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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.60 n.1 Rio de Janeiro abr. 2008

 

ARTIGOS

 

Características pragmáticas da fala materna em díades mãe-bebê (aos cinco e vinte meses)

 

Pragmatic characteristics of maternal speech in mother-child dyads (five and twenty months old)

 

 

Luciana Pessoa; Maria Lucia Seidl de Moura

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Assumindo a perspectiva sociopragmática, as interações lingüísticas mãe-bebê podem ser consideradas como uma das bases fundamentais do desenvolvimento da linguagem. Este estudo analisou uma característica pragmática da fala materna dirigida a seus filhos. Foi empregado o modelo de Roman Jakobson, em que são distinguidas as seguintes funções da fala: referencial, fática, emotiva e conativa. Foram transcritas e analisadas as falas de 45 mães, em dois momentos do desenvolvimento do bebê, um pré-lingüístico e um lingüístico (cinco e vinte meses). Foram analisados também os aspectos afetivos e cognitivos dessa fala. Os resultados indicaram um aumento significativo de emissões maternas aos vinte meses do bebê. Houve uma predominância da função fática em ambas as faixas etárias. Aos cinco meses, foram observados mais aspectos afetivos do que cognitivos e aos vinte meses os aspectos cognitivos prevaleceram. Os resultados observados mostram que a comunicação com o bebê é valorizada pelas mães e se transforma na medida em que o bebê se desenvolve. O estudo traz uma contribuição para a literatura relativa à fala materna no desenvolvimento inicial, com dados do contexto brasileiro.

Palavras-chave: Fala materna; Díade mãe-bebê; Desenvolvimento lingüístico.


ABSTRACT

Assuming the social-pragmatic perspective, mother-infant linguistic interactions can be considered as one of the bases of the initial language development. This study aims to analyzing pragmatic characteristic maternal speech directed to children. Roman Jacobson’s model in which the following functions are distinguished was used. The instances of mothers of 45 mothers speech were identified, transcribed and analyzed, at two moments of the babies’development (five and twenty months). The affective and cognitive aspects of this speech have also been analyzed. The results had indicated a significant increase of the occurrence of the maternal emissions when the babies had twenty months. It was observed the predominance of the fathic function in both age levels. At five months it was observed a predominance of the affective aspects and at twenty months it was observed a predominance of the cognitive aspects. The results observed indicate that the communication with he baby is valued by the mother and shows transformations following the baby’s development. The study brings a contribution to the literature on maternal speech and initial development with data from a Brazilian context.

Keywords: Maternal speech; Dyad mother-infant; Linguistic development.


 

 

INTRODUÇÃO

O processo pelo qual a linguagem se desenvolve, é construída ou “adquirida” nos primeiros dois anos da ontogênese de bebês humanos tem sido objeto de formulações teóricas diversas e deu origem a uma ampla literatura de investigações empíricas. A compreensão desse processo e dos fatores a ele associados é fundamental para a formulação de modelos e hipóteses sobre características da mente humana.

A perspectiva sociopragmática enfatiza as interações sociais como uma das bases fundamentais do desenvolvimento inicial da comunicação e da linguagem. Neste trabalho, assume-se essa perspectiva, dentro de uma concepção interacionista e evolucionista do desenvolvimento (SEIDL DE MOURA, 2005). Nessa perspectiva, considera-se que um conjunto de predisposições genéticas ou capacidades biológicas de nossa espécie (produto de adaptações por seleção natural) tanto para o reconhecimento de co-específicos e estabelecimento de trocas sociais, como para o tratamento de estímulos específicos como a voz humana estão presentes no nascimento (SEIDL DE MOURA; RIBAS, 2004). Essas predisposições, no entanto, agem desde o ambiente intra-uterino em interação com os estímulos a que o bebê é exposto. Por exemplo, o bebê antes de nascer ouve a voz da mãe e aprende a reconhecê-la. É capaz de emitir sons em todas as línguas, mas vai perdendo essa capacidade para as línguas que não são de sua comunidade lingüística. Ou seja, as predisposições para orientar-se para estímulos específicos necessitam de contextos que favoreçam sua exposição aos mesmos. É por meio das trocas com os outros que essa exposição aos estímulos lingüísticos se dá. Não há, assim, sentido na separação entre biologia/natureza e cultura, por isso a concepção ser interacionista em seu sentido mais amplo.

A partir de discussões sobre o processo de aquisição de linguagem na ontogênese e o papel de disposições inatas e da interação com o ambiente (vide Piattelli-Palamarini (1989) para uma discussão clássica), foram desenvolvidos estudos sobre o tipo de input com o qual se depara a criança que desenvolve linguagem. O argumento de Chomsky (1989) sobre a “pobreza de estímulo” motivou muitas dessas investigações nas décadas de 1960 e 1970. De um modo geral, as evidências falsearam a hipótese de que se constituía em um discurso mal formado e pobre. Os primeiros resultados assinalaram a ocorrência de regularidades e de padrões identificáveis na fala do adulto com a criança, e indicaram simplicidade e redundância nessa fala.

