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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.60 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2008

 

ARTIGOS

 

Habilidades de leitura e escrita de crianças disléxicas e boas leitoras

 

Reading and writing skills in dyslexic children and good readers

 

 

Katerina LukasovaI ; Darlene Godoy de OliveiraII ; Anna Carolina Cassiano BarbosaII ; Elizeu Coutinho de MacedoII

I Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil
II Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo
, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo objetivou verificar as habilidades de leitura e de escrita em crianças disléxicas e boas leitoras por intermédio dos seguintes instrumentos: Testes de Competência de Leitura de Sentenças (TCLS), Teste de Compreensão de Sentenças Faladas (TCSF), Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF 1.1-Escrita), Teste de Nomeação de Figuras por Escolha (TNF 1.1-Escolha) e Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP). A amostra foi composta de dez crianças disléxicas e de dez crianças-controle. O desempenho do grupo de disléxicos foi inferior ao do grupo de controle no TNF 1.1-Escrita, TNF 1.1-Escolha e TCLP. Correlações de Pearson mostraram que crianças com bom desempenho no TCLP também tiveram bom desempenho no TNF 1.1-Escrita. O tempo de execução do TCLS foi elevado no grupo de disléxicos, mas o número de acertos foi semelhante ao do grupo controle. Esses resultados possibilitam a partir deste estudo analisar a eficácia dos métodos de avaliação, ensino e intervenção das tarefas escolares em disléxicos, dado que alguns destes podem ter desempenho igual ou superior ao das crianças boas leitoras, caso tenham o tempo necessário e suficiente para realizar suas tarefas.

Palavras-chave: Dislexia; Leitura; Escrita; Avaliação Computadorizada.


ABSTRACT

The work aims to assess the abilities of reading and writing in dyslexic and normal children through the following tests: Sentence Reading Comprehension Test (SRCT), of Sentence Hearing Comprehension Test (SHCT), of Picture-Print Writing Test (PPWT 1.1-Writing), of Picture-Print Matching Test (PPMT 1.1-Choice) and Word Reading Competence Test (WRCT). 10 dyslexic children and 10 controls composed the sample. Significant differences was founded in performance of dyslexics in TTWT 1.1-Writing, TTWT 1.1-Choice and WRCT, with inferior performance in relation to the controls. Pearson’s correlations show that children with good performance in WRCT also had good performance in TTWT 1.1-Writing. The execution time of SRCT was raised in the group of dyslexics, but the number of rightness if kept in the average of the control group. These results allows to assess the effectiveness of the methods of evaluation, education and intervention of the pertaining to school tasks in dyslexics, therefore some dyslexics can have equal or superior performance to the one of the reading good children in case that she has the time necessary and enough to carry through its tasks.

Keywords: Dyslexia; Reading; Writing; Computerized Evaluation.


 

 

A leitura, além de ser um dos meios mais difundidos de comunicação humana, é um importante instrumento de auto-educação e de estimulação cognitiva, que possibilita o acesso a inúmeras informações e também a inserção efetiva na sociedade (LUKASOVA, 2006). Os avanços tecnológicos tornaram as necessidades de qualificação e de educação cada vez maiores e com isso as exigências educacionais aumentaram. Neste panorama, aqueles que apresentam dificuldades em adquirir habilidades de leitura e escrita durante o processo de alfabetização acabam ficando atrasados.

De acordo com Stanovich, Nathan e Zolman (1988), pode se observar em crianças com dificuldades na aquisição de leitura um fenômeno conhecido como “Efeito Mateus”. Segundo esses autores, crianças com habilidades de leitura se desenvolverão mais por se beneficiar do material escrito a que estão expostas, enquanto maus leitores terão menos oportunidades de obter esse benefício e, conseqüentemente, se desenvolverão menos. Assim, as dificuldades de aquisição das habilidades de leitura e escrita devem ser tratadas com atenção e urgência.

Para melhor compreensão de como ocorre o processo de leitura que envolve tarefas cognitivas e metalingüísticas complexas, psicólogos cognitivos desenvolveram diferentes modelos que explicam os mecanismos subjacentes ao processo. Dentre tais modelos, destaca-se o de dupla rota, no qual ocorrem os processamentos fonológico e lexical (ELLIS; YOUNG, 1988).

