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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.14 no.2 Rio de Janeiro July/Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20180011 

ENTREVISTA

 

Entrevista com o Dr. Stefan Hofmann

 

 

Adriana Nunan; Eliane M.O. Falcone; Heitor Hirata; Maria Amélia Penido

 

 

O Dr. Stefan G. Hofmann é professor do programa de psicologia clínica da Boston University onde dirige o laboratório de pesquisa em psicoterapia e emoção no centro de ansiedade e transtornos relacionados. Em abril de 2018 o Dr. Hofmann esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, a convite da Associação de Terapias Cognitivas do Estado do Rio de Janeiro, para dois dias de curso sobre o conteúdo do seu novo livro, em parceria com o Dr. Steven Hayes, sobre Terapia Baseada em Processos. Esse curso foi pioneiro, sendo o Rio de Janeiro o primeiro lugar do mundo a receber o Dr. Hofmann e o curso sobre seu novo modelo de trabalho. Em entrevista exclusiva à Revista Brasileira de Terapias Cognitvas o Dr. Hofmann fala sobre o modelo descrito no seu livro Process-Based Cognitive Behavioral Therapy: The Science and Core Clinical Competencies of Cognitive Behavioral Therapy (ainda não lançado no Brasil), de Steven C. Hayes e Stefan G. Hofmann.

RBTC: Dr. Hofmann, o senhor poderia falar sobre sua trajetória profissional e sobre como chegou à Terapia Cognitivo Comportamental?

S.H.: Sim, eu estudei psicologia na Universidade de Marburg, onde tive Anke Ehlers como mentora, atualmente trabalhando na Universidade de Oxford, que foi e continua sendo uma pessoa muito influente no campo de Transtorno do Estresse Pós Traumático (TEPT). Ela possibilitou minha ida à Universidade de Stanford para que eu pudesse juntar os dados para minha dissertação, visto que já tinha estado lá antes, e foi quando eu comecei a desenvolver uma paixão pela psicologia, especificamente pela psicologia clínica. Também nessa ocasião comecei a conduzir tratamentos para o Transtorno de Ansiedade Social. Depois de voltar à Alemanha, me juntei ao grupo de David Barlow, em 1994, quando então obtive uma bolsa de pós-doutorado durante dois anos na Universidade de Albany, no estado de Nova York. Depois disso, fui para a Universidade de Boston, junto com Barlow, onde estou desde 1996 e onde desenvolvi meus próprios interesses de pesquisa e meu próprio laboratório. Então... é onde estou atualmente... E durante esse tempo eu também pude conhecer o Dr. Aaron T. Beck e ganhei uma bolsa do Instituto Beck, onde também me tornei supervisor e sempre mantive contato próximo com ele. Já na época em que eu era aluno de mestrado, eu me apaixonei pela TCC, que me parecia muito válida, enquanto outras linhas, como a psicanálise, não faziam muito sentido para mim. Sem contar que a evidência empírica era simplesmente esmagadora. E depois de ter realizado alguns dos meus próprios estudos, eu pude ver o quanto era possível promover um impacto positivo na vida das pessoas. Isso me convenceu de que a TCC era o caminho certo a tomar dentro da psicoterapia. Desde então tenho trabalhado com TCC, aperfeiçoando e desenvolvendo novos tratamentos para transtornos diversos.

RBTC: Na introdução do seu livro(*) está escrito que o senhor e o Dr. Steven C. Hayes têm uma série de diferenças, como também compartilham algumas das mesmas ideias. Quais são os principais pontos nos quais os senhores concordam? E quais as discordâncias?

S.H.: Os pontos principais nos quais concordamos é a nossa confiança e convicção de que a única maneira de ter um avanço na ciência é através do método científico. Portanto, se não houver uma justificativa empírica e ideias apoiadas por uma teoria, não é possível haver ciência e desenvolvimento em nosso campo da ciência clínica. Então, o que temos em comum é a nossa forte convicção e confiança no método científico. Nossas divergências são de natureza filosófica, especificamente sobre o papel e a definição das cognições. Essas diferenças, todavia, não são necessariamente irreconciliáveis e contraditórias... Acho que existe uma diferença, até certo ponto, na maneira como interpretamos e definimos as cognições. O Dr. Hayes é um "skinneriano", e vem de uma forte tradição analítico-comportamental (behaviorista), enquanto eu venho de uma tradição cognitiva. Acredito muito na importância da percepção e dos processos cognitivos. E como os leitores já devem saber, Skinner não considerava as cognições importantes, ele não achava que valia a pena estudá-las. É claro que, hoje em dia, há novas abordagens em relação às ideias skinnerianas, mas, mesmo assim, ainda existem algumas divergências que, contudo, não diminuem, de forma alguma, nossa forte colaboração.

