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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.58 no.1 Rio de Janeiro June 2006

 

ARTIGO

 

As interações sociais na elaboração conceitual em uma aula da primeira série do ensino fundamental

 

Social interaction in the conceptual elaboration in a class for firstgraders

 

 

Jorgete Pereira OliveiraI; Evenice S. Chaves; José Moysés AlvesII, III

IUniversidade do Estado da Bahia (UNEB)
IIUniversidade Federal do Pará (UFPA)
IIIPrograma de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando a importância do início da escolarização para o desenvolvimento cognitivo, objetivamos, no presente estudo, compreender como as interações em sala de aula promovem a elaboração conceitual. Participaram da pesquisa uma professora e 25 alunos de uma turma de primeira série do ensino fundamental de uma escola particular da periferia da cidade de Belém, Pará. A aula tratou dos conceitos de cultura e natureza. Transcrevemos e analisamos microgeneticamente a aula, focalizando mudanças ocorridas na elaboração conceitual e suas transições do plano social para o plano individual. Por meio de diferentes movimentos nas zonas de desenvolvimento proximal, os alunos, com seus conhecimentos prévios e capacidade de generalização e abstração em desenvolvimento, aprenderam as definições apresentadas pela professora. A abordagem comunicativa adotada pela professora foi, predominantemente, interativa de autoridade. Consideramos que uma outra compreensão do conteúdo ministrado ajudaria a professora a sustentar uma abordagem comunicativa dialógica, valorizando os pontos de vista dos alunos.

Palavras-chave: Interação; Conceitos; Ensino-aprendizagem.


ABSTRACT

Considering the importance of the beginning of school education for the cognitive development, our goal, in the present study, is to understand how the interactions in the classroom promote conceptual elaboration. A teacher and 25 firstgraders of a private school in a suburb of Belém (State of Pará, Brazil) participated in this research. The class was about the concepts of culture and nature. It was transcribed and analyzed microgenetically, focusing changes occurred in the conceptual elaboration and their transition from the social plane to the individual plane. By means of different movements in the zones of proximal development, the students, with their previous knowledge and their capacity of generalization and abstraction in development, learned the definitions presented by the teacher. The communicative approach adopted by the teacher was, predominantly, interactive with authority. We consider that a different comprehension of the presented contents might help the teacher to sustain a dialog-based communicative approach, valueing the students’ points of view.

Keywords: Interaction; Concept; Teaching-learning.


 

 

Os conceitos científicos começam a ser ensinados, de forma sistemática, na primeira série do ensino fundamental. Essa aprendizagem é mediada pela professora e pelos colegas, gerando desenvolvimento cognitivo. Refletir sobre o papel das interações sociais na elaboração conceitual, nesse momento da escolarização, além de contribuir para a compreensão do papel dessa aprendizagem no desenvolvimento da criança, pode trazer subsídios para aperfeiçoar a prática pedagógica.

Segundo Vygotsky (1934/1987; 2001), o desenvolvimento da linguagem ocorre na interação com os outros membros da cultura. Inicialmente a linguagem serve a propósitos comunicativos e, posteriormente, é usada também como instrumento do pensamento. Cada palavra é um ato de generalização e de abstração, ou seja, cada palavra é um conceito.

Em seus estudos sobre a formação de conceitos, Vygotsky (1934/1987; 2001) concluiu que o significado das palavras sofre transformações no curso do desenvolvimento, passando por três momentos diferentes. Quando propõe esse caminho para o desenvolvimento conceitual, ele não quer afirmar que esse processo seja linear e diz que o terceiro momento não aparece, necessariamente, após o segundo ter se completado integralmente.

Vygotsky (1934/1987; 2001) chama de pensamento sincrético as formas mais elementares de construção de um conceito. Nesse primeiro momento do desenvolvimento conceitual, a palavra ainda não tem função de organizar e classificar objetos e ações da criança. Para Luria (1986), nesse momento “As palavras designam um complexo total de referentes, incluindo não apenas o objeto nomeado, mas também os sentimentos da criança em face do objeto” (p. 16).

Em uma segunda etapa da conceitualização, a qual Vygotsky nomeou de Complexos, a palavra já alcançou um nível mais elaborado de generalização, os objetos já são classificados com base em uma característica física ou ainda a partir das relações que, de fato, eles têm com situações concretas, reais. As ligações factuais presentes nos complexos são estabelecidas a partir da experiência direta. Assim, um complexo é, antes de tudo, “um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações factuais” (Vygotsky, 1934/1987, p. 77).

A diferença de um complexo para um conceito propriamente dito é que em um complexo os objetos são agrupados de maneiras tão diversas quanto as relações concretas que entre eles podem ser estabelecidas; e, no conceito, os objetos são agrupados com base em um ou mais atributos comuns. Mas o pensamento por complexos é apenas uma das duas linhas da conceitualização indicadas por Vygotsky (1934/1987; 2001).

