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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.12 no.2 Rio de Janeiro dez. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20160017 

COMUNICAÇÕES BREVES

 

Terapia cognitivo-comportamental para tratamento de diabetes

 

Cognitive-behavioral therapy for treatment of diabetes

 

 

Alessandra Almeida AssumpçãoI; Carmem Beatriz NeufeldI; Maycoln Leoni Martins TeodoroIII

IMestra em Medicina Molecular-UFMG e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia. Departamento de Psicologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais
IIDoutora em Psicologia pela PUC- RS e pós-doutorado na UFRJ - (Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo-Ribeirão Preto)
IIIDoutor em Psicologia pela Albert Ludwigs Universität Freiburg e pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - (Professor adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais)

Correspondência

 

 


RESUMO

Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica na qual os desfechos de curto, médio e longo prazo são dependentes do automanejo da doença. Quando o quadro somático é associado a sintomas depressivos, de ansiedade e de burnout de DM pode apresentar como consequência pior prognóstico. É fundamental que pacientes com DM associado a problema emocional tenham atenção psicoterapêutica visando melhorar o autocuidado e o alívio ou minimização dos sintomas psicopatológicos. O presente artigo apresenta o relato de caso de uma paciente com diagnóstico de DM1, sintomas leves de depressão e burnout de DM atendida nos anos de 2015 e 2016 no Hospital das Clínicas/UFMG. São discutidas as metas levantadas para o tratamento e descrita a intervenção realizada a partir da abordagem Cognitivo-Comportamental e do Modelo de mudança de comportamentos de Greaves e colaboradores (2010). Em tal modelo, são representadas fases e etapas pelas quais os pacientes percorrem para chegar à modificação de comportamentos. Finalmente, são discutidos os impasses e resultados alcançados no processo terapêutico. Considerou-se o caso relevante, por ser possível verificar que a intervenção psicológica contribui no cuidado de pacientes com DM.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Terapia Cognitivo-Comportamental; Estilo de vida.


ABSTRACT

Diabetes Mellitus (DM) is a chronic disease in which short, medium and long-term outcomes are dependent on the self-management of the disease. When the somatic picture is associated with depressive, anxiety and burnout symptoms of DM, it may have a worse prognosis. Thus, it is argued that patients with DM associated with emotional problems need psychotherapeutic attention in order to improve self-care and the relief or minimization of psychopathological symptoms. This article will present the case report of a patient diagnosed with DM1, mild symptoms of depression and burnout of DM attended in the years 2015 and 2016 at Hospital das Clínicas / UFMG. We will discuss the goals set for the treatment and described the intervention performed with Cognitive-Behavioral Therapy approach and the Greaves and coleagues (2010) "Process model for supporting lifestyle behaviour change". In such a model, we represent the phases and the steps that patients are required to go through in order to achieve behavior modification. Finally, will be discussed the main impasses and results achieved in the therapeutic process. The relevant case was considered, because it is possible to notice that psychological intervention contributes greatly to the care of patients with DM.

Keywords: Diabetes Mellitus; Cognitive-Behavioral Therapy; Life Style.


 

 

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA TRATAMENTO DIABETES

Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica na qual os desfechos de curto, médio e longo prazo são dependentes do automanejo da doença. Quando o quadro somático é associado a sintomas depressivos, de ansiedade e de burnout de DM pode apresentar como consequência pior prognóstico. Em função disso, defende-se que pacientes com DM associado a problema emocional necessitam atenção psicoterapêutica com a finalidade de contribuir para o autocuidado dos sintomas de DM e o alívio ou minimização dos sintomas psicopatológicos. Outra finalidade é criar, juntamente com o paciente, novas estratégias para realizar a mudança de comportamentos que propiciem melhor controle glicêmico e bem estar psicológico (Barnard & Lloyd, 2015).

DM diz respeito a umconjunto de distúrbios metabólicos de etiologia múltipla, caracterizados por hiperglicemia crônica e distúrbios no metabolismo de proteínas, carboidratos e gorduras, provenientes de defeitos na ação ou na secreção da insulina, podendo ocorrer devido a essas duas condições concomitantemente (Substituir por Alberti & Zimmet, 1998). A DM pode ser classificada em tipo 1 (DM1), tipo 2 (DM2), gestacional e outros tipos específicos. A DM1 resulta da destruição extensa das células beta do pâncreas, produtoras de insulina, determinando a deficiência absoluta desse hormônio no organismo. Esse tipo acomete mais frequentemente crianças, adolescentes e adultos jovens. Os sintomas surgem de forma abrupta e têm progressão clínica acentuada e rápida, podendo levar ao coma hiperglicêmico em poucos dias.É importante destacar que o DM1 é insulinodependente desde o início do tratamento e que o quadro acomete entre 5% e 10% da população com DM. O tratamento inclui uso de insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividade física visando o controle dos níveis glicêmicos no sangue (Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD], 2012).

Já na DM2 pelo menos duas situações estão presentes: redução daprodução de insulina – relativa nos primeiros anos de doença e progressiva com a evolução – e má utilização da insulina pelo organismo, fenômeno atribuído à resistência a esse hormônio. É mais frequentemente diagnosticada em adultos acima dos 35 anos de idade, com evolução insidiosa e paucissintomática, motivo pelo qual a doença pode passar despercebida por longos períodos de tempo e retardar o diagnóstico e tratamento. Cerca de 90% das pessoas com DM apresenta o tipo 2. Os pacientes com DM2 são tratados com dieta alimentar, prática de exercícios físicos e medicação oral. Ao longo da evolução da doença, a maior parte dos pacientes demandará tratamento com insulina (Alberti & Zimmet, 1998).

