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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.60 n.2 Rio de Janeiro jun. 2008

 

ARTIGO

 

Área profissional e processo da tomada de consciência

 

Professional area and conscience building process

 

 

Augusto C. R. ResendeI; Antonio C. OrtegaII

IFaculdade Novo Milênio (FNM-ES), Vila Velha, ES, Brasil
IIUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa investigou com auxílio do método clínico piagetiano a influência de duas áreas profissionais no processo da tomada de consciência das estratégias utilizadas na resolução de um problema contido no jogo Torre de Hanói. Trata-se de uma pesquisa descritiva envolvendo aspectos qualitativos e quantitativos. Participaram do estudo quinze estudantes do curso de Engenharia Civil e quinze do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. A pesquisa desenvolveu-se em três etapas: (1) resolução do problema contido nas torres com dois, três, quatro e cinco discos; (2) análise das regularidades entre o número de deslocamentos de cada torre; (3) entrevista sobre as estratégias utilizadas. Os principais resultados mostraram que: (a) no plano do fazer os alunos de Engenharia Civil alcançaram um melhor domínio do sistema do jogo e (b) no plano do compreender os alunos de Psicologia apresentaram uma relativa superioridade em conceituar as estratégias utilizadas na solução do problema.

Palavras-chave: Tomada de consciência; Fazer e compreender; Área profissional; Jogo de regras.


ABSTRACT

This research investigated with the aid of Piaget’s clinical method, the influence of two professional areas on the conscience building process of the strategies used for the resolution of a problem with the Tower of Hanoi game. It is a descriptive research involving qualitative and quantitative aspects. Fifteen students of the course on Civil Engineering took part, as well as fifteen others from the Psychology course of the Federal University of Espírito Santo. The research developed itself in three stages: (1) a resolution of the problem within the towers with 2, 3, 4 and 5 discs; (2) an analysis of regularities between the number of displacement of each tower; (3) an interview as to the strategies used. The main results showed that: (a) on the making level, the Civil Engineering students reached a better mastership of the game system, and (b) on the level of understanding the Psychology students showed a relative superiority when conceptualizing the strategies used for the solution of the problem.

Keywords: Conscience building; To make and to understand; Professional area; Game of rules.


 

O presente trabalho teve por objetivo analisar os procedimentos e estratégias utilizados por universitários para compreender o sistema contido no jogo “Torre de Hanói”. Com base nessa análise, foi observado o nível de compreensão desses estudantes em relação ao jogo, nível que é determinado pela transformação do “fazer” em “compreender” que, segundo Piaget (1977), caracteriza o processo de tomada de consciência. Além disso, investigou-se a influência de duas áreas profissionais, a de Engenharia Civil e a de Psicologia, nesse processo de compreensão.

A hipótese inicialmente formulada considera a importância da área profissional sobre os melhores desempenhos em relação aos níveis de compreensão alcançados na solução do problema contido no referido jogo, que exige a atuação das estruturas lógico-matemáticas e das operações formais (TEIXEIRA, 1982). Tal hipótese foi fundamentada no trabalho de Piaget (1972) sobre a evolução intelectual entre a adolescência e a fase adulta e nos resultados alcançados por Schwebel (apud SOUZA; MACEDO, 1986), em seu estudo sobre o pensamento formal com universitários, no qual constatou que o tipo de trabalho realizado pelo indivíduo em seu dia-a-dia influencia na aprendizagem do sistema de uma atividade proposta.

Segundo Piaget (1972), as aptidões e os interesses pessoais são considerados como um dos fatores responsáveis pelo desenvolvimento no estágio operatório formal. O autor afirma que é, sobretudo, no pensamento formal que ocorre maior diferenciação no desenvolvimento do pensamento entre os indivíduos. Para ele, as diferenças entre as aptidões já podem ser percebidas entre crianças de 7 a 10 anos, quando ainda estão no estágio das operações concretas. No entanto, essas diferenças são mais detectadas entre os indivíduos de 12 a 15 anos, sendo ainda mais evidente entre os de 15 a 20 anos de idade, ou seja, quando as operações formais são, supostamente, predominantes.

De acordo com Piaget (1972), além de contribuir para o desenvolvimento cognitivo em diferentes áreas do conhecimento, as aptidões e interesses são considerados como fatores importantes para a escolha profissional.

Nesta pesquisa, partimos do pressuposto de que: (a) o conteúdo relativo ao sistema do jogo “Torre de Hanói” seja mais bem assimilado por sujeitos que possuem melhores domínios sobre as operações lógico-matemáticas, e (b) a área profissional que tende a favorecer mais o desenvolvimento dessas operações seria a ligada às Ciências Exatas. Desse modo, formulamos a hipótese de que essa área profissional favoreceria o processo de tomada de consciência dos procedimentos e estratégias utilizados na solução do problema contido no jogo “Torre de Hanói”.

Portanto, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de ampliar:

1- a discussão de um tema teórico piagetiano ─ a tomada de consciência ─ de fundamental importância para a análise dos processos cognitivos;

2- os dados empíricos de trabalhos que utilizam jogos de regras, particularmente o “Torre de Hanói”, na análise da relação entre o fazer e o compreender em adultos, uma vez que a maioria dos estudos foi realizada com crianças e adolescentes;

3- as pesquisas que investigam a influência da área profissional no desempenho cognitivo de universitários por meio de um jogo de regras, pois a maioria dos trabalhos realizados utilizou as provas operatórias piagetianas com o objetivo de investigar as estruturas do pensamento formal.

 

1. ATomada de Consciência na Obra de Piaget

O processo da tomada de consciência foi um dos temas investigados por Piaget, principalmente na última década de sua vida. Assim, nos anos 1970, publicou duas importantes obras, nas quais relata os resultados de suas investigações sobre o referido tema: A tomada de consciência(1977)e Fazer e compreender(1978). Nesses estudos, o autor observou o desempenho de crianças entre 4 e 14 anos de idade em atividades que continham uma situação-problema. A análise focalizou o processo da tomada de consciência no qual foi verificada uma defasagem da compreensão pelo pensamento em relação ao êxito da atividade motora.