Para este autor, existe ainda uma segunda linha no desenvolvimento dos conceitos denominada por ele de conceitos potenciais. Enquanto nos Complexos os agrupamentos são feitos com base no maior número de semelhanças possíveis existentes entre os objetos, nos conceitos potenciais o agrupamento é realizadocom base em um único atributo. Uma característica específica do objeto é abstraída das demais características. Aqui, os atributos dos objetos já são divididos em graus de importância diferentes. Na verdade, os conceitos potenciais não se distinguem, do ponto de vista do seu produto, dos verdadeiros conceitos.

Essas duas linhas vão se encontrar plenamente consolidadas no pensamento conceitual, quando o sujeito já classifica os objetos não mais apoiado em impressões imediatas, mas isolando os seus diferentes atributos e relacionando-os com um conceito abstrato codificado em uma palavra. A capacidade de análise e síntese consolida-se e articula-se.

Ao iniciarem o ensino fundamental, as crianças têm, em geral, 7 anos de idade e estão em um período de transição do pensamento por complexos para o pensamento conceitual propriamente dito. A aprendizagem de conceitos científicos na escola é o fator determinante desse desenvolvimento.

Vygotsky (1934/1987; 2001) diferenciou os conceitos aprendidos nas interações cotidianas dos conceitos científicos adquiridos pelas crianças na escola, onde elas estão expostas a situações deliberadamente planejadas de instrução. O conceito cotidiano é marcado pela experiência direta, enquanto o conceito científico não tem, no início do seu desenvolvimento, relação direta com a vida concreta. Para o autor, o desenvolvimento inicial das duas formas de conceitos tem direções opostas, mas eles terminam por se encontrar. O desenvolvimento dos conceitos cotidianos é ascendente, ou seja, estes se originam na experiência concreta da criança, alcançando, posteriormente, níveis superiores de generalização. Os conceitos científicos, ao contrário, desenvolvem-se em um movimento descendente, a partir de definições verbais abstratas para depois adquirirem sentido no contexto da experiência concreta da criança.

No início da escolarização, as crianças ainda não têm plenamente desenvolvidos os processos psicológicos que constituem o pensamento conceitual propriamente dito. Embora já usem com desenvoltura os conceitos cotidianos correspondentes aos conceitos científicos que lhes serão ensinados na escola, ainda não os desenvolveram conscientemente, no sentido de poder defini-los verbalmente e usá-los deliberadamente. Isso só será possível a partir da aprendizagem de conceitos científicos. Dessa forma, estes atualizam as potencialidades dos conceitos cotidianos em termos de consciência e de uso deliberado, ou seja, eles criam zonas de desenvolvimento proximal.

Segundo Vygotsky (1984), a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, constituído pelas tarefas que a criança pode resolver de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial, constituído pelas tarefas que ela só consegue resolver em colaboração com adultos ou companheiros mais experientes. Nesse sentido, a instrução escolar só se mostra frutífera quando se antecipa ao desenvolvimento.

A atividade do aluno é fundamental para que aconteça a aprendizagem conceitual. Porém, muitas vezes, perspectivas construtivistas atribuíram importância excessiva à atividade do aluno, o que levou a uma compreensão do processo de aprendizagem como algo essencialmente individual e, até certo ponto, não influenciado por outras pessoas. Segundo Coll (1994), considerar a atividade do aluno como o centro do processo de aprendizagem, minimiza a importância das interações estabelecidas entre o professor e o aluno e entre os alunos, as quais geram e promovem a aprendizagem.

A formação de conceitos não depende apenas do esforço individual do aluno e o ensino do conceito não pode se dar de forma mecânica. Vygotsky (1934/1987) afirma que um professor que tenta ensinar conceitos de forma direta e verbalista não obtém êxito. Ele consegue apenas que a criança repita as palavras correspondentes aos conceitos ensinados. Mas atrás das palavras pronunciadas pela criança existe um vazio. Portanto, não basta o professor explanar sobre os conteúdos que pretende ensinar. Ele precisa criar condições para que os alunos participem ativamente das atividades. Precisa, sobretudo, estar atento às melhores maneiras de mediar as interações dos alunos com seus objetos de conhecimento.

Desse modo, as pautas interativas podem ter maior ou menor impacto sobre a aprendizagem, mas não há dúvida de que elas são a base do processo da aprendizagem escolar. Como acentua Coll (1994) “a unidade básica do processo de ensino/aprendizagem já não é a atividade individual do aluno e sim a atividade articulada e conjunta do aluno e do professor em torno da realização das tarefas escolares” (p. 103).

Na mesma direção, Simão (1995) argumenta que “o interessante, muito estudado e ainda pouco conhecido, é como as ações mutuamente dirigidas dos interlocutores operam nesse processo de construção do conhecimento durante interações professor-aluno” (p. 229).