O uso de insulina é essencial no tratamento da DM1 e deve ser instituído assim que o diagnóstico for realizado (SBD, 2015). O uso correto do medicamento é eficaz em reduzir as complicações da DM. As complicações do DM podem ser agudas e crônicas, dentre as agudas estão a hiperglicemia e a hipoglicemia. Já as complicações crônicas podem ser macrovasculares (doenças arteriais coronarianas e vasculares periféricas) e microvasculares (retinopatia, neuropatias) (Pontieri & Bachion, 2010).

O tratamento intensivo pode ser feito com a aplicação de múltiplas doses de insulina com diferentes tipos de ação, com seringa, caneta ou infusão contínua do hormônio. O objetivo do tratamento é manter as glicemias ao longo do dia entre os limites da normalidade evitando ao máximo a variabilidade glicêmica. O tratamento pode ser realizado com insulina humana regular neutral Protamine Hagedorn (NPH) e por análogos de insulina de ação rápida e ultrarrápida (Lispro, Aspart e Glulisina) e de ação mais prolongada (Glargina, Detemir e Degludeca). É recomendado pela SBD (2015) que a dose diária de insulina basal varie de 40% a 60% visando mimetizar a secreção endócrina do hormônio e o restante da dosagem diária deve ser administrada na forma de bólus de correção (quantidade de insulina rápida ou ultrarrápida para atingir o nível glicêmico indicado na meta terapêutica) e por meio de refeições (quantidade de insulina necessária para metabolizar em relação a gramas de carboidrato).

O plano alimentar por contagem de carboidratos é uma estratégia nutricional que deve ser associada ao tratamento medicamentoso de pacientes com DM. Para traçar esse plano, o nutricionista ajuda o paciente a descobrir a quantidade de calorias necessárias para ele manter-se saudável, define-se também a quantidade de carboidrato que deve ser consumida diariamente e em cada refeição (SBD, 2016). Objetivo maior do plano é encontrar o equilíbrio entre a glicemia, a quantidade de carboidratos ingerida a quantidade de insulina necessária. A SBD (2015) complementa afirmando que a contagem de carboidratos torna possível que os pacientes com DM administrem os análogos logo após a refeição de forma tão eficaz quanto à administração da NPH. Para verificar a glicemia o paciente pode usar o glicosímetro (dispositivo portátil) para realizar diferentes medições diárias, sendo que a média de verificações é de 3 vezes ao dia.

O maior desafio para o controle da DM é manter a glicemia dentro dos parâmetros adequados. A hiperglicemia é a elevação da glicose no sangue e um fator limitador para se alcançar o controle glicêmico ideal em pacientes com DM. Já a hipoglicemia é caracterizada por um nível muito baixo de glicose no sangue, geralmente abaixo de 70 mg/dl independentemente da faixa etária (SBD, 2015). A hipoglicemia em situações extremas pode levar à perda de consciência, ou crises convulsivas, exigindo medidas imediatas.

O diagnóstico de DM carrega consigo imposições de mudanças no estilo de vida uma vez que são necessárias modificações na rotina e no plano alimentar; no tratamento medicamentoso e no aumento da frequência de idas a consultas médicas, fatores que podem resultar em sobrecarga para o paciente e, até mesmo, para sua família (Barnard & Lloyd, 2011). Essa transformação na rotina diária afeta a qualidade de vida do indivíduo que é modificada não somente pela condição médica em si, mas também devido ao tratamento rigoroso que é necessário para manejá-la (Popa-Velea, Bubulac, Petrescu, & Purcarea, 2016). As intervenções médicas podem aliviar parcialmente ou atrasar o surgimento de algumas complicações, entretanto o curso e o desfecho do DM são muito influenciados pelo estilo de vida e pelas escolhas diárias dos portadores da doença (Marc, Streinberg, & Miller, 2015).

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) contribui para o aumento da aceitabilidade e da adesão dos pacientes ao tratamento farmacoterápico. Para tanto, o terapeuta utiliza-se da psicoeducação para educar o paciente quanto à doença e seu tratamento, avaliar possíveis barreiras à adesão e pensar conjuntamente estratégias para enfrentá-las visando melhores resultados no tratamento. Nesse contexto, é possível também auxiliar o paciente a flexibilizar pensamentos automáticos e crenças disfuncionais relativas à adesão ao tratamento (Wright, Sudak, Turkingtom, & Thase, 2012).

Diante desse panorama, o presente artigo apresenta o relato de caso de uma paciente com diagnóstico de DM1, sintomas leves de depressão e burnout de DM atendida nos anos de 2015 e 2016 no Hospital das Clínicas/UFMG. Para contextualização teórica, inicialmente, será realizada uma breve explanação dos princípios teóricos da TCC e do Modelo de mudança de comportamentos ligados ao estilo de vida que serviram como base conceitual da intervenção.

 

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E MODELO DE MUDANÇA DE COMPORTAMENTOS LIGADOS AO ESTILO DE VIDA

A TCC se fundamenta na racionalidade teórica de que os pensamentos, sentimentos e comportamentos se encontram estreitamente interligados. Conforme essa premissa, a maneira como a pessoa se comporta e se sente é diretamente associada pela sua forma de processar e estruturar a realidade através de suas cognições. Neste sentido, o modo como o indivíduo interpreta as situações vivenciadas influenciará os seus sentimentos e ações, mais do que a situação em si (Beck & Alford, 2011). O processamento de informação na TCC é explicado por meio de três estruturas mentais inter-relacionadas, responsáveis pela percepção e interpretação dos eventos do mundo, chamadas de crenças centrais, crenças condicionais ou intermediárias e pensamentos automáticos. Todo o sistema organizado da interação entre cognições, sentimentos e comportamentos é chamado de modo, ou esquema (Beck, Clark, & Alford, 1999).