Na rota fonológica, a emissão da palavra se dá pela decodificação e conversão de grafemas para fonemas. O grafema é a representação gráfica das letras. Já o fonema se refere ao som a ser emitido durante a realização da leitura. O processamento fonológico inicia-se pela conversão de partes de palavra e segmentos ortográficos em sons e segmentos fonológicos até que a pronúncia da palavra seja alcançada. À medida que a criança se torna mais competente na leitura, observa-se o aumento da velocidade do processamento e da extensão dos segmentos processados. Além disso, o uso da rota fonológica possibilita a leitura de palavras novas ou inventadas (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2002).

Na rota lexical, a pronúncia acontece pelo reconhecimento da palavra como um todo. O processo inicia-se com o reconhecimento da representação ortográfica pré-armazenada da palavra no léxico mental ortográfico, que por sua vez ativa o léxico semântico. Finalmente, a representação fonológica é resgatada e ocorre a pronúncia da palavra. Uma vez que a rota lexical produz leitura mediada pelo léxico visual, ela funciona melhor com palavras conhecidas e de alta freqüência, sem importar a sua regularidade.

Considerando a complexidade dos processos cognitivos envolvidos nas tarefas de leitura e escrita, é fundamental o desenvolvimento de procedimentos adequados para a avaliação e a intervenção nos problemas dessas tarefas. Em uma avaliação precisa da leitura, deve-se levar em conta a precisão, a fluência da decodificação grafofonêmica e a compreensão do significado do texto (GRÉGOIRE; PIÉRART, 1997). O desenvolvimento de novas tecnologias para a construção de testes computadorizados tem possibilitado a criação de instrumentos que avaliam com precisão as habilidades cognitivas envolvidas na leitura e escrita.

Em estudo realizado com provas de leitura silenciosa de palavras, aplicadas em 415 crianças do Ensino Fundamental via internet (MACEDOet al., 2005), observou-se o aumento no número de respostas corretas ao longo das séries e a diminuição no tempo para a execução do teste. Em relação aos tipos de palavras apresentadas, foi possível verificar o uso diferencial de três estratégias de leitura: logográfica, fonológica e lexical. A ausência de qualquer processamento de leitura, indicando a leitura logográfica, foi verificada com altas taxas de respostas erradas, até mesmo em pseudopalavras estranhas. Assim, crianças que fazem leitura puramente logográfica tendem a considerar correta uma pseudopalavra, por exemplo, RASSUNO, para a figura de um objeto. Já a leitura fonológica, com falta de acesso ao léxico ortográfico, pôde ser percebida em crianças que consideravam corretas pseudopalavras homófonas, ou incorretas palavras irregulares. No primeiro caso, as crianças consideravam correta a grafia “PÁÇARU” para a figura de um pássaro e, no segundo caso, julgavam incorreta uma palavra irregular, ou seja, palavra em que a correta emissão do som depende da memorização prévia, pois a correta leitura não é regular nem pode ser feita com o uso de regras. Alguns exemplos são palavras contendo "x" intervocálico, como “TÁXI”. Por fim, também foi verificada a falta de acesso ao léxico semântico em palavras vizinhas semânticas. Nesse caso, as crianças marcavam como correta a palavra “TREM” para a figura de um ônibus.

Crianças em séries iniciais tendem a ler de forma mais lenta, uma vez que o processamento se dá pela rota fonológica de conversão grafema-fonema (CAPOVILLA; CAPOVILLA 2000). Contudo, à medida que elas vão se tornando decodificadoras fluentes e lendo em velocidades cada vez maiores, passam a ler mais e se familiarizam com a forma visual geral das palavras que encontram com mais freqüência (CAPOVILLA; SUITER; CAPOVILLA, 2002). Ou seja, a familiaridade com as palavras acaba por constituir progressivamente um léxico ortográfico que contém a representação visual das palavras e que permite à criança fazer o reconhecimento direto dessas palavras, sem a necessidade de decodificação grafofonêmica para a construção da pronúncia e acesso ao significado (MACEDO et al., 2005).

