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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.12 no.2 Rio de Janeiro dez. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20160014 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Esquemas iniciais desadaptativos e habilidades sociais educativas: pais e mães

 

Early maladaptive schemes and social educational skills: fathers and mothers

 

 

Mariana SquefiI; Ilana AndrettaII

IMestre em psicologia clínica - (Psicóloga Clínica, Diretora da Nexus Psicologia Cognitiva e Professora da Wainer Psicologia Cognitiva) - Porto Alegre - RS - Brasil
IIDoutora em Psicologia - (Psicóloga Clínica, Professora Universitária)

Correspondência

 

 


RESUMO

Esquemas de interpretação parentais e habilidades no processo de educação dos filhos são fundamentais para o desenvolvimento saudável das crianças. O presente estudo objetiva identificar se os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) e as Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P) diferem entre pai e mãe. Trata-se de um estudo transversal comparativo, do qual participaram 154 pais (46 pais e 108 mães), incluídos por terem ao menos um(a) filho(a) com idade entre sete e 11 anos. Os pais responderam um questionário de dados sociodemográficos, o Inventário dos Esquemas de Jeffrey Young (YQS-S3) e o Inventário de Habilidades Sociais Educativas - Pais (IHSE-Pais). Os resultados apontam que as mães apresentaram maiores escores nos EIDs de dependência/incompetência, emaranhamento, fracasso e autossacrifício e também se apresentaram mais habilidosas que os pais no fator total das HSE-P, em estabelecer limites e na comunicação com seus filhos. Embora as mães tenham se apresentado mais habilidosas em práticas educativas, os esquemas identificados interferem em interpretações distorcidas sobre fatos, o que na maternidade pode influenciar nas habilidades das mães em educar e estimular os filhos. Acredita-se que os resultados auxiliem pesquisadores e clínicos com medidas preventivas e maior aprofundamento sobre a diferença de interpretação e práticas educativas entre pai e mãe.

Palavras-chave: Esquemas Iniciais Desadaptativos; Habilidades Sociais Educativas Parentais; Diferenças entre Pais e Mães


ABSTRACT

Parental interpretational schemes and skills in the process of parenting are critical to the healthy development of children. The present study aims to determine whether the Early Maladaptive Schemas (EMS) and Social Educational Skills (P-SES) differ between father and mother. This is a cross-sectional study of comparative type, which was attended by 154 parents (46 fathers and 108 mothers) who were included for having at least one child aged between seven and 11 years. The parents answered a questionnaire on sociodemographic data, the Jeffrey Young Schema Inventory (YQS-S3) and the Social Educational Skills Inventory for parents of Del Prette and Del Prette. The mothers presented higher scores in the EMS of dependence / incompetence, entanglement, failure and self-sacrifice, and also were more skilled than the fathers in the total P-SES factor, in establishing limits and in communication with their children. Although mothers have shown themselves to be more skillful in educational practices, the identified schemes interfered with distorted interpretations of facts, which in motherhood may influence the ability of mothers to educate and stimulate their children. Results support researchers and clinicians with preventive measures, providing a further interpretation in educational practices that differentiate fathers and mothers.

Keywords: Early Maladaptive Schemes; Parental Educational social Skills; Differences Between Parents and Mothers


 

 

INTRODUÇÃO

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) são padrões emocionais e cognitivos responsáveis por processos de funcionamento da personalidade, definidos como crenças e sentimentos tomados como verdades sobre si e sobre o mundo (Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Segundo o autor, a origem dos EIDs ocorre a partir de necessidades emocionais fundamentais não atendidas na infância e adolescência, situações repetitivas e/ou eventos traumáticos em relação a demandas que necessitavam serem supridas pelos pais ou cuidadores.

Dessa forma, Young (2003) identificou 18 EIDs que são agrupados em cinco domínios, correspondendo às cinco necessidades fundamentais na infância: I) necessidades de vínculos seguros; II) senso de autonomia e de competência; III) limites realistas e de autocontrole; IV) liberdade de expressão; V) espontaneidade e lazer. Assim, cada demanda emocional que não foi satisfeita nas fases do desenvolvimento infantil e adolescência poderá originar um determinado domínio esquemático.Os EIDs e seus respectivos Domínios são descritos da seguinte forma (Young et al., 2008):

• I Domínio – Desconexão e Rejeição: privação emocional, abandono, desconfiança/abuso, isolamento/alienação e defectividade/vergonha.

