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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.18 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20220011 

10.5935/1808-5687.20220011 COMUNICAÇÕES BREVES

 

O uso de tecnologias digitais na intervenção com protocolo transdiagnóstico desenvolvido com base na terapia cognitivo-comportamental e na terapia comportamental dialética

 

The use of digital technologies for an intervention with a transdiagnostic protocol based on Cognitive Behavioral Therapy and Dialectic Behavior Therapy

 

 

Maria Cecília Ferreira-de-LimaI; Lia Silvia KunzlerI,II; Ana Carolina Girão RomeroI; Raquel Machado MarinhoI; Yu Hua FengI,III

IMental Health, Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia, Mental Health, Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia - Brasília - DF - Brasil
IIUniversidade de Brasília, Hospital Universitário de Brasília - Brasília - DF - Brasil
IIIUniversidade Federal do ABC, Centro de Matemática, Computação e Cognição - Santo André - SP - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo é descrever a experiência na elaboração e implementação de um protocolo transdiagnóstico de intervenção em grupo com ênfase na terapia cognitivo-comportamental e na terapia comportamental dialética com o uso de tecnologias digitais. Com a pandemia de covid-19, houve a necessidade de adaptação do atendimento de saúde mental para o formato virtual. Para este fim, oito encontros virtuais semanais foram elaborados para manejo do estresse e qualidade de vida, que abordaram os temas: 1) ansiedade; 2) insônia e pesadelos; 3) autoestima e atividades prazerosas; 4) regulação de emoções intensas; 5) raiva e assertividade; 6) depressão e luto; 7) vergonha, culpa e validação; e 8) preocupações improdutivas e produtivas. No período de 6 de junho de 2020 a 20 de novembro de 2021 foram realizados seis grupos de intervenções, com um total de 1026 participações. O uso da tecnologia de videoconferência remota rompeu a barreira do distanciamento, permitindo o acesso da equipe e dos participantes aos encontros, independentemente da localização. Também é observado que esse formato aumenta a acessibilidade e abrangência, possibilitando que um maior número de pessoas possa se beneficiar de intervenções para melhora da saúde mental.

Palavras-chave: terapia cognitivo-comportamental; Tecnologia Digital; Terapia do Comportamento Dialético.


ABSTRACT

The objective of the current study is to describe the experience of creating and utilizing a transdiagnostic group-intervention protocol with emphasis in Cognitive-Behavioral Therapy and Dialectic-Behavior Therapy using digital technologies. There has been a need to adapt mental health care to a virtual format as a consequence of the COVD-19 pandemic. For this purpose, eight weekly virtual meetings were elaborated for the management of stress and quality of life. The themes approached were: 1) anxiety, 2) insomnia and nightmares, 3) self-esteem and pleasant activities, 4) regulation of intense emotions, 5) anger and assertiveness, 6) depression and bereavement, 7) shame, guilt, and validation, 8) productive and unproductive worries. From June 6, 2020, to November 20, 2021, 6 groups of 8 meetings each were held, totaling 1026 participations. The use of remote conference technologies reduced de barrier of distance, admitting to meetings both the professional team and participants, despite their locations. It has also been observed that this format increased accessibility and coverage, allowing a greater number of people to benefit from interventions to improve their quality of life.

Keywords: cognitive behavioral therapy; Digital Technology; Dialectical Behavior Therapy.


 

 

INTRODUÇÃO

A pandemia de covid-19 tem apresentado impacto importante no bem-estar e, em especial, na saúde mental de grande parte da população mundial. O distanciamento social, a mudança das rotinas, a redução do engajamento em atividades prazerosas pelas limitações impostas, a incerteza e o medo de adoecer, além do luto, têm causado aumento de sintomas de ansiedade, depressão e estresse (da Silva et al., 2020; Usher et al., 2020). Essas evidências são corroboradas por um estudo de revisão, que aponta ação neurotrófica do vírus, causando agravamento de quadros psiquiátricos e aparecimento de novos sintomas em pessoas sem histórico de adoecimento mental (Vindegaard & Benros, 2020).

