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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.60 n.2 Rio de Janeiro jun. 2008

 

ARTIGO

 

A voz de Elis Regina ou o trabalho do luto e os seus registros

 

Elis Regina’s voice or the mourning work and its recording

 

 

Márcia Rosa1

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o trabalho do luto a partir do relato de uma situação clínica ocorrida no percurso de uma análise e de uma entrevista de um cantor e compositor de música popular brasileira (MPB). Tais situações levam à teoria do luto construída por Freud (1917) no artigo “Luto e melancolia”, bem como à releitura do mesmo feita por Lacan (1959) em O desejo e sua interpretação. Uma atenção especial é dada aos sonhos, considerados importantes no trabalho do luto.

Palavras-chave: Trabalho do luto; Freud; Lacan.


ABSTRACT

This article presents the work of mourning since the report of a clinical situation occurred in a psychoanalysis process and since an interview of a Brazilian popular singer and composer. Such situations lead to the theory of mourning built by Freud (1917) in the article "Mourning and melancholy" and to another reading of Freud’s article by Lacan (1959) in The desire and its interpretation. Particular attention is given to dreams, considered important in the work of mourning.

Keywords: The mourning work; Freud; Lacan.


 

 

Depois de ter perdido o pai de modo inesperado e abrupto, um sujeito vinha trabalhando essa perda nas suas sessões de análise, trabalho orientado por dois movimentos: aquele de se lembrar e, depois, de se esquecer. Nos sonhos, trazidos às sessões, alternavam-se lembranças do pai ainda vivo com a recolocação de alguns elementos que apresentavam as circunstâncias de sua morte. Uma vez relatados, esses sonhos não evocavam muitas associações, no entanto, o fato de eles persistirem leva o sonhador a observar que “não pode se esquecer do pai”, que “tem que se lembrar dele”. Ele segue falando a propósito disso até o momento que formula a seguinte questão: “será que o meu pai se lembra de mim?” O inusitado da questão leva a pensar que a resposta pelo impossível, quando vier, assinalará o final do trabalho do luto. Alguns elementos posteriores sinalizam que algo começa a caminhar neste sentido: o sujeito manifesta “um cansaço por retornar sempre a essa mesma coisa”, bem como prolongados momentos de silêncio antecedidos pela constatação de que “faltam palavras”.

 

1- “Ele Sabe, mas Mesmo Assim...”

Apesar de surpreendentemente indagar se seu pai morto se lembraria dele, esse sujeito, filho enlutado, não apresenta nenhum outro sinal que leve a considerar a possibilidade da existência de uma recusa de reconhecimento da realidade de que o pai está morto, tal como ocorreria, por exemplo, em uma psicose. Aliás, é interessante observar que a pergunta em questão surge exatamente no contexto de um trabalho do luto e atesta, pela simples existência desse trabalho, que o sujeito sabe da morte de seu pai. No entanto... Digamos que “ele sabe que seu pai está morto, mas mesmo assim...” acredita (ou deseja) que o pai poderia (ou pudesse) se lembrar dele.

Com a célebre fórmula “ele sabe, mas mesmo assim...”2, chegamos ao mecanismo da Verleugnung,descrito no texto sobre o “Fetichismo”. Com tal modalidade de desmentido ou de rejeição, Freud (1927-1974) encontra o argumento estrutural para fundamentar as perversões e, em especial, esta perversão por excelência que é o fetichismo. No entanto, ele mostra também que, assim como um fragmento de realidade como a castração feminina é desmentido pelo eu e dá origem à perversão, esse desmentido pode incidir sobre algum outro aspecto da realidade. A este propósito, ele menciona o caso de dois jovens, um aos 2 anos de idade e o outro aos 10, que “não tinham conseguido tomar conhecimento da morte do querido pai, haviam-na ‘escotomizado’ e, contudo, nenhum deles desenvolveu uma psicose” (FREUD, 1927-1974, p. 183). Embora tenha usado o termo “escotoma”, Freud, ele próprio, não o considerava adequado, pois ele sugeria que a impressão visual incidiu sobre o ponto cego da retina e, como conseqüência, a imagem foi inteiramente apagada. No entanto, nos casos em consideração “fora apenas uma determinada corrente em sua vida mental que não reconhecera a morte daqueles; havia outra corrente que se dava plena conta desse fato” (FREUD, 1927-1974). Em vista disso, o psicanalista pôde sustentar a sua afirmação de que o mecanismo da Verleugnung opera uma cisão no eu, de tal modo que a atitude que se ajusta ao desejo (desejo de que o pai continuasse vivo), e a atitude que se ajusta à realidade (saber da morte do pai), existem lado a lado. Sobre um desses dois jovens, Freud observou ainda que essa divisão no eu constituiu a base de uma neurose obsessiva moderadamente grave. “Em todas as situações da vida, o paciente oscilava entre duas presunções: uma, de que o pai ainda estava vivo e atrapalhava suas atividades; outra, oposta, de que tinha o direito de se considerar como sucessor do pai” (FREUD, 1927-1974, p. 183).