Conforme Beck, Rush, Shaw e Emery (1997), as crenças centrais ou nucleares são ideias e percepções tidas como verdades absolutas e imutáveis. Elas são caracterizadas como globais, rígidas, hipergeneralizadas e transituacionais que o indivíduo desenvolve desde a infância sobre si mesmo, os outros e o futuro. Esse seria o terceiro nível e o mais profundo da cognição e de difícil acesso. Já as crenças subjacentes, condicionais ou intermediárias, ocorrem sob forma de atitudes, pressupostos e regras (afirmações do tipo "se...então...."). Além das crenças nucleares e condicionais, há ainda um nível mais superficial da cognição representado pelos pensamentos automáticos que são a presentificação das crenças, isto é, são pensamentos ou imagens de natureza avaliativa que irrompem e se apresentam em paralelo ao fluxo do nosso pensamento, podendo por vezes apropriar-se dele. Os pensamentos automáticos são espontâneos e fluem em nossa mente a partir dos acontecimentos do dia a dia, independentemente da deliberação ou raciocínio.

O Modelo Cognitivo postula que os problemas psicológicos e os transtornos clínicos são uma acentuação do funcionamento adaptativo normal do indivíduo. A ligação entre funcionamento adaptativo normal e funcionamento desadaptativo parece ser o resultado do exagero dos vieses encontrados no processamento de informação típico. O viés negativo normalmente exagera a ameaça ou o desafio enquanto o viés positivo exagera a recompensa. Quando uma nova informação que contradiz as crenças tendenciosas é introduzida nos esquemas, eles podem tornar-se desativados, e os sintomas podem diminuir. O alívio dos sintomas está associado a uma queda no grau de convicção na crença tendenciosa; no entanto, a crença permanece latente até ser reativada (Beck & Haigh, 2014).

No que diz respeito às principais características da TCC ela possui um estilo de comunicação centrado no paciente eé um tipo de terapia breve e focal, tendo como princípio norteador a relação terapêutica colaborativa estabelecida pela dupla terapêutica na qual o terapeuta é o especialista na abordagem psicológica/científica e o paciente é o especialista de sua própria vida. Os objetivos da TCC são: alívio ou remissão de sintoma; melhora na qualidade devida e desenvolvimento de estratégias mais adaptativas de enfrentamento (coping) para lidar com as adversidades (Salkovskis, 1999). Além disso, a TCC contribui na combinação de diferentes tipos de tratamentos (nutrição e farmacologia, por exemplo) a fim de obter maior adesão nas diferentes modalidades e, consequentemente, objetivando melhores resultados para o paciente em seu tratamento global. A abordagem faz uso de técnicas cognitivas e comportamentais ao longo da intervenção, visandoauxiliar os pacientes no planejamento e aprendizado de novos comportamentos.

No caso do tratamento de pacientes com DM um aspecto fundamental a ser trabalhado são os comportamentos ligados ao estilo de vida. Nesse sentido, o modelo de Greaves, Reddy e Sheppard (2010), apresentado a seguir, pode contribuir para a intervenção com TCC. O modelo de Greaves et al. e a TCC apresentam características comuns e podem ser facilmente articulados como será observado no relato de caso do presente artigo.

Modelo de mudança de comportamentos ligados ao estilo de vida

Greaves et al. (2010) propuseram um modelo de mudança de comportamentos ligados ao estilo de vida (Process model for supporting lifestyle behaviour change) para prevenção de DM2. Os autores construíram o modelo a partir de pesquisas realizadas pelo grupo europeu IMAGE (www.image-project.eu) no qual foram compiladas as intervenções mais eficazes, relativas à dieta e à atividade física na prevenção da doença. A finalidade do levantamento das evidências foi compreender quais componentes estariam associados ao aumento da eficácia nesse tipo de intervenção. Paulweber et al. (2010) concluíram que, para a prevenção de DM2, deve ser adotada uma perspectiva biopsicossocial composta pelos seguintes objetivos: (a) trabalhar dieta e atividade física conjuntamente; (b) mobilizar o apoio social; (c) utilizar técnicas de mudança de comportamento; (d) aumentar a frequência de contato com o paciente; (e) incluir técnicas de automonitoramento e (f) acompanhar a manutenção dos comportamentos aprendidos.

A partir desses estudos, Greaves et al. (2010) criaram um modelo processual representado porfases e etapas pelas quais os pacientes devem percorrer para chegar à modificação de comportamentos ligados ao estilo de vida. Apesar de o modelo ter sido criado para a prevenção em DM2 ele também pode ser aplicado em contextos de tratamento, seja para DM2 ou para DM1. O modelo propostoé constituído por três fases: motivação, ação e manutenção que, por sua vez, são subdivididos em etapas.

A fase de motivação apresenta três etapas: (1) compreender o processo de mudança comportamental, (2) explorar e evocar a motivação e (3) buscar apoio social. Nessa fase, o ponto de partida, é esclarecer para o paciente como acontece uma mudança comportamental, compreender qual é a motivação dele para a mudança de comportamento desejada e buscar na rede de relações dele apoio social que o ajude a atingir esse objetivo.

A fase de ação também é subdividida em três etapas que são: (1) tomar decisão de agir, (2) estabelecer um plano de ação e (3) manter o auto monitoramento.Nessa fase é necessário explicitar, resumir e rever as motivações e razões relatadas pelo paciente para a mudança de estilo de vida. Deve-se também discutir as principais dificuldades a serem enfrentadas no processo de mudança bem como planejar estratégias para superá-las. Essas medidas contribuem para o engajamento do paciente nos processos de tomada de decisão e manutenção do auto monitoramento.

