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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20190002 

10.5935/1808-5687.20190002 ENTREVISTA

 

Entrevista com Mariana Sampaio: carreira, terapias contextuais e vida fora do Brasil

 

 

Wilson Vieira Melo

Dr. em Psicologia e Presidente da FBTC 2019-2021

 

 

A psicóloga Mariana Sampaio é gaúcha de Porto Alegre e desde 2003 vive nos Estados Unidos. Concluiu sua formação em Psicologia da Universidade do Hawaii onde também realizou seu primeiro Mestrado em Psicologia. Posteriormente, mudou-se para Seattle, onde realizou o segundo Mestrado na área de Serviço Social. Atualmente trabalha em sua clínica privada e teve contato com diversos terapeutas expoentes na área, incluindo Marsha M. Linehan (Washington University), criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT). Mariana se especializou no trabalho com minorias raciais e tem trabalhado com humildade cultural. Além disso, tem experiência no tratamento de adolescentes vítimas de traumas, dependência química e desregulação emocional. Nos últimos anos, tem trabalhado com Terapia Cognitivo-comportamental (TCC), Terapia Comportamental Dialética (DBT) e Terapia Comportamental Dialética Radicalmente Aberta (RO-DBT). Está iniciando o seu Doutorado em um programa em conjunto das Universidades de Lisboa e de Coimbra, em Portugal.

Recentemente, esteve no Brasil durante o XII Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas, onde realizou um minicurso sobre DBT na adolescência, ministrou uma conferência sobre RO-DBT e participou de uma mesa-redonda falando sobre a DBT na família e diferentes contextos. Confira a seguir um bate-papo com essa profissional inteligente, carismática e cheia de energia:

RBTC: Você é uma profissional bastante eclética, que trabalha com mais de uma abordagem psicoterápica e faz uma excelente integração de diversos conhecimentos. Como foi a sua formação na área da psicologia?

Mariana: Assim como meu estilo eclético de terapia, acredito que meu caminho para me tornar psicóloga também ocorreu de maneira incomum. Iniciei minha formação em 1998 na Unisinos, em São Leopoldo, onde estudei por um ano. Nessa época trabalhei com a comunidade da Vila Fátima, em Porto Alegre onde tive o privilégio de ser exposta à intersecção da psicologia com o serviço social. Após esse primeiro ano estudando e trabalhando com psicologia decidi explorar outras áreas acadêmicas e de estilo de vida. Mudei então para Florianópolis onde estudei Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina.

Alguns anos depois, quando estava vivendo no Hawaii, retomei o percurso acadêmico na área da psicologia até completar meu primeiro mestrado pela UH, Hilo. Também participei de um programa de dois anos com foco em abuso de substâncias e estudos da adição pela UH, West Oahu.

Devido às minhas oportunidades profissionais e experiências acadêmicas desde o Hawaii e Seattle, fiz muitos treinamentos e certificações, principalmente treinamentos focados em áreas como trauma, depressão, ansiedade e abuso de substâncias. TCC, Terapia Cognitivo-comportamental Focada no Trauma (TCC-FT), Entrevista Motivacional (EM), DBT (entre outras), foram algumas das abordagens que pude estudar e usar prontamente, confirmando sua efetividade.

Eventualmente decidi também completar um mestrado na área de serviço social. Meu Master in Social Working (MSW) pela Washington University (WU) despertou ainda mais minha curiosidade e paixão pelas conexões da psicologia e nosso contexto social.

RBTC: Além disso, você também tem uma vivência com meditação, mergulho e serviço social. Quais as suas experiências relacionadas a essas e outras áreas?

Mariana: Após mudar para Florianópolis comecei a praticar ioga, consequentemente isso me levou à meditação. Pude praticar muitas técnicas diferentes de meditação e mindfulness nestes últimos 20 anos. Após muitos anos com desejo de participar em treinamento de Vipassana, há três anos consegui dedicar 12 dias e completei o curso de Vipassana em Onalaska, Estados Unidos. Para mim essa foi uma experiência transformadora, não só em minha vida pessoal, mas também em minha vida profissional. Durante esses dez dias de imersão compreendi o quão profunda é a influência de nossos processos cognitivos em nossa fisiologia. E a importância da prática meditativa para acalmar e redirecionar a mente.