As condições descritas provocaram o aumento da demanda na área da saúde mental, observado não só quanto ao tratamento, mas também quanto a ações para educação, reestruturação cognitiva e auxílio no enfrentamento da nova realidade, e prevenção do adoecimento psiquiátrico (da Silva et al., 2020). Consequentemente, surgiu, desde as fases mais precoces da pandemia, o empenho em adaptar os serviços e adequar a oferta às necessidades atuais (Moreno et al., 2020). E, apesar do interesse e do desenvolvimento de recursos digitais em saúde mental estarem presentes há tempos, com o advento da pandemia de covid-19, houve uma verdadeira explosão do uso de recursos que permitem a inovação, o desenvolvimento e a ampliação da oferta de serviços que visam à saúde mental (Torous et al., 2020).

O uso das tecnologias digitais possibilitou a continuidade do acesso a profissionais treinados e a ampliação da abrangência, de forma exponencial. Assim, os recursos digitais se expandiram enormemente de forma global, a fim de acolher as necessidades atuais e ampliar a oferta para um número maior de pessoas, o que nem sempre seria possível na modalidade presencial (Ben-Zeev, 2020). O aumento do uso de teleatendimento, plataformas digitais, programas e aplicativos têm possibilitado maior alcance a tratamentos baseados em evidências, aprimoramento dos recursos usados, além da integração de terapias tradicionais (Graham et al., 2020), como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia comportamental dialética (DBT, do inglês dialectical behavior therapy).

Uma revisão sistemática publicada em 2019 (Gentry et al. 2019) apontou para a viabilidade da abordagem de grupos terapêuticos por videoconferência com resultados semelhantes ao tratamento presencial, além de alta satisfação dos participantes. Outra revisão concluiu que as intervenções remotas em grupo, conduzidas por profissionais da saúde, podem ter impacto moderado na ansiedade dos participantes (Currie et al., 2022).

As terapias cognitivas, como um grupo de abordagens afins, envolvem mudanças cognitivas, comportamentais, emocionais e interpessoais necessárias para o entendimento e o tratamento dos transtornos mentais, e vêm sendo adaptadas para a realidade da pandemia (Kazantzi et al., 2021). A flexibilidade dessas abordagens as torna propícias para o momento histórico e sanitário.

A TCC foi desenvolvida na década de 1960 por Aaron Beck, inicialmente para o tratamento de depressão. Atualmente é considerada uma linha de psicoterapia baseada em evidências para o tratamento de diversas condições clínicas, além de ser eficaz para a prevenção de adoecimento mental e melhora da qualidade de vida (David et al., 2018; Hofmann et al., 2012). As principais técnicas usadas nessa modalidade, que é colaborativa e pragmática, são a restruturação cognitiva, o diálogo socrático, a aliança terapêutica e os experimentos comportamentais. As ferramentas são importantes para a regulação emocional, tornando a TCC eficaz como tratamento transdiagnóstico (Schaeuffele et al., 2021). A adaptação da TCC em grupo por videoconferência é uma alternativa eficiente e promissora para o tratamento da ansiedade e dos transtornos afins (Milosevic et al., 2021).

A DBT foi criada por Marsha Linehan, sendo a primeira publicação feita em 1991. É considerada uma das terapias cognitivas de terceira geração e foi desenvolvida inicialmente para tratar mulheres com grave desregulação emocional e comportamento suicida crônico. Nas últimas décadas, no entanto, a DBT, por se tratar de uma terapia multimodal e flexível, tem sido adaptada para várias condições clínicas que envolvam a desregulação emocional (Ritschel et al., 2015). Essa linha é constituída por três alicerces fundamentais: a terapia comportamental, o pensamento dialético e a filosofia Zen, o que permite que sejam integradas a aceitação e as estratégias de mudança e de aquisição de habilidades necessárias para a regulação emocional. As habilidades trabalhadas são divididas em quatro grandes grupos: 1) mindfulness; 2) efetividade interpessoal; 3) regulação emocional; e 4) tolerância ao mal-estar (Linehan, 2018; Mehlum, 2021).

Mais recentemente, a DBT remota por videoconferência vem sendo estudada e implementada e, apesar dos desafios inerentes à mudança, parece haver boa aceitação tanto para pacientes como para profissionais, além de maior adesão (Lakeman et al., 2022; van Leeuwen et al, 2021).