Já a fase, de manutenção, apresenta duas etapas: (1) revisar o progresso e (2) estabelecer estratégias de prevenção de recaída. Nessa fase, deve-se revisar o progresso e a motivação dos novos comportamentos aprendidos e estabelecer estratégias para prevenir o retorno aos comportamentos antigos e incoerentes com o novo estilo de vida. A proposta de Greaves et al. (2010) está sintetizada na Figura 1 na qual se observa a existência de uma relação entre as fases e as etapas do modelo que podem ser bidirecionais (como observado nos processos recíprocos de motivação e de tomada de decisão) e unidirecionais (indicando a necessidade do cumprimento de uma etapa para passar para a seguinte, como ilustrado na fase de ação).

 

MÉTODO

Participante

Para a descrição do quadro clínico será utilizado umnome fictício. Ressalta-se ainda que a paciente autorizou o uso das informações do caso para fins didáticos e científicos. Mônica, 45 anos, ensino médio completo, casada, aposentada compulsoriamente, portadora de DM1 (desde os 15 anos de idade) foi encaminhada para o serviço de psicologia no Ambulatório de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais pelo seu médico endocrinologista devido aos sintomas leves de depressão e à hipoglicemia de difícil controle. A paciente foi internada por algumas vezes, ao longo da vida, devido aos quadros hipoglicêmicos e também já entrou em estado de coma. Dentre as complicações decorrentes do DM1, ela desenvolveu neuropatia e teve que realizar cirurgias em ambas as mãos, fato que dificultava a realização de algumas atividades diárias. Desde quando recebeu diagnóstico de DM1, Mônica começou a depender da mãe para ajudá-la no controle da doença (alimentação e uso da insulina). Mesmo após se casar e sair de casa, a mãe continuava assumindo o papel de cuidadora. O esposo também passou a contribuir nos cuidados da saúde dela. Na época do primeiro contato, a paciente não praticava nenhum tipo de atividade física e apresenta como atividades de lazer brincar e conversar com seus cachorros e almoçar na casa dos pais aos domingos. Apesar de ter amigos, raramente saia de casa. Fazia uso de insulina NPH, paracetamol, clonazepam e venlafaxina.

Foi realizada uma entrevista com a paciente e o levantamento de sintomas de depressão, ansiedade e burnout de DM. Além disso, foi realizada também uma avaliação de transtornos psiquiátricos para verificação da existência ou não de psicopatologias. Foram identificados sintomas de depressão, ansiedade e burnout e não foram identificados outros transtornos psiquiátricos. Clinicamente, Mônica apresenta a cognição preservada (inteligência, memória, atenção e linguagem). A paciente estava motivada para mudar, todavia apresentava baixa auto eficácia, visto que já havia tentando modificar várias vezes o comportamento do controle de hipoglicemia e relatava pensamentos automáticos e crenças disfuncionais sobre a situação. Destaca-se que, durante todo o processo terapêutico, a paciente mostrou-se assídua e colaborativa. Apresentou também boa relação terapêutica ao longo do tratamento.Os atendimentos aconteceram entre setembro de 2015 e janeiro de 2016 e totalizaram catorze sessões.

Procedimentos

O plano de tratamento foi traçado a partir da associação entre a TCC e modelo de Greaves et al. Para tanto, o tratamento foi guiado pelos objetivos descritos nas fases de motivação, ação e manutenção do modelo de mudança de estilo de vida. Para atingir as metas traçadas foram utilizados os princípios teóricos e técnicas comportamentais e cognitivas da TCC. De maneira resumida, é possível observar na Tabela 1 a divisão das sessões, os respectivos objetivos para cada sessão e as técnicas utilizadas no tratamento. É importante ressaltar que em todas as sessões foram verificados os sintomas de ansiedade, depressão e burnout por meio de autorrelato e observação clínica. Exceto na primeira sessão que foram aplicados os instrumentos para investigação desses sintomas.

 

INSTRUMENTOS

Questionário de Dados da Paciente

Com o objetivo de conhecer a paciente foram coletadas informações gerais como nome, sexo, idade, estado civil e escolaridade além de questões clínicas como tipo de diabetes, tempo de diagnóstico e tratamento, presençade complicações clínicas (renais, cardíacas, entre outras).

Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS)

A HADS (Zigmond & Snaith, 1983) é estruturada em 14 itens que investigam sintomasde ansiedade e depressão em pacientes participantes de serviços hospitalares não psiquiátricos. A escala é do tipo Likert, de 0 a 3 e permite o máximo de 21 pontos para ansiedade e depressão, com sete itens para cada dimensão. Os autores da HADS sugerem que escores superiores a nove pontos em cada dimensão indicam presença de depressão e ansiedade. Em uma amostra brasileira, Botega, Bio, Zomignani, Garcia Jr. e Pereira (1995) encontraram os valores 11,6 e 11,9 como escores médios para casos clínicos de ansiedade e depressão, respectivamente.

Mini International Neuropsychiatry Interview (MINI)

A MINI é uma entrevista diagnóstica padronizada breve que compreende 19 módulosque exploram 17 transtornos do eixo I do DSM-IV (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 2002), o risco de suicídio e o transtorno da personalidade antissocial. (Sheehan et al., 1998).