O conjunto de evidências é grande (D’ORICO et al., 1999; SNOW, 1994). Sabe-se já que essa fala &– denominada manhês ou motherese, ou child directed speech  (CDS; em português, fala dirigida à criança (FDC)) &– parece ajustada às características do interlocutor (bebê em fase pré-lingüística). Tem entonação própria, é simplificada, trata de aspectos do ambiente familiares ao bebê e faz referência freqüente ao sentido atribuído a suas ações (SEIDL DE MOURA et al., 2004). É uma fala bem construída e apresenta características próprias como: clareza acústica máxima; redundância; discurso mais lento; voz em tom mais alto; expressões faciais que acompanham entonações de voz exageradas e altamente variáveis; tensão vocal nas palavras importantes; sussurros; uso repetido de um pequeno número de palavras diferentes; intervalos estrategicamente colocados. Há uma diversidade léxica, contendo essencialmente: palavras concretas; muitas perguntas, imperativos; poucos tempos verbais no passado e poucas frases subordinadas e de complexa construção (PAAVOLA et al., 2005).

Esse tipo de capacidade dos cuidadores de adaptar sua fala com bebês e crianças pequenas parece fazer parte de uma bagagem de disposições da espécie. Assim como os bebês têm predisposições para interagir com os membros de sua espécie e tratar estímulos lingüísticos (PINKER, 1994; ROCHAT, 2001), os adultos da espécie têm propensões para cuidados parentais (KELLER, 2007) e uma capacidade intuitiva para esses cuidados (PAPOUSEK; PAPOUSEK, 1991).

“A criança nasce, portanto, em um meio lingüístico, com uma forte atração pelos estímulos relevantes, e com a capacidade de discriminar vozes. Nesse meio, outros indivíduos não só constantemente conversam entre si, mas também têm predisposições para se comunicar com ela de uma forma diferenciada. Em resumo, a criança nasce pronta para se desenvolver em um meio lingüístico e socialmente rico” (MENDES; CARDOSO, 2007).

Essa capacidade adaptativa dos adultos de empregar intuitivamente uma fala de características especiais (child directed speech (CDS) ou fala dirigida à criança (FDC)) envolve aspectos funcionais da linguagem que podem estar ligados a sua origem filogenética. Autores como Dunbar (1993) hipotetizam que a função primordial da linguagem que levou a sua evolução da espécie homo sapiens é a de manter a coesão do grupo, uma espécie de catação, e não a referencial. Nesse sentido, na ontogênese é possível que seja importante um meio lingüístico que mantenha aberto o fluxo comunicacional com o bebê, um interlocutor ainda pré-lingüístico. Para Pine (1994), a FDC envolve tentativas do adulto se comunicar com um falante não competente (ou não falante), e não de ensinar linguagem. Esse tipo de fala “emprega um número de aspectos especiais do discurso que servem para manter a criança em interação” (PINE, 1994, p. 15). Como apontam Sokolov e Snow (1994), o que a criança encontra e aprende é a linguagem em uso. Assim, é fundamental considerar não só as características sintáticas e semânticas da fala materna, mas os aspectos pragmáticos da mesma. Ou seja, é necessário considerar a maneira como o falante utiliza os signos, o uso dos enunciados, considerando o contexto no qual os signos são proferidos, visando finalidades específicas e a pessoa para quem o discurso foi dirigido.

No uso da pragmática, podem ser identificados os aspectos culturais e sociais que são internalizados pelas pessoas em interação social. O modelo do lingüista funcionalista R. Jakobson (1995) permite análise nesse sentido. Tal modelo, adotado neste estudo, considera os aspectos do falante, do interlocutor, da mensagem, do contexto, do canal e do código e seu predomínio para identificar diferentes funções da linguagem. Essas funções são: emotiva (mensagem centrada no remetente); referencial (centrada no contexto); conativa (centrada no destinatário); fática (mensagem centrada no contato, no canal de comunicação), poética (centrada no código).

Estudos sobre características pragmáticas da FDC vêm sendo desenvolvidos, desde que a ênfase passou a ser de análises de corpus para análises de conversações e trocas, a partir, principalmente, da década de 1980. As análises realizadas indicam que a FDC é restrita em termos de intenções comunicacionais (SNOW, 1994). Paavola et al. (2005) realizaram um estudo recente sobre o tema com 27 díades mãe-bebê (em dois momentos, dez meses e um ano) finlandeses, buscando responder, entre outros aspectos, quais as funções lingüísticas típicas de respostas maternas a interlocutores pré-lingüísticos. Uma de suas conclusões é que as mães mais responsivas são capazes de considerar o ponto de vista do bebê e buscam mais eliciar conversa do que dirigir seu comportamento. Essa responsividade favorece o desenvolvimento lingüístico e comunicacional inicial.

