensivo. Os três pacientes que responderam à EABT também apresentaram melhorias secundárias que incluíram a redução dos sintomas de depressão, da ansiedade e das estratégias de evitação emocional (Wildes & Marcus, 2011).

Tanto a EABT como a TEE são modelos de intervenção baseados na regulação emocional e que demonstram aplicabilidade clínica e perspectiva de se tornarem abordagens reconhecidamente eficazes no tratamento da AN (Leahy et al., 2013; Wildes & Marcus, 2011). É importante ressaltar que, embora a EABT pareça uma alternativa plausível para o tratamento de adolescentes e adultos com AN, são necessárias mais pesquisas para determinar sua eficácia (Wildes & Marcus, 2011). A TEE, por sua vez, representa uma opção de abordagem que pode ser utilizada para tratar pacientes com AN, pois é empiricamente testada quanto à sua eficácia para depressão e ansiedade (Leahy et al., 2013).

Embora não seja específica para o tratamento da AN, o uso das técnicas propostas pela TEE pode oferecer, ao paciente, formas construtivas e significativas de usar a experiência emocional, tornando-se parte essencial do tratamento desse TA. A TEE pode contribuir no tratamento da AN promovendo a substituição do uso de estratégias de evitação/supressão da emoção (por meio da restrição alimentar e de comportamentos purgativos) por estratégias como a identificação das emoções, a aceitação de estados emocionais, a ativação comportamental e o desenvolvimento de relacionamentos sociais significativos (Leahy et al., 2013).

 

CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi revisar publicações que investigaram a aplicabilidade das estratégias das TCCs de terceira geração no tratamento da AN e, assim, promover e incentivar o uso e o desenvolvimento de técnicas psicoterapêuticas mais eficazes. Os dados dos estudos e teorias apresentados indicaram a necessidade da abordagem emocional - em um sentido transversal e continuado - no tratamento da AN. Os resultados apontaram para a escassez de abordagens psicoterapêuticas específicas para tratar a AN. Não obstante, existem modelos de psicoterapia - como a TEE e a EABT - que focam a regulação emocional e que, portanto, contemplam a recomendação da literatura especializada.

Nesse sentido, este estudo contribui com informações para orientar psicoterapeutas que utilizam as abordagens da TCC e que enfrentam dificuldades para tratar pacientes com AN com as técnicas tradicionais. Sugere-se, assim, a possibilidade de ganhos terapêuticos com a introdução de técnicas para desenvolver a capacidade de regulação emocional desses pacientes.

Dessa abordagem, poderão resultar consideráveis progressos terapêuticos em relação às dificuldades dos pacientes com AN em reconhecer, comunicar e lidar com as emoções e com os problemas na esfera interpessoal. Ademais, este estudo também alerta para a necessidade de mais pesquisas que atestem a eficácia das estratégias de regulação emocional no tratamento dessa patologia, com a intenção precípua de proporcionar tratamentos psicológicos de qualidade aos pacientes com AN.

Embora tenha atingido o objetivo proposto, este estudo tem limitações. Foram utilizadas duas bases internacionais e selecionados apenas os textos completos publicados nos últimos cinco anos. Como consequência, apenas um estudo nacional (Torres et al., 2011) foi incluído na análise. A partir disso, sugere-se a realização de revisões mais extensas - incluindo publicações dos últimos 10 anos - e detalhadas sobre o uso de técnicas de TCC de terceira geração nos TAs, em especial na AN.

 

REFERÊNCIAS

American Psychiatry Association (APA). (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5. ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Beadle, J. N., Paradiso, S., Salerno, A., & McCormick L. M. (2013). Alexithymia, emotional empathy, and self-regulation in Anorexia Nervosa. Annals of Clinical Psychiatry, 25(2),107-120.         [ Links ]

Brown, T. A., & Keel, P. K. (2012). Current and emerging directions in the treatment of eating disorders. Substance Abuse: Research and Treatment, 6,33-61.         [ Links ]

Courty, A., Godart, N., Lalanne, C., & Berthoz, S. (2014). Alexithymia, a compounding factor for eating and social avoidance symptoms in anorexia nervosa. Comprehensive Psychiatry, 56,217-228.         [ Links ]