RBTC: Nós sabemos que o Dr. Hayes é um behaviorista radical e nega o conceito de mente. Por outro lado, os processos mentais são o alvo da TCC. Você acha que essas divergências teóricas interferem com a integração entre a TCC e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)? Por quê?

S.H.: Não, eu acho que não. Volto a repetir que eu acho que essas divergências não são irreconciliáveis, são divergências em um nível estratégico, são consistentes. Na verdade, pode-se até argumentar que as estratégias de ACT são consistentes com as da TCC e vice-versa. O que é importante é o que elas têm em comum, que é, como já disse anteriormente, a base empírica, o que nos leva à questão dos processos... Assim que identificamos os processos pelos quais os tratamentos funcionam, podemos voltar e reavaliar as teorias que estão por trás desses processos. As divergências filosóficas são, na verdade, também relacionadas às diferenças de teorias, e o que precisamos fazer é testá-las. Steve é tão tolerante em relação à justificativa empírica quanto eu sou. Podemos estar errados e, se qualquer um dos dois estiver errado, então passaremos a aceitar o ponto de vista do outro, ou de outra pessoa. Então essa abordagem que envolve os processos é a maneira de progredirmos.

RBTC: Algumas estratégias, como a reestruturação cognitiva e a desfusão cognitiva, são vistas como dicotômicas; essas estratégias poderiam ser processos terapêuticos utilizados pelo mesmo paciente em momentos distintos? Quando temos êxito na desfusão cognitiva também conquistamos a reestruturação cognitiva e vice-versa?

S.H.: Sim, a desfusão cognitiva é na verdade muito semelhante ao conceito de distanciamento cognitivo, que tem sido abordado e discutido desde muito cedo pelo Beck, visto que é encontrado em suas primeiras anotações nos anos 70. E eu acredito que foi muito mal interpretado por alguns críticos, e mal explicado por alguns representantes da comunidade TCC, no sentindo de que as cognições não são pequenos animais mecânicos dentro do seu cérebro lhe dizendo o que fazer. As cognições são percepções e, muitas vezes, nós precisamos criar um espaço entre o que pensamos e sentimos e o que é a realidade. E também existe uma diferença entre o self e o mundo exterior (nossa percepção). Portanto, nossos pensamentos podem estar presentes sem que respondamos a eles. Além disso, o valor da verdade é um tema crítico entre ACT e TCC, devemos indagar até que ponto o que está no mundo externo é real. E eu acho que, de fato, temos semelhanças. Podemos dizer que alguns representantes da ACT são construtivistas, acreditam que criamos nossa realidade. Os cognitivistas não acreditam muito nisso. Na literatura recente parece que essas ideias se entrelaçam. Alguns proponentes diriam que dentro de certos limites somos influenciados pelo nosso contexto e pelo nosso mundo social e que, até certo ponto, as cognições não são somente percepções simples da realidade, mas que sempre há influência do ambiente social, do contexto e da cultura. Então, quando começamos a falar sobre isso, aborda-se uma discussão de natureza filosófica, mas isso não representa um problema. Precisamos ter divergências filosóficas. Mas, no nível prático, as abordagens são muito consistentes.

RBTC: Para os terapeutas cognitivos, parece que surgiram novas formas de realizar a reestruturação cognitiva através dos procedimentos da ACT, que levam a mudanças na maneira como os pacientes sentem as emoções. O que o senhor tem a dizer em relação a isso? De certa forma, acho que o senhor já respondeu a essa pergunta. Gostaria de acrescentar alguma coisa?