No estudo de Paavola et al. (2005), a fala materna foi classificada de acordo com sua intenção comunicativa ou função, em dezenove categorias, entre elas: perguntas sim/não, pedidos de informação, pedidos de clarificação, descrições, dispositivos de atenção e comandos ou advertências. Os bebês tinham dez meses, idade em que, segundo Tomasello (1999), reconhecem os outros como seres intencionais. Para Hoff e Naigles (2002), esse é o momento em que a aprendizagem de palavras começa: quando as crianças identificam os outros como seres intencionais, quando percebem que há intenções comunicativas por trás de suas vocalizações e quando conseguem descobrir quais são elas.

Esse processo, cujo marco é aos dez meses segundo Tomasello (1999), tem início mais cedo. Aos cinco meses, temos observado os precursores da intersubjetividade secundária característica das trocas mãe-bebê aos 9/10 meses e que vai acompanhar a compreensão dos outros como seres intencionais (SEIDL DE MOURA; RIBAS, 2000).

Fernald (1991) identifica quatro estágios na FDC. Na fala para bebês recém-nascidos e bem pequenos, sua função é engajar e manter a atenção do bebê. Isso se dá oferecendo um estímulo auditivo ao qual o bebê responde. Com bebês um pouco mais velhos, a FDC modula ativação e emoção. No terceiro estágio, a prosódia assume funções de ativar a atenção do bebê, mas também de comunicar sentimentos e intenções do falante. O começo do quarto estágio dá-se quando a criança começa a entender o significado de palavras. Nele, os padrões de entonação e pausas facilitam a aquisição de linguagem.

Considerando esses resultados e as lacunas observadas na literatura, decidimos, então, comparar a fala de mães com seus bebês em dois momentos: um pré-lingüístico, anterior à fase em que o reconhecimento da intencionalidade está presente, e um lingüístico. Em estudo anterior (PESSÔA, 2000), dois grupos de um e cinco meses foram estudados e constatou-se a predominância da função fática na fala da mãe dirigida ao bebê nos dois grupos, resultado também obtido por Oliva (2001). No entanto, em ambos os estudos o grupo de sujeitos foi pequeno. Com base nesses resultados, algumas hipóteses foram formuladas para serem testadas no atual estudo. Propõe-se que, independentemente de variações individuais, há uma transformação na FDC, revelando propensões intuitivas das mães em criar contextos conversacionais adaptados às características de seus interlocutores que estão desenvolvendo linguagem. No primeiro momento, a função básica seria a de manter aberto o fluxo comunicacional com o bebê. No segundo, criar condições para o desenvolvimento do léxico e controlar seu comportamento (HOFF; NAIGLES, 2002). Além dessas diferenças em termos de funções, espera-se encontrar diferenças em ênfase em aspectos afetivos (aos cinco meses) e cognitivos (aos vinte meses) da conversa, segundo as evidências de estudos de Bornstein e colaboradores (BORNSTEIN; TAL; RAHN, 1992).

Além da escolha por esses dois momentos (um pré-lingüístico, aos cinco meses, e um lingüístico, aos vinte meses), o modelo de Jakobson foi adotado para considerar uma característica pragmática da fala materna que leva em conta o processo da comunicação em seus diversos aspectos. Deste modo, este estudo visa analisar uma característica pragmática da fala dirigida a crianças (FDC), no caso por suas mães, em dois momentos do desenvolvimento (um pré-lingüístico e um lingüístico), as funções da linguagem segundo Jacobson. Hipotetiza-se que diferentes funções mostrar-se-ão predominantes nas duas idades, indicando talvez a sensibilidade materna às características e necessidades evolutivas do interlocutor em duas fases de seu desenvolvimento (pré-lingüístico e lingüístico).

 

MÉTODO

Participantes

Participaram 45 díades mãe-criança, residentes do estado do Rio de Janeiro, aos cinco e vinte meses da criança. As mães tinham mais de 18 anos na primeira observação e seu nível de escolaridade variou do fundamental incompleto à pós-graduação.

Categorias de análise da fala dirigida à criança (FDC)

Fala dirigida à criança neste estudo foi a fala materna dirigida ao bebê/criança durante a observação. Para categorizá-la, quatro funções do modelo de Jakobson (1995) foram utilizadas: Função Emotiva &– mensagem centrada no remetente ou locutor, que, nesse caso específico, é a mãe, envolvendo: atribuição de significados, adjetivações, elogios; Função Referencial &– mensagem centrada no contexto, envolvendo: descrições de ações, objetos, pessoas etc.; Função Conativa &– mensagem centrada no destinatário, ou seja, na criança, envolvendo: imperativos, pedidos, solicitação de resposta; e Função Fática &– mensagem centrada no contato, envolvendo: tratamentos, frases não-proposicionais, sons onomatopéicos e contrações interrogativas monossilábicas.

