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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.17 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20210028 

10.5935/1808-5687.20210028 REVISÃO TEÓRICA

 

Entrevista com Christine Padesky

 

 

André Luiz Moreno; Tradução por André Luiz Moreno

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)

 

 

A.M.: A mente vencendo o humor é um marco importante na popularização das terapias cognitivo-comportamentais (TCCs) não apenas entre terapeutas e estudantes, mas também junto ao público geral. Nesse sentido, como você vê o desenvolvimento de estratégias de autoajuda dentro do contexto da TCC?

C.P.: Sempre pensei na TCC como uma terapia que visa ensinar habilidades às pessoas. Mesmo quando eu era uma jovem terapeuta e minha família me perguntava "O que é TCC?", "O que você está fazendo?", eu respondia: "Este é um tipo de terapia em que ensinamos às pessoas habilidades que podem usar para lidar com seus próprios problemas de vida, a fim de que possam se tornar seus próprios terapeutas e não precisem mais de mim". E esse é sempre o meu objetivo quando vejo alguém na terapia, considero as estratégias de autoajuda como uma extensão disso. O que impulsionou Dennis Greenberger e eu a escrevermos A mente vencendo o humor foi, em primeiro lugar (ainda em sua primeira edição), a existência de muitos terapeutas nos Estados Unidos que diziam estar praticando TCC com seus clientes, mas sem compreender totalmente o que era essa modalidade de terapia e que, por isso, não estavam fazendo um trabalho muito bom com esses clientes. Então, originalmente, escrevemos A mente vencendo o humor não apenas como um livro de autoajuda. Nós pensamos: "Bem, se este livro é usado pelos terapeutas com seus clientes, então, mesmo se um terapeuta não for muito bom em compreender a TCC, as pessoas podem aprender as habilidades por meio do livro". Nesse sentido, nós primeiramente pensamos no livro como um complemento à terapia, mas começamos a receber cartas de pessoas dizendo: "Eu encontrei este livro na livraria e ele tem me ajudado muito com meus problemas de humor". Percebemos, então, que muitas vezes as pessoas podem aprender essas habilidades por conta própria. E eu vejo isso como um grande elogio! Dennis (Greenberger) e eu realmente esperamos que A mente vencendo o humor tenha ajudado muitas pessoas a adquirir essas habilidades. Quando escrevemos a segunda edição, incluímos muito mais habilidades que tinham uma base de evidências, a fim de torná-lo um livro com essa perspectiva. Assim, os terapeutas podem ter certeza de que tudo o que trabalhamos no livro é embasado em evidências, e esperamos que ele esteja ajudando clientes em todo o mundo (Greenberger & Padesky, 2017).

A.M.: Na sua opinião, quais são os principais desafios da ajuda guiada por meio de livros, áudio ou via internet? Como lidar com pensamentos do tipo: "Já que eu tenho o material... então acho que não preciso de um terapeuta"?

C.P.: O maior desafio nesse formato é que ele só ajuda se as pessoas realmente praticarem o conteúdo dos materiais. Alguns leem um livro esperando que apenas a leitura resolva seu problema. E isso pode ser visto nas próprias resenhas que pessoas escreveram sobre A mente vencendo o humor. Algumas escreveram: "Eu não gostei deste livro! Eu tenho lido, mas ainda não resolvi meu problema". Em seguida, outros leitores argumentam: "Mas você tem que praticar! Eu também pensei isso no começo, mas quando comecei a praticar e a usar as planilhas e os exercícios, aos poucos fui entendendo e isso mudou a minha vida". Então esse é o maior desafio desse tipo de material.