Assim, ao se adotar as duas teorias, TCC e DBT combinadas, propõe-se um protocolo com intervenções nos aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais para assim proporcionar uma melhora na saúde mental. Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar a experiência na elaboração e implementação de um protocolo transdiagnóstico baseados na TCC e na DBT para atendimento em grupo.

 

MÉTODO

O presente trabalho é um estudo metodológico, de caráter descritivo, que apresenta uma abordagem com intervenções que combinam técnicas e treinamento de habilidades de TCC e DBT.

Equipe

A equipe é composta por cinco profissionais da saúde: duas médicas e três psicólogas. Ambas as médicas são terapeutas certificadas pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, possuem título de especialista em Psiquiatria e fizeram o Treinamento em Terapia Comportamental Dialética. Duas psicólogas também fizeram o Treinamento em Terapia Comportamental Dialética e concluíram a Formação em Terapia Comportamental Dialética. Duas psicólogas são especialistas em Neuropsicologia, uma delas também é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e uma psicóloga é especialista em Análise do Comportamento.

Instrumentos

Zoom Meeting: programa de software de teleconferência de vídeo compatível com os sistemas operacionais macOS, Windows, Ubuntu, Mint, Linux, CentOS, Fedora, OpensSUSE. Apresenta boa estabilidade e facilidade de uso, além de não ser necessário que o participante baixe o programa em seu dispositivo. A versão livre ao público permite videoconferências com o anfitrião e um participante por tempo ilimitado, ou até 100 participantes, com um limite de tempo de 40 minutos. Para aumentar o limite de tempo e o número de participantes, estão disponíveis assinaturas, e a versão utilizada neste trabalho foi a denominada profissional. Os principais recursos utilizados pela equipe foram: agendamento prévio das sessões para envio de link de acesso, habilitação de sala de espera para os participantes aguardarem a liberação para entrada, configuração para o modo mudo no momento de acesso à sala virtual, possibilidade de gestão de microfones e câmeras pelo anfitrião da reunião, chat e compartilhamento de tela para apresentação de material de apoio durante o encontro.

WhatsApp: aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz e vídeo; permite o envio de imagens, áudios, vídeos, documentos, pagamentos e links. É compatível com smartphones com sistemas operacionais Android, IOS e KaiOS. Entre os recursos oferecidos por este aplicativo, três deles foram amplamente utilizados: 1) Grupo de comunicação em que todos os participantes podem enviar mensagens - amplamente utilizado pela equipe em todas as etapas do protocolo: idealização, elaboração, execução e avaliação; 2) Grupo de comunicação no qual apenas os administradores podem enviar mensagens - criação do Grupo Pense Saudável, em que são enviados materiais de saúde mental e divulgação; 3) Lista de transmissão - permite enviar as mesmas mensagens simultaneamente para todos os participantes.

YouTube: plataforma de compartilhamento de vídeos que hospeda material com uma imensa variedade em diversos aspectos como: conteúdo, qualidade, quantidade, duração, linguagem, entre outros. Ao utilizá-lo, a equipe pôde hospedar os vídeos criados com as temáticas abordadas nos encontros para que os participantes pudessem complementar o conteúdo visto nos encontros ao vivo. Por se tratar de um canal aberto, o público em geral também tem acesso ao conteúdo.

Procedimentos

Concepção - uma profissional da rede pública de saúde do Distrito Federal, que não integra a Equipe que adaptou e aplicou os protocolos, contatou uma das duas médicas apresentadas na descrição da Equipe que participou do presente estudo. A profissional sugeriu intervenções virtuais em grupo para apoiar os profissionais da área da saúde que estavam atuando na linha de frente do tratamento de covid-19, auxiliando no enfrentamento do estresse decorrente da situação. A equipe descrita anteriormente avaliou como pertinente a sugestão e elaborou um protocolo adaptado e baseado na DBT, com o intuito de favorecer o manejo do estresse. O grupo foi então oferecido pela plataforma Zoom, sendo denominado Grupo 1. Na ocasião, a proposta era oferecer apenas uma edição do grupo. Porém, com a conclusão do Grupo 1, a equipe identificou pacientes acompanhados que se beneficiariam caso tivessem acesso ao protocolo adaptado. Durante a reunião semanal da equipe, tomou-se a decisão pela manutenção dos grupos pela plataforma Zoom, mas para o público geral, visando proporcionar estratégias para manejo do estresse e melhora da qualidade de vida. Decidiu-se também que o protocolo seria baseado nas duas abordagens, TCC e DBT.