Aspectos afetivos e cognitivos na fala materna foram identificados e analisados seguindo a definição do estudo de Bornstein, Tal e Rahn (1992) para os respectivos aspectos: Aspectos Afetivos (AA) &– isto é, uma fala suave em que se percebe o uso de sons onomatopéicos, frases não-proposicionais, rimas, atribuição de significados etc.; e Aspectos Cognitivos (AC) &– fala voltada para o desenvolvimento de capacidades cognitivas, em que predomina o uso de perguntas, frases diretas, descrições etc.

 

PROCEDIMENTOS

De coleta de dados

O estudo fez parte de projeto mais amplo, longitudinal e transcultural e foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprovado. As famílias foram identificadas e convidadas a participar a partir de contatos em diversas fontes: as unidades de pediatria e obstetrícia de hospitais da cidade do Rio de Janeiro e pediatras locais. Após contato inicial e concordância em participar do estudo, as díades foram visitadas em suas residências no período em que a criança estava acordada, em uma situação em que apenas a mãe e a criança estavam em casa. A mãe assinou termo de consentimento livre e informado e de permissão para uso de imagem de vídeo e uma ficha com dados sociodemográficos da mãe foi preenchida. A observação foi registrada em vídeo. Na visita aos cinco meses, a díade foi filmada por uma hora e aos vinte meses em um período de dez minutos.

Aos cinco meses, a mãe foi solicitada a manter sua rotina diária e a ignorar, na medida do possível, a presença do observador. Aos vinte meses, a dupla foi observada em um contexto de brincadeira. A mãe foi informada de que o observador estava interessado no desenvolvimento da linguagem e da brincadeira na criança. Um conjunto de brinquedos padronizados, apropriados para a idade foi utilizado. Este conjunto foi composto de boneca, cobertor, bule de chá com tampa, duas xícaras de chá, dois pires, duas colheres, telefone celular de brinquedo, carro de plástico com um cordão de barbante, dois livros de estórias com figuras, bola de borracha e um jogo de potes de encaixe. Apesar de constituírem situações diferentes, considera-se que sua comparação permite observar características da linguagem dirigida à criança.

De redução dos dados

As filmagens de cinco meses foram divididas em intervalos de dez minutos e, para cada díade, foi selecionado aleatoriamente um desses intervalos para análise neste estudo. A fala materna nesses contextos foi recortada das transcrições das fitas, já disponíveis. A fala materna aos vinte meses nos dez minutos filmados foi transcrita.

Tanto nos intervalos selecionados aos cinco meses como no trecho filmado aos vinte meses foram identificadas as categorias descritas (funções, aspectos afetivos e cognitivos). A unidade de análise da fala materna foi delimitada por pausas que fazia em sua fala, independentemente da sentença estar ou não completa. Dessa forma, em uma única sentença, era possível identificar duas ou mais emissões. Cada segmento, ou emissão, foi classificado quanto à função da fala e quanto à predominância de aspectos afetivos ou cognitivos.

De análise de dados

A freqüência e porcentagem de ocorrência em cada categoria foram computadas para finalidades descritivas. As freqüências em cada categoria foram divididas pelo tempo de análise (dez minutos) e este escore foi usado como medida das variáveis para posteriores comparações. Para analisar as diferenças entre os escores nas quatro funções e nos aspectos afetivos e cognitivos nos dois momentos observados, foram realizados testes t entre os pares (cada função, os aspectos afetivos e cognitivos). Foram realizados catorze testes no estudo. Para cada um dos testes foi adotado o nível de significância Bonferroni de 0,0036 para as comparações (KUTNER et al., 2005). Coeficientes de correlação foram calculados para verificar relações entre as variáveis estudadas. Utilizou-se o Statistical Program for Social Science 13.0 (SPSS).

 

RESULTADOS

Foi observada muita variação na fala desse grupo de mães nos dois momentos investigados. Aos cinco meses, a média do total de emissões das mães foi de 88,18 (dp=29,95). Os seus valores mínimo e máximo foram, respectivamente, 1 e 197. Aos vinte meses, observa-se a mesma variação entre as mães, mas, em geral, as mães parecem mostrar-se sensíveis ao desenvolvimento de seus bebês, falando mais com eles. A média de fala total foi de 253,82 emissões (dp=88,99). Os valores mínimo e máximo foram, respectivamente, 71 e 473.

A fala dirigida ao bebê aos cinco meses

Aos cinco meses do bebê, 49% das emissões maternas foram identificadas como pertencentes à função fática. As categorias encontradas nessa função foram os tratamentos, as frases não proposicionais, os sons onomatopéicos e as expressões como “Né?” e “Tá?”. No exemplo a seguir, pode-se observar como isso ocorria.

Díade 29: Mãe está enxugando o bebê que acaba de sair do banho e fala para ele em 08:59: “Vamo secá, pra daqui a pouco mamá. Né, ném?”.