Atualmente, muitas pessoas têm pensado sobre essa tecnologia de ajuda guiada, e há uma série de bons programas na internet vindos da Austrália e do Reino Unido. Você provavelmente os tem em desenvolvimento no Brasil também. As pesquisas até agora mostram que é possível obter bons resultados com autoajuda por meio da tecnologia, mas eu acho que depende um pouco de quais são as questões que a pessoa busca resolver. Alguns problemas são mais complicados do que outros. Acho que pode ser relativamente simples ajudar alguém com muitos dos transtornos de ansiedade por meio de uma intervenção guiada pelo computador ou livros de ajuda guiada. Se essas pessoas superarem os comportamentos de evitação e segurança que mantêm seus transtornos, podem conseguir praticar os experimentos de exposição. Já outras questões são mais complicadas. Por exemplo, estou muito interessada em conhecer o que Anke Ehlers e David Clarke (Wild et al., 2020), em Oxford, estão desenvolvendo: um programa on-line para trabalhar com transtorno de estresse pós-traumático, algo que me parece muito desafiador. Sigo interessada em ver que tipo de resultados eles irão obter com essa proposta promissora. Outra questão é que a autoajuda assistida por computador pode ser adequada para clientes com ansiedade porque são pessoas muito motivadas para fazer as coisas em geral. Eu acho que com a depressão temos um desafio a mais, porque um de seus sintomas é justamente o fato de os pacientes não se sentirem motivados a fazer coisas. Quando eu trabalho a execução de uma atividade para casa com clientes com ansiedade, eles geralmente a realizam. Já clientes deprimidos exigem muito mais incentivo e apoio, e, às vezes, é preciso dividir as grandes atividades em tarefas menores. Então, essas coisas têm de ser consideradas. Quando Dennis (Greenberger) e eu estávamos escrevendo A mente vencendo o humor, pensávamos constantemente da perspectiva de nossos leitores: "Isso é suficientemente simples? É suficientemente sofisticado? Vai ser claro para eles? Podemos dizer algo a mais para motivá-los a tentar isso?". Esses fatores são mais facilmente considerados quando há um terapeuta presente, então, quando se está falando sobre ajuda guiada, você deve descobrir maneiras de incorporar essas práticas aos materiais.

A.M.: Como você acha que a TCC evoluirá com a tecnologia em relação a esse problema, essa questão de ajuda guiada?

C.P.: Bem, se pensarmos na TCC como tendo o objetivo de ensinar habilidades às pessoas para se ajudarem, então queremos estar abertos a todas as vias de ensino dessas habilidades, e isso poderia incluir o uso de televisão, computador, podcasts, realmente tudo que possa contribuir. Acho que não estou totalmente familiarizada com todos os programas tecnológicos. Tenho visto alguns aplicativos, e muitas vezes as pessoas dizem: "Por que não criar um aplicativo sobre A mente vencendo o humor?". Mas isso não é tão fácil quanto parece. Primeiro, você tem plataformas diferentes. Muitos fazem aplicativos apenas para a Apple, porque é um sistema fechado, mas a maioria das pessoas no mundo usa Android; e também é um material que exige constante atualização, sendo, por isso, uma coisa muito ambiciosa tentar produzir aplicativos. Nesse sentido, a maioria dos aplicativos existentes servem como apoio a alguma etapa da TCC. Eles são bastante simples, abordam um aspecto muito específico da questão, estando longe de ser algo realmente semelhante à psicoterapia. Portanto, neste ponto, vejo muitas tecnologias como complementares e úteis. Elas podem ser totalmente úteis para pessoas que têm problemas menores, mas, para quem tem depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo ou transtornos de ansiedade, é necessário um plano de intervenção muito mais robusto e desenvolvido para aquela pessoa.

Durante a pandemia, temos visto que muitos clientes preferem terapia on-line porque ser mais conveniente. E muitos terapeutas estão começando a gostar desse formato, pelo menos em parte do tempo de atendimento. Acho que, em vários cenários, se sentar com alguém em um consultório por 50 minutos é um luxo, então a outra vantagem dos aplicativos é que podemos pegar nosso conhecimento e distribuí-lo para mais pessoas, e até mesmo para todas, se tivermos apoio para fazer as coisas de graça. Então, eu acho que as pessoas vão continuar a trabalhar dessa forma, acho que na próxima década teremos bem mais desses pacotes tecnológicos. O desafio é garantir que eles realmente incorporem os ingredientes eficazes da terapia. Isso precisa ser sempre considerado, porque nem sempre está claro quais são os ingredientes mais eficazes para cada alternativa de tratamento. Mas eu acho que há uma boa sinergia entre tecnologia e TCC.