O mergulho de cilindro também me ensinou muito sobre regulação emocional e controle cognitivo. Fui instrutora de mergulho no Hawaii por seis anos, quatro desses trabalhando para a UH em Hilo, enquanto estudava psicologia. O mergulho me deu a oportunidade de explorar lugares incríveis, como a Indonésia, onde trabalhei ensinando mergulho por alguns meses, Austrália, Islândia, Malta, Patagônia, entre outros, o que me ajudou a expandir minha visão de mundo. Continuo mergulhando até hoje, mesmo em Washington.

Outra atividade que sempre me motivou e me auxilia em momentos difíceis é o surf. Pelo surf mudei para Florianópolis, depois para Califórnia e, eventualmente, para o Hawaii, onde vivi por cerca de dez anos. Até hoje o surf tem uma influência muito grande nas escolhas que faço em minha vida.

Minha educação em serviço social mudou a maneira como vejo o mundo e como trabalho com a Psicologia. Eu acredito que o trabalho social como uma disciplina nos Estados Unidos é mais amplo e abrange uma variedade de áreas em comparação com outros países.

Para mim isso é importante porque nós, seres humanos, existimos em um contexto social e cultural, que é diverso e influenciado por políticas públicas com as quais precisamos conviver e pelas quais somos impactados, sendo que esse impacto não é igual para todos. Comunidades desfavorecidas e/ou marginalizadas tendem a experienciar um impacto mais profundo com certas políticas sociais.

Ademais, cada indivíduo é moldado por seu ambiente social em níveis micro, mezo e macro. Assim, somos mais do que a soma de nossas "intersectionalities". Portanto, acredito que precisamos trabalhar com diferentes modalidades terapêuticas para atender às diversas necessidades de nossos clientes, constantemente notando como nossa cultura e intersecções impactam nossa prática clínica e como as intersecções e experiências de nossos pacientes impactam suas perspectivas e escolhas de vida.

Acredito que nossos processos cognitivos são em grande parte frutos de nossas experiências em um contexto social. Minha formação em serviço social pela UW teve um impacto muito significativo no modo com que trabalho em minha clínica, pois hoje pratico muito a humildade cultural e trabalho com justiça social no contexto clínico.

RBTC: Como conciliar a vida pessoal com todas essas experiências profissionais e acadêmicas?

Mariana: Esse é um tema muito importante, pois "não podemos encher um copo a partir de um jarro vazio". Minha formação nos Estados Unidos sempre teve o ‘Self-care’ em foco. Precisamos nos cuidar para sermos profissionais competentes, portanto, constantemente pratico habilidades com as quais trabalho com meus pacientes e cuido para ter tempo livre e praticar atividades que alegram meu viver. Nada me alegra mais do que praticar esportes ao ar livre e no mar: surf, mergulho, caminhadas e escaladas de longa distância nas montanhas e florestas do Noroeste Pacífico nos Estados Unidos estão entre minhas coisas favoritas nos últimos anos morando em Seattle; e, no inverno, esquiar muito, no mínimo três vezes por semana. Ter um tempo específico para fazer essas atividades e acumular experiências positivas refresca e aguça minha mente e me ajuda a me concentrar no trabalho e nos meus estudos.

Outra coisa que me ajudou imensamente nos últimos 20 anos, profissionalmente, academicamente e na minha vida pessoal, é o Ioga. De fato, para mim, essa é a ferramenta mais importante para manter minha mente afiada e saudável.

E, claro, eu realmente amo o que faço profissionalmente. Para mim, aprender é estimulante por si só, e compartilhar conhecimentos com outras pessoas é o que realmente dá sentido à minha vida.

RBTC: Você está vivendo em Seattle há alguns anos, mas passou por outras partes dos Estados Unidos. Onde você já viveu e como é a experiência de estar construindo uma carreira fora do Brasil?

Mariana: Faz 17 anos que vivo nos Estados Unidos, morei em São Francisco, na Califórnia, em diferentes ilhas no Hawaii, e hoje em Seattle. Essas vivências têm sido transformadoras em muitos sentidos desta palavra. O aprendizado que tive, e ainda tenho, me tornou uma pessoa mais flexível, menos julgadora e mais aberta a experiências novas. Nesta jornada de vida tive oportunidades únicas de conhecer profissionais exemplares na área da psicologia, da saúde e do serviço social, que me incentivaram e me auxiliaram a crescer profissionalmente.