Constatamos que nos últimos dez anos, a pesquisa nessa área avançou bastante, incluindo estudos sobre o ensino da linguagem escrita (ver, por exemplo, Rojo, 1998; Bortolotto, 1998), o ensino de matemática (ver, por exemplo, Damazio, 1997; Pinto e Fiorentini, 1997) e o ensino de ciências (ver, por exemplo, Capecchi, Carvalho e Silva, 2000; Mortimer e Scott, 2002). Entretanto, estudos recentes continuam apontando a necessidade de mais pesquisas sobre o discurso em sala de aula. Segundo Mortimer e Scott (2002,) ainda é pouco conhecido “como os professores dão suporte ao processo pelo qual os estudantes constroem significados na sala de aula [...] como essas interações são produzidas e [...] como os diferentes tipos de discurso podem auxiliar a aprendizagem dos estudantes” (p. 2). Pretendemos, com o presente estudo, contribuir para essa linha de pesquisa.

Fontana (1993 e 1997) realizou um estudo sobre elaboração conceitual de crianças em uma sala de aula da 3ª série do ensino fundamental. Ancorada na perspectiva sociocultural do desenvolvimento humano e na teoria da enunciação de Bakhtin, a pesquisadora investigou o processo de elaboração do conceito de cultura, por parte das crianças, a partir da dinâmica das interações produzidas na sala de aula. Ela analisou as dimensões intersubjetiva e intra-subjetiva desse processo e ressalta o papel constitutivo do trabalho pedagógico e a diversidade de sentidos e de estratégias que nele comparecem.

Fontana (1993) aponta ainda que, ao estudar a dimensão discursiva da elaboração conceitual, fica evidente a possibilidade de que a relação de ensino seja uma via de mão dupla: ao ensinar, a professora aprende ao se expor aos diversos saberes e dizeres. Ao aprender, a criança explicita e propõe sentidos possíveis também se expondo, ensinando e aprendendo.

A autora diz também que o estudo indica a relevância de se rever e discutir os modos pelos quais o desenvolvimento conceitual é produzido nas relações de ensino. Não se trata de buscar receitas ou avaliar como se deve proceder na escola, mas trata-se de um esforço para explicitar a compreensão da conceitualização como parte de um processo de constituição da identidade social, que é dinâmico e que também passa pela escola.

Para Mercer (1998), as proposições e os conceitos vygotskianos têm dado significativas contribuições às pesquisas e se constituem no melhor ponto de partida para o estudo do discurso em sala de aula. Porém, as suas contribuições e seus desdobramentos necessitam ser expandidos. Wertsch e Smolka (1994) apontam também algumas restrições às contribuições de Vygotsky, como o fato de suas pesquisas empíricas, quase sempre, terem se restringido à interação social de duplas ou em pequenos grupos. Existem ainda outros autores (Góes, 1997; 2001; Tudge, 1996; Valsiner, 1998) que têm buscado ampliar e repensar a abrangência e a influência do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e sua adequação à análise da educação enquanto atividade discursiva que ocorre em um contexto cultural e institucional.

Góes (1997; 2001), por exemplo, questiona a concepção de trocas sempre harmoniosas predominante nas diferentes definições do conceito de ZDP. Conforme a pesquisadora, a ação do outro nas interações dialógicas mostra-se contraditória e o diálogo nem sempre segue uma única direção; implica limites, possibilidades, oposição, dispersão e estabilização de sentidos. Assim, o ensino de um determinado conhecimento pretendido por um professor pode não acontecer por parte dos alunos. Entretanto é nessa intricada rede intersubjetiva que se deve examinar o processo.

Tudge (1996) sustenta uma concepção de ZDP como espaço intersubjetivo, que não leva sempre ao progresso. Pesquisou crianças com diferentes níveis de competência em tarefas piagetianas interagindo e mostrou que crianças que usam regras menos avançadas, mas são mais confiantes, acabam levando seus parceiros que usam regras mais avançadas, mas são menos confiantes, a regredirem em seu desempenho na tarefa.

Segundo Valsiner (1998), os movimentos na ZDP tornam-se possíveis porque, a cada momento, os parceiros propõem cursos de ações que restringem as possibilidades de movimentos dadas. Ou seja, a cada momento, existem várias possibilidades de ação (zona de livre movimento) e, destas várias possibilidades, um parceiro propõe uma (zona de ação proposta) que pode ser rejeitada ou complementada pelo outro.

Em uma perspectiva histórico-cultural, as investigações sobre a elaboração conceitual em sala de aula têm usado a análise microgenética. Essa análise possibilita focalizar as mudanças na elaboração conceitual e suas transições do plano social para o plano individual.

Segundo Góes (2000).

“[...] a análise não é micro porque se refere à curta duração dos eventos, mas sim por ser orientada às minúcias indiciais [...] é genética no sentido de ser histórica, por focalizar o movimento durante processos e relacionar situações passadas e presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado de projeção futura. É genética, como sociogenética, por buscar relacionar os eventos singulares com outros planos da cultura, das práticas sociais, dos discursos circulantes, das esferas institucionais.” (p. 15).