• II Domínio – Autonomia e Desempenho Prejudicados: fracasso, dependência/incompetência, vulnerabilidade ao dano e doença e emaranhamento.

• III Domínio – Limites prejudicados: grandiosidade/arrogo e autocontrole/autodisciplina insuficientes.

• IV Domínio – Direcionamento para o outro: subjugação, autossacrifício e a busca de aprovação/busca de reconhecimento.

• V Domínio – Supervigilância e Inibição: inibição emocional; padrões inflexíveis; negativismo/pessimismo e uma postura punitiva.

Após terem seu desenvolvimento cristalizado na formação da personalidade, os EIDs são ativados por situações ambientais, que normalmente acontecem pela revivência de emoções ou situações que foram familiares e estressantes na infância ou adolescência. Nessa fase entende-se que eles não tinham como lidar de outra forma com as demandas do ambiente ou de seus familiares. Na adultez, os EIDs acabam mediando a interpretação dos fatos da vida do indivíduo, a sua interação com o ambiente e as suas relações interpessoais de forma desadaptativa (Young, 2003).

Essas interpretações desadaptativas, interferem em diversos papéis desempenhados na vida adulta e os aspectos que envolvem a parentalidade podem ser ativadores de respostas cognitivas e emocionais, bem como influenciar na interpretação irrealista de práticas educativas com seus filhos (Azar, Nix, & Makin-Byrd, 2005). Nessa interação, a capacidade parental acaba sendo guiada pelo humor parental e não pelo caráter educativo, que envolve habilidades parentais de estímulo e orientação aos filhos.

As habilidades parentais estabelecidas no processo de educação dos filhos, com objetivo de promover a aprendizagem e desenvolvimento do outro são chamadas de Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P). O termo refere-se a um conjunto de habilidades sociais dos pais que incluem as práticas educativas aplicáveis na educação dos seus filhos, assim como a aquisição de habilidades sociais infantis (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2010; Del Prette & Del Prette, 2013).

Estudos têm realizado comparações das HSE-P e problemas de comportamento infantil, com o intuito de verificar aspectos comportamentais, como as habilidades parentais para a melhoria da relação familiar. Nesse sentido, pais e mães que demonstraram prejuízo nas HSE-P tinham filhos que apresentavam problemas de comportamentos e eram menos hábeis socialmente (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011; Leme & Bolsoni-Silva, 2010).

Em um estudo comparativo que objetivou verificar a percepção dos filhos sobre as HSE-P, identificou-se que as mães apresentaram melhores indicadores na participação educativa em comparação aos pais (Cia, Pamplin & Del Prette, 2006). Em outro estudo comparativo, o qual buscou comparar as HSE-P entre pais e mães, os resultados demonstraram que as mães também se envolviam mais em habilidades de comunicação e expressividade do que os pais (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008).

Em relação a aspectos cognitivos, estudos empíricos no âmbito nacional, que visam comparar EIDs de pais e mães não foram encontrados, mas identificados pesquisas internacionais que apontam maior número de estudos com mães e filhos, relacionando EIDs das mães a problemas de comportamentos dos filhos (Blissett, Meyer, Farrow, Bryant-Waugh, & Nicholls, 2005; Creveling, Varela, Weems, & Corey, 2010). No mesmo sentido, Sierra, Cortés e García (2012) investigaram 300 mães acerca da relação de seus esquemas cognitivos e a frequência de sintomas externalizantes infantis. As dificuldades das mães exercerem controle sobre suas emoções e controlar seus impulsos em relação aos comportamentos apresentados pelos seus filhos apareceram como preditoras da frequência de problemas de comportamentos nos filhos. Os esquemas cognitivos maternos de autocontrole insuficiente, desconfiança/abuso, inibição emocional e padrões inflexíveis mediaram a relação entre a intensificação dos sintomas nos filhos.

Dessa forma, a literatura indicaque a maioria das pesquisas foi realizada a partir da perspectiva de práticas inefetivas de educação, associadas a problemas de comportamento dos filhos. Além disso, os resultados das pesquisas estão mais diretamente relacionados à figura materna, principalmente na avaliação de práticas educativas. Porém, percebe-se a escassez de estudos empíricos de âmbito nacional que envolvam aspectos cognitivos, visando compreender como os aspectos de interpretação e práticas educativas podem diferir em pais e mães. Entretanto, pela perspectiva da teoria de esquemas de Jeffrey Young, entende-se que padrões de pensamentos desadaptativos podem estar relacionados a estruturas mais profundas de interpretação dos fatos. Diante de tal problematização, este trabalho objetiva identificar se existe diferença entre EIDs e HSE-P em pais e mães.