Viver nos Estados Unidos me proporcionou muitas possibilidades de viajar para estudar e trabalhar pelo mundo. Isso tem sido extraordinário e muito gratificante.

RBTC: Como é a sua rotina hoje nos Estados Unidos e quais as maiores dificuldades encontradas em trabalhar nesse país?

Mariana: Hoje minha rotina é mais tranquila, tenho dois dias na semana trabalhando no consultório e atendo pacientes via internet algumas vezes durante a semana também. Nos últimos três anos tenho colocado bastante foco em projetos fora do consultório, algumas pesquisas e muitos treinamentos conectando a psicologia e o serviço social. Apesar de dedicar a maior parte de meus dias à minha profissão, nos últimos três anos tenho dedicado mais tempo para atividades de lazer e prática dos esportes que tanto amo.

Mas minha rotina não foi sempre assim, uma das dificuldades trabalhando nos Estados Unidos é a competitividade e a obsessão com o trabalho, em que muitas pessoas se perdem e acabam se desconectando de si mesmas. Por mais de dez anos eu tive que trabalhar e estudar de 6 a 7 dias por semana e constantemente me questionava sobre o propósito de tanto esforço. A meditação e o Ioga realmente me ajudaram a manter minha mente sã. Com essas práticas consegui aproveitar o máximo desses anos que nem sempre foram fáceis. Gradualmente comecei a ser reconhecida profissionalmente e minha autoconfiança cresceu, de modo que me tornei mais eficiente com meu trabalho e com minha vida pessoal. Minhas prioridades se tornaram mais claras. Assim podendo dedicar mais tempo para o ócio criativo e ter cada vez mais tempo para viajar. A maioria das minhas viagens tem o melhor dos dois mundos, adquirindo conhecimentos novos por meio de cursos de formação, oportunidades de trabalho e também dedicando tempo para meu lazer. Isso me tornou uma pessoa que desfruta o processo e não está apenas focada no resultado. Ironicamente, o resultado é muitas vezes melhor do que o esperado.

RBTC: Você teve oportunidade de trabalhar ao lado de grandes nomes da área como Marsha Linehan, Hunter Hoffman e outras pessoas de grande importância no que diz respeito à produção de conhecimento. Como esses contatos influenciaram sua carreira e vida profissional?

Mariana: Esses contatos tiveram um grande impacto em minha carreira. Obviamente fazer parte de um círculo influente como esse desperta o interesse de muitos profissionais. Em Seattle isso me ajudou muito, pois expandiu meus contatos profissionais e me ajudou a ter credibilidade nas áreas da psicologia e do serviço social. Ao mesmo tempo, sempre me esforcei para continuar sendo autêntica e adicionando meus próprios ideais e personalidade. O feedback que tive com isso foi muito positivo, porque percebo que não é difícil perder-se ao tentar se encaixar e fazer parte de um grupo. Ser você mesmo requer vulnerabilidade e, para a maioria de nós, isso é extremamente desafiador. Hoje sei que vulnerabilidade é força, e isso me ajuda muito a desafiar medos, especialmente de falhar, quando estes se apresentam.

RBTC: O uso de cannabis é regulamentado no estado de Washington atualmente. Qual é a sua opinião sobre o impacto disso na saúde mental na comunidade?

Mariana: Há alguns anos faço parte de um grupo de prevenção (prevention coallition) em Seattle, por cerca de dois anos participei da liderança desse grupo como copresidente. O diálogo sobre isso sempre foi muito forte nesse grupo. Na minha opinião, precisamos desenvolver um equilíbrio entre a punição e a legalização. Por um lado, a legalização da cannabis tem ajudado com a diminuição de processos criminais e preconceitos que envolvem usuários, aumentando o fluxo financeiro no estado através da tributação. Por outro, isso tem aumentado o número de casos de usuários jovens, com um efeito prejudicial na saúde mental de adolescentes e criando problemas desafiadores em escolas. Além disso, percebemos que comunidades menos favorecidas têm tido um impacto ainda maior com a legalização, pois os maiores beneficiários financeiros desse processo têm sido pessoas que já eram privilegiadas, e muitas das lojas que estão sendo abertas estão localizadas em bairros com menos estruturas públicas. Jovens e adultos vivendo nessas áreas estão consumindo mais, aumentando a disparidade social, pois muitos usam cannabis como uma tática de enfrentamento (coping mechanism) para lidar com as dificuldades do dia a dia. Isso é muito prejudicial para a saúde mental do indivíduo e também para um bem-estar geral das comunidades, pois muitos estão mais deprimidos, ansiosos, sem motivação ou esperança para mudar suas situações.