S.H.: Sim acho que respondi, mas deixe-me acrescentar a questão de mindfulness. É uma nova área, extremamente popular no momento, e que tem gerado muitas visões cruciais. De certo modo, os dois "campos" (se os chamarmos de campos) apropriam-se de mindfulness. A ACT inclui mindfulness em sua abordagem. E sabemos que algumas das práticas mais antigas de mindfulness são a MBCT ou então a MBSR, mas especificamente a MBCT é a que inclui a TCC. A mente é provavelmente mais alinhada com o cognitivo, porque na TCC estamos olhando para a mente, temos interesse na mente. E Skinner não tinha esse interesse na mente. Agora, para ser justo, o que chamam de terceira onda, ou a comunidade ACT, não pode se resumir a essa abordagem simplista. Mas isso (mindfulness) destaca a semelhança entre as duas abordagens. Hoje em dia, podemos dizer que ACT faz parte da família TCC. E realmente depende de como se define a TCC. Nós a definimos como uma abordagem de tratamento firmemente enraizada na evidência empírica, e o mais importante é olharmos para processos fundamentados em evidências empíricas. Então, ACT faz parte da TCC. É possível que, em determinado momento, o termo TCC tenha sido tão ampliado que não faça mais sentido limitá-lo a cognições e comportamento visto que envolve emoções... Pode até mesmo envolver a espiritualidade, além de alguns contextos e outras questões dentro do campo da ACT. Então, podemos ampliar o termo TCC até chegar a seu limite, quando não fará mais sentido usá-lo. Dr. Beck sugeriu que se pode chegar a um ponto em que será usado somente o termo "terapia", desde que tenhamos consciência de que "terapia" é o que precisamos fazer para ajudar as pessoas a melhorarem, é o que importa. Mas, enquanto não chega esse momento, a TCC ainda é definida como uma abordagem baseada em evidências empíricas, amarrada a um modelo testável. Muitas outras abordagens de terapia disponíveis, infelizmente, não se apoiam nessas evidências, então, no atual momento, precisamos permanecer com a TCC.

RBTC: No seu livro mais recente, o senhor aborda os processos centrais na psicoterapia, quais são eles?

S.H.: Nós acreditamos que os processos se alinham a sistemas de níveis diferentes. O livro, na verdade, registra uma combinação de estratégias e processos em seus dezoito capítulos... Mas, falando de maneira mais precisa, nós acreditamos que os processos incluem o sistema afetivo, o sistema cognitivo, o sistema comportamental, o sistema motivacional... sistemas relacionados ao self... ah, e também o sistema social. Então, esses sistemas incorporam numerosos processos, provavelmente não se trata de um número infinito, mas um número finito de processos... Nós não queremos estabelecer um modelo fixo, do tipo "vocês precisam trabalhar com isso". Ao invés disso, queremos prover um "referencial teórico" a futuros pesquisadores, que auxilie a busca e a identificação desses processos. Contudo, o que precisamos fazer para chegar a esses processos centrais é criar uma nova abordagem, uma nova metodologia. A tradicional análise da mediação não está funcionando. Precisamos abandoná-la, já que ela tem se mostrado limitada a poucas variáveis, normalmente três ou quatro. Tratamentos não funcionam dessa maneira... Não podemos limitar os processos a um mediador. Mesmo havendo mais de um mediador, acaba se tornando muito complicado... Então precisamos de uma nova abordagem. A abordagem de rede complexa é uma dessa novas formas. Há outras formas também. Além disso, precisamos prestar atenção aos processos e estes incluem nossa dinâmica, são bidirecionais e têm múltiplas variáveis. A análise da mediação normalmente inclui poucas variáveis e é unidirecional, portanto, precisamos nos afastar disso. Existem muitos estudos e artigos analisando possíveis mudanças nos tratamentos, como o de Mckinnon, entre outros. De qualquer forma, contudo, continuamos limitados por uma análise de mediação muito simplista, que restringe nosso progresso. Precisamos de uma nova metodologia e de novos métodos. Novas metodologias no sentido de abordagens estatísticas de análise, e novos métodos no sentido de coletar múltiplos dados através de, por exemplo, a avaliação momentânea ecológica. E outras formas de estudar a complexidade dos tratamentos. Por essa razão, os críticos da TCC têm razão, dentro de um certo limite, quando dizem que a TCC é muito simplista. E sim, está correto isso, precisamos de mais complexidade, precisamos assumir e abraçar as mudanças dos tratamentos e a complexidade. Não quer dizer que deveremos abandonar a TCC, deveremos agregar a TCC.

RBTC: Para encerrar, em sua opinião qual o futuro da TCC?

S.H.: Terapia baseada no processo.

RBTC: O senhor gostaria de acrescentar algo mais?

S.H.: Eu acredito que também deveríamos focar na prosperidade, na vitalidade e no positivo ao invés de simplesmente focarmos demasiadamente na redução do negativo. E, por fim, precisamos nos distanciar da tirania do DSM... nos livrarmos disso e retornarmos as nossas raízes básicas de abordagens analíticas funcionais para entender o sofrimento humano.

RBTC: Muito obrigada.

S.H.: O prazer foi meu.

 

 

Revisão e edição: Rita Souza
(*) Hayes, S.C. & Hoffmann, S.G. (2018). Process-based CBT. The Science and core clinical competencies of cognitive behavioral therapy. Oakland: Context Press

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