Em A tomada de consciência(1977), o autor relatou experimentos que envolviam atividades nas quais as soluções de situações-problema não dependiam da compreensão do indivíduo. Piaget classificou essas atividades como tarefas de “êxitos precoces”. Em Fazer e compreender (1978), o autor utilizou tarefas que chamou de “êxitos sucessivos”, as quais exigiam a tomada de consciência (compreensão) para que os objetivos fossem alcançados.

As atividades de “êxitos precoces” dependem unicamente das coordenações das ações, que Piaget (1977) classificou como ações referentes à “inteligência prática”. Um exemplo desse tipo de atividade utilizado pelo autor é o “engatinhar”, experimento no qual a seqüência de ações alcança o objetivo da locomoção sem que o indivíduo necessite compreender a seqüência lógica desses movimentos.

As tarefas classificadas como de “êxitos sucessivos” não podem ser resolvidas somente com o emprego da “inteligência prática”. É necessária a tomada de consciência das seqüências coordenadas das ações, durante a qual o encadeamento das próprias condutas passa a ser dominado pelo pensamento. Nessas atividades, é comum o surgimento das desadaptações, ou seja, das situações de desequilíbrio cognitivo, que podem ocorrer em virtude da inoperância dos esquemas das ações em superar as situações-problema contidas nessas atividades.

Esses desequilíbrios correspondem a processos desencadeadores, ou seja, o indivíduo é obrigado a rever ou a verificar as próprias ações que resultaram em fracasso em relação ao objetivo pretendido. Segundo Becker (2001), esse estado de desequilíbrio desencadeia o processo funcional caracterizado pelo uso das regulações. Estes mecanismos possuem uma função compensatória às perturbações geradas pela interrupção do equilíbrio cognitivo. A regulação é classificada como ativa ou consciente.

A regulação ativa corresponde somente às correções realizadas após a verificação do erro na ação. Este mecanismo mais elementar é dependente das percepções dos eventos ocorridos e não oferece subsídios para equilibrações mais estáveis. A compreensão ocorre de modo parcial, ou seja, as ações ainda não são coordenadas no plano do pensamento. Um exemplo clássico desse mecanismo é o procedimento de ensaio-e-erro.

De acordo com Hernández (1988, p. 59), a regulação consciente envolve a capacidade de representação a qual permite ao indivíduo simbolizar a seqüência lógica da ação por meio do pensamento, podendo assim prever e eliminar os erros antes mesmo que eles ocorram.
           
Para a autora, a perturbação do sistema cognitivo diante da interrupção da atividade das assimilações desperta o funcionamento de procedimentos que visam a obter informações sobre esse impasse. Esses procedimentos são chamados de abstrações e correspondem a mecanismos pelos quais características e peculiaridades serão absorvidas a partir dos objetos.

Segundo Piaget (1977), há três tipos de abstração: abstração empírica, abstração reflexionante e abstração refletida. A abstração empírica caracteriza-se por produzir conhecimento a partir das características físicas dos objetos ou dos aspectos materiais das ações do indivíduo (HERNÁNDEZ, 1988, p. 54). Em seguida a esse mecanismo funcional elementar, as informações são assimiladas por meio dos esquemas da ação (sensório-motores), tendo em vista que apenas os aspectos observáveis do objeto são incorporados.

A abstração reflexionante corresponde a um mecanismo mais sofisticado, no qual o conhecimento é abstraído dos elementos não observáveis, ou seja, das coordenações internas dos esquemas das ações. De acordo com Hernández (1988) e Becker (2001), este mecanismo é responsável pela atividade assimiladora entre os esquemas. Por meio dele estabelecem-se importantes coordenações entre os conhecimentos produzidos por meio das abstrações empíricas.

A abstração refletida caracteriza-se pela concretização do processo da tomada de consciência. Este mecanismo, simultâneo ao estágio das operações formais (HERNÁNDEZ, 1988, p. 63), reconstrói no plano conceitual os conhecimentos produzidos por meio das abstrações reflexionantes. Em outras palavras, a abstração refletida corresponde à possibilidade de verbalização do conhecimento construído por meio das coordenações entre os esquemas.

Enquanto a abstração reflexionante coordena os esquemas das ações com o objetivo de construir novas inferências, a abstração refletida coordena os esquemas responsáveis pela conceituação. Piaget (1977) chamou esse mecanismo de reflexão de segunda potência, ou seja, uma forma de refletir sobre o próprio conteúdo do pensamento. Pela abstração refletida, as conclusões alcançadas com base nessas inferências transformam-se em teorizações (ou explicações causais).

Considerando que, na presente pesquisa, o processo de tomada de consciência foi analisado por meio do jogo “Torre de Hanói”, apresentaremos a seguir as principais características desse jogo e os principais estudos e pesquisas que o utilizam como instrumento de investigação.

 

2. O Jogo “A Torre de Hanói” e o Processo de Tomada de Consciência

Este jogo é composto de uma base de madeira com 26 cm de comprimento por 8,5 cm de largura contendo três colunas (ou pinos) e cinco discos com tamanhos e cores diferentes, conforme assinala a Figura 1.

 

Figura 1 – Ilustração do Jogo “Torre de Hanói”

 

Os discos são empilhados em ordem decrescente, na coluna inicial (A), e o participante deverá transportar a torre, partindo dessa coluna, passando por uma coluna intermediária “B”, até chegar à coluna “C”. A solução completa do jogo consiste em realizar esse transporte com um número mínimo de jogadas. O jogo “Torre de Hanói” possui duas regras básicas: a) os discos devem ser movimentados um de cada vez; b) os discos menores nunca poderão ficar por baixo dos maiores.