Uma tática mais coerente é a descriminalização, não só da cannabis, mas das drogas como um todo. A descriminalização cria mais oportunidades de reintegração social por meio de políticas que promovem a recuperação em vez da punição legal que normalmente tem um impacto muito negativo na vida do usuário, especialmente nos Estados Unidos, onde quase todas as universidades e empregos requerem uma verificação de antecedentes criminais.

RBTC: Quais são os seus planos profissionais para os próximos anos?

Mariana: Essa é uma pergunta difícil, porque tenho muitos planos e são bem diversificados. Para ser sucinta, quero ser uma profissional que ajude a integrar a psicologia e o serviço social. Como disse antes, acredito que nossas políticas sociais têm um impacto muito grande na qualidade de vida e no bem-estar dos cidadãos. Infelizmente como profissionais muitas vezes temos dificuldades de integrar essas duas áreas que estão intrinsicamente conectadas. Por isso, meu próximo passo é concluir um PhD em que possa explorar mais essas conexões com o intuito de criar uma transformação em nossa abordagem com pacientes e também em nossas políticas na área da saúde.

Além disso, gostaria de continuar com projetos atuais, e desenvolver novos, nas áreas de psicologia, humildade cultural e justiça social. Eu já percebi como isso beneficia a sociedade como um todo e tem um impacto incrível com pacientes na área clínica.

RBTC: Há o desejo de voltar em algum momento para o Brasil e de exercer a profissão no seu país de origem?

Mariana: Sim, com certeza. Felizmente isso já está acontecendo um pouco, e gostaria muito de continuar com este momentum. O Brasil esta repleto de profissionais incríveis e temos muito potencial para ser um exemplo de transformação no campo da saúde mental. Temos desafios vastos e profundos, e isso, creio eu, tem raízes em nossa história como um povo de grande diversidade cultural. Nos últimos anos conheci muitos profissionais dedicados e entusiasmados com uma atitude aberta a novas aprendizagens e abordagens. Acho que a TCC tem contribuído muito com isso no Brasil. Minha intenção é ser um recurso e colaboradora em nossa comunidade de saúde mental no Brasil. Eu também tenho muito a aprender com profissionais aqui. As dificuldades que nosso país enfrenta na área de saúde mental são profundas e desafiadoras. Como mencionei antes, uma das maiores dificuldades, para mim, vivendo nos Estados Unidos por 17 anos, é estar imersa em uma cultura que é extremamente competitiva. Muitas pessoas tê,m medo de compartilhar conhecimento pois imaginam que perdem algo com isso. Eu pessoalmente acredito que a colaboração estimula a criatividade, portanto, não posso imaginar viver uma vida em que não compartilho minhas experiências e os conhecimentos que adquiri. Como um antigo ensinamento budista já disse:"Milhares de velas podem ser acesas a partir de uma única vela, e a vida da vela não será encurtada". Na verdade, assim podemos trazer mais luz.

RBTC: Conte um pouco mais sobre o seu projeto de construir uma casa de retiros no interior do Rio Grande do Sul.

Mariana: Tenho esse sonho desde minha infância. Claro que mudou um pouco ao longo dos anos. Mas a essência ainda é a mesma, ter um espaço onde pessoas que queiram um mundo melhor possam se reunir, aprender, compartilhar e transformar a realidade. Ano passado tive o privilégio de adquirir dois hectares de mata atlântica na serra gaúcha. Somente a uns 20 quilômetros do primeiro, e até hoje, o maior centro budista da América Latina. Tenho a intenção de manter a maior parte da propriedade como área de preservação permanente (APP) e usar parte dela para construir um centro de retiro onde profissionais e pessoas curiosas possam se encontrar para colaborar e compartilhar saberes uns com os outros, com workshops, retiros de meditação e treinamentos de mindfulness, yoga, entre outras atividades. Claro que, por hora, esse projeto é de longo prazo, e espero que não demore tanto. Vai dar certo!