Freud distinguiu, ainda em 1927, o campo da psicose e aquele da perversão: no caso de uma psicose, uma daquelas correntes, a que se ajusta à realidade, está realmente ausente (FREUD, 1927-1974, p. 184), o que não é o caso na perversão. Neste caso, o mecanismo de negação que é a Verleugnung incide sobre um elemento específico: a castração feminina. Em conseqüência, pode-se dizer que o perverso sabe que uma mulher não tem o falo, esta realidade foi admitida, mas também renegada. Portanto, ele sabe, mas mesmo assim2 ele desmente. Para sustentar esse desmentido, ele constrói um fetiche que funciona como um substituto do falo ausente na mulher. Com esse recurso ele pode continuar a acreditar que uma mulher tem o falo.

Ao incluir no seu texto sobre o fetichismo uma discussão sobre o modo como se comportam as crenças nos casos de morte e de luto, Freud não deixa de nos convidar a retornar ao seu texto “Luto e melancolia” (1915-1917), brilhantemente comentado por Lacan (1959-1986) em seu seminário, O desejo e sua interpretação3.

 

2. Freud e Lacan: O Trabalho do Luto

Em seu texto “Luto e melancolia”, Freud (1915-1917/1974, p. 277) diz que o trabalho de luto “[...] é executado pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido”. Não é fácil concluir, continua ele, se esse processo “[...] começa simultaneamente em vários pontos ou se segue alguma espécie de seqüência fixa” (FREUD, 1915-1917/1974, p. 289). Todavia, ao acompanhá-lo no decorrer de uma análise, observa-se que, com freqüência, “[...] primeiro uma lembrança, e depois outra, é ativada, e que os lamentos que soam sempre como os mesmos, e são tediosos em sua monotonia, procedem, não obstante, cada vez de uma fonte inconsciente diferente” (FREUD, 1915-1917/1974, p. 289).

No processo do luto, “cada uma das lembranças e situações que demonstram a ligação da libido ao objeto perdido se defrontam com o veredicto da realidade, segundo o qual o objeto não existe mais”, afirma Freud (1915-1917/1974, p. 288). Desse modo, o luto compele o eu a desistir do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao eu o incentivo de continuar a viver. No entanto, “esse trabalho de rompimento é lento e gradual e é possível supor que na ocasião em que tiver sido concluído, o dispêndio de energia necessário a ele tenha se dissipado” (FREUD, 1915-1917/1974, p. 288). Enfim, “quando o luto se conclui, o eu fica outra vez livre e desinibido” (FREUD, 1915-1917/1974, p. 277) e um novo objeto pode ser investido.

Ao tratar o desejo e sua interpretação, em O seminário, livro 6, Lacan (1959-1986) faz uma releitura do texto “Luto e melancolia” e se propõe a articular alguns pontos que teriam ficado vagos nas formulações freudianas. Para o psicanalista francês, as fórmulas freudianas nos ensinam a tratar o luto em termos de relação de objeto. Assim, o objeto do luto adquire seu alcance por uma relação de identificação que é definida por Freud por intermédio de uma relação de incorporação. Em vista disso, Lacan indaga: em que consiste o trabalho do luto, o que é a incorporação do objeto perdido? Para tratar essas questões, ele articula a identificação presente no processo de luto às categorias do real, simbólico e imaginário.