A abordagem microgenética ancorada na perspectiva histórico-cultural assume o entrelaçamento das dimensões cultural, histórica e semiótica. Neste sentido, diferencia-se de outras formas de análise que também utilizam registros detalhados e se interessam por transformações no curso do desenvolvimento.

Segundo Rosseti-Ferreira, Amorim e Silva, (2000), a análisemicrogenética permite um extenso trabalho de ir e vir em um constante diálogo com a teoria, o que possibilita a apreensão/compreensão das mudanças que estão ocorrendo. Perceber os elementos de uma rede de interações é uma tarefa complexa. Assim, o método microgenético, compatível com a perspectiva teórica assumida em nosso estudo, possibilita estudar as sucessivas ações dos sujeitos com o foco no processo e não no produto final.

O presente estudo objetivou entender como as interações em sala de aula promovem a elaboração conceitual, a partir da apreensão de diferentes movimentos nas zonas de desenvolvimento proximal.

 

MÉTODO

Os participantes e a escola

A professora, na ocasião da pesquisa, havia cursado o magistério (nível médio) e estava preparando-se para prestar o vestibular para Pedagogia. Ela sempre esteve  disponível e aberta para aprender/ensinar na relação professor/crianças/pesquisadora.

Além da professora, participaram da pesquisa 25 alunos de uma turma da 1ª série do ensino fundamental, sendo 13 meninos e 12 meninas, com idades variando entre 7 e 8 anos. De acordo com as informações coletadas nas fichas dos alunos referentes à profissão e escolarização dos pais, todos os alunos eram provenientes de famílias pobres e com pouca experiência escolar. Todos residiam no Guamá, um bairro periférico da cidade de Belém (Pará), e suas famílias eram, na sua grande maioria, originárias do interior do estado.

A escola onde desenvolvemos o trabalho também fica localizada no bairro do Guamá. É uma escola particular de educação infantil e ensino fundamental, oferecendo turmas do maternal à 4ª série.

Procedimento de coleta das informações

Este trabalho de pesquisa é parte de uma dissertação de Mestrado desenvolvida pela autora principal do artigo, Jorgete Pereira Oliveira, no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará (UFPA). A pesquisa empírica teve duração de oito meses e nos primeiros contatos com a diretora da escola e a professora da turma, combinamos trabalhar nos horários das aulas de Estudos Sociais. Também acertamos que haveria um encontro semanal entre a pesquisadora e a professora para discussões sobre o trabalho. Nesses encontros semanais, seriam planejadas e elaboradas as atividades de ensino/aprendizagem a serem realizadas em sala de aula.

Antes de iniciar qualquer trabalho, a pesquisadora, responsável pelo trabalho, participou das aulas com o objetivo de observar como se processava a dinâmica da sala. Nesse período, buscamos levantar informações sobre as condições físicas da sala de aula, a distribuição das crianças no espaço desta e as relações entre alunos e professora. Observamos que as carteiras eram arrumadas em filas e que as crianças se movimentavam e interagiam constantemente entre si e com a professora.

Após esse período de mergulho na situação e de familiarização com os alunos e a professora, passamos à coleta de informações propriamente dita. Registramos as aulas em áudio e vídeo e também fiz anotações em um caderno de campo. Foram observadas, gravadas e transcritas um total de oito aulas nas quais foram abordados os conceitos de cultura, natureza e poluição.

No trabalho da dissertação foi apresentada a análise de três aulas, mas, neste artigo, analisaremos apenas um extrato da primeira aula que tratou dos conceitos de cultura e natureza. Não houve nenhum critério para a escolha dessa aula, a não ser o fato de ter sida a primeira aula gravada e também permitir ilustrar movimentos nas zonas de desenvolvimento proximal.

Procedimento de análise das informações

Para proceder à análise separamos as falas dos interlocutores em turnos numerados seqüencialmente. Analisamos as transcrições da aula, focalizando as transições genéticas ocorridas nas elaborações conceituais, decorrentes das interações em sala de aula.

Buscamos revelar nesta análise o que as crianças aprenderam como essas oportunidades foram criadas nas interações ocorridas durante a aula.

Dividimos a aula em quatro momentos. O critério para estabelecer essa divisão foi a ocorrência de mudança de assunto no tema geral da conversa (conceitos de cultura e natureza). No primeiro momento, dos turnos 1 a 6, a professora fez um rápido levantamento do conhecimento prévio dos alunos sobre o conceito de cultura. No segundo momento, dos turnos 7 a 18, professora e alunos conversaram sobre o conceito de cultura. No terceiro, dos turnos 19 a 43, eles conversaram sobre o conceito de natureza. Finalmente, no quarto momento, dos turnos 44 a 75, os alunos responderam a perguntas feitas pela pesquisadora sobre exemplos de cultura ou natureza.