Davenport, E., Rushford, N., Soon, S., & McDermott, C. (2015). Dysfunctional metacognition and drive for thinness in typical and atypical anorexia nervosa. Journal of Eating Disorders, 24(3),1-9.         [ Links ]

Fiore, F., Ruggiero, G. M., & Sassaroli, S. (2014). Emotional dysregulation and anxiety control in the psychopathological mechanism underlying drive for thinness. Frontiers in Psychiatry, 24,5-43.         [ Links ]

Haynos, A. F., Crosby, R. D., Engel, S. G., Lavender, J. M., Wonderlich, S. A., Mitchell, J. E., ... Le Grange, D. (2015). Initial test of an emotional avoidance model of restriction in anorexia nervosa using ecological momentary assessment. Journal of Psychiatric Research, 68,134-139.         [ Links ]

Haynos, A. F., Roberto, C. A., & Attia, E. (2015). Examining the associations between emotion regulation difficulties, anxiety, and eating disorder severity among inpatients with anorexia nervosa. Comprehensive Psychiatry, 60,93-98.         [ Links ]

Haynos, A. F., Roberto, C. A., Martinez, M. A., Attia, E., & Fruzzetti, A. E. (2014). Emotion regulation difficulties in anorexia nervosa before and after inpatient weight restoration. The International Journal of Eating Disorders, 47(8),888-891.         [ Links ]

Hofmann, S. G., & Asmundson, G. J. (2008). Acceptance and mindfulness-based therapy: new wave or old hat? Clinical Psychology Review, 28(1),1-16.         [ Links ]

Leahy, R. L., Tirch, D., & Napolitano, L. A. (2013). Por que a regulação emocional é importante? In R. L. Leahy, D. Tirch, & L. A. Napolitano, Regulação emocional em psicoterapia : Um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental (pp. 19-49). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Lulé, D., Schulze, U. M., Bauer, K., Schöll, F., Müller, S., Fladung, A. K., & Uttner, I. (2014). Anorexia nervosa and its relation to depression, anxiety, alexithymia and emotional processing deficits. Eating and Weight Disorders-Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 19(2),209-216.         [ Links ]

Melo, W.V. (Org.). (2014). Estratégias psicoterápicas e a terceira onda em terapia cognitiva. Novo Hamburgo: Sinopsys.         [ Links ]

Murphy, R., Straebler, S., & Fairburn, C. G. (2010). Cognitive behavioral therapy for eating disorders. The Psychiatric Clinics of North America, 33(3),611-627.         [ Links ]

Oldershaw, A., Lavender, T., Sallis, H., Stahl D., & Schmidt, U. (2015). Emotion generation and regulation in anorexia nervosa: A systematic review and meta-analysis of self-report data. Clinical Psychology Review, 39,83-95.         [ Links ]

Ritschel L. A., Lim N. E., & Stewart L. M. (2015). Transdiagnostic applications of DBT for adolescents and adults. American Journal of Psychotherapy, 69(2),111-128.         [ Links ]

Schulte-Rüther, M., Mainz, V., Fink, G. R., Herpertz-Dahlmann, B., & Konrad, K. (2012). Theory of mind and the brain in anorexia nervosa: Relation to treatment outcome. Journal of the American Academy of Child & Adolescet Psychiatry, 51(8),832-841.         [ Links ]

Torres, S., Guerra M. P., Lencastre, L., Vieira, F., Roma-Torres, A., & Brandão, I. (2011). Prevalência da alexitimia na anorexia nervosa e sua associação com variáveis clínicas e sociodemográficas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 60(3),182-189.         [ Links ]

Wildes J. E., & Marcus, M. D. (2011). Development of emotion acceptance behavior therapy for anorexia nervosa: a case series. The International Journal of Eating Disorders, 44(5),421-427.         [ Links ]

Wildes J. E., Ringham, R. M., & Marcus, M. D. (2010). Emotion avoidance in patients with anorexia nervosa: initial test of a functional model. The International Journal of Eating Disorders, 43(5),398-404.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
SQSW 102 bloco J apartamento 606, Bairro Sudoeste
Brasília - DF, CEP 70670-210

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 25 de fevereiro de 2016. cod. 414.
Artigo aceito em 31 de agosto de 2016.

Creative Commons License