RBTC: Como foi a experiência de participar do XII Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas, em Fortaleza, em abril de 2019?

Mariana: Estou extremamente grata por essa oportunidade e por todos que acreditaram em mim e participaram tão ativamente de meu minicurso em DBT na adolescência e da conferência sobre o RO-DBT. Fiquei impressionada com o desejo de adquirir conhecimento que muitos profissionais demonstraram. Também fiquei contente de ver tanta diversidade em termos de conteúdo.

A palestra apresentada pela presidente Drª Marilda Lipp referente à competência cultural me chamou muito a atenção e despertou ainda mais o desejo de contribuir. Nos Estados Unidos estamos trabalhando para substituir esse conceito por humildade cultural. Conversando com a presidente fui informada que essa é uma área pouco abordada no Brasil e, por sua relevância, deve ser mais desenvolvida em nosso país. Isso tem um impacto benéfico não só para o paciente, mas também para o profissional.

O congresso me energizou e aumentou minha vontade de voltar para meu país e contribuir com o aprimoramento de nossa profissão.

RBTC: Você realizou sua formação em outros países, incluindo Estados Unidos e Inglaterra. Em sua opinião, como as terapias cognitivas e contextuais diferem na sua aplicabilidade no Brasil e no resto do mundo?

Mariana: Os seres humanos têm mais em comum do que normalmente pensamos, acredito que nossas similaridades ultrapassam nossas diferenças. Nesse sentido, a aplicabilidade das terapias cognitivas e contextuais é similar em todo o mundo. Ao mesmo tempo, creio ser importante ter em conta as nuanças culturais de cada paciente como referência quando aplicamos essas técnicas.

Algo que percebi nesta última visita ao Brasil é que parece que aqui o foco está mais no processo, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra, está mais no resultado e, no sentido de terapias, mais no resultado da mudança comportamental do paciente. Refletindo sobre isso, acredito que o foco no resultado em grande parte está ligado ao impulso financeiro de entidades que pagam pelas terapias. Nos Estados Unidos, seguro de saúde público e privado, e no Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (NHS).

O esforço para desenvolver e estudar terapias transdiagnósticas baseadas em evidências parece ser mais forte nos Estados Unidos do que no Brasil e em outros lugares no mundo. Isso se deve às companhias de seguro, que pressionam pesquisadores e profissionais a usar tratamentos que têm maior probabilidade de serem eficazes e, portanto, menos caros/custosos/dispendiosos. No Brasil, a maioria dos profissionais parece não usar os planos de saúde para cobrir os custos da terapia. Nos Estados Unidos muitos profissionais licenciados usam seguros privados (planos de saúde), e muitos desses seguros são rigorosos em relação à técnica teórica que o profissional utiliza, devido à ideia de custo/benefício.

Além disso, a rigidez em relação ao seguro de saúde nos Estados Unidos exige que os profissionais estejam inscritos e atualizados com o departamento de saúde do estado dos profissionais. Há muitos níveis de qualificação profissional e, muitas vezes, são extremamente rigorosos. Existem benefícios e desvantagens em relação a isso. O maior benefício é que os pacientes recebam profissionais qualificados e com muito tempo de experiência. No entanto, muitos profissionais excelentes têm dificuldades em obter licenças específicas devido ao custo associado. Por exemplo, demorei três anos para obter minha licença completa de LHMC, e mais uns três anos para ser uma supervisora aprovada pelo estado de Washington. Para adquirir essa licença, o profissional precisa trabalhar três mil horas sob a supervisão de um supervisor aprovado pelo estado (isso em Washington- cada estado tem regulamentos diferentes). Se você não trabalha em uma clínica que conte com um supervisor aprovado para assinar suas horas, você tem que contratar um supervisor. O custo de uma supervisão boa é de cerca de US$ 130 a hora, estamos então falando de cerca de US$ 13.000 como custo total, já que o profissional precisa de no minimo 100 horas de supervisão direta durante esse processo. Infelizmente sem licença os profissionais normalmente não ganham dinheiro suficiente para pagar pela supervisão, o que impossibilita a formação na profissão. Por isso, por alguns anos até receber suas licenças, muitos profissionais trabalham, ganhando um salário menor do que de um caixa de supermercado, para uma clínica comunitária onde possam adquirir as horas para sua licenciatura. Infelizmente, muitos profissionais desistem ao longo desse processo.

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