Em cada um desses momentos, analisamos cada turno do diálogo, caracterizando a ação semioticamente mediada dirigida ao outro e ao objeto de conhecimento. Ou seja, em cada turno de fala, caracterizamos a forma como o sujeito se dirigiu aos interlocutores e o aspecto do conteúdo da aula que ele focalizou naquele enunciado.

Em relação ao outro, identificamos as seguintes ações: perguntar ou solicitar, que podia envolver alguma forma de pista para a resposta requerida; refazer uma pergunta ou solicitação, quando a resposta do outro não era a esperada; responder à pergunta ou à solicitação do outro; corrigir; discordar; autocorrigir-se; confirmar a resposta do outro; concordar com o outro quando este se opôs a uma opinião dada anteriormente; e responder afirmativamente ou negativamente, silenciar.

Em relação ao objeto de conhecimento identificamos as seguintes ações: definir o conceito; nomear o conceito a partir da definição fornecida; exemplificar o conceito, dar contra-exemplos de um conceito; explicar a inclusão de exemplo em um conceito; questionar a inclusão de exemplo em um conceito; e lembrar a definição de conceito.

Categorizamos, portanto, cada turno de fala de cada momento combinando categorias desses dois conjuntos. Um mesmo turno de fala podia comportar mais de uma ação, por exemplo, apresentar uma definição e solicitar exemplos do conceito.

Em seguida, procuramos compreender as relações entre os turnos de fala dos interlocutores, tentando captar avanços na elaboração conceitual proporcionados pelas interações. A essas seqüências de ações chamamos de movimentos nas zonas de desenvolvimento proximal.

Análise da aula

O objetivo da aula foi apresentar e discutir os conceitos de cultura e natureza, criando oportunidades para a sua aprendizagem. Assim, a professora iniciou a aula perguntando:

(1) Profa: Vocês sabem o que significa cultura?
(2) Criança 1 : É coisa do Pará.
(3) Criança 2: É tucupi. Minha mãe sabe fazer tucupi.
(4) Criança 3: É carimbó.
(5) Profa.: Tem mais alguma outra coisa que seja cultura? O que mais é cultura?
(6) Crianças: [Não respondem.]

Nesses seis primeiros turnos, a professora fez um breve levantamento do conhecimento prévio do conceito de cultura dos alunos e eles apresentaram uma definição concreta e exemplos também concretos do conceito (turnos 2 a 4). Essa definição e os exemplos tinham relação com a feira de cultura para a qual os alunos estavam se preparando e na qual deveriam estar presentes coisas típicas da cultura do estado do Pará. No turno 5, quando a professora solicitou mais exemplos, os alunos não responderam, o que sugere que o significado da palavra ainda estava circunscrito às suas vivências.

No segundo momento (turnos 7 a 18), a professora apresentou e discutiu com os alunos uma definição de cultura.

(7) Profa.: Vamos aprender mais coisas sobre a palavra cultura (a professora escreveu no quadro o conceito de cultura): “cultura são todas as coisas que o homem faz e transforma com seu trabalho e transmite para outras pessoas. Já natureza é tudo o que o homem encontra feito. Tudo aquilo que ele não precisa fazer”. Depois ela perguntou aos alunos:E então, o que é cultura?
(8) Crianças: [Não respondem.]
(9) Profa.: Aqui nesta sala tem coisas que foram feitas pelo homem?
(10) Crianças [em coro]: Teeeem.
(11) Profa.: Quais são estas coisas?
(12) Criança 2: Ventilador.
(13) Criança 4: Cadeiras.
(14) Criança 1: As paredes e as portas.
(15) Criança 5: Canetas.
(16) Criança 6: Mesa e quadro-negro.
(17) Profa.: Se estas coisas foram feitas pelo homem, elas podem ser chamadas de...?
(18) Crianças [várias]: C u l t u r a.

No turno 7, a professora apresentou uma definição abstrata de cultura. Depois solicitou que os alunos definissem cultura. As crianças não foram capazes de fazê-lo (turno 8).

No turno 9, a professora reelaborou sua pergunta repetindo a definição e solicitando exemplos. As crianças exemplificaram adequadamente. No turno 17, a professora repetiu novamente a definição e solicitou o nome da categoria, o que as crianças fizeram sem dificuldades no turno 18.

Nota-se que a dificuldade das crianças era abstrair uma definição geral de “cultura”. Mas depois que a professora repetiu a definição, elas não tiveram dificuldade para exemplificar e nomear.

No terceiro momento, (turnos 19 a 43), a professora e os alunos conversaram sobre o conceito de natureza.

(19) Profa.: Tem alguma coisa aqui nesta sala que não é cultura?
(20) Crianças 4, 5 e 7: Não.
(21) Profa.: Nesta sala tem alguma coisa que não foi o homem quem fez?
(22) Criança 1 : As pessoas. O homem não faz as pessoas.