O acesso ao significado e à compreensão na leitura pode ser mais bem avaliado em TCLPs e TCLSs. Nikaedo e colaboradores (2006) analisaram o nível de leitura e de compreensão de sentenças faladas em crianças do Ensino Fundamental. Para isto, aplicaram um teste de leitura de sentenças e uma prova de compreensão de sentenças faladas. Em relação à leitura de sentenças, à medida que o nível das séries era mais alto, havia aumento no número de itens corretos e diminuição no tempo de execução. Assim, o bom desempenho na leitura de sentenças indica compreensão de leitura e envolve habilidades de reconhecimento visual, decodificação de palavras, vocabulário, análise sintática e síntese semântica, além dos processamentos da memória de trabalho. Em relação à compreensão de sentenças faladas, o número de itens corretos aumentou conforme os anos de escolaridade, mas o tempo de realização do teste não mudou. Isto pode ser explicado pelo fato de que, neste tipo de avaliação, a velocidade das informações e sua interpretação são controladas pelo emissor e por um sinal acústico.

A dislexia do desenvolvimento é considerada um transtorno específico da leitura, que se apresenta essencialmente por um rendimento substancialmente inferior desta ao esperado para a idade cronológica, grau de inteligência e escolaridade do indivíduo (DSM-IV, 2003). Em 1994, a Associação Internacional de Dislexiadivulgou uma nova definição de dislexia baseada em avanços produzidos pelas pesquisas científicas da época. De acordo com essa Associação (LYON, 1995), a dislexia é um transtorno específico de aprendizagem, de origem neurobiológica, caracterizado pela dificuldade na correta e/ou fluente leitura de palavras, na escrita e nas habilidades de decodificação. Essas dificuldades são tipicamente decorrentes de um déficit no processamento fonológico da linguagem que freqüentemente não é esperado em relação a outras habilidades cognitivas e à provisão de adequada instrução escolar. As conseqüências secundárias podem incluir problemas na compreensão de leitura e subseqüente redução de experiências com leitura, impedindo a ampliação do vocabulário e do conhecimento geral (LYON, 1995).

A dislexia do desenvolvimento, como distúrbio heterogêneo, apresenta uma gama ampla de sinais e manifestações reunidos em dois grandes grupos: déficits na linguagem e déficits sensoriais. O déficit na linguagem refere-se principalmente à alteração nas habilidades de leitura e escrita, com dificuldade de aquisição e automatização dessas habilidades (GRIGORENKO, 2001). A automatização ocorre com a decodificação e a compreensão fluentes. A decodificação refere-se à habilidade de converter rapidamente as letras (grafemas) em seus respectivos sons (fonemas), e a compreensão está relacionada com a apreensão do que está sendo lido ou ouvido (AERON; Malatesha; WILLIAMS, 1999). Já o déficit sensorial engloba alterações no processamento visual ou no processamento auditivo.

O presente trabalho teve por objetivo verificar as habilidades de leitura e escrita em disléxicos do desenvolvimento e em bons leitores por intermédio de provas de leitura e escrita, bem como comparar o padrão de desempenho dos dois grupos nas habilidades exigidas nas provas.

 

MÉTODO

Sujeitos: Foram avaliadas dez crianças, com idade média de 10,68 anos (DP=1,07), com diagnóstico de dislexia do desenvolvimento. Os participantes foram encaminhados de serviços públicos de atendimento infantil e de clínicas particulares de atendimento fonoaudiológico. Dez sujeitos, com idade média de 10,74 anos (DP=1,4), sem problema de leitura, foram selecionados como controle nas mesmas escolas dos disléxicos. Eles foram pareados por idade, sexo, nível socioeconômico e série escolar. Foram excluídas do estudo crianças com outras co-morbidades, tais como: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividadade, deficiência mental, déficits sensoriais. A caracterização dos sujeitos está descrita na Tabela 1:

 

 

Instrumentos

Para a avaliação das habilidades de leitura e escrita, foram utilizados os cinco testes da Bateria de Leitura e Escrita Computadorizada (BALE-Computadorizada), desenvolvidos por Macedo et al. (2005).