A.M.: Vamos falar sobre conceitualização de caso, outro grande tópico que você tem trabalhado ao longo de sua carreira. Embora a conceitualização seja caracterizada como um ponto central no desenvolvimento do tratamento em TCC, essa ainda é uma grande fragilidade entre as habilidades dos terapeutas iniciantes. Como você sugere que eles aprendam a trabalhar efetivamente com a conceitualização de caso?

C.P.: Estou muito feliz que você esteja fazendo essa pergunta, porque a conceitualização de caso é algo central para TCC e eu penso que ainda não fazemos um trabalho muito bom ao ensinar terapeutas como fazê-la. Parte dessa dificuldade, na minha opinião, é que os modelos que foram usados ​​no passado não são os melhores modelos para usar com os clientes. No livro sobre conceitualização de casos colaborativa que escrevi com Willem Kuyken e Robert Dudley (Kuyken et al., 2010), aponto que a conceitualização deve ser feita na sessão e escrita com o cliente, para que ele entenda seu problema. Mesmo no nosso livro, eu acho que nós provavelmente não conseguimos explicar isso da forma mais simples possível. Então, no ano passado, eu escrevi um artigo chamado "Conceitualização de Caso Colaborativa: o cliente sabe o que é melhor"1. Eu escrevi esse artigo para o terapeuta que queira aprender a fazer conceitualização, mas acho que ele também é perfeito para alunos que queiram entender a conceitualização. Eu trabalho com um modelo de cinco partes, que caracteriza a conceitualização descritiva e a conceitualização de caso transversal, que tenho ensinado nos últimos anos e que mostra aos terapeutas como procurar gatilhos nos fatores de manutenção. É um modelo simples que eu chamo de "Caixa - Seta de entrada - Seta de saída"2. Eu apresento alguns exemplos de casos no artigo e mostro passo a passo como fazer a conceitualização em cada caso, e ambos são bastante simples. Quando eu trabalho esses modelos em workshops, os terapeutas me dizem que pela primeira vez compreendem como fazer conceitualização de caso, que ela funciona bem quando realizada junto com seus clientes e que isso ajuda seus clientes a se entenderem. Porque os clientes gostam de se entender. Fiquei satisfeita com o fato de que esse artigo recebeu destaque em um periódico dos Estados Unidos chamado Journal of Contemporary Psychotherapy. Eles revisaram artigos em mais de 100 periódicos durante o ano e selecionaram o meu como o melhor artigo de 2020 sobre conceitualização de caso no planejamento de tratamento. Fiquei muito satisfeita com isso, eu nem sabia que era possível ganhar um prêmio por publicar um artigo! Então, eu sei que não é apenas minha opinião, outras pessoas acharam útil. Terapeutas no Brasil também podem achar esse material útil.III

A.M.: Quais habilidades são importantes no processo de conceitualização de caso?

C.P.: Em primeiro lugar, entender que é uma atitude colaborativa e aprender a ouvir muito bem os nossos clientes. Há quarenta anos, quando era estudante de graduação, dei uma aula na UCLA. Eu ensinava alunos de graduação a serem terapeutas e costumávamos indicar que, quando um cliente dizia algo, você devolvia essa afirmação, mas parafraseava o que ele dizia para chegar a um nível mais profundo. Portanto, se o cliente dissesse "Estou tendo uma semana difícil", você devolveria "Ah, parece que você está tendo dificuldades esta semana"; e isso era o que eu pensava que todo mundo estava ensinando naquela época. Agora não acredito mais nisso. Agora, quando ensino a escuta e a reflexão, ensino as pessoas a serem papagaios! Seja um humilde papagaio! Use as palavras exatas dos clientes. Portanto, se o cliente disser "Tive uma semana difícil", você deve responder "Sua semana foi difícil". Use suas palavras exatas. A razão para isso é que, se você introduzir uma palavra nova, o cliente terá que pensar nessa nova palavra: "É isso que eu quis dizer?". E então ele pode trazer um monte de outros pensamentos, como "meu terapeuta acha que eu não posso lidar com uma semana difícil?". Então, eu acho que se você usa as palavras exatas do paciente em uma conceitualização de caso, em seguida, quando ele olha para ela, pode dizer: "Sim, isso reflete o que eu penso".