A propósito da identificação, Freud (1921-1976, p. 135) observa que é “[...] parcial e extremamente limitada, tomando emprestado apenas um traço isolado da pessoa que é objeto dela”. Ao retomar a função do parcial, Lacan (1961-1992, p. 364) assinala que a identificação se faz “[...] por traços isolados, por traços cada um deles único, por traços que têm a estrutura do significante”. Nesse sentido, na identificação está em jogo não uma introjeção da realidade, mas o Outro naquilo que ele tem de único, de envolvente em termos de traço, “ein einziger Zug” (1961-1992, p. 364). Quanto ao luto, Lacan (1961-1992, p. 379) se diz absolutamente certo de que “[...] sua duração, sua dificuldade estão ligadas à função metafórica dos traços conferidos ao objeto de amor na medida em que são privilégios narcisistas”. Em vista disso, o trabalho do luto consistirá “em identificar a perda real, peça por peça, pedaço por pedaço, signo por signo, elemento grande I por elemento grande I. Quando isso está feito, acaba” (LACAN, 1961-1992, p. 379-380).

Se o trabalho do luto incide sobre traços significantes, uma pergunta surge: o que dizer se esse objeto era um objeto de desejo4? A isso Lacan (1961-1992) responde dizendo que o objeto está sempre mascarado por trás de seus atributos e que é no luto patológico, também denominado melancolia, que ele está menos apreensível e provoca efeitos infinitamente mais catastróficos. Para ele (LACAN, 1959-1992, p. 74-75), no luto normal “[...] o buraco da perda, que provoca no sujeito o luto, está no real”. Nesse sentido, temos aí uma relação que é diferente do mecanismo denominado Verwerfung, forclusão, no qual o que é rejeitado no campo do simbólico reaparece no real. No luto normal, o buraco da perda no real mobiliza o significante e, à medida que não houver nada no significante que possa preenchê-lo, esse trabalho será “primeiramente, uma satisfação dada ao que se produz de desordem por causa da insuficiência dos elementos significantes para fazer frente ao buraco criado na existência” (LACAN, 1959-1992, p. 74-75).

Na sua teorização, Lacan (1959-1992, p. 75, grifos do autor) afirma que o trabalho do luto ocorre no nível do logos, e acrescenta: “digo logos para não dizer grupo ou comunidade, ainda que enquanto culturalmente organizadas são seu suporte”. Se é “o sistema significante no seu conjunto que é colocado em questão pelo menor luto”, os ritos cumprirão aí uma função essencial na medida em quesão “uma intervenção massiva [...] de todo o jogo simbólico” (LACAN, 1959-1992, p. 75). Em vista disso, se até agora o luto se registrava principalmente nos campos do real e do simbólico, o registro do imaginário entra em cena. O psicanalista observa que se os ritos são “abreviados ou clandestinos” (LACAN, 1959-1992, p. 77), no espaço deixado livre pelo defeito do rito significante, veremos pulularem as imagens. Um exemplo disso nós temos na tragédia de Hamlet, na qual, em virtude do fato de as sobras da refeição do funeral do pai servirem à refeição do casamento da mãe, “de uma ponta a outra só se fala de luto” (LACAN, 1959-1992, p. 75), de um trabalho de luto não realizado. Por essa razão, no texto de Shakespeare, o objeto paterno perdido ressurge imaginariamente como um fantôme, como uma aparição sobrenatural ou, para usar o termo inglês, como um ghost.

Os ritos introduzem “[...] uma mediação em relação ao que o luto abre como hiância. Mais exatamente, a função deles é a de fazer coincidir com a hiância aberta pelo luto principal, o ponto X, a falta simbólica” (LACAN, 1959-1992, p. 77). Lacan (1959-1992) conclui indicando que “o umbigo do sonho, ao qual Freud faz alusão em algum lugar, é talvez apenas o correspondente psicológico desta falta”.