O número mínimo necessário de jogadas é representado pela equação 2n -1, na qual “n” é igual ao número de discos. De acordo com essa fórmula, em uma torre com 2 discos, são necessárias 3 jogadas; com 3 discos, 7 jogadas; com 4 discos, 15 jogadas; e, com 5 discos, 31 jogadas.

Este jogo foi caracterizado por Piaget (1977, p. 25) como uma atividade em que a solução só poderia ser alcançada por “êxitos sucessivos”. O desequilíbrio cognitivo pode ser desencadeado quando o indivíduo perceber que a mesma seqüência de movimentos, que anteriormente resultou em êxito, resultou agora em fracasso, quando novos discos foram acrescidos. Com base nisso, o jogo pode tornar-se um teste desafiador para o jogador e gerar estados motivacionais importantes, que o estimulem a alcançar o seu objetivo.

Com essa constatação, percebe-se que o jogo exige a utilização das regulações para que o indivíduo possa atingir uma compreensão dos mecanismos da ação por meio do pensamento. As desadaptações dos esquemas de ação só podem ser superadas por intermédio das regulações conscientes, ou seja, do domínio do pensamento em toda a coordenação lógica das ações.

A partir dessas coordenações, o sujeito poderá inferir as conclusões sobre a relação entre as antigas e as novas tentativas de êxito. O processo da tomada de consciência efetua-se por meio da capacidade de interpretação e generalização do pensamento, o que possibilita ao indivíduo explicar os aspectos fundamentais que o levaram à solução do problema.

Esse jogo de regras já foi utilizado por Piaget (1977) em pesquisa relatada na obra A tomada de consciência. O autor buscou descrever os procedimentos funcionais utilizados por crianças na faixa etária entre 5 e 11 anos para a solução da situação-problema contida nesse jogo.

Nessa ocasião, Piaget investigou os níveis de compreensão, ao analisar as explicações dos participantes sobre suas ações. O autor avaliou a capacidade de as crianças realizarem as “antecipações” e de manifestarem as noções de “transitividade” e de “recorrência”.

As antecipações são fruto de uma ampliação das coordenações entre as ações, nas quais os procedimentos utilizados se tornam mais subordinados ao objetivo da tarefa.

O princípio da transitividade corresponde a uma coordenação dos movimentos, na qual duas colunas do jogo são relacionadas de forma adequada com uma terceira. Isso quer dizer que uma coluna é utilizada como um elemento intermediário, a coluna “B”, no transporte dos discos da coluna “A” para a coluna “C”.

Já o princípio da recorrência se caracteriza pela importante função de recorrer aos eventos anteriores para que se possam aplicar conhecimentos assim adquiridos em situações futuras mais complexas.

Macedo (1991), ao estudar o jogo “Torre de Hanói”, também buscou definir os princípios da transitividade e da recorrência. A partir da análise desse jogo, o autor realizou uma reflexão sobre o papel da escola na construção do conhecimento dos alunos.

Em outro estudo em que o jogo “Torre de Hanói” foi utilizado, Torres e Macedo (1994) investigaram as relações entre os quatro operadores do conhecimento – conceito, predicado, inferência e julgamento – e os quatro operadores do processo da aprendizagem – cópia, exercício, raciocínio e interpretação. Os autores analisaram esses temas em uma abordagem construtivista, utilizando o jogo como um ponto de referência.

Em uma pesquisa com cinqüenta estudantes com idade entre 6 e 14 anos, Ortega, Fiorot e Silva (2002) utilizaram o mesmo instrumento a fim de investigar a relação entre a ação e a compreensão. Assim como em outros estudos (TEIXEIRA, 1982; PIAGET, 1977; MORENO, 1995), foi verificada uma grande defasagem entre o êxito da ação e a tomada de consciência dos meios utilizados.

Ortega, Fiorot e Silva (2002) verificaram que a maioria dos participantes não verbalizou estratégia alguma. No entanto, ao analisarem o desempenho prático, ou seja, o “saber fazer”, constataram que a maioria dos participantes foi capaz de resolver o problema proposto pelo jogo.

Moreno (1995) utilizou o jogo “Torre de Hanói” para verificar as defasagens entre o fazer e o compreender no desempenho dos participantes. A autora investigou os aspectos conscientes, construtivos e evolutivos das regulações cognitivas na solução das situações-problema.

Participaram da pesquisa sessenta indivíduos, crianças e adolescentes na faixa etária entre 5 e 14 anos. Além do jogo “Torre de Hanói”, a autora utilizou ainda a atividade do “Equilíbrio da Balança”.
           
Analisando os indivíduos que haviam solucionado o jogo independentemente do número de movimentos utilizados, a autora verificou que 66% dos sujeitos conseguiram resolver a situação-problema com três discos, 63% resolveram-no com quatro discos e 55% solucionaram o problema com cinco discos.

Entretanto, quando o critério foi considerar o êxito alcançado com quantidade mínima de deslocamentos, os resultados apresentaram-se bem diferentes, principalmente em relação às torres de quatro e cinco discos. De acordo com isso, verificou-se que, de todos os participantes que solucionaram a torre com quatro discos independentemente do número de movimentos, apenas 28,9% atingiram o objetivo com o número mínimo de jogadas. Com cinco discos, os números foram ainda menores: 12,1%.

Em outro trabalho, Teixeira (1982) comparou o desempenho de 60 estudantes da 1.ª, 2.ª e 3.ª séries do ensino médio, na faixa etária entre 15 e 20 anos, em três provas operatórias (“Torre de Hanói”, “Provas de Permutação” e “Quantificação de Probabilidades”).1

A autora verificou que os participantes conseguiram melhores resultados no jogo “Torre de Hanói” do que nas outras duas atividades. No entanto, o desempe

Uma vez que o presente estudo tem por objetivo verificar a influência da área profissional no nível de compreensão do jogo “Torre de Hanói”, serão apresentados a seguir os principais estudos realizados com universitários.