O Teste de Competência de Leitura de Sentenças (TCLS), constituído de 46 itens com 5 figuras cada um, permite avaliar a compreensão de leitura de sentenças e as habilidades de extrair o significado de frases de complexidade variável. A tarefa do sujeito consiste em escolher uma das figuras que corresponde à frase escrita (MARCILIO, 2004).

O Teste de Compreensão de Sentenças Faladas (TCSF) possibilita avaliar as habilidades de discriminação e compreensão auditiva. Ele contém 46 itens e a tarefa do sujeito é escolher a alternativa com a figura que corresponda à sentença falada. É baseado no Teste de Prontidão para a Leitura (TPL) (KUNZ, 1979) e a apresentação das sentenças é feita por voz digitalizada.

O Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF 1.1-Escrita) permite avaliar o desenvolvimento da competência de escrita em português e a habilidade do examinando de escrever livremente palavras que correspondem às figuras, sem cometer erros ortográficos e semânticos (VIGGIANO, 2003).

O Teste de Nomeação de Figuras por Escolha (TNF 1.1-Escolha) avalia a nomeação de figuras por meio da escolha da palavra correta entre palavras similares ortograficamente ou semanticamente.

Por fim, o Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP) avalia também a leitura de palavras isoladas, pelo julgamento ortográfico de diferentes categorias de palavras: palavras corretas regulares (ex: PIPA), palavras corretas irregulares (ex: XADREZ), palavras vizinhas semânticas (ex: palavra LARANJA sobre a figura de uma banana), pseudopalavras estranhas (ex: palavra RASSUNO sobre a figura de uma mão), pseudopalavras homófonas (ex: pseudopalavra PÁÇARU sobre a figura de um pássaro), pseudopalavras com trocas fonológicas (ex: pseudopalavra RELÓCHIO sobre a figura de um relógio) e, por fim, pseudopalavras com trocas visuais (ex: pseudopalavra ESTERLA sobre a figura de uma estrela).

 

Procedimento

A participação de todos os sujeitos foi voluntária, e os responsáveis pelas crianças assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. As avaliações ocorreram em duas sessões com duração aproximada de 40 minutos cada. A aplicação foi individual. Os participantes foram posicionados em frente ao computador e foram instruídos pelos pesquisadores sobre cada um dos testes.

 

RESULTADOS

Os resultados foram analisados segundo o número de acertos nos testes de leitura e escrita dos dois grupos de sujeitos. Análise de variância (ANOVA, em inglês Analysis of Variance) de medidas repetidas foram conduzidas a fim de verificar diferenças entre os dois grupos na pontuação dos testes. Na BALE-Computadorizada, o grupo de disléxicos obteve número menor de acerto nas provas do TNF 1.1-Escrita (F[1,19] = 4,930; p < 0,020), no TCLP (F[1,19] = 3,788; p < 0,040) e no TNF 1.1-Escolha (F[1,19]= 4,371; p < 0,030). Não foi encontrada diferença para a pontuação no TCLS e no TCSF. A Tabela 2 apresenta os valores de média e desvio padrão para os disléxicos e controles, bem como as análises estatísticas de comparação entre os grupos.

 

 

O tempo médio de execução por item não foi considerado no TNF 1.1-Escrita, uma vez que a aplicação foi computadorizada e a duração da realização do teste está também relacionada com o grau de familiaridade da criança com o computador. Nas demais provas, foram observadas diferenças significativas no tempo de realização do teste apenas para o TCLS, com F [1,19] = 3,775; p < 0,050. Os demais resultados do tempo de execução dos testes estão descritos na Tabela 3.

 

A fim de verificar o padrão de desempenho nas provas de leitura e escrita e possíveis relações entre as mesmas, correlações de Pearson foram conduzidas separadamente para cada um dos grupos. No grupo controle, somente o TNF 1.1-Escrita se correlacionou positivamente com TCLP (r= 0,675; p < 0,050) e TNF 1.1-Escolha (r = 0,847; p <  0,010). Tais correlações mostram que o padrão de escrita dos sujeitos controles se correlacionou com a habilidade de julgamento correto de formas ortográficas das palavras avaliadas por meio do TCLP e com a habilidade de reconhecer visualmente palavras avaliadas no TNF 1.1-Escolha.