Quando estou fazendo sessões presenciais, ou mesmo quando estou trabalhando remotamente, peço ao cliente para escrever à mão em um pedaço de papel. Quando ele vê as palavras e sua caligrafia, isso ressoa nele emocionalmente mais do que se simplesmente olhasse para o que o terapeuta escreveu. Então, eu acho que um terapeuta aprendendo a fazer uma boa conceitualização de caso precisa se tornar muito bom em ouvir, sendo um papagaio humilde e usando as palavras dos clientes, e depois ter algum sistema como "o modelo de cinco partes" ou "Caixa - Seta de entrada - Seta de saída" para escrever e rastrear o que o cliente está dizendo. E trabalhar com isso de maneira colaborativa.

Então, agora, quando trabalho em terapia, tenho um quadro branco portátil no qual posso escrever para que ambos possamos olhar juntos, porque então o cliente pode olhar e ver conexões que pode não ver quando estamos apenas dizendo as palavras. Eu acho que praticar escrever coisas durante uma sessão é importante. A outra coisa com a conceitualização de caso é que ela precisa ser baseada em evidências. Existem duas maneiras de se basear em evidências na terapia. Uma delas é: podemos conhecer a literatura e saber que se alguém tem transtorno de pânico, provavelmente está fazendo suposições catastróficas sobre sensações físicas ou mentais, e isso pode orientar nossa conceitualização de caso. Assim, se temos certeza de que alguém tem transtorno de pânico, sabemos que, quando seu coração bate rápido, ele imagina o pior que poderia acontecer; e isso é muito útil. Nesse sentido, quando um paciente diz: "Eu acho que estou tendo um ataque cardíaco", isso levanta a hipótese de ser um transtorno de pânico. Já se ele diz: "Eu vou parecer ansioso na frente das pessoas e elas vão me criticar", você pode pensar: "Isso soa como ansiedade social". Ter modelos empíricos é uma maneira de se basear em evidências, mas você precisa usar esses modelos empíricos como uma hipótese, não como uma verdade. Não queremos forçar o cliente em uma caixa, devemos ouvir a sua realidade.

A outra maneira de se basear em evidências é, o mesmo tempo, coletar informações específicas e observações do cliente sobre o que ele está vivenciando e ver se isso se encaixa em um modelo baseado em evidências. Se não, vamos formar um modelo individual, porque é importante que, qualquer que seja a sua conceitualização, ela corresponda intimamente à experiência do cliente. Também acredito que é realmente útil identificar os pontos fortes dos clientes. Muitas vezes, em outras áreas de sua vida que não são as intimamente relacionadas aos problemas com os quais estão lutando, essas pessoas apresentam pontos fortes que nos ajudarão a encontrar nosso caminho um pouco mais rápida e facilmente quando chegamos ao planejamento do tratamento.

A.M.: Você implementou um grande desafio ao sistematizar uma medida de avaliação para o questionamento socrático, um ponto fundamental da TCC que gera muitas dúvidas nos terapeutas. Como você acredita que tal medida pode potencializar o desenvolvimento dessa habilidade?

C.P.: Na verdade, em 2020, a pandemia de covid-19 me permitiu ser criativa e me concentrar em alguns projetos. Então, uma das coisas que fiz foi escrever o manual da escala de avaliação de questionamento socrático. Eu escrevi o manual porque pensei que ter algo simples, como uma descrição de dez páginas das quatro etapas de questionamento socrático que tenho trabalhado, tornaria mais fácil para os alunos aprenderem e praticarem (https://www.padesky.com/pdf_padesky/Socratic-Dialogue-RatingSCALE-MANUAL.pdf). Então pensei em ter a escala porque ela é bastante específica e permite que você avalie certos aspectos do questionamento socrático que considero cruciais. Por ter uma escala, esperava que as pessoas mudassem seu comportamento para obter uma pontuação alta já que teriam um parâmetro e, se o fizessem, achei que se tornariam melhores no questionamento socrático. Então, espero que terapeutas e supervisores utilizem essa escala. Também estou na expectativa de que os pesquisadores possam usá-la, porque as pessoas estão começando a realizar pesquisas e descobrir que o questionamento socrático parece estar ligado a um melhor resultado na terapia. Assim, eu também pensei que ter uma escala padrão ajudaria os pesquisadores. Essas foram as razões pelas quais eu trabalhei nisso no ano de 2020.