A professora repetiu novamente a definição e solicitou contra-exemplos de cultura (turno 19). Algumas crianças responderam negativamente (turno 20) e ela refez a pergunta (turno 21). Uma das crianças (criança 1, no turno 22) deu um exemplo e justificou com base na definição (“As pessoas. O homem não faz as pessoas”). Apesar de ser discutível a afirmação dessa criança, pois, com base no referencial que adotamos, consideramos o homem como resultado da relação entre biologia e cultura, pela primeira vez uma criança coordenou duas operações: exemplificar e definir. Isso foi feito, no momento anterior, de forma partilhada com a professora. Naquele momento, a professora apresentou a definição e os alunos apresentaram os exemplos. A criança 1 internalizou a definição, passando a usá-la para organizar a sua percepção (no caso, encontrar algo na sala que não fosse exemplo de cultura).

Em seguida, um outro aluno fez o mesmo.

(23) Profa.: Tem mais alguma coisa nesta sala que é natureza?
(24) Criança 8: A flor [aponta para uma flor de papel em cima da mesa da professora].
(25) Profa.: Esta flor é natureza?
(26) Criança 4: É.
(27) Profa.: Por que esta flor de papel é natureza?
(28) Criança 2: Esta flor é de papel, foi feita por gente, ela não é de verdade.

Nessa seqüência, a criança 2 também conseguiu coordenar exemplo e definição, mas por outro caminho. No turno 23, a professora solicitou um exemplo de natureza, a criança 8 apontou para uma flor de papel em cima da mesa. A professora questionou a inclusão do exemplo na categoria (duas vezes e na segunda chamou a atenção para o material de que era feita a flor). A criança 2, então, no turno 28, corrigiu o colega, justificando com a definição. Evidenciou, dessa maneira, que também havia internalizado o conceito, pois coordenava exemplo e definição.

Em seguida, outras duas crianças também conseguiram definir e exemplificar.

(29) Profa. [para as crianças 8 e 4]: Se ela foi feita por gente, ela é o quê?
(30) Crianças 8 e 4: Cultura.
(31) Profa. [ainda para as crianças 8 e 4]: Por que a flor de papel é cultura?
(32) Crianças 8 e 4: Porque foi uma pessoa que fez ela.

Nessa seqüência do diálogo, as crianças 8 e 4, que estavam equivocadas em relação ao exemplo da flor de papel, também conseguiram coordenar exemplo e definição (turno 32), mas por um caminho um pouco diferente. Após a correção feita pela criança 2, a professora repetiu a definição e solicitou o nome da categoria e depois a justificativa. As crianças 4 e 8 fizeram uma coisa e depois outra, com a ajuda da professora.

Em seguida, mais uma outra criança conseguiu coordenar definição e exemplo.

(33) Profa.: Então vamos ver, tem mais alguma coisa que seja natureza nesta sala?
(34) Crianças: [Não respondem.]
(35) Profa.: Tem uma coisa nesta sala muito importante para nossa vida, sem esta coisa a gente não vive. Será que alguém sabe do que eu estou falando.
(36) Crianças: [Não respondem.]
(37) Profa.: Vamos fechar o nosso nariz. A gente consegue viver se nosso nariz ficar fechado por muito tempo?
(38) Crianças [em coro]: Nãaaaao. [Repetem o gesto da professora de tampar o nariz.]
(39) Criança 7: O ar que a gente respira...
(40) Criança 3: O ar é natureza, porque o homem não fez o ar.
(41) Profa.: Vamos ver mais coisas que são natureza?
(42) Criança 9: Os animais, as plantas.
(43) Criança 10: Os rios, os peixes, todos os animais dos rios.

Nessa seqüência, observamos que uma outra criança conseguiu coordenar exemplo e definição (criança 3, no turno 40: “O ar é natureza, porque o homem não fez o ar”), também por um percurso um pouco diferente das anteriores. A professora induziu a descoberta do exemplo, que apesar de invisível, tornou-se perceptível quando ela pediu que as crianças tampassem o nariz.

No quarto e último momento (turnos 44 a 75), a professora e a pesquisadora procuraram confirmar se todas as crianças haviam aprendido os conceitos.