 

MÉTODO

Delineamento

Trata-se de um estudo transversal, utilizando a metodologia quantitativa e o delineamento comparativo.

Participantes

A amostra foi composta de 154 pais e mães, residentes na Região Metropolitana de Porto Alegre. Como critério de inclusão, os participantes deveriam ter, ao menos, um/a filho/filha com idade entre sete e 11 anos. Não se buscou avaliar ou determinar previamente outros critérios para a inclusão ou exclusão no estudo.

 

INSTRUMENTOS

Questionário de dados sociodemográficos

Utilizado para identificar características sociodemográficas dos pais (idade, estado civil, escolaridade, número de filhos, carga horária de trabalho),além de dados sobre o(s) filho(s) (idade, escolaridade, sexo)e Critérios de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015).

Inventário dos Esquemas de Jeffrey Young (Young Schema Questionnaire YSQ-S3, desenvolvido por Young, 2003)

Trata-se de um questionário de autorrelato composto por 90 itens, traduzido e validado para o português por Rijo e Pinto Gouveia (1999). A versão utilizada nesse estudo avalia 18 EIDs. Cada esquema está representado por uma grade de correção através de cinco afirmações que são apresentadas aleatoriamente no instrumento. A proeminência de cada esquema é determinada através dos valores médios do grupo de itens destinados a avaliá-lo, por meio do somatório dos resultados de cada grupo de cinco questões. Essa versão foi formulada por Jeffrey Young a partir da primeira versão de 205 itens, e a cotação é feita através de uma escala Likert de um a seis pontos, em que um corresponde a "Completamente falso, isto é, não tem absolutamente nada a ver com o que acontece comigo" e seis corresponde a "Descreve-se perfeitamente, isto é, tem tudo a ver com o que acontece comigo". No YSQ-S3, na validação portuguesa, encontrou-se uma estrutura de 18 fatores, correlações item-total moderadas, e um Alfa de Cronbach do total com os itens de 0,967. Para o presente estudo, o índice de confiabilidade para o total de itens foi estimada em 0,965 resultando muito próximo ao valor obtido pelo estudo de validação, indicando excelente confiabilidade.

Inventário de Habilidades Sociais Educativas – versão Pais (IHSE-Pais, Del Prette & Del Prette, 2013)

Avalia comportamentos sociais apresentados na relação com os filhos. Trata-se de um inventário de autorrelato, em processo de validação. O inventário é composto por 60 itens, respondidos pelos pais em uma escala Likert que varia de "Nunca" ou "Quase Nunca" (0) a "Sempre" ou "Quase Sempre" (4). Os itens da escala foram elaborados a partir do Sistema de Categorias de Habilidades Sociais Educativas, proposto por Del Prette & Del Prette (2008). As propriedades psicométricas preliminares foram aferidas em uma amostra de 433 genitores (25% pais e 75% mães) de filhos entre dois e 17 anos. As faixas etárias são distribuídas em normas por idades de: (dois a seis anos), (sete a 11 anos) e de (12 a 17 anos). Optou-se pelas faixas etárias dos filhos dos sete aos 11 anos. Nesta fase, estão presentes exigência de cuidados parentais quanto o suporte emocional, de relações interpessoais e de questões escolares, além da parentalidade estar presente por mais tempo.O instrumento produziu um escore total (α=0,957) e cinco escores fatoriais produzidos por fatoração de eixos principais: F1 – "Estabelecer limites, corrigir, controlar" (α=0,936); F2 – "Demonstrar afeto e atenção" (α=0,883); F3 – "Conversar/dialogar" (α=0,851); F4 – "Induzir disciplina" (α=0,791); F5 – "Organizar condições educativas" (α=0,748). Os fatores deste estudo foram computados pelos autores do instrumento, por meio de soma simples dos valores dos itens que estão agrupados em cada escore fatorial, sendo que para uma interpretação mais fidedigna foram calculados os escores médios de cada fator, em que a soma total foi dividida pelo número de itens de cada fator (Del Prette & Del Prette, 2013). No presente estudo, o Alpha de Crombach com maior confiabilidade foram em F1 (α= ,940), seguidos do F2 (α=0,866) e F3 (α=0,800) e o menor nível de confiabilidade em F4 (α=0,714) e F5 (α=0,768), resultados que também se mostraram coerentes quando comparados ao estudo preliminar.