No grupo de disléxicos as análises revelam que, assim como no grupo controle, há correlação positiva entre o número de acertos de TNF 1.1-Escrita e o TCLP (r = 0,728; p < 0,050), indicando que, de modo geral, crianças disléxicas com pontuações altas em escrita tendem a acertar mais no TCLP. Os resultados dos disléxicos correlacionaram-se positivamente no TCLS com o TNF 1.1-Escrita (r = 0,649; p < 0,050) e no TCLP (r = 0,587; p < 0,010). Tais resultados apontam para a existência de funções comuns nas seguintes atividades: leitura de sentença, escrita de palavras isoladas e análise ortográfica de palavras. A Tabela 4 mostra as correlações de Pearson encontradas nas pontuações dos testes da BALE-Computadorizada entre si.

Correlações de Pearson foram conduzidas com os valores de tempo médio por item de cada uma das provas. Os resultados indicaram que, para o grupo controle, foi verificada apenas tendência de correlação positiva do TCLS com o TNF 1.1-Escolha (r = 0,57; p < 0,086) e com o TCSF (r = 0,566; p < 0,088). Tais resultados mostraram que as crianças que precisaram de menos tempo para ler e compreender uma sentença, também utilizaram menos tempo para escolher corretamente uma palavra no TNF 1.1-Escolha ou para compreender auditivamente uma sentença. Já no grupo de disléxicos, foram encontradas correlações positivas significativas do TCLS com todos os demais testes. Além disso, o tempo no TCSF correlacionou-se positivamente com o tempo no TNF 1.1-Escolha. A Tabela 5 mostra as correlações de Pearson encontradas nos tempos médios dos testes da BALE-Computadorizada entre si nos dois grupos estudados.

Por fim, foram conduzidas análises de correlações entre os tempos de execução e número de respostas corretas nas provas para os dois grupos. No grupo controle foram encontradas correlações negativas significativas entre o tempo no TCLS e os acertos de TCLP e TNF 1.1-Escolha. Uma vez que as correlações são negativas, quanto maior o tempo para a leitura e a compreensão de frases, menores foram os números de acertos em tarefas de leitura de palavra no TCLP, bem como para a escolha da palavra no TNF 1.1-Escolha. Pôde ser observada tendência na correlação negativa entre o tempo de compreensão de uma sentença no TCSF e o de escolha de palavra no TNF 1.1-Escolha. Por fim, também se observou uma tendência de correlação negativa para o tempo de execução no TNF 1.1-Escolha com o número de itens corretos no TCLP.

Já no grupo de disléxicos não foram encontradas correlações positivas ou negativas entre o número de acertos e o tempo de realização em nenhum dos cinco testes. A Tabela 6 sumaria as correlações encontradas entre o tempo de execução dos itens e o número de acertos nas provas.

DISCUSSÃO

Considerando as análises dos resultados, essas podem fornecer parâmetros mais eficazes para compreender alguns padrões típicos da criança com dislexia do desenvolvimento no desempenho de tarefas de leitura e escrita. Dado que o tempo de execução do TCLS nos disléxicos foi superior ao nos de controles, mas o número de acertos semelhante, pode-se supor que a capacidade de compreensão da leitura de frases simples esteja preservada, mas os mecanismos necessários à decodificação estejam comprometidos. Esta dissociação entre a capacidade de compreensão e de decodificação pode ser mais bem entendida a partir de uma equação que representa a habilidade de leitura. Gough e Tunmer (1986) propuseram a seguinte fórmula que especifica a leitura: L = D X C. Segundo os autores, o L é a competência de leitura, D é a capacidade específica de decodificação ou reconhecimento de palavras, e C é a capacidade lingüística geral de compreensão. Dessa forma, mesmo que a criança disléxica não tenha desenvolvido estratégias eficazes de decodificação, se ela tiver tempo suficiente para realizar tarefas de leitura, pode apresentar bom desempenho. Portanto, a competência de leitura poderia ser subdividida em: precisão de leitura, que é avaliada pelo número de itens lidos corretamente, e eficácia da leitura, que pode ser mensurada a partir do cômputo do tempo consumido na leitura.