Brazilian Version-The Problem Areas in Diabetes Scale (B-PAID)

Para estimar o estresse relativo ao DM foi aplicada a escala "Brazilian Version-The Problem Areas in Diabetes Scale" (B-PAID) que se trata de é um instrumento de autorrelato que avalia osaspectos da qualidade de vida e problemas emocionais relacionados ao tratamento de diabetes em paciente com DM 1 e 2. Oinstrumento possui 20 questões e é dividido em 4 domínios (emocional, tratamento, alimentação e aspectos sociais). É uma escala tipo Likert de 4 pontos (variando de não é problema a problema sério) que produz um escore total que varia de 0-100. O escore total é alcançado pela soma das respostas dadas multiplicado por 1.25 e com ponto de corte de 40 pontos (Snoek, Bremmer, & Hermanns, 2015). Os escores mais altos indicam maior nível de sofrimento emocional. A escala PAID foi desenvolvida originalmente por Polonsky et al. (1995) apresentando um índice de consistência interna de 0,94. A versão brasileira (B-PAID) foi desenvolvida por Gross, Scain, Scheffel, Gross e Hutz (2004) e apresentou boa consistência interna (alpha de cronbach= 0,93).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A discussão do relato de caso será guiada pelas fases do modelo de Graves e colaboradores nas quais serão explicitadas como o caso foi guiado bem como os principais resultados nele encontrados.

Motivação

Compreender o processo de mudança

No caso de Mônica, nessa etapa foi realizada uma anamnese na qual foram coletadas informações do histórico de vida, dos sintomas e das demandas da paciente. Iniciou-se também a familiarização com o modelo cognitivo-comportamental a partir do reconhecimento da relação recíproca entre pensamentos, sentimentos e comportamentos em diferentes situações da vida da paciente.

Na 1ª sessão, ao investigar a demanda da paciente, ela relatou que desmaiava, pelo menos, uma vez por dia há cerca de três anos. Ela referiu ter medo de passar mal no ônibus ou em quaisquer ambientes públicos e evitava sair por esse motivo. Essa foi a principal demanda levantada por Mônica, que dizia "tenho a necessidade de ter mais controle sobre as hipoglicemias, porque elas me colocam em risco de acidentes, de piorar a minha doença e posso até morrer por causa disso".

No caso de Mônica, a hipoglicemia é um fator limitante para a manutenção do controle glicêmico. Isso se deve ao fato dos episódios de hipoglicemia acontecerem em qualquer hora do dia e, frequentemente, ser imprevisível já que ela não consegue reconhecer os sinais de alarme (hypoglycemic awareness) dos episódios. As hipoglicemias afetam o desempenho intelectual e físico e podem causar dificuldade a quem o apresenta e a terceiros. Seus efeitos podem comprometer aspectos da vida diária do individuo (sair, realizar atividade física, dirigir e trabalhar) e ter amplas ramificações em termos psicológicos (Frier & Fisher, 2007).

Conforme Hepburn et al. (1991) e Deary, Hebpurn, MacLeod e Frier (1993), os sintomas durante a hipoglicemia em adultos podem ser classificados em dois grupos distintos que são os sintomas autonômicos (resposta autonômica) e sintomas neuroglicopênicos (causados pela concentração reduzida de glicose no SNC) como podem ser observados na Tabela 2 que apresenta ossinais e sintomas autonômicos e neuroglicopênicos da hipoglicemia.

Estudos apontam que os sintomas neuroglicopênicos podem ser detectáveis mais precocemente do que os sintomas autonômicos. Entretanto, os pacientes tendem a prestar mais atenção nos sintomas autonômicos. Fato que deve ser trabalhado com os pacientes visando o reconhecimento dos sintomas neuroglicopênicos para a detecção precoce da hipoglicemia (Towler, Havlin, Craft, & Cryer, 1993;Nery, 2008).A partir dessa premissa buscou-se direcionar o foco da paciente para a observação desses sintomas iniciais.

O maior benefício de se conhecer os sintomas durante o episódio de hipoglicemia é detectar o episódio de forma rápida para poder fazer algo a fim de controlá-lo. Além disso, se a pessoa com DM perceber que está tendo hipoglicemia ela poderá julgar quais atividades poderá ou não realizar nesse estado.

É importante destacar que pacientes com DM1 podem perder a habilidade de perceber os sinais de alarme (hypoglycemic unawareness) que se trata de uma redução das respostas hormonais contrarregulatórias que resultam na diminuição da percepção dos sintomas (Towler, Havlin, Craft, & Cryer, 1993; Nery, 2008).Essa última informação também foi transmitida para a paciente, fato que a fez compreender o que estava acontecendo no seu organismo. A psicoeducação foi usada nessa fase visando esclarecer alguns dados numa perspectiva motivacional na qual se pergunta se fala e se discute com o paciente a partir do seu próprio conhecimento teórico e experiencial.

Explorar e evocar a motivação

Diante da demanda de controle das crises de hipoglicemia passou-se para a segunda etapa visando explorar e evocar a motivação para a mudança. Para esse fim, utilizou-se como método principal a Entrevista Motivacional (EM) que conforme Miller e Rollnick (1991) se trata de um método de comunicação colaborativo centrado no paciente, que visa evocar a motivação do individuo para a mudança comportamental ao explorar e resolver a sua ambivalência por meio de um processo decisório conjunto. A ambivalência é definida por Miller e Rollnick (1991) como um processo no qual o paciente fica indeciso em relação à mudança comportamental. Por um lado, observa-se que ele apresenta uma tendência a manter o status quo e não se engajar na mudança de comportamento, o que os teóricos chamam de "conversa interna conservadora" (sustain talk) na qual o paciente utiliza-se de argumentos contra a mudança de comportamento. O papel do terapeuta é evocar no paciente "conversas internas pró-mudança" (change talk). Vale ressaltar que o processo de ambivalência é dinâmico e deve ser trabalhado ao longo do tratamento.