Como nos resultados totais, houve uma grande variabilidade entre as mães. Nem todas as mães usaram a linguagem com seus bebês aos cinco meses com essa função, mas algumas o fizeram de forma sistemática e freqüente.

A função conativa aos cinco meses, vinculada ao destinatário, no caso, o bebê, foi observada em 25,5% das emissões. Vide o exemplo abaixo:

Díade 29: Em 14:56, a mãe acaba de arrumar o bebê, pega-o no colo e fala: “Vamos pentear o cabelo”. Em 15:30, a mãe está com o bebê em seu colo penteando o cabelo dele e pergunta: “Que que está acontecendo?”. Em 17:06, a mãe coloca o bebê deitado no edredom da sala e diz: “Fica quietinho aí, que a mamãe vai fazer o suco. Fica quietinho!”.

Como vem sendo discutido, nas emissões da função conativa há também variabilidade entre as mães estudadas. Os valores mínimo e máximo de ocorrência encontrados nesta função foram de 0 e 71 respectivamente.

A terceira função em termos de freqüência em que está presente nas falas das mães com seus bebês de cinco meses foi a referencial, que se relaciona ao contexto. O percentual identificado desta função nos proferimentos verbais maternos foi de 21,5%.

O exemplo correspondente é:

Díade 29: Mãe acaba de arrumar o bebê que saiu do banho. Em 16:04, a mãe coloca o bebê sentado na cama e diz: “Desmanchou meu penteado”.

Finalmente, a função emotiva foi a menos freqüente, ocorrendo em 4% das emissões maternas. O exemplo seguinte apresenta emissões maternas categorizadas nesta função.

Díade 29: A mãe, arrumando o bebê que acaba de sair do banho, em 10:43 chama-o: “Gostosinho!!”.
Em 13:43, a mãe fala como se fosse o bebê: “Eu tô com fome!”. Em 15:30, a mãe está com o bebê em seu colo, penteando o cabelinho dele, e pergunta: “Que que está acontecendo?”. E chama o bebê de: “Neném da mamãe!”.

Em 15:38, a mãe está com o bebê em seu colo, penteando o cabelinho dele, e fala como se fosse o bebê: “Eu quero tomar meu suquinho”.

As médias das variáveis transformadas em cada uma das funções (fática, referencial, conativa e emotiva) foram comparadas por testes t de medidas repetidas. A Tabela 1 e a Figura 1 sintetizam esses resultados.

Tabela 1

 

 

Considerando-se o nível de significância de 0,0036, observa-se que, quando o bebê tinha cinco meses, a média na função fática foi superior às médias nas três outras funções (referencial, conativa e emotiva). As médias nas funções referencial e conativa foram significativamente superiores às da função emotiva. A Figura 1 apresenta os intervalos de confiança (médias mais ou menos um desvio-padrão) nessas variáveis aos cinco meses e permite a visualização dessas relações.

Figura 1: Intervalos de confiança (médias mais ou menos um desvio-padrão) dos escores nas diferentes funções e aspectos aos cinco meses.

 

 

As falas maternas foram ainda analisadas em termos da predominância de aspectos afetivos ou cognitivos. Observou-se que 53% das emissões maternas estavam relacionadas aos aspectos afetivos e 47% aos cognitivos.

Os resultados nas diversas variáveis foram correlacionados. Os resultados da função referencial aos cinco meses apresentaram coeficientes de correlação significativos com todas as outras funções nessa idade (com a FF, r=0,79, p<0,01; com a FC, r=0,66, p<0,01; com a FE, r=0,62, p<0,01).

Os resultados da função fática aos cinco meses também se correlacionaram com todas as outras funções abordadas neste estudo nessa idade (com a FC, r=0,56, p<0,01; com a FE, r=0,42, p<0,01), indicando como ela é fundamental nesse período de desenvolvimento.

Quanto à função conativa, como observado pelos coeficientes acima relatados, apresenta correlação significativa com FF, FR e FE. Quanto à função emotiva, merecem ser destacadas as correlações desta função aos cinco meses. Foi observado que essa variável se correlacionou com os resultados das medidas das funções referencial e fática, tal como indicado acima.

A fala dirigida ao bebê aos vinte meses

Aos vinte meses do bebê, o contexto específico foi de brincadeira e não variado, como aos cinco meses. Em termos da distribuição por funções das falas, foi possível observar aos vinte meses um aumento das emissões maternas classificadas como apresentando função conativa (34,6%). O exemplo abaixo ilustra esse tipo de fala:

Díade 1: A mãe está brincando com a criança. A criança está com a boneca no colo e, em 37:45, a mãe pede para ela: “Bota ela pra mimi. Dá comidinha a ela”. A mãe pede para a criança mexer com a colher na xícara e, em 40:18, fala: “Mexe e dá pro neném”. A mãe está sentada cantando com a criança e, em 44:27, pára de cantar e diz: “Vai lá brincar!”.