Elaboração - a materialização do protocolo de intervenção também foi realizada pela equipe utilizando os recursos das tecnologias digitais: reuniões remotas semanais com 90 minutos de duração; alinhamento de decisões e de condutas a qualquer tempo, por meio de aplicativo de comunicação por mensagens escritas e áudios; elaboração de material com auxílio de programas de criação e edição de apresentações gráficas.

Planejamento - 1) o material de divulgação das sessões era enviado por WhatsApp, juntamente com o contato de uma das profissionais da equipe, responsável pela inscrição; 2) após o contato, para concluir a inscrição, os interessados eram orientados a efetuar o pagamento e enviar os dados pessoais com o comprovante; 3) ao efetivar a inscrição, o contato do participante era incluído na lista de transmissão para os participantes da sessão; 4) na véspera da sessão, o link para acesso à sala virtual era criado e enviado pela lista de transmissão; 5) a configuração da sala definia que todos os participantes entrassem com o microfone desligado; ao início da sessão, os participantes eram admitidos e uma lista de presença era realizada para se constatar os ausentes, que eram contatados imediatamente para lembrar do encontro; 6) ao final, os presentes e ausentes eram contabilizados; 7) também eram registradas eventuais observações individuais dos participantes; 8) ao longo da semana, os participantes recebiam material complementar a respeito do tema tratado.

Execução - as aberturas dos encontros foram conduzidas pela mesma profissional, com a apresentação breve das características das duas linhas de terapia e de orientações sobre o respeito com os membros do grupo e a obrigatoriedade do sigilo. Assim como ocorre em sessões de terapia, a partir da sessão 2, após a abertura, um resumo da sessão anterior era apresentado e 10 a 15 minutos eram disponibilizados para que os participantes descrevessem dificuldades e resultados alcançados com a aplicação das estratégias oferecidas na sessão anterior. Após a abertura e a revisão da prática da tarefa de casa, o conteúdo da sessão era apresentado, sendo facilitado pela apresentação de slides elaborados com o recurso do PowerPoint. A apresentação tinha duração de aproximadamente 50 minutos, seguida pela contribuição dos participantes com áudio liberado ou por meio de mensagem escrita no chat de discussão. Ao final do encontro, a profissional responsável pela abertura ressaltava que os membros da equipe estariam disponíveis por meio dos contatos telefônicos. O tempo total da sessão era de aproximadamente 90 minutos.

Outros detalhes complementares sobre os procedimentos adotados: ao longo de todo o processo, a equipe oferecia suporte aos participantes que apresentavam qualquer dificuldade com o aplicativo, além de ficar à disposição para esclarecimentos de dúvidas a respeito do funcionamento do grupo, sobre o conteúdo abordado nas sessões e do material complementar. Ao criar o acesso à reunião, a configuração desejada para o encontro era definida, como, por exemplo, se os microfones dos participantes estariam ativados ou não ao entrarem na reunião. A equipe estabeleceu que os microfones de todos os participantes estariam desligados ao entrarem na sessão, a fim de facilitar a organização, sendo ativados sempre que alguém desejasse fazer uma contribuição. No chat, era possível enviar mensagens privadas para os membros da equipe e participantes ou mensagens gerais para o grupo. Também era possível que os encontros fossem gravados, no entanto, esse recurso não foi utilizado para que o sigilo dos participantes fosse resguardado.

 

RESULTADOS

No dia 6 de junho de 2020 ocorreu a primeira sessão do primeiro grupo terapêutico para público geral com a utilização do Protocolo para Manejo de Estresse e Qualidade de Vida, elaborado e aplicado pela Equipe Mental Health. Outros sete encontros ocorreram nas semanas subsequentes, nos dias 13, 20 e 27 de junho de 2020 e 4, 11, 18 e 25 de julho de 2020. Os temas abordados foram, respectivamente: 1) ansiedade; 2) insônia e pesadelos; 3) autoestima e atividades prazerosas; 4) regulação de emoções intensas; 5) raiva e assertividade; 6) depressão e luto; 7) vergonha, culpa e validação; e 8) preocupações improdutivas e produtivas. Os conteúdos trabalhados estão listados na Tabela 1.