 

3. Estudos sobre o Pensamento Formal

Poucas pesquisas foram realizadas com o objetivo de analisar essa temática. Os estudos levantados nesta investigação utilizaram dois tipos de instrumento: a Escala do Desenvolvimento do Pensamento Lógico proposta por Longeot (apud SOUZA; MACEDO, 1986), que possui provas piagetianas para a análise do desenvolvimento cognitivo e jogos de regras.

Souza e Macedo (1986) aplicaram a Escala do Desenvolvimento do Pensamento Lógico em universitários de três áreas profissionais (Psicologia, Educação Física e Física). Nessa pesquisa, os autores investigaram a influência da área profissional sobre o aparecimento do pensamento formal em estudantes ingressantes no meio acadêmico.

Os autores não constataram a esperada influência do curso das Ciências Exatas (no caso, a Física) na manifestação das estruturas das operações formais na resolução daquele instrumento. Verificaram também que os alunos ingressantes nos cursos universitários se encontravam em diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo.

Em uma pesquisa com estudantes do primeiro período do meio universitário, Schwebel (apud SOUZA; MACEDO, 1986) concluiu que esses indivíduos ingressavam na vida acadêmica sem possuírem as estruturas cognitivas do estágio operatório-formal.

Com o objetivo de verificar a influência da área profissional em relação ao uso das estruturas das operações formais, White e Fershenberg (apud SOUZA; MACEDO, 1986) realizaram um estudo com universitários das Ciências Exatas e das Ciências Humanas. Os autores afirmaram que as performances dos participantes apresentavam correlação positiva com o grau de familiaridade em relação ao conteúdo da prova aplicada e com a área de interesse do indivíduo.

Em um estudo com participantes adultos, que eram ao mesmo tempo professores do ensino fundamental e estudantes do curso de Pedagogia, Fiorot (2001) utilizou o “Jogo da Senha” como instrumento de pesquisa. A autora constatou que 90% dos participantes não manifestaram, na resolução da situação-problema contida no jogo, os procedimentos relativos ao raciocínio lógico das operações formais.

Além disso, as estratégias mais utilizadas pelos sujeitos foram as fundamentadas no ensaio-e-erro. Verificou-se um nível baixo de compreensão das ações e do sistema contido no jogo. A autora não encontrou, ainda, diferenças significativas no desempenho alcançado pelos estudantes do primeiro e do último período do referido curso.

Os resultados levaram-na a concluir que o erro não chega a ser observado, não sendo ele aproveitado para uma reelaboração estratégica. Entre os participantes, 90 % não conseguiram articular em pensamento as ligações presentes no plano da ação, ou seja, não verbalizaram as integrações ocorridas entre as demais jogadas.

Em outra pesquisa realizada com universitários na faixa-etária entre 18 e 25 anos, Queiroz (1995) investigou o raciocínio lógico em estudantes do curso da Psicologia. Nesse estudo, o autor destacou os tipos de erros procedimentais cometidos pelos participantes no decorrer da construção das estratégias para a solução do “Jogo da Senha”.

Nesse estudo, o autor verificou maior possibilidade de erros no jogo com 9 e 16 sinais, registrando oito tipos de erros, em relação à tipificação de erros encontrada no jogo com três e quatro sinais que, nesse caso, eram apenas de dois tipos. Verificou também que a nova tipificação era compatível com o critério de avaliação dos dados proposto por Piaget (1986), que corresponde aos níveis evolutivos IA, IB, II e III.

O levantamento aqui feito mostra que existe uma carência de pesquisas nas quais os jogos de regras são utilizados com participantes adultos. Com relação ao instrumento proposto (jogo “Torre de Hanói”), não foram encontrados estudos com participantes universitários. As investigações realizadas com o referido jogo destinaram-se a pesquisar o desenvolvimento cognitivo em crianças e adolescentes, e não em participantes adultos. Portanto, a presente pesquisa tem como propósito ampliar os estudos que analisam as relações entre o “fazer” e o “compreender” em adultos inseridos nas diferentes áreas profissionais. Além disso, visa a contribuir para o conjunto de pesquisas relativas aos jogos de regras.

 

Metodologia

De acordo com o objetivo do trabalho, trata-se de um estudo descritivo (GIL, 2002) e em relação à natureza dos dados, trata-se de uma pesquisa envolvendo aspectos qualitativos e quantitativos. Qualitativos porque os dados foram coletados e analisados com base no método clínico proposto por Piaget. Quantitativos porque o estudo possibilitou também realizar uma análise estatística dos resultados, por meio do teste do Qui-Quadrado e o Exato de Fischer.

Participaram desta pesquisa 30 estudantes universitários matriculados em um curso da área das Ciências Exatas e da área das Ciências Humanas, da Universidade Federal do Espírito Santo. Estes participantes foram divididos em dois grupos de 15 universitários cada, um, do curso de Engenharia Civil e outro, do curso de Psicologia, todos alunos do oitavo ao último período. A opção por esses estudantes foi fundamentada na hipótese de que as diferenças existentes entre os conteúdos programáticos dos dois cursos exerceriam influência no processo da tomada de consciência relativa à resolução do problema contido no jogo “Torre de Hanói”.

Na área das Ciências Exatas, pressupõe-se que ocorra uma exigência constante, ao longo do curso, de que os conteúdos relativos ao pensamento lógico-matemático sejam desenvolvidos e manifestados. Além disso, esta área profissional também exige que os alunos comprovem suas hipóteses ou suas idéias, por meio de operações numéricas. Já no curso da área de Humanas, essa exigência não costuma ser tão freqüente. A pesquisa foi realizada em três etapas distintas.