A presença da função fática é mantida nessa fase do bebê (em 35,2% das emissões). O exemplo esclarece um pouco mais as características das emissões maternas dessa função:

Díade 1: A mãe está brincando com a criança. Em 42:06, a mãe faz uma exclamação ao mostrar um figura do livro de estória para a criança: “Ah!”.

Em 46:24, a mãe coloca a boneca na frente da criança e diz: “Ai, ai, ai!”.

A função referencial foi observada em 26,6% das emissões. O exemplo de função referencial a seguir é de um contexto de olhar junto um livro de histórias:

Díade 1: A mãe está brincando com a criança. Em 41:59, a mãe mostra o livro de estórias para a criança e fala: “Aqui o papatinho do neném”.

Finalmente, a função emotiva continua pouco freqüente nessa fase, tendo sido identificada em 3,6% do total das emissões. Vide o exemplo dessa função:

Díade 10: Mãe brincando com sua filha no sofá da sala. Ela mostra o livro de estórias para a criança e, ao apontar para a figura do coala, exclama: “Que bonitinho!”.

Os aspectos afetivos e cognitivos também foram identificados aos vinte meses. Percebeu-se que, em termos de porcentagem, houve uma predominância dos aspectos cognitivos (61,2%) em relação aos afetivos (38,8%).

Como nos resultados das observações quando o bebê tinha cinco meses, as médias das variáveis transformadas em cada uma das funções (fática, referencial, conativa e emotiva) foram comparadas por testes t de medidas repetidas. A Tabela 2 apresenta esses resultados. As médias nos escores na FF e FR, e na FF e FC não são diferentes significativamente, no nível de significância adotado. A função referencial tem média significativamente inferior à função conativa e todas têm médias superiores à da função emotiva. Nessa fase, em contraste com a de cinco meses do bebê, a média em aspectos cognitivos da fala da mãe é significativamente superior à dos aspectos afetivos. A Figura 2 apresenta os intervalos de confiança das médias das diferentes funções e aspectos.

Tabela 2: Comparações entre as médias nos escores das diferentes funções e aspectos aos vinte meses

 

 

Figura 2:Intervalos de confiança (médias mais ou menos um desvio-padrão) dos escores  nas diferentes funções e aspectos aos vinte meses

 

 

Quanto à relação entre as medidas das diferentes funções aos vinte meses, foram obtidos coeficientes de correlação significativos entre: FF e FR (r=0,54, p<0,01); FF e FC (r=0,54, p<0,01); FR e FC (r=0,43,p<0,01); FR e FE (r=0,64, p<0,01); FC e FE (r=0,30, p<0,05).

A FDC aos cinco e vinte meses: estabilidade e diferenças

Analisou-se a correlação entre os resultados (variáveis transformadas) aos cinco e vinte meses. Foi possível observar uma relação significativa entre a freqüência de emissões maternas relativas à função referencial aos cinco e aos vinte meses (r=0,33, p<0,05); entre a freqüência de emissões maternas relativas a função conativa aos cinco e aos vinte meses (r=0,33, p<0,05); e em relação aos aspectos cognitivos nos dois momentos (r=0,34, p<0,05). Esses aspectos se mostram, assim, relacionados nesse período.

Constatou-se, por outro lado, que houve diferenças significativas entre as médias das emissões em todos os aspectos estudados e no total de ocorrências. A Tabela 3 apresenta esses resultados e a Figura 3 permite a visualização das percentagens de ocorrência por categorias .

Tabela 3:Comparações entre as médias nos escores das diferentes funções e aspectos aos cinco e vinte meses

 

 

Figura 3:Distribuição das emissões maternas por funções aos cinco e vinte meses

 

 

DISCUSSÃO

A partir dos resultados encontrados, pode-se verificar uma grande variabilidade na fala das mães com seus bebês nos dois momentos investigados. Houve mães que falaram muito pouco, mas houve mães que, em dez minutos, proferiram quase duzentas emissões dirigidas a seus bebês.

A função fática foi a predominante aos cinco meses, assim como os resultados de estudos anteriores realizados por Pessôa (2000) e Oliva (2001). A manutenção do contato foi privilegiada pela mãe. Como apontado anteriormente, em emissões com esta função, observa-se a tentativa da mãe de chamar a atenção do bebê e manter por um período maior de tempo possível o engajamento da díade. Fica confirmada a função do discurso materno destacada por Pine (1994) de manutenção da interação com seu bebê. Parece ser esse um dos estágios iniciais discutidos por Fernald (1991).

Na função conativa, foi observado o uso de imperativos, pedidos, solicitações de resposta. Contudo, aos cinco meses do bebê, pode-se hipotetizar que essas emissões, como as classificadas como fáticas, também podem ter o papel de manter a comunicação da díade. A função referencial foi menos freqüente e isso parece indicar que a mãe ainda centra na díade sua fala, intuitivamente reconhecendo as características do bebê nessa fase pré-lingüística. Apesar de menos freqüente, sua presença indica que a mãe já traz para as interações observações sobre o contexto em que ela e o bebê estão inseridos e sobre as ações de ambos.