Entre 6 de junho de 2020 e 20 de novembro de 2021 foram realizados seis grupos de intervenções. Os seis ciclos de oito encontros somaram 48 sessões, totalizando 1026 participações. O menor número de participantes em todas as sessões foi de 14 presentes, e ocorreu no terceiro grupo, na sessão com o tema regulação de emoções intensas. A sessão que abordou o tema preocupações produtivas e improdutivas teve, na primeira edição, o maior número de participantes, com um total de 37.

O uso da tecnologia de conferência remota rompeu a barreira do distanciamento, permitindo o acesso da equipe e dos participantes independentemente da localização. Os profissionais mantiveram o trabalho mesmo em cidades diferentes, como Brasília, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

O mesmo fenômeno foi observado em relação aos participantes, que eram provenientes de diferentes cidades de estados brasileiros e do Distrito Federal: Amazonas, Brasília, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Assim como de diferentes países: África do Sul, Alemanha, Argentina, Canadá, Estados Unidos, França e Portugal.

Algumas das tarefas foram apontadas como um diferencial do protocolo, atribuindo um valor agregado positivo: envio prévio de material para familiaridade dos temas e práticas abordadas; acolhimento dos participantes no início, durante e ao final das sessões; controle de presença dos inscritos para o encontro; contato individual para lembrar do encontro, em caso de ausência; acompanhamento visual das reações dos participantes ao longo das sessões; respostas às participações e contribuições orais e escritas; contato por telefone em situações adversas, em que fosse adequada uma intervenção individual; complementação de material para reforço das práticas e treinamentos propostos durante as sessões; disponibilidade do corpo técnico para contato, mesmo fora do horário dos encontros.

O canal Mentalflix, registrado no YouTube, foi lançado em 29 de março de 2020, e o endereço de acesso é: https://www.youtube.com/c/Mentalflix. Em relação à abrangência, até o dia 5 de fevereiro de 2022 apresentava um total de 387 inscritos. Foram obtidas 7332 visualizações, com 404 horas de exibição. O vídeo "Estratégia ACALME-SE" foi o que mais arrecadou inscritos, e também foi o de maior visualização, sendo assistido 610 vezes. O vídeo "Efetividade interpessoal: DEAR MAN" obteve o maior número ponderado de impressões, foram 40 reações positivas em 480 visualizações. O vídeo "Estratégias para abordar imagens mentais" teve o maior número bruto de reações,sendo 41 reações positivas em 531 visualizações.

O Grupo de WhatsApp Pense Saudável foi criado em 26 de abril de 2021 e o link de acesso é: https://chat.whatsapp.com/B5gKpzqsqKb5x2mMXTT21y. No dia 5 de fevereiro de 2022 apresentava um total de 218 participantes e foram enviados 73 arquivos entre mídias,documentos e links.

 

DISCUSSÃO

A realização dos encontros em meio virtual possibilitou a integração de um número de participantes que presencialmente não seria possível, tanto em relação ao espaço físico quanto por conta da localização. A facilitação de uso de recursos disponíveis pelas tecnologias digitais adotadas também possibilitou abordagens que encontrariam barreiras por meio físico.

Como os manuais de TCC e DBT foram elaborados para atendimentos presencias e ainda há escassez de literatura sobre atendimentos de grupos remotos, a equipe adaptou as estratégias para o meio virtual. Algumas características dessa adaptação estão descritas no artigo que relata a experiência de terapeutas da DBT (Zalewski et al., 2021) e que aponta para a necessidade de conhecimento, experiência e criatividade para manter a atenção e o compromisso dos pacientes. A utilização dos recursos visuais representou um grande diferencial. Observou-se engajamento e participação dos indivíduos, além da compreensão das intervenções propostas, facilitadas pelo uso das imagens, áudios e vídeos. Frequentemente as sessões eram denominadas como aulas, com relatos de que o conteúdo era inovador, e apresentado de forma leve e prática.