A EM tem por finalidade explorar e deixar explícitas as razões pelas quais alguém se engaja em um comportamento ou em uma ação em particular. É uma abordagem que reconhece que os pacientes estão em diferentes níveis de prontidão para mudança. Essa abordagem tem por objetivo evocar a motivação e a capacidade de percepção (awareness) do indivíduo em relação aos problemas potenciais causados pela falta de modificação do comportamento em questão e, em contraposição, pelas possíveis vantagens advindas da mudança de comportamento. Dentre as técnicas usadas neste método destacam-se: balança decisória (levantar os prós e contras da mudança de comportamento); conversa interna pró-mudança (change talk); identificação de possíveis dificuldades no processo de mudança e elaboração de um plano de ação, focando em modificações e decomposição de tarefas diárias (Rollnick, Miller, & Butler, 2009). A literatura da área aponta que a EM conta com ampla evidência de eficácia em diversas áreas da saúde. No caso do DM há ensaios clínicos randomizados sendo feitos desde 2005 que têm apresentado boas evidências de eficácia para essa população (Marc, Streinberg, & Miller, 2015).

No caso de Mônica a sua ambivalência em relação à mudança docomportamento "controlar as crises de hipoglicemia". Para esse fim, utilizou-se a técnica da balança decisóriae investigou-se também o nível de autoeficácia da paciente que é um construto que se refere à crença que o indivíduo tem sobre sua capacidade de realizar com sucesso determinada atividade (Bandura, 2004). Optou-se por avaliar esse construto visto que ela relatava ser incapaz de controlar as suas hipoglicemias, em especial, pelo fato de não perceber o surgimento dos sintomas antes das crises. A autoeficácia foi trabalhada com o modelo cognitivo comportamental por meio da reestruturação de pensamentos automáticos na qual se investigou as disfunções ligadas ao comportamento de controle da glicose.

Apoio social

Na última etapa de motivação "apoio social" foi realizado um levantamento da rede de apoio social de Mônica no qual foram identificadas pessoas centrais para auxiliá-la nos cuidados à saúde. Obteve destaque a mãe e o esposo e, secundariamente, os irmãos e os vizinhos. Nessa etapa, foi trabalhada a importância de engajar a rede de apoio no processo de mudança de estilo de vida. Essa dimensão psicossocial pode auxiliar nas atividades de vida diária (preparação e compra de alimentos e controle da glicose), fornecer suporte emocional (estar interessado nas mudanças da paciente, dar reforço positivo e encorajar a mudança) e colaborar na busca de informações (sobre a doença, sobre tratamentos, etc.) (Hewstone, Strobe, & Stephenson, 1996). Estudos apontam que os pacientes com DM que dispõem de apoio social apresentam melhor controle glicêmico e índices mais satisfatórios de qualidade de vida (Moura, Silva, Malta, & Morais Neto, 2011; Barnard & Lloyd, 2011)quando comparados aos indivíduos que não contam com tal suporte. Portanto, é importante enfatizar, juntamente com os pacientes, a relevância da construção e da manutenção de uma rede de apoio social.

 

AÇÃO

Tomada de decisão

Assim, após explicitar as motivações do indivíduo, parte-se para o desenvolvimento de metas e objetivos que devem ser construídos colaborativamente pelo paciente e pelo terapeuta. Nessa fase, é importante focar em comportamentos específicos e viáveis de serem modificados para aumentar a autoeficácia do indivíduo. É aconselhável no estabelecimento das metas de curto, médio e longo prazo decompô-las em tarefas ou atividades mais simples. Essa medida aumenta a probabilidade de acontecerem mudanças reais e reforçadoras para o paciente. No caso da Mônica, foram levantadas cinco metas principais para o tratamento: (1) diminuir as crises de hipoglicemia; (2) detectar os sintomas de hipoglicemia; (3) fortalecer a rede de apoio social; (4) iniciar uma atividade física e (5) aumentar o repertório de atividades de lazer.

Estabelecer um plano de ação

No próximo passo foi estabelecido o plano de mudança comportamental realizado colaborativamente com a paciente. O seu plano de ação continha cinco metas destacadas acima. Foram levantadas possíveis dificuldades para alcançar os objetivos propostos. Mônica elencou: desânimo, procrastinação, medo e evitação de novas situações e, em vista desses obstáculos, discutiram-se as possíveis soluções.

Para facilitar o cumprimento da meta "diminuir episódios de hipoglicemia", as tarefas foram subdivididas em tarefas menores como: revisar hábitos alimentares; colocar alimentos na bolsa ao sair; tomar os medicamentos e verificar com maior regularidade os níveis de glicose com uso do glicosímetro. Mônica optou por iniciar o processo de mudança pela revisão dos hábitos alimentares e, para tal, discutiu-se o seu plano alimentar. Ela se responsabilizou inicialmente por alimentar-se de 3 em 3 h (antes ela não tinha horário regular para se alimentar); ingerir um número maior de calorias e ter uma alimentação mais variada (havia restrição de frutas, verduras, legumes e cereais); colocar alimentos na bolsa ao sair (ela relatou se esquecer dessa medida), além de averiguar com maior frequência os níveis de glicose (ela verificava cerca de 3x ao dia e era indicado pelo médico, em seu caso, observar ao menos 6x ao dia). Na sessão seguinte, ela relatou ter cumprido as tarefas destacadas acima e foi capaz de verificar 12 hipoglicemias e se manteve consciente, sem necessitar da ajuda de terceiros.