Estes resultados são consistentes com a literatura e os estudos de Paavola et al.(2005) e Seidl de Mouraet al. (2004), demonstrando que a fala materna tem características peculiares que parecem estar ajustadas às características do bebê e que busca a manutenção do contato por um período mais longo entre a díade.

Os aspectos afetivos e cognitivos presentes na fala materna foram também identificados. O fato de não ter ocorrido diferença significativa entre as médias na função referencial e conativa e entre as médias nos aspectos afetivos e cognitivos parece indicar que sua importância é mantida com o desenvolvimento do bebê nesses quinze meses que separam as duas observações.

Aos vinte meses do bebê, o contexto específico foi de brincadeira e não variado, como aos cinco meses. Reconhecemos que esse fato pode ter influenciado, em parte, as diferenças observadas. No entanto, hipotetizamos que as principais mudanças podem ser explicadas pelo desenvolvimento do bebê nesses quinze meses, às quais a mãe parece sensível.

Nessa idade, o interlocutor é ainda pouco sofisticado lingüisticamente, mas já é um “falante”. As trocas mãe-bebê parecem mudar, e manter o contato não é mais a única função primordial da fala materna nessas trocas. Observa-se um aumento das emissões maternas classificadas como apresentando função conativa, que envolve mensagens centradas no destinatário, o bebê. As mães parecem acreditar que, aos vinte meses, seus bebês têm um maior repertório de comportamentos do que aos cinco meses. Com isso, são mais capazes de se engajar em atividades, o que faz com que elas se dirijam a eles solicitando coisas e lhes transmitindo, de alguma forma, informações em termos de comportamentos, regras, atitudes.

A predominância dos aspectos cognitivos nas emissões maternas pode estar diretamente relacionada à idade dos bebês e aos contextos de troca. Um aspecto interessante é que a média de emissões maternas classificadas como afetivas foi também elevada. No estudo de Bornstein, Tal e Rahn (1992), com díades americanas, a média das emissões afetivas aos vinte meses foi significativamente inferior à das emissões cognitivas. Nas díades brasileiras do presente estudo, apesar da predominância dos aspectos cognitivos nessa fase, as emissões classificadas como afetivas estão presentes de modo significativo. Isso parece apontar para possíveis diferenças culturais nas crenças sobre bebês e seus cuidados a serem exploradas em futuros estudos. Assim, os resultados indicam que, tanto aos cinco quanto aos vinte meses, os aspectos da fala materna que traduzem afeto, carinho, intimidade são importantes para as mães de nossa cultura estudadas.

As mães que apresentam maiores freqüências de emissões nas funções referencial e conativa o fazem aos cinco e vinte meses. Quanto mais as mães descrevem as ações, pessoas e coisas do mundo com os seus filhos aos cinco meses, mais agem da mesma maneira com os mesmos aos vinte meses de idade. O mesmo ocorreu com as medidas da função conativa aos cinco e vinte meses, que se mostraram correlacionadas. Há relação entre a maneira como a mãe se dirige ao filho quando está com cinco meses e aos vinte meses. Da mesma forma, as distribuições das emissões predominantemente cognitivas aos cinco e vinte meses estão correlacionadas.

Esses aumentos de emissões parecem indicar que as mães reconhecem o desenvolvimento de seus bebês e atribuem a eles, aos vinte meses, uma maior compreensão do contexto imediato em que estão inseridos. Pode ser que o maior número de ocorrência da fala materna nesse período do desenvolvimento do bebê esteja relacionado ao fato do bebê explicitar, de forma mais nítida, um engajamento nas atividades realizadas, estimulando sua mãe a tentar mantê-lo, cada vez mais, vinculado às situações.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos sugerem que a mãe ajusta sua conduta, especificamente as emissões lingüísticas, aumentando as instâncias de fala características da função fática, de modo a conseguir chamar a atenção do bebê para si e para suas emissões. A mãe ou o adulto que utiliza esse instrumental lingüístico propicia ao bebê voltar sua atenção para as emissões deles. Acredita-se, assim como Dunbar (1993), que as características desta função lingüística podem estar diretamente relacionadas à evolução da espécie humana. Afinal, a condição necessária para que se estabeleça uma forma de comunicação verbal entre a díade é que o bebê esteja com sua atenção voltada para a mãe. Intuitivamente, a mãe utiliza este recurso lingüístico (função fática) para chamar ou manter a atenção do filho voltada para ela. Esta função foi a mais freqüente nos períodos observados.