 

3- Lacan e o Luto do Objeto Pequeno a

Antes de retornarmos à questão sobre o que dizer se o objeto em jogo no trabalho de luto era um objeto de desejo, um “objeto pequeno a”, torna-se interessante fazermos uma breve entrada sobre o que a teoria psicanalítica entende por “objeto pequeno a”. Em O Seminário, livro 10, A angústia, Lacan (1963-2005) apresenta quatro formas do objeto denominado ‘pequeno a’, formas extraídas do corpo próprio ou da relação ao corpo do outro: seio, fezes, olhar e voz. De importância fundamental na constituição do desejo, o ‘objeto a’ é apresentado aí como “um resto irredutível à simbolização no lugar do Outro” (LACAN, 1963-2005, p. 359). Tributário de um “pathos de corte” (LACAN, 1963-2005, p. 237), esse objeto, escolhido “por sua qualidade de ser especialmente cedível, por ser originalmente um objeto solto” (LACAN, 1963-2005, p. 357), “veicula, primitivamente, algo da identidade do corpo, antecedendo ao próprio corpo quanto à constituição do sujeito” (LACAN, 1963-2005, p. 341). Ao se referir a “um pedacinho arrancado de alguma coisa, quase sempre uma fralda”, Lacan observa que o sujeito encontra seu suporte nesse objeto em função de sua posição de sujeito em queda, em relação ao confronto significante (LACAN, 1963-2005, p. 341). Se não há meios de apreender esse “sujeito mítico primitivo”, anterior ao confronto significante, isso se deve ao fato de que o “objeto pequeno a” o precedeu e “é como marcado, ele próprio, por essa substituição primitiva que ele tem que re-emergir secundariamente, para além do seu desaparecimento” (LACAN, 1963-2005, p. 341), conclui ele.

É interessante observar que na medida em que cada uma das quatro formas mencionadas, seio, fezes, olhar e voz, é escolhida pelo seu caráter destacável, isso as insere em um jogo de cessão, um jogo de troca (LACAN, 1963-2005, p. 359), no qual intervém a função do desejo (LACAN, 1963-2005, p. 343).  Entre as vicissitudes às quais estão sujeitos esses objetos, serem cortados, cedidos, trocados, agarrados, soltos, cabe mencionar ainda aquela na qual eles são substituíveis enquanto objetos naturais. Nos termos de Lacan (1963-2005), o objeto natural pode ser substituído por um objeto mecânico, ou por qualquer outro que se possa encontrar. No caso do objeto seio, por exemplo, o substituto pode ser outra parceira (que não a mãe), a ama-de-leite, bem como esses objetos “que devemos ao progresso da cultura: a mamadeira. Ela é a possibilidade de pôr esse [objeto] ‘a’ de reserva, em estoque, em circulação no comércio” (LACAN, 1963-2005, p. 340). E ele conclui: “o que chamo cessão do objeto traduz-se, portanto, pelo aparecimento, na cadeia da fabricação humana, de objetos cedíveis que podem ser equivalentes aos objetos naturais” (LACAN, 1963-2005, p. 340-341).  Assim, Lacan (1962-1963/2004) abre a possibilidade de que se estenda a noção de objeto ‘a’ não apenas ao campo da indústria e da técnica, no qual ele surge em seu estatuto de peça destacada, “pièce détachée” (LACAN, 1962-1963/2004, p. 56), bem como ao campo da cultura e das artes, no qual ele encontraria o seu estatuto de objeto de arte.

Para tratar do luto pelo “objeto pequeno a”, retomo um fragmento de uma entrevista televisiva de cantor e compositor de música popular brasileira1, na qual ele relata o fato de que, após a morte de Elis Regina, durante alguns anos ele teve todas as noites um mesmo sonho no qual “ela estava viva, as coisas estavam bem, só que ela não falava, estava muda, havia perdido a voz”. Com o passar do tempo, o sonho se repetia, mas não todas as noites, até o momento em que ele começou a ter sonhos diferentes.

Nesse relato temos “uma espécie de seqüência fixa”, para retomar a expressão de Freud (1915-1917/1974, p. 289), na qual o trabalho de luto põe em jogo a perda constituinte de uma parte do Outro, ou seja, a sua voz. O artista conta que sempre que compunha uma música, ou escrevia uma letra, ele o fazia pensando na voz de Elis Regina. Na medida em que era aí que incidia a fixação, é aí precisamente que o trabalho de luto se instala. Se, tal como dissemos, os sonhos e as lembranças fazem coincidir a hiância aberta pelo luto com a falta simbólica, o trabalho de luto do “objeto a” implica recolocar em jogo a dimensão inerente ao próprio estatuto desse objeto, ou seja, a sua dimensão de objeto cedível, solto, destacável. Na entrevista mencionada, isso surge por meio do mutismo, do silêncio que a perda da voz implica.