 

PROCEDIMENTOS

O presente estudo seguiu os procedimentos éticos conforme a Resolução nº 139/15 do Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 2012), acerca da pesquisa com seres humanos. Salientando-se que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (parecer 15/156). Os participantes foram contatados por conveniência, mediante convites presenciais ou por telefone, divulgados em redes sociais gratuitas e e-mails. Foi realizado também o critério de amostragem não probabilística do tipo "bola de neve". Assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e preencheram os questionários de forma autoaplicável. Os pais que possuíam mais de um filho, foram solicitados a escolher apenas um dos filhos para responder, conforme regulamento de instrução do IHSE-Pais.

 

ANÁLISE DE DADOS

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0, onde foram realizadas análises descritivas (porcentagens, frequências, médias, desvio padrão) e inferenciais (Teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, Teste de Mann-Whitney, t-Student e Análise de Covariância). O nível de significância adotado foi de 5%.

 

RESULTADOS

Sobre os grupos investigados composto por pais e mães, a amostra foi dividida em dois grupos: 70,1% (n=108) do sexo feminino e 29,9% (n=46) do sexo masculino, residentes na Região Metropolitana de Porto Alegre, a idade variando entre 24 e 59 anos (M=38,8 anos DP=6,5). Os participantes em sua maioria eram casados (71,4%, n=110), com ensino superior completo (27,9%, n=43). Segundo os Critérios de Classificação Econômicas Brasil, 25,3% (n=38) pertenciam à Classe A2, enquanto que, 29,3% (n=44) pertenciam à Classe B1, e esta mesma proporção à Classe B2.

Foi comprovada a homogeneidade entre os grupos de pais e mães quanto à idade, faixa de escolaridade, estado civil, número de filhos, carga horária de trabalho, situação atual de trabalho e classificação econômica, o que indica que os grupos são passíveis de serem comparados. A única diferença significativa foi a variável idade (pai: M=40,9; DP=6,8 vs. mãe: M=37,9; DP=6,2; t-Student= 2,608; p=0,010).

Na comparação das médias dos EIDs e das HSE-P entre pais e mães, foram detectadas diferenças estatísticamente significativas, sendo que neste primeiro momento não foi considerado o fator independente idade, que inicialmente diferiu entre os dois grupos. Em uma segunda etapa considerou-se a comparação dos EIDs e das HSE-P que se mostraram significativas, entre pais e mães, sobre a influência da variável idade, através da Análise de Covariância (ANCOVA). O resultado apontou que a idade dos investigados não apresentou impactos sobre as diferenças observadas.

Nas comparações entre os EIDs em relação a pai e mãe, conforme consta na Tabela 1, verificou-se diferença entre os grupos, indicando que as mães mostraram pontuações mais elevadas que os pais nos esquemas de dependência/incompetência, emaranhamento, fracassoe autossacrifício.

Após, avaliando a diferença entre HSE-P de pai e mãe, as pontuações médias das mães também se mostraram mais elevadas que dos pais. Os resultados demonstraram que as médias mais elevadas foram nos fatores estabelecer limites, corrigir e controlar, conversar e dialogar e no fator total das HSE-P, conforme descrito na Tabela 2.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, as mães em comparação aos pais apresentaram pontuações mais elevadas em relação aos EIDs de dependência/incompetência, emaranhamento e fracasso. Segundo o construto de Young (2003), estes esquemas pertencem ao domínio de autonomia e desempenho prejudicados, que interfere nas expectativas sobre sí e sobre o ambiente de incapacidade de se separar e sobreviver de forma independente. Tais resultados também foram identificados em estudos que diferem gênero masculino e feminino, indicando que as mulheres apresentam mais distorções de pensamento em relação aos homens (Luz, Santos, Cazassa, & Oliveira, 2012; Shorey, Stuart, & Anderson, 2012; Shorey, Stuart, & Anderson, 2013).

Nessa perspectiva, Zlomke e Hahn (2010)apontam que, diante de um evento estressor, há distinção entre a percepção do homem e da mulher. Os homens, frente à uma ameaça, por serem mais práticos e objetivos que as mulheres, geralmente utilizam estratégias automáticas de resolução de problemas, o que nas mulheres não ocorre igualmente, fazendo com que estas acabem negando o evento negativo, resultando em maior ansiedade e em preocupação excessiva.