(44) Pesquisadora: A televisão é o quê? [Mostrando a figura de uma televisão.]
(45) Crianças [em coro]: Cultura.
(46) Pesquisadora: Por que é cultura?
(47) Crianças: Porque foi o homem quem fez.
(48) Pesquisadora: E a chave? [Mostrando a figura de uma chave.]
(49) Crianças: Cultura.
(50) Pesquisadora: Por que é cultura?
(51) Crianças: Porque foi o homem quem fez.
(52) Pesquisadora: E o papagaio?
(53) Crianças: Natureza.
(54) Pesquisadora: Por que o papagaio é natureza?
(55) Crianças: Porque não foi feito pelo homem.
(56) Pesquisadora: E as plantas da floresta?
(57) Crianças: Natureza.
(58) Pesquisadora: Por que é natureza?
(59) Crianças: Porque não foi o homem quem fez.
(60) Pesquisadora: E a borboleta?
(61) Crianças: Natureza.
(62) Pesquisadora: Por quê?
(63) Crianças: Porque não foi feita pelo homem.
(64) Pesquisadora: E o aparelho de som?
(65) Crianças: Cultura.
(66) Pesquisadora: Por quê?
(67) Crianças: Porque é feito pelo homem.
(68) Pesquisadora: E o relógio?
(69) Crianças: Cultura.
(70) Pesquisadora: Por quê?
(71) Crianças: Porque é feito pelo homem.
(72) Pesquisadora: E estas casas.
(73) Crianças: Cultura.
(74) Pesquisadora: Por quê.
(75) Crianças: Porque foram feitas pelos homens.

Entre os turnos 44 e 75, a pesquisadora foi mostrando figuras (televisão, chave, papagaio, plantas, borboleta, aparelho de som, relógios e casas), perguntando se eram exemplos de cultura ou de natureza e solicitando às crianças que justificassem suas respostas. Como podemos observar, as crianças fizeram a inclusão e justificaram suas afirmativas corretamente, em todos os casos.

Como mostram os turnos finais dessa aula, todas as crianças da turma foram capazes de classificar exemplos de natureza e de cultura e de justificar a inclusão dos exemplos apoiando-se na definição.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivamos neste estudo compreender como as interações em sala de aula favorecem a elaboração conceitual, caracterizando diferentes movimentos nas Zonas de Desenvolvimento Proximal.

Observamos, a partir da análise da aula, que os alunos aprenderam os conceitos de cultura e natureza, como foram apresentados pela professora e pela pesquisadora.

A professora trouxe para as interações em sala de aula definições abstratas de cultura e natureza e a intenção de ensiná-las aos alunos. Os alunos, de sua parte, trouxeram para as interações em sala de aula seus conhecimentos prévios e sua capacidade de generalização e abstração ainda em desenvolvimento. Tal capacidade de generalização e abstração se manifestou em vários momentos, nas falas de alguns alunos durante a aula como, por exemplo, em “É coisa do Pará” e “O homem não faz as pessoas”. Também se manifestou quando os alunos, interagindo com a professora e com os colegas, conseguiram exemplificar a definição apresentada pela professora e, posteriormente, coordenar, de forma independente, exemplos e definição.

Esses resultados confirmam as teses de Vygotsky (1934/1987) de que antes da adolescência os alunos ainda não desenvolveram plenamente os processos responsáveis pela verdadeira formação de conceitos e, conseqüentemente, não têm consciência do seu próprio ato de pensamento. O aprendizado dos conceitos científicos, com sua organização em sistemas organizados hierarquicamente, é que vai promover esse desenvolvimento.

Ao longo da aula, observamos uma dinâmica em que a definição foi, no início, freqüentemente reapresentada pela professora. Aos poucos, por meio de diferentes percursos interativos, os alunos foram se apropriando dessa definição para justificar a inclusão de exemplos em uma das categorias. Como vimos nos resultados, foram diferentes os movimentos na ZDP, ilustrados pelas interações da professora com as crianças 1, 2, 3, 4 e 8. Essas interações, observadas pelas outras crianças da turma, parecem ter tido um impacto na sua aprendizagem dos conceitos.

Esses movimentos ZDP também implicaram ajustamentos da parte da professora que conduziu o diálogo, em função das respostas das crianças &– mais ou menos próximas do esperado. O silêncio das crianças, suas respostas inadequadas, suas respostas adequadas, mas incompletas, demandaram ações diferentes por parte da professora.

Apesar de interativa, a abordagem comunicativa adotada pela professora foi predominantemente de autoridade. Segundo Mortimer e Scott (2002), a abordagem comunicativa pode ser interativa ou não-interativa, dialógica ou de autoridade.

As duas dimensões combinadas vão gerar quatro classes diferentes de abordagem comunicativa: a) interativo/dialógico: professor e estudantes exploram idéias, formularam perguntas autênticas e oferecem, consideram e trabalham diferentes pontos de vista; b) não interativo/dialógico: professor reconsidera, na sua fala, vários pontos de vista, destacando similaridades e diferenças; c) interativo/de autoridade: professor geralmente conduz os estudantes por meio de uma seqüência de perguntas e respostas, com o objetivo de chegar a um ponto de vista específico; e d) não-interativo/de autoridade: professor apresenta um ponto de vista específico.

É necessário salientar, conforme dizem os autores, que a dimensão dialógica/de autoridade pode aparecer em uma determinada seqüência discursiva independentemente de ter sido conduzida por uma ou mais pessoas “[...] o que torna o discurso funcionalmente dialógico é o fato de que ele expressa mais de um ponto de vista &– mais de uma “voz” é ouvida e considerada &– e não que ele seja produzido por um grupo de pessoas ou por um indivíduo solitário [...]” (Mortimer e Scott, 2002, p. 6).