A importância dos sonhos neste trabalho reside no fato de que eles abrem a possibilidade de que o sujeito saia da pura e simples captura no campo narcisista, vicissitude possível quando, tal como Freud (1915-1917/1974, p. 281) assinala, “a sombra do objeto cai sobre o eu”. Freud associa a dimensão de trabalho tanto ao sonho como ao luto: trabalho do sonho, Traumarbeit, trabalho do luto, Trauerarbeit. A essas duas modalidades de trabalho, ele ainda acrescenta uma terceira: a perlaboração, Durcharbeitung. Em todas as três situações fica evidente a inserção de algo processual que implica o tempo. No que tange ao sonho, pode-se constatar que, à medida que sonha, o sujeito pode sair da sombra do objeto e se localizar em outra parte, pode surgir enquanto desejo; desejo “de ser lembrado pelo pai” tal como no caso do filho mencionado, ou desejo “de que ela continuasse viva, mesmo tendo perdido a voz”, como no caso do cantor e compositor.

 

Conclusão: Um Objeto a Ser Esquecido

Para finalizar, observo, com Soler (1988), que há vários componentes no trabalho do luto: inicialmente há o que Freud denominou trabalho de luto e que consiste em se desligar passo a passo das coordenadas imaginárias e simbólicas do objeto, em desprender-se da figura e do traço único que tinha esse objeto. No entanto, completo esse trabalho, nem tudo está terminado, uma vez que o objeto apresenta também uma vertente real. Pelo objeto no que ele tinha de mais real não há luto, no sentido do trabalho de luto, no sentido do deslizamento significante. Diante disso, que resta fazer? E a resposta não se faz esperar: “resta separar-se dele” (Soler, 1988, p. 58-59). Uma vez reduzido à sua vertente de real, o objeto em jogo no trabalho do luto torna-se um objeto que o sujeito pode, finalmente, esquecer e, até mesmo, largar.  

 

REFERÊNCIAS

FREUD, S. Luto e melancolia. In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1915-1917/1974.        [ Links ]

______. Psicologia de grupo e análise do ego. In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1921-1976.        [ Links ]

______. Fetichismo. In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1927-1974.        [ Links ]

LACAN, J. Hamlet por Lacan. Campinas: Escuta Editora/Liubliú Editora, 1959-1986.        [ Links ]

______. O seminário, livro 8. A transferência. Rio de Janeiro: JZE, 1960-1961/1992.        [ Links ]

______. Le séminaire, livre X. L’angoisse. Paris: Seuil, 1962-1963/2004.

______. O seminário, livro 10. A angústia. Rio de Janeiro: JZE, 1962-1963/2005.        [ Links ]

MANNONI, O. Ya lo sé, pero aun así… In: ______. La otra escena. Claves de lo imaginario. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1973.

SOLER, C. Finales de analisis. Buenos Aires: Manantial, 1988.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Márcia Rosa
E-mail:marcia.rosa@globo.com

 

 

Recebido em: 03/11/2007
Aprovado em: 18/03/2008
Revisado em: 20/09/2008

1É importante observar que o uso desse material no presente artigo tem fins ilustrativos e não pretende, de modo algum, ir além disso, analisando o trabalho de luto do artista.
2O artigo de Octave Mannoni, “Ya lo sé, pero aun así...”, é o responsável pela tradução do mecanismo da Verleugnung, descrito por Freud no texto “Fetichismo” (1927-1974), por essa fórmula de uso corrente no discurso.
3Embora este Seminário ainda esteja inédito, parte dele, em especial esta parte à qual nos referimos, foi publicada sob o título Hamlet por Lacan.
4Interessa anotar que nesse momento Lacan ainda não se refere ao ‘objeto pequeno a’ em sua função de causa de desejo, mas nos termos acima mencionados, isto é, como “objeto do desejo”.

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