Na primeira etapa da aplicação, destinada à solução do jogo com as torres com dois, três, quatro e cinco discos, o sujeito era solicitado a resolver a situação-problema proposta. O indivíduo poderia atingir o objetivo do jogo de duas maneiras: com êxito parcial, ou seja, com número mínimo de deslocamentos de algumas torres, por exemplo, das torres com dois e três discos, e com quantidade excedente de movimentos de outras como, por exemplo, das torres com quatro e cinco discos; com êxito pleno, isto é, com número mínimo de movimentos em todas elas.

Os participantes eram orientados a jogar com total liberdade para que dirigissem eles mesmos o curso da aplicação. Como o estudante não era informado se havia solucionado o problema com número mínimo ou excedente de deslocamentos, cabia unicamente a ele a decisão de passar ou não para a torre seguinte, isto é, para a torre com um número superior de discos. O sentido inverso também era válido: o participante podia retornar às torres com número inferior de discos em qualquer etapa da aplicação.

Ainda nessa primeira fase, os estudantes eram orientados a efetuar, eles mesmos, o registro da seqüência de suas jogadas em um protocolo. No caso da solução da torre com dois discos com número mínimo de deslocamentos, o registro seria realizado da seguinte forma: o sujeito movimentaria o disco 1 da coluna A para a coluna B, marcando 1 AB; depois deslocaria o disco 2 da coluna A para a coluna C, registrando 2 AC; para concluir, movimentaria o disco 1 da coluna B para a C, anotando 1 BC. Este registro era realizado no momento em que os participantes jogavam, ou seja, à medida que iam movimentando os discos, eles mesmos anotavam as jogadas no papel.

Na segunda etapa da aplicação, os estudantes eram solicitados a preencher o quadro de anotações proposto por Macedo (1991, p. 126). Este recurso tinha o formato de uma tabela, com espaços reservados para o registro do número total de movimentos utilizados em relação a cada disco e do número total de deslocamentos de cada torre.

Após o preenchimento desse quadro, solicitava-se dos participantes que analisassem suas anotações. Se o quadro fosse preenchido corretamente, com movimentos mínimos em todas as torres, o participante poderia verificar a existência de uma relação matemática (progressão geométrica) entre os números de deslocamentos das torres. Se houvesse uma torre com quantidade excedente de deslocamentos, esse número fatalmente destoaria dos demais e possibilitaria ao aluno notar que a torre estava sendo resolvida com movimentos a mais, ou seja, com movimentos desnecessários. Esta informação poderia levá-lo a retornar à referida torre para buscar novamente o êxito pleno na solução do jogo.

Na terceira e última etapa da aplicação, foi realizada uma entrevista, que tinha como objetivo avaliar o grau de compreensão alcançado pelos participantes na situação do jogo, isto é, a capacidade de formular e coordenar conceitualmente as quatro estratégias básicas para a solução do problema contido no jogo “Torre de Hanói” (MORENO, 1995):

Estratégia 1: liberar o disco maior, depois o segundo maior, e assim sucessivamente;
Estratégia 2: construir uma torre de “n-1” discos na coluna “B”;
Estratégia 3: movimentar diretamente o disco maior da sua coluna de origem “A” para a coluna “C”; e
Estratégia 4: transportar o disco 1, na primeira jogada, diretamente para a coluna C, se o número de discos for ímpar, e, se for par, transportá-lo da coluna A para a coluna B.

Para considerar que a formulação de uma estratégia foi feita de modo adequado, o indivíduo teria que descrever a seqüência lógica dos movimentos relativos às ações utilizadas, ou seja, enumerar as colunas e os discos usados que caracterizassem a aplicação de uma das quatro estratégias. Além disso, verificou-se se o estudante havia sido capaz de coordenar pelo menos duas estratégias conceitualmente. Para isso, seria preciso que o indivíduo conseguisse explicar as relações existentes entre as estratégias, ou seja, se foram utilizadas de forma simultânea e articulada para que o objetivo do jogo fosse alcançado.

A avaliação dos participantes baseou-se nas relações entre o “fazer” e o “compreender”. A análise dos dados fundamentou-se na avaliação do desempenho alcançado pelo participante na primeira e na segunda etapas, ou seja, a resolução das torres com dois, três, quatro e cinco discos e a montagem do quadro proposto por Macedo (1991), e na formulação e articulação conceitual das estratégias durante a entrevista, na terceira etapa da aplicação.

O critério de avaliação dos resultados aqui utilizado foi formulado com base na premissa de que o processo da tomada de consciência se efetiva a partir de uma coordenação conceitual do conhecimento produzido pelo pensamento. No caso do jogo utilizado nesta pesquisa, esse conhecimento está relacionado à capacidade de o sujeito explicar as relações causais existentes na utilização das quatro estratégias necessárias à resolução do problema proposto. Assim sendo, foram elaborados os seguintes níveis evolutivos:

No nível IA, foram classificados os participantes que não conseguiram resolver o problema do jogo com o número mínimo de jogadas, em nenhuma das torres e que não foram capazes de formular nenhuma das quatro estratégias para a solução do jogo.

No nível IB foram classificados os estudantes que resolveram uma parte do jogo com número mínimo de jogadas e solucionaram a outra com número excedente de movimentos e que não coordenaram conceitualmente duas ou três estratégias.

No nível IIA, foram incluídos os participantes que alcançaram êxito parcial na solução do problema e que conceituaram de modo coordenado duas ou três estratégias.

No nível IIB, foram considerados os estudantes que conseguiram atingir êxito pleno na solução do problema do jogo, mas não foram capazes de coordenar conceitualmente duas ou três estratégias.

No nível IIC, foram classificados os participantes que alcançaram o êxito pleno na solução do jogo e que coordenaram conceitualmente até três estratégias.

No nível III, os participantes que obtiveram êxito pleno na resolução do problema e que conseguiram coordenar as quatro estratégias conceitualmente.