Outro ponto a se considererar em relação às mães apresentarem mais EIDs que os pais, é que as mães, assumindo o papel do gênero feminino, apresentam maior vulnerabilidade psicológica e predisposição a psicopatologias do que os homens (Boscardin & Kristensen, 2011; Brenning, Bosmans, & Theuwis, 2012; McBride, Bacchiochi, & Bagby, 2005), o que possivelmente está relacionado a estratégias de enfrentamento menos efetivas presentes no gênero feminino (Garnefski, Teerds, Kraaij, Legerstee, & Kommer, 2004). Diante disso, pode-se dizer que os EIDs presentes no domínio autonomia e desempenho prejudicados, por apresentarem sensações de insegurança em executar atividades cotidianas sem o auxílio de outra pessoa, acabam resultando em estratégias comportamentais desadaptativas de dependência e necessidade do outro para resolução de problemas, incluindo o exercício e demandas que compreendem a maternidadee práticas de educar (Wainer, Paim, Erdos, & Andriola, 2016).

Dessa forma, entende-se que devido as mães apresentarem maiores índices nos EIDs de fracasso e dependência/incompetência, experenciam a ideia de que não irão dar conta, que fracassarão ou se sentirão incompetentes na educação dos filhos, acabando, assim, por terceirizar ou depender dos outros para práticas educativas (Lopes, 2011). Da mesma forma, mães emaranhadas com a família de origem podem apresentar dificuldade em criar e educar seus filhos com autonomia, como é interpretado pelo esquema de emaranhamento (Azar et al., 2005).

No que se refere ao esquema de autossacrifício, que pertence ao domínio de orientação para o outro, as mães também apresentaram mais este esquema em relação aos pais. Pessoas com este esquema mais ativado tendem a apresentar um foco excessivo nas necessidades dos outros e acreditam que as suas necessidades têm que ser reprimidas para serem amadas e reconhecidas (Young, 2003).

Um estudo nacional que objetivou verificar se os EIDs diferem entre homens e mulheres, identificaram nos resultados que o esquema de autossacrifício apresenta maior índice no gênero feminino do que no masculino. Ainda assim, foi identificado que as mulheres apresentam mais comportamentos de autosacrificio nas relações profissionais e de submissão dos seus prazeres nos relacionamentos afetivos (Luz et al., 2012). Na maternidade, as mães apresentam desde a gestação, bem como diante dos cuidados e alimentação do seu bebê, mudanças na sua rotina diária e profissional que colocam suas necessidades em segundo plano (Rosa et al., 2010).

Entende-se que, na maternidade, mães com esquema de autossacrifício podem apresentar a mesma sensação, podendo assim, experimentar a prática educativa como um lugar de grande sacrifício e subjugação das suas necessidades e deixar de lado a sua individuação (Azar et al., 2005). Por este motivo, acabam cobrando dos filhos algo em troca, como reconhecimento ou aprovação, ou apresentando manifestações e explosões de raiva (Azar, Reitz, & Goslin, 2008). Estas manifestações podem interferir em prejuízo na relação pais e filhos, assim como prejuízos na autoestima infantil, necessitando de aceitação social, em prol de obter amor e atenção (Wainer, 2016).

Os aspectos que envolvem a parentalidade podem apresentar respostas automatizadas, em que não se dispõe espaço para olhar as consequências ou prejuízos. A prática parental acaba sendo guiada pelo humor parental e não pelo caráter educativo.Dessa forma, o autoconhecimento dos EIDs na parentalidade é extremamente necessário já que nesta fase ocorrem diversas mudanças na configuração do casal, percepções diferentes sobre a educação, lembranças das suas histórias infantis, assim como um maior investimento dos pais com seus filhos (Azar et al., 2008; Lopes & Lopes, 2015).

Quanto às categorias de HSE-P investigadas em relação a pai e mãe, as mães relataram serem mais habilidosas que os pais em comunicação e expressividade com seus filhos, bem como estabeleciam mais limites e demonstravam mais controle dos seus comportamentos. Além disso, sobressaíram-se no fator total das habilidades em educar. Tais achados corroboram o estudo de Bolsoni-Silva e Marturano (2008), que objetivou comparar as HSE entre pais e mães, apresentando nos resultados que as mães se envolviam mais com os filhos, apresentando mais habilidades de comunicação e expressividade que os pais. No mesmo sentido, em um estudo que avaliou a percepção dos filhos sobre as habilidades parentais, as mães também foram percebidas como apresentando melhores indicadores de comunicação e participação do que os pais(Cia et al., 2006). As autoras Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) identificaram em seus achados que as mães, além de conversarem mais com os filhos e expressarem mais sentimentos e opiniões, também estabeleciam mais limites diante de comportamentos inadequados dos filhos. A redução de tais comportamentos tende a contribuir com a diminuição de práticas negativas com punições ou gritos para restrição de comportamentos infantis (Brasil & Cia, 2013; Bolsoni-Silva & Loureiro, 2010).