Para que o problema da criança possa ser caracterizado como especificamente de leitura e não meramente de linguagem geral, é preciso demonstrar que de fato ela é capaz de compreender as mesmas sentenças quando estas são faladas. O bom desempenho do grupo de disléxicos no TCSF confirma esse dado.

É importante destacar que a baixa velocidade na leitura pode ter impacto significativo no desempenho da criança em sala de aula, sendo necessário muito mais tempo para ler os textos didáticos. Em função disso, algumas crianças passam a utilizar estratégias de adivinhação da palavra escrita durante a leitura. Assim, a partir da decodificação correta de poucos segmentos de uma palavra, tal como letras ou sílabas, o disléxico pode pronunciar uma outra palavra que apresenta alguns elementos ortográficos em comum, mas com significado bastante distinto. Esta estratégia pode tornar a leitura mais rápida, no entanto, compromete de maneira significativa a compreensão do texto. Um exemplo observado em sala de aula é a criança ler a palavra “Anônimo” como sendo o nome próprio “Antônio”. Uma troca como essa compromete de maneira significativa a compreensão de um texto, por exemplo, de história da arte.

As dificuldades dos disléxicos na decodificação grafofonêmica foram verificadas também nas provas de leitura e de escrita de palavras. Tais dificuldades podem ser explicadas em decorrência do pobre desenvolvimento da rota lexical, impedindo a assimilação das regras ortográficas. Assim, o disléxico acaba cometendo erros de generalização quando faz a correspondência grafema-fonema, como, por exemplo, na palavra casa, lê /cassa/. Além disso, os erros de trocas (juveiro, ofelha) e omissões de letras (coba em cobra, abido em abridor) nas palavras demonstram os sinais típicos da dislexia (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000).

Neste estudo não foi encontrada correlação positiva entre o número de acertos do TCLS e do TCSF, tanto no grupo de disléxicos como no de controle. Nikaedo et al. (2006) demonstraram essa relação em escolares de 1ª a 4ª série, com aumento do desempenho ao longo das séries. Essa diferença de resultados entre os dois estudos pode ser decorrente das características das amostras estudadas. No estudo de Nikaedo, as crianças eram de colégios particulares, com idade média de 8,5 anos. No presente estudo, as crianças eram de escolas públicas e particulares, com idade média de 10,6 anos. Conseqüentemente, houve uma maior heterogeneidade entre os participantes com relação à série escolar e ao nível socioeconômico. Tal heterogeneidade pode resultar em um efeito maior no desempenho na leitura, avaliado pelo TCSL, do que na compreensão, avaliada pelo TCSF.

Por fim, pôde-se observar que os disléxicos levaram mais tempo na execução das provas do que o grupo de controle, sendo também observada correlação positiva entre o TCSL e o TCSF. Assim, os disléxicos que gastaram mais tempo lendo, também precisaram de mais tempo para escolher o item pedido oralmente. Apesar disso, a capacidade de compreensão auditiva de frases simples encontra-se preservada nos disléxicos. Já no grupo controle não foi observada esta relação direta, mas apenas uma tendência.

 

CONCLUSÃO

O uso de instrumentos computadorizados para a avaliação de leitura e escrita pode apresentar vantagens para a realização de diagnóstico diferencial de transtornos de leitura e escrita. As facilidades em relação à aplicação e à precisão na correção dos resultados permitem estabelecer um panorama preciso do estágio do desenvolvimento cognitivo da leitura nas crianças com e sem dificuldades. Os resultados deste estudo mostraram que no grupo de disléxicos há uma correlação positiva entre o tempo de execução e o número de acertos nos testes. Assim, se os disléxicos tiverem mais tempo para realizar a leitura, maiores serão as possibilidades de eles terem um bom desempenho. Os resultados do estudo podem auxiliar na compreensão dos melhores métodos de intervenção psicopedagógica e de ensino para crianças com dislexia.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Elizeu Coutinho de Macedo
E-mail: elizeumacedo@uol.com.br
Katerina Lukasova
E-mail: katerinaluka@gmail.com

Recebido em: 29/06/2007
Aprovado em: 10/08/2007
Revisado em: 27/02/2008

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