Em relação à análise estatística dos resultados, foram utilizados o teste do Qui-Quadrado e o Exato de Fischer.

 

Resultados e discussão

Os resultados obtidos na primeira e na segunda etapas da aplicação do instrumento permitiram verificar que, de um modo geral, todos os participantes resolveram o problema contido nas torres com dois, três, quatro e cinco discos, independentemente da quantidade de movimentos utilizados. No entanto, este mesmo desempenho não foi observado quando se levou em conta apenas a solução dessas torres com o número mínimo de deslocamentos, ocasião em que se verificou que nem todos os alunos conseguiram atingir esse objetivo, sobretudo nas torres com quatro e cinco discos.

Na torre com dois discos, todos os participantes resolveram o problema com quantidade mínima de jogadas. No entanto, o mesmo não ocorreu em relação às outras torres.

Desse modo, na torre com três discos, a grande maioria dos sujeitos (96,7%) alcançou o objetivo com o menor número possível de deslocamentos. Já na torre com quatro discos, a quantidade de participantes que solucionou o problema com o número mínimo foi um pouco menor (83,3%). No que se refere à torre com cinco discos, essa porcentagem caiu para 60%. Com base nesses resultados, é possível afirmar que a tarefa de solucionar o jogo “Torre de Hanói” se torna mais difícil, à medida que o grau de complexidade do problema aumenta, ou seja, à medida que as torres passam a conter um maior número de discos.

Além disso, é possível afirmar que os sujeitos do curso de Psicologia encontraram maiores dificuldades para solucionar o jogo com o número mínimo de jogadas, principalmente na torre com cinco discos. A Figura 2 mostra o desempenho dos participantes de ambos os cursos nas torres com três, quatro e cinco discos.

Figura 2 – Participantes que Solucionaram o Problema com Número Mínimo de Deslocamentos, de acordo com o Curso

 

 

Em relação aos resultados mais gerais referentes ao alcance do êxito pleno ou parcial na solução do jogo, constatou-se que os resultados obtidos na primeira e na segunda etapa (solução das torres com dois, três, quatro e cinco discos e preenchimento do quadro, respectivamente) demonstraram que a maioria dos participantes (60%) obteve êxito pleno. No entanto, constatou-se que, enquanto a maioria dos estudantes do curso de Engenharia Civil (80%) alcançou êxito pleno, a maior parte dos universitários do curso de Psicologia (60%) obteve êxito parcial. Com base no teste do Qui-Quadrado, verificou-se que esses resultados apresentaram diferenças significantes (p < 0,05) em favor do curso de Exatas.

Além disso, esses resultados permitiram verificar que, enquanto 60% dos estudantes do curso de Engenharia Civil alcançaram êxito pleno, sem precisar recorrer à observação e à análise das informações contidas no quadro auxiliar, 60% dos estudantes do curso de Psicologia não solucionaram o jogo com êxito pleno, nem mesmo após passar pela segunda etapa da aplicação.

Como foi observado nos resultados referentes à consulta dos participantes ao quadro para a solução plena das torres, pode-se considerar que os alunos da área de Exatas conseguiram interpretar melhor do que os da área de Humanas os números contidos nesse recurso.

Assim, pode-se considerar que os alunos de Engenharia Civil conseguiram simbolizar mentalmente a seqüência lógica dos deslocamentos, de modo que os erros se tornassem objeto de reflexão. Esse processo permitiu que eles pudessem detectar e eliminar as ações desnecessárias para a resolução do problema.

Para que esse domínio fosse alcançado, seria necessária a atuação da abstração reflexionante, pela qual se torna possível extrair o conhecimento elaborado pelos esquemas das ações e integrá-lo nos esquemas representativos. O exercício desses mecanismos possibilitou que esses participantes superassem a necessidade de recorrer às ações de ensaio-e-erro para atingir o objetivo do jogo, o que permite a obtenção de níveis de equilíbrio mais estáveis e duradouros. Com relação aos mecanismos das regulações, considera-se que houve um predomínio da atuação das regulações conscientes no desempenho dos estudantes do curso de Exatas.

Os resultados obtidos na terceira etapa da aplicação do instrumento mostraram que, em relação à coordenação conceitual das estratégias, 66,67% dos estudantes do curso de Humanas e 46,67% dos alunos do curso de Exatas chegaram a mencionar, no mínimo, duas estratégias de forma articulada.

De acordo com esses dados, é possível perceber que os estudantes de Psicologia demonstraram maior capacidade para explicar as relações existentes entre as estratégias utilizadas para a solução do problema e que alcançaram maior coordenação conceitual do conhecimento referente ao sistema do jogo do que os estudantes de Engenharia Civil. No entanto, de acordo com a análise estatística do teste do Qui-Quadrado, esses resultados não foram significantes, o que apenas permite afirmar que há indícios de que os participantes do curso de Psicologia tenham conseguido conceituar o conhecimento referente ao sistema do jogo com maior coordenação do que os do curso de Engenharia Civil.

Conforme pode ser observado na Tabela 1, em relação aos resultados referentes à quantidade de estratégias coordenadas conceitualmente, verificou-se que a maior parte dos alunos do curso de Humanas (46,67%) conseguiu mencionar duas estratégias com articulação. Em relação aos alunos do curso de Exatas, a maior parte (53,33%) não foi capaz de coordenar estratégia alguma por meio das conceituações.

Tabela 1
Quantidade de Estratégias Coordenadas pelos Participantes

Curso

Não coordenaram

Duas

Três

Quatro

Psicologia
(N=15)

5
(33,33%)

7
(46,67%)

2
(13,33%)

1
(6,67%)

Engenharia
Civil (N=15)

8
(53,33%)

3
(20%)

4
(26,67%)

0
(%)

Total
(N=30)

13
(43,33%)

10
(33,33%)

6
(20%)

1
(3,33%)

 

De acordo com os resultados obtidos, pode-se considerar que, diferentemente do que ocorreu no nível das representações no plano do fazer, nenhum participante do curso de Engenharia Civil conseguiu coordenar plenamente o conhecimento referente ao sistema contido no jogo no nível das conceituações, no plano do compreender.