Tendo em vista as HSE se destacarem mais nas mães, há duas possíveis explicações para tais achados. A primeira, em relação à diferença de vínculos materno e paterno, em que as mães foram identificadas como mais cuidadosas do que os pais (Zafiropoulou, Avagianou, & Vassiliadou, 2014). A segunda corresponde ao nível de sensibilidade ser um fator marcante que difere a personalidade de homens e mulheres. Estas apresentam um nível mais alto de sensibilidade para com os outros do que os homens, como estarem atentas às necessidades,às opiniões e aos desejos das outras pessoas (Bekker & Assen, 2008). Além disso, há outros fatores que contribuem com essa diferenciação, como questões culturais e crenças sociais que caracterizam cada gênero separadamente. As mães, mais especificamente, que na maioria dos casos são as principais responsáveis na educação dos filhos, podendo expressar mais livremente seus sentimentos e afeto. Em contrapartida, os pais assumem o papel do sexo masculino, que apresenta maior restrição emocional e de envolvimento que a mulher (Zamarripa, Wampold, & Gregory, 2003).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo trouxe contribuições a respeito da diferença entre pais e mães em relação aos EIDs e às HSE-P. Além do mais, demonstra a importância de uma área inovadora e não tão explorada, levando-se em consideração aspectos cognitivos, como EIDs parentais, possibilitando a compreensão da diferença de padrões desadaptativos entre pai e mãe e de práticas educativas.

A sensibilidade das mães, assim como influências culturais, possibilita ainda às mães serem mais habilidosas na educação dos filhos e se expressarem mais que os pais. Acerca desta questão, a complexidade dos sentimentospresentes no gênero feminino acaba contribuindo para uma maior vulnerabilidade psicológica e pré-disposições de esquemas disfuncionais, bem como a psicopatologias, podendo influenciar de forma negativa na interpretação realista de fatos e questões sobre o comportamento esperado do desenvolvimento infantil.

O fato das mães apresentarem mais esquemas presentes no domínio de autonomia e desempenho prejudicados, que interferem na interpretação da capacidade e desempenho em lidar com diversas situações que envolvem autonomia. Na maternidade, estas interpretações podem interferir em modelos educativos inefetivos, superprotetor e geralmente destruidor da confiança da criança. Nesse sentido, vão apresentar dificuldade de dar para os filhos espaço para autonomia, assim como estimulá-los em habilidades educativas que envolvem tomadas de decisões e resolução de problemas.No esquema de autossacrificio, em que as mães por apresentarem comportamentos de estar sempre pronta a atender as necessidades dos outros em prol de obter amor e admiração, não valorizando as suas próprias opniões e desejos. No exercício da maternidade podem interferir em déficits de modelo e práticas educativas, que envolvem estimular nas escolhas e realizações pessoais, sem se preocupar com desejos externos, o que faz com que a autoestima fique condicionada a aceitação social.

No que tange às limitações deste estudo, a amostra não foi diferenciada como clínica e não clínica, o que possibilitaria verificar possíveis diferenças entre estas variáveis a fim de maior aprofundamento para fins psicoterápicos de auxílio dos pais na clínica infantil e treino de pais. Com base nos resultados deste estudo, sugestionam-se estudos futuros de intervenção preventiva com casais de pais, uma vez que, o maior envolvimento de ambos os pais pode ser benéfico na divisão dos papéis parentais, em que as mães ainda acabam se envolvendo mais nessa prática, quanto para os filhos que podem receber mais apoio e sentirem-se menos negligenciados.

Outra sugestão diz respeito a estudos que avaliem também o comportamento dos filhos, além dos esquemas parentais e as HSE-P. Apesar da ausência dessa informação, os resultados do presente estudo possibilitam uma reflexão para pesquisadores e clínicos, permitindo desconstruir crenças e pensamentos mais profundos das mães que podem interferir nas práticas de educação, assim como verificar medidas que auxiliem os pais se envolverem mais em estímulos educativos com os seus filhos.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Mariana Squefi
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 02 de dezembro de 2016. cod. 466
Artigo aceito em 02 de março de 2018

 

 

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Programa de Pós Graduação em Psicologia Centro de Ciências da Sáude

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