A.M.: Como você acredita que os supervisores devem trabalhar para desenvolver essa habilidade nos supervisionandos e ajudá-los?

C.P.: Em primeiro lugar, acho que uma coisa boa a se fazer em um grupo de supervisão ou com o supervisionando é ler o manual. Então, o próximo passo seria praticar cada estágio do questionamento socrático em dramatizações nas sessões de supervisão. Eu venho fazendo isso em workshops há 30 anos, ajudando terapeutas a desenvolver suas habilidades de questionamento socrático. Descobri que outra coisa útil, especialmente com terapeutas iniciantes na prática do questionamento socrático, é praticar em apenas um ponto da sessão. O ponto que geralmente escolho é quando eles estão avaliando qualquer que seja a tarefa de casa que o cliente fez durante a semana. Esse geralmente é um momento bastante concreto e específico para fazer perguntas em caráter informativo: "Estou muito curioso, o que aconteceu?", "O que você aprendeu?", "O que você notou?", "O que você observou?", "Mostre-me o que escreveu ou fale-me sobre a sua experiência!". Independentemente de qual tarefa de casa foi trabalhada, nós podemos pedir muitas informações específicas sobre o que aconteceu logo no início da sessão. Então, o terapeuta pode praticar, ouvindo com empatia e percebendo se há alguma coisa faltando - informações que os clientes não estão relatando. E você pode fazer um resumo por escrito com o cliente sobre o que aprenderam e quais das suas observações foram relevantes. E, para encerrar o debriefing, você pode perguntar: "Como você acha que poderia usar essas ideias para se ajudar na próxima semana", já formando uma ponte desse aprendizado para a semana seguinte e utilizando bem o questionamento socrático. Usar o questionamento socrático para fazer uma avaliação da tarefa de casa oferece um pouco menos de pressão para os novos terapeutas do que praticá-lo com uma crença central que mantém um transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo. É um ponto mais simples para praticar. Há geralmente três momentos da sessão em que usamos questionamento socrático: quando estamos avaliando a tarefa no início da sessão; no meio da sessão, para testar algumas crenças centrais importantes; e, em seguida, no final da sessão, quando se pergunta: "Quais as ideias da sessão de hoje que você pode usar durante esta semana e que podem ser úteis para você?". E ouvir essas ideias com empatia. Daí você pode perguntar ao cliente: "O que você pode fazer esta semana à luz do que aprendeu, o que pode fazer de diferente nesta semana ou que passo além você pode dar?". Jackie Persons e seus colegas publicaram um estudo (Jensen et al., 2020) em que descobriram que, normalmente, os clientes são mais propensos a realizar tarefas de casa que se vinculam à mensagem principal que tiraram da sessão. Então, se reservarmos um tempo nos últimos 10 ou 15 minutos da sessão para perguntar o que foi mais significativo para eles ou o que se destacou, e estruturarmos a tarefa de casa em torno disso, aumentamos muito a probabilidade de que eles realizem a tarefa. E farão isso com certo entusiasmo, porque agora estão fazendo algo que se baseia no que já consideram uma ideia útil. Então, eu acho que é útil ensinar para terapeutas que o questionamento socrático não é algo constantemente usado na terapia, mas que ele tem um começo, um meio e um fim, através de quatro etapas de realização, que pode ser utilizado no início da sessão, em algum ponto no meio (às vezes, nem sempre) e, depois, no final. Esse tipo de estrutura torna mais fácil para o terapeuta aprender a praticar, e quanto mais ele faz isso, mais desenvolve essa habilidade de maneira sofisticada.