A partir dos resultados alcançados, ainda na segunda sessão, passou-se para o outro objetivo do plano de ação que se tratava da "detecção dos sintomas de hipoglicemia". A paciente relatava não conseguir perceber os seus sintomas. Dessa maneira, foram discutidos alguns indícios que outros pacientes relatavam ter durante a hipoglicemia, visando aumentar a sua consciência corporal. Decidiu-se então manter as metas da primeira semana (que permaneceram ao longo do tratamento) e iniciar a investigação dos seus sintomas idiossincráticos de hipoglicemia.

Manter o automonitoramento

O autocuidado também deve ser parte do plano de mudança de estilo de vida. A revisão dos progressos alcançados visa o reconhecimento das mudanças já conquistadas e o quanto houve de evolução no processo terapêutico. O acompanhamento das dificuldades e dos fracassos também faz parte do processo de mudança (Popa-Velea, Bubulac, Pretescu, & Purcarea, 2016).Durante esse processo, o feedback dado pelo terapeuta e pelo próprio paciente é uma estratégia na modificação do estilo de vida e na revisão frequente das metas – e o reestabelecimento delas quando necessário – é uma ferramenta de monitoramento que confere bons resultados.

O automonitoramento foi trabalhado ao longo do tratamento tendo como objetivo a participação ativa de Mônica na manutenção das metas traçadas. Após o êxito alcançado na diminuição das crises de hipoglicemia, na sessão dois partiu-se para a próxima meta que foi detectar os sintomas de hipoglicemia. Na terceira sessão, a pacienterelatou tristeza por não ter conseguido perceber os sintomas, todavia conseguiu manter as metas das outras semanas. Assim, visando aumentar a sua autoeficácia, foram trabalhados os pensamentos automáticos disfuncionais e iniciou-se o processo de reestruturação cognitiva. Foi reforçado também o fato de que ela conseguiu manter as metas das outras semanas.

O modelo cognitivo foi explicado para Mônica a partir dos exemplos que ela mesma levou durante as sessões e como tarefa de casa para a próxima sessão ela deveria preencher um Registro de Pensamento Disfuncional (RPD) que diz respeito a uma folha na qual a paciente anota seus pensamentos disfuncionais, emoções e comportamentos em relação a uma determinada situação, no caso específico, foi solicitada a ela que procurasse reconhecer e anotar os pensamentos automáticos relativos ao seu controle glicêmico.

Na quarta sessão, Mônica conseguiu completar o RPD no qual identificou como pensamentos automáticos "Não vou conseguir controlar a hipoglicemia, não tenho sinais corporais da hipoglicemia" e "Isso nunca vai mudar!". Detectou como emoções: tristeza e nervosismo e como comportamento a evitação (não fazer nada). Ademais, conseguiu detectar os seguintes sintomas de hipoglicemia: suor profuso, pele pegajosa, dificuldade de raciocínio e confusão mental. Com o passar das sessões, somaram-se outros sintomas percebidos por ela tais como: irritabilidade, visão borrada e tremor.

Basta ressaltar que no modelo cognitivo, é possível aprofundar a compreensão das cognições disfuncionais e ir desde os pensamentos automáticos até as crenças nucleares. No caso de Mônica, o nível cognitivo mais básico foi suficiente para resolver esses comportamentos relativos ao DM. A partir de agora, será feito um breve esclarecimento acerca dos sintomas de depressivos e de burnout de DM para maior compreensão do impacto desses aspectos na vida da paciente.

Sintomas depressivos e burnout de DM

Sintomas depressivos e burnout em pessoas com DM tem impactos negativos no autocuidado, na qualidade de vida e no prognóstico em longo prazo. A identificação e o cuidado desses problemas são necessários para reduzir o desconforto e melhorar o tratamento da condição como um todo. A intervenção psicológica contribui para melhor prognóstico e melhora na qualidade de vida do paciente (Lloyd, Pouwer, & Hermanns, 2013).

Pesquisas indicam que a prevalência de depressão comórbida é significativamente maior em indivíduos com DM, quando comparado à população em geral. Dados epidemiológicos sugerem que ao menos um terço das pessoas com DM apresentam o risco de desenvolver algum transtorno depressivo ao longo da vida (Anderson, Freedland, Klaus, & Lustman, 2001).

Há ainda a depressão subclínica, termo usado para distinguir os indivíduos que apresentam sintomas depressivos, mas que não apresentam critérios para o diagnóstico transtorno depressivo. Estima-se que de 31 a 45% de pessoas com DM apresentam sintomas depressivos subclínicos (Popa-Velea,Bubulac, Pretescu, & Purcarea, 2016), fato que não exclui a importância do tratamento dos sintomas que causam sofrimento real aos indivíduos. Há indicativos que os indivíduos com depressão subclínica frequentemente não receberam tratamento para os sintomas depressivos relatados. Todavia, o impacto da falta de tratamento na vida desses indivíduos é desconhecido, visto que são escassas pesquisas sobre o tema (Lloyd, Pouwer, & Hermanns, 2013).

No caso de Mônica, ela apresentava sintomas subclínicos de depressão, visto que não cumpria os critérios diagnósticos do DSM-5 (2014) para um transtorno depressivo. É importante ressaltar que ela realizava tratamento com psiquiatra há três anos e fez uso inicialmente de bupropiona e, depois, passou a tomar venlafaxina para o tratamento de sintomas depressivos. Dessa maneira, é provável que o tratamento farmacológico tenha contribuído no controle dos sintomas depressivos.

Nota-se que além dos sintomas depressivos há uma parcela substancial de indivíduos com DM que utilizam estratégias disfuncionais de enfrentamento para lidar com a doença. Polonsky e colaboradores (1995)sugerem que essas pessoas experienciam um esgotamento relativo à doença, isto é, apresentam burnout em consequência da condição clínica. Para os pesquisadores, o burnout de DM acontece quando a pessoa "se sente esgotada pela doença e frustrada com a sobrecarga do autocuidado".Os sintomas de burnout são diferentes dos sintomas depressivos, todavia, podem também ser danosos e levar a sérias implicações no autocuidado dos pacientes que a apresentam. Os sintomas de burnout estão apresentados na Tabela 3 na qual são apontadas as principais características do quadro.