Nos dois grupos estudados, as atribuições de significados, presentes nos aspectos afetivos da fala materna, mostram-se predominantemente vinculadas às preferências e vontades dos bebês. Esse dado indica haver uma concepção por parte das mães de que os bebês, desde muito cedo, mostram-se capazes de fazer uma série de discriminações sensoriais e ter, conseqüentemente, diversas preferências. As mães parecem tratar os bebês, desde fases iniciais do desenvolvimento, como pessoas às quais se pode atribuir gostos, desejos e sentimentos, e não como seres que se limitam a manifestar necessidades fisiológicas. Deve-se, contudo, destacar o quanto as mães se apropriam das ações comunicativas dos bebês, dão a elas um significado, interpretam-nas de acordo com suas referências e agem, em resposta aos bebês, de acordo com esta interpretação.

A conseqüência da predominância da função fática manifesta-se na conduta da mãe de tentar adequar sua fala e seus gestos a algum tipo de denominador comum com o bebê, a fim de estabelecer mais facilmente algum tipo de comunicação com ele. Isso pode ser percebido desde etapas iniciais do desenvolvimento, como no caso desse estudo que analisou bebês com cinco e vinte meses. Essa propensão para adaptar sua fala com os bebês pode estar intuitivamente relacionada com a bagagem da espécie.

Estar próximo, assumir o lugar do outro, são aspectos decisivos para que se estabeleça um entendimento verbal entre duas pessoas. Ambos devem estar com a atenção voltada para o mesmo ponto. Cabe à mãe, supostamente com mais recursos, procurar um meio para atrair a atenção do bebê para algo de comum entre eles, principalmente aos cinco meses. Isso pode ser inferido a partir das diversas categorias analisadas.

O uso de imperativos pode significar uma tentativa materna de imprimir uma organização à conduta do bebê e à própria, além de ser uma forma verbal de interagir com o bebê. A ocorrência de solicitação de respostas é mais um indicativo do estabelecimento de interação lingüística que, juntamente com as pausas, apontam virtualmente para a alternância de interlocutor, que é fundamental em um processo de interação verbal.

Outro aspecto que podemos analisar a partir dos resultados obtidos é a constatação de uma grande proporção da fala materna como uma resposta aos sinais da criança. Foi possível constatar na análise dos dados que quase toda emissão materna é diretamente precedida ou seguida por esses sinais das crianças. Isso significa que as mães não estão simplesmente comunicando informação para suas crianças, mas estão tentando engajá-las em conversas. Pelas funções encontradas e suas características específicas, pode-se dizer que existe uma grande diversidade de emissões utilizadas pelas mães (Paavola et al., 2005). Além disso, indicam um ajuste às características específicas de seus interlocutores em fase pré-lingüística ou lingüística inicial (D’ORICO et al., 1999; SNOW, 1994). Nesta última, aos vinte meses, as díades foram observadas no contexto específico da brincadeira e notamos o quanto este contexto pôde ser facilitador para as interações verbais.

Durante o desenvolvimento inicial, os pais são os agentes sociais que melhor entendem as intenções das crianças, atribuindo significações aos comportamentos delas e, portanto, são capazes de prover o apoio adequado de que elas necessitam. Desempenham, dessa forma, um importante papel de mediadores na construção do mundo sociocultural da criança.

Este trabalho também corrobora alguns resultados acerca da presença de interações mãe-bebê, principalmente as interações lingüísticas, em fases iniciais do desenvolvimento encontrados em (SEIDL DE MOURA; RIBAS, 2004) e ainda traz algumas evidências sobre a natureza da fala dirigida à criança (FDC) em duas etapas do desenvolvimento do bebê, demonstrando o quanto esta fala parece estar ajustada às características dos interlocutores. Vem também somar-se aos trabalhos reflexivos acerca do modelo interativo de diferentes vertentes na pesquisa sobre o desenvolvimento humano em uma perspectiva sociopragmática que consideram esse processo como necessariamente vinculados às interações biossociais.

Entende-se também que o avanço na área de investigação acerca da interação mãe-bebê e do desenvolvimento lingüístico infantil depende, em larga medida, da produção de evidências empíricas relativas a aspectos envolvidos nesses processos. Nesse sentido, considera-se a necessidade de que se desenvolvam e aperfeiçoem metodologias de observação da interação mãe-bebê e do desenvolvimento lingüístico, com variações que podem incluir classes sociais diferenciadas ou pesquisas de laboratório. Estudos longitudinais são particularmente importantes. O presente trabalho tem algumas limitações, como a de propor duas situações um pouco diferentes e de envolver apenas duas observações de cada díade. Novas investigações estão sendo concluídas buscando superar essas limitações, com o acompanhamento de algumas díades durante um período mais longo em sessões quinzenais na mesma situação.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Luciana Pessoa
E-mail: pessoalf@ig.com.br

Maria Lucia Seidl de Moura
E-mail: mlseidl@gmail.com

Recebido em:27/06/2007
Aprovado em:09/10/2007
Revisado em:20/11/2007

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