A.M.: O fato de ser uma forma estruturada de psicoterapia, com intenso diálogo com o universo da pesquisa, influencia o mito de que a TCC não considera os valores e a colaboração do paciente como as outras formas de psicoterapia. Como você fortalece o diálogo colaborativo com seus pacientes?

C.P.: Em primeiro lugar, deixe-me dizer que esse mesmo mito sobre a TCC também existe nos Estados Unidos. E, como a maioria das ideias, há alguma evidência sobre isso, já que muitas pessoas ensinam TCC de forma muito mecanicista e, assim, auxiliam na manutenção dessa ideia. Tenho tentado em minha carreira mostrar que não precisa ser assim. Por exemplo, no topo do nosso site, colocamos que trabalhamos com uma terapia "colaborativa, centrada no cliente, baseada em desenvolver pontos fortes", porque isso é o que nós tentamos ser: colaborativos. Estou também muito centrada no cliente e em pontos fortes ao longo da terapia. Estou sempre focando nos clientes e em sua perspectiva, suas ideias, validando-os, conectada emocionalmente com eles, construindo alianças, e isso é muito importante no meu trabalho.

Então, o que podemos fazer para construir esse tipo de terapia colaborativa centrada no cliente? Em primeiro lugar, acho que, como terapeutas, precisamos ter uma atitude de respeito e humildade para com nossos clientes. Alguns terapeutas se sentem como se eles fossem os únicos que soubessem coisas. Na época em que me tornei terapeuta cognitivo-comportamental, o Dr. Beck tinha um registro de pensamento de cinco colunas. Nele, a terceira coluna era rotulada de "resposta racional", e isso imediatamente me pareceu errado. Nós deveríamos estar praticando um modelo investigativo de terapia baseada na colaboração e na curiosidade genuína. Mas se você tem essa coluna com o nome de "resposta racional", já parte do princípio de que os pensamentos originais foram irracionais, o que não faz sentido. Há boas razões por trás da maioria dos pensamentos. Então essa foi a razão pela qual eu alterei o nome dessa coluna para "pensamentos alternativos", a fim de tornar esse processo menos crítico aos pensamentos originais. Eu incluí, também, a coluna "evidências" com base no feedback dos meus clientes e porque eu sei que há sempre evidência para apoiar qualquer crença que as pessoas têm. E eu acho que é realmente importante entender isso para poder respeitá-las e compreendê-las. Então, se alguém me diz "Eu sou um ser humano inútil", eu não tento mudar imediatamente sua ideia sobre isso como alguns terapeutas cognitivo-comportamentais poderiam fazer, eu digo: "Esse é um pensamento doloroso. Eu gostaria de saber que experiências você teve em sua vida que o levaram a essa conclusão". Eu acho que ser curioso e respeitoso e entender e não tratar as pessoas como se elas tivessem pensamentos irracionais é importante.

Acho que uma segunda coisa que ajuda é estar muito atento à linguagem que usamos. Tento entender os motivos dos pensamentos, mesmo quando eles não estão sendo funcionais ao cliente. Suponhamos que alguém está se cortando e temos que trabalhar em como pode mudar isso. Normalmente, eu começaria com uma linguagem que diria: "Imagino que você se corte por bons motivos. Vamos ver se podemos entender quais são esses motivos", porque eu estou sempre tentando compreender o contexto e o significado das circunstâncias em torno dos comportamentos, mesmo aqueles que não são ideais. Quando uso essa linguagem de "boas razões", os clientes ficam mais atentos. É como se pensassem "Aqui está alguém que não vai me consertar, mas alguém que está tentando me entender", e eu acho que isso faz uma grande diferença na terapia. Alguns terapeutas falam sobre desafiar as crenças dos clientes, mas eu nunca quero pensar na palavra "desafiar", porque esse não é o meu papel. Meu papel é ajudar os clientes a investigar suas crenças e ver se elas fazem ou não sentido para o que estão vivendo. Afirmar que vou desafiar essas crenças implica dizer: "Eu sei o que uma crença adequada é", e isso será diferente para cada pessoa.

A.M.: Se há um desafio, alguém tem que vencer, alguém tem que estar certo...