Consideramos que a abordagem adotada pela professora na aula analisada foi interativa de autoridade, porque desde o início da aula prevaleceu a perspectiva da professora. Ela criou poucas oportunidades para que os alunos manifestassem seus próprios pontos de vista sobre cultura e natureza e, quando isso ocorreu, avaliou as perspectivas dos alunos de acordo com a definição previamente elaborada. Nesse sentido, podemos afirmar que houve mais transmissão de conhecimentos do que construção compartilhada dos conceitos de natureza e cultura.

Entendemos que a abordagem comunicativa adotada está relacionada, entre outros fatores, ao domínio que se tem do conteúdo específico. Embora o foco principal do presente estudo seja a maneira pela qual o conhecimento é construído nas interações em sala de aula, cabe questionar o conteúdo específico que foi ensinado aos alunos.

Estamos cientes de que a definição de cultura apresentada às crianças nesse trabalho, inspirada em livros didáticos para esse nível de ensino, mereceria uma leitura crítica. Isso porque entendemos que cultura não se refere unicamente ao conjunto dos objetos criados pelo homem nem se restringe à mera transmissão de conhecimentos. Além disso, natureza e cultura não são categorias dicotômicas, como sugerem as definições apresentadas. Isso aconteceu, porque pesquisadora e professora não haviam discutido anteriormente a relação entre cultura e natureza, portanto, não haviam refletido que o homem é natureza e cultura, sendo a própria síntese dessas duas dimensões que se complementam nele, dialeticamente. A cultura surge na história natural do homem como adaptação às transformações do meio e passa a ser mais um fator a afetar a evolução biológica da espécie.

Posteriormente, buscou-se fazer uma discussão sobre o conceito de cultura e superar a visão reducionista implícita na definição apresentada às crianças. Procurou-se compreender a história deste conceito.

Segundo Thompson (1998), o termo cultura foi definido de diferentes maneiras ao longo da história. Inicialmente cultura significava o cultivo ou cuidado de alguma coisa como grãos e animais. Esse significado foi expandido, posteriormente, para o processo de desenvolvimento humano, entendido como o cultivo da mente.

Entre os séculos XVIII e XIX, cultura e civilização foram algumas vezes tomadas como sinônimas, outras vezes foram contrastadas. Enquanto sinônimo de civilização, cultura significava polidez e refinamento, características da sociedade européia, não de outras sociedades. Além disso, polidez e refinamento eram características de algumas pessoas da sociedade européia, não de todas. Notamos nessa concepção a idéia de que só algumas pessoas e alguns povos possuem cultura, estes são os civilizados, os demais são selvagens ou bárbaros. Enquanto contraste de civilização, cultura incluía os produtos intelectuais, artísticos e espirituais nos quais se expressa a individualidade e a criatividade das pessoas.

Esta é a concepção clássica de cultura, na qual cultura é entendida como o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos. Essa concepção privilegiava alguns trabalhos e valores em relação a outros, tratava esses trabalhos e valores como a maneira pela qual os indivíduos podiam tornar-se cultos, isto é, enobrecidos na mente e no espírito.

No final do século XIX, os primeiros trabalhos de Antropologia, ainda sob a influência da concepção clássica, procuravam explicar o progresso cultural, a passagem da selvageria para a vida civilizada. Permanecia a idéia de que existiam culturas melhores ou mais evoluídas que outras.

Com o desenvolvimento da Antropologia no século passado, ficou claro que todos os homens produzem e compartilham significados em todas as partes do planeta. Todos produzem cultura, embora suas culturas sejam diferentes. Cultura passou a ser entendida como os padrões de significados incorporados às formas simbólicas. Thompson propõe que o conceito de cultura contemple a contextualização social das formas simbólicas, dando importância aos problemas de conflito social e poder.

Consideramos que uma compreensão mais profunda dos conceitos que se pretende ensinar pode ajudar o professor a explorar os conhecimentos prévios dos alunos e a sustentar uma abordagem interativa dialógica na sala de aula. Ele precisa estar ciente da importância do diálogo e disposto a explorar, acolher e valorizar os conhecimentos prévios dos alunos. Nesse sentido, é interessante que o professor tenha um conhecimento abrangente do conteúdo que pretende pesquisar/ensinar para poder acolher as perspectivas alternativas que os alunos apresentam, sem necessariamente confrontá-las e avaliá-las a partir de uma perspectiva particular. Consideramos isso importante porque o que está em jogo não é só a aprendizagem de mais um conceito pela criança, mas também o desenvolvimento da sua capacidade de argumentar e de refletir sobre seu próprio pensamento.

 

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Endereço para correspondência
Jorgete Pereira Oliveira
E-mail: jorgetepereira@uol.com.br

Recebido em: 19/12/2005
Revisado em: 02/10/2006
Aprovado em: 04/01/2007

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