O protocolo apresentado no presente artigo utilizou diferentes plataformas, aplicativos e recursos, corroborando a necessidade do uso de diversas ferramentas para contornar as dificuldades de treinar habilidades em grupo de forma remota (Landes et al., 2021). Outro estudo de revisão destacou a importância da combinação de recursos disponibilizados pelas tecnologias, pois no levantamento realizado, as pesquisas utilizavam predominantemente apenas uma modalidade. Esta revisão de escopo aponta também a escassez de ensaios clínicos que investigam possíveis diferenças entre as abordagens de teleatendimento, atendimento presencial e abordagem híbrida, para consolidar os benefícios das abordagens com uso de tecnologias. Porém, também pontua que a continuidade do atendimento em saúde mental por meio remoto é inevitável, reforçando a importância das pesquisas nessa área (van Leeuwen et al., 2021).

Os autores do editorial de 2021 concluíram que as terapias cognitivas e comportamentais vêm sendo adaptadas de formas inovadoras para lidar com os desafios impostos pelos tempos atuais (Kazantzis et al., 2021). Ao elaborar o conteúdo das sessões do protocolo, a combinação de estratégias e técnicas da TCC e da DBT pareceu lógica, por trabalhar os pensamentos distorcidos e a regulação emocional, respectivamente (Linehan, 2018; Schaeuffele et al., 2021). Assim, parece promissora a proposta principal da abordagem descrita: a mudança de comportamentos indesejados e enfrentamento adequado em situações estressantes. Sendo necessário um estudo de ensaio clínico para avaliar o efeito do treinamento de habilidades necessárias para lidar com a desregulação emocional e a reestruturação das cognições disfuncionais para intervir na diversidade de sintomas e diagnósticos.

A presença de pelo menos quatro profissionais da equipe, em todas as 40 sessões conduzidas, possibilitou a divisão das tarefas, o que contribuiu para uma abordagem mais ampla e abrangente, e consistiu em um diferencial percebido e um fator facilitador para a observação do comportamento dos participantes durante os encontros, com o contato individual, fora das sessões, quando necessário. A abordagem em grupo, sempre com a presença e a condução das profissionais, tornou a intervenção menos onerosa para os participantes, porém efetiva para lidar com diversas questões de saúde mental, como apontado em uma revisão sistemática (Currie et al., 2022). Observou-se que o conjunto e a coesão do corpo clínico favoreceram o sentimento de acolhimento e comprometimento por parte dos participantes, potencializando a adesão e o engajamento à proposta de trabalho.

Ao longo do percurso, foram identificadas demandas de novos temas a serem abordados, além de solicitações de manutenção de encontros ao final do ciclo. Com isso, a equipe idealizou outros protocolos como: grupo de encontro mensal para abordagem de temas diversos, grupo específico para manejo do comer emocional e grupo para adolescentes.

Também foi oferecida uma modalidade social voluntária, o Grupo Como Lidar, um encontro aberto e gratuito para apresentar técnicas pontuais para o enfrentamento de temas específicos. Não houve remuneração, apenas foi sugerida uma doação voluntária para uma instituição de apoio social, caso fosse possível e confortável para o participante.

Limitações do estudo

Este trabalho buscou apresentar, apenas de forma descritiva, a concepção e aplicação de um protocolo de intervenções baseadas em TCC e DBT. No futuro, sugere-se investigar os efeitos dessa abordagem nos diferentes aspectos da saúde mental e da qualidade de vida. Pode-se também comparar a intervenção combinada de TCC e DBT com intervenções baseadas somente em TCC e somente em DBT. Outra sugestão é avaliar se o protocolo proposto apresenta resultados distintos quando aplicado em grupos com características diferentes.

 

CONCLUSÃO

Os recursos disponibilizados pelo uso de tecnologias digitais auxiliaram na integração de práticas, técnicas e ferramentas preconizadas pela TCC e DBT. Dessa forma, foi viável oferecer possibilidades de enfrentamentos visando à reestruturação cognitiva e à regulação emocional em um novo formato. A ampliação da oferta se mostrou pertinente, viável e abrangente. Os benefícios observados parecem compensar eventuais perdas inerentes à impossibilidade da presença física.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Maria Cecília Ferreira-de-Lima
E-mail: macecilialima@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 20 de Agosto de 2021. cod. 247
Artigo aceito em 22 de Março de 2022.

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