C.P.: Sim, exatamente. E quero estar lá como aliada dos meus clientes, colaborando com eles. Então isso exige uma atitude de respeito, linguagem construtiva e ouvir o que o cliente fala para que você possa validá-lo. Por exemplo: "Bem, se você teve essas experiências negativas, eu posso observar como elas se encaixam com sua ideia de que você é um ser humano inútil", para que você possa validar o significado ligado com o que o cliente está olhando, e, então, ajudá-lo a expandir sua visão de mundo para um algo melhor, para que no final eles possam dizer: "Eu fiz algumas coisas que violam meus próprios valores. Mas, por outro lado, isso me incomoda e estou tentando ser uma boa pessoa". Dessa forma, você pode ajudar as pessoas a chegarem a um sistema de crenças com mais nuanças, em vez de algo dogmático.

A.M.: Essa é uma lição muito importante para nós, para que não entendamos mal o que é ser um terapeuta. Um bom terapeuta é um profissional que respeita as pessoas, trata-as bem, respeita os seus valores e as suas histórias e escolhas no passado, apesar dos problemas que elas estão enfrentando. Temos que olhar para elas e reconhecer seus valores e pontos fortes, bem como seu poder de mudar...

C.P.: Esse é outro ponto muito bom que você mencionou, porque acho que também nossas suposições subjacentes afetam a maneira como nos comunicamos com os outros. Tenho fortes suposições subjacentes de que "cada pessoa pode mudar" e "cada pessoa pode ajudar a tornar sua vida melhor" e "esse poder está dentro dela", que "não sou a pessoa que fará isso por ela". Acredito que meu trabalho é ser como uma parteira, mas são as pessoas que receberão o crédito por qualquer mudança ou progresso que fizerem. Acho que isso transparece para os clientes se você os respeitar e ver seus pontos fortes, mesmo quando eles estão lutando suas piores batalhas. Essa atitude os ajuda a estar dispostos a se esforçar mais para tentar uma mudança. Muitas vezes, os clientes me disseram, e eu também já disse isso a eles: "Quando você está em uma situação difícil, é muito complicado ter esperança para o seu futuro", mas, como terapeuta, terei esperança para eles. Eu vou dizer: "Eu sei, eu sei que é difícil para você agora acreditar que as coisas vão melhorar, e não sabemos ao certo o que teremos de resultado, mas eu realmente vejo razões para acreditar e, se você concordar, eu terei essa esperança para nós enquanto trabalhamos".

 

Referências

Greenberger, D., & Padesky, C. A. (2017). A mente vencendo o humor: Mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. (2. ed.) Artmed.         [ Links ]

Jensen, A., Fee, C., Miles, A. L., Beckner, V. L., Owen, D., & Persons, J. B. (2020). Congruence of Patient Takeaways and Homework Assignment Content Predicts Homework Compliance in Psychotherapy. Behavior Therapy, 51(3),424-433. https://doi.org/10.1016/j.beth.2019.07.005.         [ Links ]

Kuyken, W., Padesky, C. A., & Dudley, R. (2010). Conceitualização de casos colaborativa: O trabalho em equipe com clientes em terapia cognitivo-comportamental. Artmed.         [ Links ]

Wild, J., Warnock-Parkes, E., Murray, H., Kerr, A., Thew, G., Grey, N., .... Ehlers, A. (2020). Treating posttraumatic stress disorder remotely with cognitive therapy for PTSD. European journal of psychotraumatology, 11(1),1785818. https://doi.org/10.1080/20008198.2020.1785818        [ Links ]

 

 

1 Collaborative Case Conceptualization: Client Knows Best
2 Nesse modelo, o terapeuta busca identificar uma variável cognitiva dentro da estrutura de funcionamento do paciente e atribuir quais perspectivas influenciaram essa variável e quais as consequências dessa variável. Por exemplo, ao trabalhar com uma "Crença Central" dentro da "caixa", o modelo busca entender quais variáveis influenciaram no desenvolvimento dessa crença (seta de entrada), mas também como essa crença influencia outras variáveis cognitivas, emocionais e comportamentais (seta de saída)
3 Você pode baixar o artigo gratuitamente em: https://padesky.com/clinical-corner/publications.

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