No caso dos estudantes do curso de Psicologia, a maioria (60%) não alcançou o domínio pleno do sistema do jogo por meio das representações. Nesse caso, pode-se considerar que os erros não se tornaram objeto de reflexão, pois esses alunos não foram capazes de antevê-los e eliminá-los antes de sua ocorrência.

Pelo fato de haver um domínio dos procedimentos de ensaio-e-erro no desempenho da maioria dos participantes da área de Humanas, poder-se-ia considerar que o conhecimento relativo à coordenação das ações não pôde ser plenamente projetado e reconstruído no plano das representações (BECKER, 2001), uma vez que essas funções são atribuídas aos mecanismos da abstração reflexionante. Em relação às regulações, poder-se-ia afirmar que houve predomínio da atuação das regulações ativas no desempenho da maioria dos estudantes do curso de Humanas.

Foi verificado ainda que a grande maioria dos participantes do curso de Psicologia (93,33%) também não obteve o domínio pleno do sistema do jogo por meio das conceituações, apesar de terem alcançado melhor compreensão sobre a utilização das estratégias do que os de Engenharia Civil.

Na análise dos resultados alcançados pelos participantes na relação entre os planos do fazer e do compreender, levou-se em consideração tanto o desempenho na solução do problema contido nas quatro situações do jogo (torres com dois, três, quatro e ccinco discos) quanto a formulação e coordenação das quatro estratégias por meio das conceituações. Estão distribuídos na Tabela 2 os níveis de compreensão alcançados pelos universitários, os quais permitiram analisar os aspectos do processo da tomada de consciência, caracterizados pela transformação do fazer em compreender.

Tabela 2

Níveis de Compreensão Alcançados pelos Participantes dos Dois Cursos na Relação entre o Fazer e o Compreender

Curso

Níveis

IA

IB

IIA

IIB

IIC

III

Psicologia
(N=15)

-

4
(26,67%)

5
(33,33%)

1
(6,67%)

4
(26,67%)

1
(6,67%)

Engenharia
Civil (N=15)

-

3
(20,00%)

-

5
(33,33%)

7
(46,67%)

-

Total
(N=30)

-

7
(23,33%)

5
(16,67%)

6
(20,00%)

11
(36,67%)

1
(3,33%)

 

Estes resultados mostram maior concentração dos participantes de ambos os cursos (36,67%) no nível II C. Estes alunos alcançaram êxito pleno na solução do jogo, ao mesmo tempo em que coordenaram conceitualmente duas ou até três estratégias. Partindo da análise desses dados, pode-se inferir que, proporcionalmente, a maior parte dos estudantes precisou alcançar êxito pleno na solução do jogo para poder explicar as articulações existentes entre, no mínimo, duas estratégias.

Quanto aos resultados obtidos pelos estudantes de cada área profissional, verificou-se que nenhum participante do curso de Engenharia Civil foi classificado no nível II A, pois entre aqueles que alcançaram o êxito parcial na solução das torres, ninguém conseguiu coordenar conceitualmente estratégia alguma. Com isso, pode-se considerar que a obtenção do êxito pleno na solução do problema foi um fator decisivo para que os alunos da área de Exatas conseguissem coordenar as estratégias por meio das conceituações.

Ainda na análise dos resultados alcançados por esses alunos, pouco mais da metade dos estudantes da área de Exatas (53,33%) alcançou níveis de compreensão em que não articularam estratégia alguma no plano do compreender (participantes classificados nos níveis I B e II B). Em relação aos que conseguiram articular as estratégias, 46,37% dos alunos desse curso, todos eles classificados no nível II C, coordenaram duas ou três delas. Pelo fato de a maior parte dos participantes da área de Exatas não ter conseguido articular qualquer estratégia, pode-se considerar que estes estudantes apresentaram dificuldades para explicar como suas ações foram executadas para solucionar o problema contido no jogo.

Em relação aos estudantes do curso de Psicologia, a maioria (66,67%) atingiu níveis de compreensão nos quais foram capazes de articular pelo menos duas estratégias por meio das conceituações (estudantes classificados nos níveis IIA, IIC e III).

Um fato interessante é que, entre os dez participantes do curso de Humanas (66,67%) que conseguiram mencionar no mínimo duas estratégias de modo articulado, cinco (50%) não precisaram alcançar êxito pleno na solução do problema. Por esses dados, pode-se afirmar que a obtenção do êxito pleno na solução do jogo não foi um fator decisivo para que esses alunos conseguissem coordenar pelo menos duas estratégias por meio das conceituações. Como foi dito anteriormente, esse fenômeno não foi observado no curso da área de Exatas.

Quanto à elaboração das estratégias nos planos do fazer e do compreender, pode-se afirmar que, pelo fato de a maioria dos participantes de Exatas ter alcançado êxito pleno e de a maioria dos de Humanas ter atingido êxito parcial na solução do jogo (plano do fazer), os estudantes do curso de Engenharia Civil utilizaram um maior número de estratégias em relação aos do curso de Psicologia, para solucionar o problema proposto pelo jogo. Verificou-se, contudo, que os estudantes de Humanas demonstraram maior habilidade para conceituar essas estratégias, mesmo que as utilizassem em menor número do que os alunos da outra área profissional.

Sobre a compreensão das noções de transitividade e recorrência, pode-se afirmar que os alunos do curso de Engenharia Civil alcançaram um maior domínio desses conceitos no plano do pensamento do que os do curso de Psicologia. No entanto, no decorrer da entrevista, a maioria deles não conseguiu explicar de forma coordenada a aplicação dessas noções na solução do problema.