 

 

Mônica relatou sentir-sesobrecarregada diante do DM;frustrada com o regime de autocuidado; desmotivada a mudar os cuidados considerados insuficientes com a sensação de que a doença controlava a sua vida e evitava algumas tarefas relativas ao controle do DM. A partir da 4ª sessão, a cliente relatou diminuição dos sintomas depressivos e de burnout.

O monitoramento dos sintomas de depressão e de burnout é indicado, visto que eles podem agravar o quadro de DM. Ademais, a doença pode ser também fator de risco para depressão e para outros problemas emocionais. Não há um consenso sobre os intervalos de monitoramento (Pouwer, 2017), todavia, recomenda-se, pelo menos, uma avaliação anual de desses sintomas (IDF, 2014) em pacientes com DM.

Os pesquisadores Snoek, Bremmer e Hermanns (2015) criaram um modelo teórico no qual defendem que cerca de 5% dos pacientes com DM apresentam o quadro comórbido de burnout de DM e sintomas depressivos. Os autores sugerem que esse grupo de pacientes é, particularmente, vulnerável visto que a interação entre problemas relativos ao humor e burnout merece atenção especial uma vez que esse grupo específico apresenta alto risco de não aderir ao tratamento medicamentoso e psicológico. Após essa sucinta descrição sobre sintomas depressivos e de burnout de DM, passa-se a fase de manutenção.

 

MANUTENÇÃO

Revisar o progresso e a motivação

Nessa etapa é recomendável trabalhar os sentimentos de fracasso, culpa e desânimo que surgir e explicar para o paciente que é esperado que ele tenha recaídas, isto é, que ele pode voltar aos antigos hábitos de vida. Além disso, deve-se enfatizar a importância de se aprender com os erros e agir de maneira diferente nas próximas tentativas (Greaves et al, 2010). Técnicas de resolução de problemas e a EM podem ser usadas visando ajudar o paciente a entender os motivos pelos quais ele teve uma recaída (caso tenha), além de identificar situações de alto risco de recaída. Outra ferramenta é a revisão constante das metas que podem modificar.

No caso da Mônica, mantiveram-se as metas iniciais de diminuir as crises de hipoglicemia; detectar os sintomas de hipoglicemia; fortalecer a rede de apoio social e aumentar o repertório de atividades de lazer. Tentou-se adicionara meta "iniciar uma atividade física" na 11ª sessão, todavia, sem êxito. Ela apresentava receio em realizar atividades físicas porque em uma tentativa anterior ela desmaiou durante uma aula de pilates e não teve mais coragem de voltar por vergonha e medo de acontecer novamente.

Estabelecer estratégias de prevenção de recaída

Nessa etapa enfatiza-se que cada paciente deve saber identificar possíveis obstáculos e pensar em soluções para essas dificuldades. Uma das técnicas utilizadas é o levantamento de situações de alto risco de recaída na qual se investiga com o paciente as pistas ambientais, comportamentais e cognitivas que podem levá-lo à recair. Outra técnica é a confecção de um cartão de enfrentamento juntamente com o paciente. No cartão constam as possíveis soluções para as situações de alto risco. O terapeuta nessa etapa deve dar feedback ao paciente na criação dessas estratégias convidando ele a pensar sobre a viabilidade e factibilidade das estratégias.

A partir da 9ª sessão foram relatados aumento de sintomas ansiosos e esses foram trabalhados nas sessões subsequentes (após a 14ª). Essa foi outra etapa do tratamento uma vez que surgiu a necessidade de aprofundamento em diferentes níveis cognitivos e do uso de outras técnicas específicas para o tratamento de ansiedade. Todavia, essa outra etapa do tratamento que aparece a partir de uma nova demanda da paciente não será abordada por não fazer parte do escopo desse artigo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo de caso buscou relatar a intervenção psicoterápica de uma paciente com DM1, sintomas de depressão e burnout de DM, em um contexto ambulatorial, utilizando como referencial teórico a TCC e, como guia de trabalho, o Modelo de mudança de comportamentos ligados ao estilo de vida além daassociação com o uso da insulina e a plano de contagem de carboidratos. Observou-se melhora clínica em relação às metas estabelecidas de controle glicêmico, de reconhecimento de sintomas de hipoglicemia, melhora na autoeficácia, diminuição de sintomas depressivos e diminuição de sintomas de burnout. Basta ressaltar que, durante o processo psicoterapêutico, a postura comprometida da paciente contribuiu de forma decisiva para os resultados alcançados. Além disso, é importante ressaltar que atualmente o mercado brasileiro, os glicosímetros medem a glicose por meio de capilar e que são colocados na pele do paciente com DM que realiza medidas a qualquer tempo por meio de escaneamento (com troca a cada 14 dias), sem a necessidade de furar os dedos do paciente com as lancetas. Esse dispositivo poderia melhorar as crenças de controle e o controle real doença, ampliando o senso de auto eficácia dos pacientes. Todavia, para avaliar melhor essas relações são necessárias novos estudos. Por fim, considerou-se o caso relevante, pois é possível perceber que a intervenção psicológica pode contribuir sobremaneira no cuidado de pacientes com DM.

 

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Correspondência:
Alessandra Almeida Assumpção
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 30 de abril de 2017. cod. 504
Artigo aceito em 03 de março de 2018

 

 

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