Apesar de a maioria dos participantes da área de Humanas demonstrar um domínio parcial dos princípios de transitividade e de recorrência no plano do fazer, e de poderem justificar a aplicação dessas noções de forma mais articulada do que os da área de Exatas, eles não atingiram o domínio pleno desses conceitos no plano do compreender.

De todos os participantes da amostra, apenas um,  do curso de Psicologia, alcançou o nível III, mostrando-se capaz de descrever as relações causais entre os elementos contidos no sistema, atingindo, assim, o domínio pleno do jogo tanto no plano do fazer quanto no do compreender.

Para atingir esse nível de compreensão, é necessária a atuação da abstração refletida, caracterizada por uma reflexão à segunda potência, isto é, o conhecimento formulado pela abstração reflexionante torna-se objeto de análise, pela qual se verifica a capacidade de teorização e generalização desse saber.

O fato de os participantes do curso de Engenharia Civil terem conseguido melhor desempenho na solução do jogo pode ser entendido pela suposta facilidade dos alunos dessa área profissional em manipular o conhecimento por meio do pensamento lógico-matemático, o que os levou à compreensão do sistema do jogo por meio dos esquemas das representações.

No entanto, no plano conceitual, grande número desses estudantes encontrou maior dificuldade para explicar esse conhecimento de maneira coerente e articulada. Isso talvez possa ser entendido pelo fato de que não é característica comum dos cursos da área de Exatas estimular seus alunos a justificarem o saber por meio das palavras e sim, por meio de sistemas numéricos.

Com relação aos participantes do curso de Psicologia, o fato de a maioria conseguir coordenar conceitualmente o conhecimento referente ao sistema do jogo pode ser entendido pela própria característica dessa área profissional ao exigir constantemente o desenvolvimento da capacidade de teorização por parte dos alunos. Por se tratar de uma área do conhecimento em que a aplicação dos recursos numéricos é insuficiente para compreender a complexidade do universo humano, estes estudantes vêem-se estimulados a justificar diversos elementos presentes no pensamento, de forma a coordenar os diferentes aspectos envolvidos nas teorias das Ciências Humanas.

Portanto, esses dados permitiram constatar a influência da área profissional nos níveis de compreensão alcançados pelos participantes em relação ao sistema contido no jogo “Torre de Hanói”. Esse fato possibilita ilustrar, de uma maneira empírica, a proposição teórica formulada por Piaget (1972) a qual assinala que as estruturas do pensamento formal se desenvolvem dentro de determinadas variações individuais que, por sua vez, são fortemente influenciadas pela área do conhecimento ou pela área profissional em que o individuo está inserido no início da vida adulta.

 

Considerações Finais

Nesta pesquisa, foi possível verificar a adequação do referido jogo para avaliar o processo da tomada de consciência em participantes universitários. Por ser considerada uma atividade caracterizada por êxitos sucessivos, ela mostrou-se bastante útil para acompanhar o processo de construção do conhecimento do sistema do jogo, verificando a transformação do fazer em compreender.

De acordo com os resultados obtidos, foram verificadas diferenças significativas em relação ao desempenho dos alunos dos dois cursos no plano do fazer. Os participantes de Exatas alcançaram  melhor domínio do sistema do jogo por meio do pensamento e isso foi possível pela transposição do conhecimento relativo à coordenação entre as ações para o plano representativo. Em relação ao exercício das regulações, foi predominante a atuação das regulações conscientes no desempenho dos estudantes de Engenharia Civil e a prevalência das regulações ativas na solução do jogo por parte dos universitários do curso de Psicologia.

No plano do compreender, foi verificada uma relativa superioridade por parte dos alunos de Psicologia em conceituar as estratégias utilizadas na solução do problema. Além de terem mencionado um maior número, estes universitários conseguiram coordenar uma quantidade maior de estratégias em relação aos participantes de Engenharia Civil, o que permite considerar que pode haver indícios de que esses estudantes possuem maior facilidade de conceituar, em relação aos de Exatas, as ações utilizadas na solução do problema proposto pelo referido jogo.

Portanto, a hipótese formulada neste estudo, de que a área profissional ligada às Ciências Exatas favoreceria o processo de tomada de consciência dos procedimentos e estratégias utilizados na solução do problema contido no jogo “Torre de Hanói” não pôde ser confirmada.

Em relação às possíveis contribuições deste estudo, poder-se-á apontar a realização da análise microgenética sobre os aspectos funcionais envolvidos na elaboração do conhecimento em universitários de duas áreas profissionais.

Outro aspecto a ser considerado foi a validação de um critério de avaliação dos resultados que enfatizou, entre outros, as coordenações conceituais entre as estratégias, sendo que os outros modelos avaliativos utilizados em pesquisas anteriores com o jogo “Torre de Hanói” abordaram apenas a simples menção das estratégias.

Concluindo, consideramos interessante a realização de novas pesquisas sobre o tema em questão com o objetivo de verificar se os estudantes do curso de Psicologia possuem maior facilidade, em relação aos de Engenharia Civil, em conceituar e explicar a aplicação das ações na resolução de uma situação-problema contida em um outro jogo de regras. Além disso, sugerimos que outras investigações, utilizando o jogo “Torre de Hanói”, sejam desenvolvidas com alunos de outros cursos da área de Ciências Humanas e de Ciências Exatas, com o propósito de confirmar ou não a hipótese formulada a partir dos dados obtidos no presente trabalho.

 

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Endereço para correspondência

Augusto C. R. Resende
E-mail:resendeac@hotmail.com

Antonio C. Ortega
E-mail:acortega@terra.com.br

 

 

Recebido em: 28/01/2008
Aprovado em: 07/05/2008
Revisado em: 22/09/2008

 

 

1 As provas operatórias de permutação e de quantificação de probabilidades foram descritas por Piaget e Inhelder na obra A origem da idéia do acaso na criança, publicada originalmente em 1951.

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