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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.61 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2009

 

ARTIGO

 

As crianças que ninguém quer: a clínica psicanalítica em uma instituição de portas abertas1

 

The children nobody wants: Psychoanalytic clinic in an open institution

 

 

Joana de Vilhena NovaesI; Junia de VilhenaI; Ana Cleide Guedes MoreiraII; Maria Helena ZamoraI

IPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, Brasil
IIUniversidade Federal do Pará (UFPA), Pará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho tem como objetivo discutir o atendimento psicanalítico a crianças anteriormente em situação de risco. Realizado junto a uma ''família social'', o projeto foi criado há cerca de vinte anos na cidade do Rio de Janeiro, já tendo reinserido mais de 1800 jovens. Tomando como referência a teoria winnicottiana, discutimos o lugar da família na constituição do sujeito e suas implicações no desenvolvimento de comportamentos violentos ou antissociais. Apresentamos os impasses e as peculiaridades de atendimentos realizados fora do tradicional setting do consultório - em uma instituição marcada por características muito específicas: portas abertas (ou seja, sem confinamento, sem cercas ou muros altos que limitem a livre circulação) e pais que criaram seus filhos biológicos junto a crianças altamente traumatizadas, seja pela violência familiar, pelo abandono, pela vivência das ruas ou pelo narcotráfico e que, de certa forma, encontram recursos para prosseguir e ressignificar suas vidas.

Palavras-chave: Clínica psicanalítica; Instituição; Delinquência; Família; Resiliência.


ABSTRACT

The work aims to discuss the psychoanalytic treatment of children previously at risk. Living with a ''social family'', the project was set up around twenty years ago in Rio de Janeiro city, having already reinstated more than 1,800 young people. Taking as reference Winnicott´s theory we discuss the family role in the constitution of the subject and its implications in the development of violent or anti-social behavior. We present some peculiarities of consultations conducted outside the traditional setting of the ''private'' office, in an institution marked by very specific characteristics: open doors and parents who created their biological children together with highly traumatized children. We finally discuss how those children, who lived on the streets, were drug dealers, have suffered family violence, abandonment, sexual abuse, somehow find resources to continue and find new meanings for their lives.

Keywords: Psychoanalytic clinic; Institution; Delinquency; Family; Resilience.


 

 

1 DESCREVENDO A ALDEIA

Existe uma famosa e mal compreendida frase de Geertz (1983, p. 87) em que ele afirma: ''[...] os antropólogos não estudam as aldeias [...] eles estudam nas aldeias''. O que Geertz não diz de forma alguma é que seja possível estudar na aldeia, sem que se tente conhecer, minimamente, o que seja uma aldeia ou, ao menos, a aldeia onde decorre o estudo.

Vamos então começar pela aldeia onde o trabalho em questão tem sido desenvolvido há cerca de três anos. Trata-se de uma família social, chamada Santa Clara, em cujo ambiente um casal cria seus três filhos biológicos com mais de sessenta crianças, em uma grande casa em Vargem Grande, bairro do Rio de Janeiro. O pai, Cícero, ex-economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), resolveu largar a carreira quando surgiu a possibilidade de iniciar esse projeto - ainda em Paraíba do Sul (RJ). A mãe, Eliete, psicóloga e pedagoga, trabalhou com Darcy Ribeiro e foi diretora de diferentes escolas. Os filhos biológicos são todos formados e todos os demais estão estudando.

Por que isto? Porque a educação na ''Família Santa Clara'' é o segundo maior valor. O primeiro? Acolher amorosamente as crianças que receberem.

O projeto, que começou por volta de 1986, já atendeu mais de 1500 jovens e crianças, que viviam em situação de risco. Sem faixa etária definida, pois acolhe desde bebês de 3 meses até todos estarem ''prontos para a vida'', a família Santa Clara não está completamente alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o que talvez torne necessário que sua proposta seja compreendida pela legislação, entendida em sua diferença. Considerada por lei um abrigo, mas sendo na verdade uma família, insiste que pais e irmãos convivam todo o tempo juntos. Também não manda o adolescente embora ao completar 18 anos. E, diferente das instituições comuns para abrigar crianças, a liberdade prevalece: as portas são abertas e só fica quem quer. Contudo, o que se vê é que ninguém quer ir e que as portas abertas não representam um problema de segurança. O que será que mantém os meninos e meninas ali, quando sabemos que mesmo os muros de três metros de certas instituições totais, confinadas, (GOFFMAN, 1974) não são obstáculos para que eles saiam?

A filosofia que ali reina é a da vida familiar, com todas as regalias e deveres de praxe - saem para ir à escola, à faculdade, ao dentista, ao oculista e ao psicólogo. Arrumam a casa, auxiliam os mais jovens nas tarefas e não podem transgredir as normas da família, entre elas o fato de estar interditada qualquer relação amorosa ou, mais especificamente, qualquer relação de cunho sexual, entre os membros da casa. O índice de reprovação nas escolas é de 2% (com exceção das crianças com déficits cognitivos graves) e todos aqueles que desejam e conseguem ingressar na universidade assim o fazem. Não existe a ideia de que por serem pobres o destino será, necessariamente, a escola técnica. Certamente nem todos vão para a universidade, mas é interessante observar as diferentes escolhas, feitas de acordo com distintos desejos e capacidades: IBMEC, Relações Internacionais, Direito, Teatro, Música, Administração, Psicologia, Pedagogia, e ofícios como tratorista, garçom, vidraceiro, cozinheiro, entre outros.

A reinserção na família de origem é o objetivo buscado sempre que possível, mas jamais quando há prejuízo para a criança, como nos casos em que existem abusos, maus tratos, drogas etc.

Os idealizadores acreditam que a transformação social desses jovens, bem como sua reestruturação emocional e participação cidadã, dar-se-ão não somente pelo atendimento e assistência às suas necessidades básicas como alimentação, vestuário, saúde e educação formal de qualidade, mas, sobretudo, pela criação de laços fortes de afeto que possibilitem a criação e a instauração de um ambiente familiar alegre e saudável. A família Santa Clara tem um grupo musical de samba chamado ''Grito do Subúrbio'', composto por dois dos filhos biológicos, vários membros da família e alguns outros que já saíram de lá, mas que permanecem ligados.

Além disso, partindo da premissa de que tais elementos contribuem para a recuperação da autoestima e para a dissolução dos traumas causados pelas contingências de vidas sofridas por esses meninos e meninas, soma-se à formação desses jovens o acesso a diversos bens culturais como espetáculos de música, dança, teatro e cinema; atividades preparatórias para o mercado de trabalho (cursos de informática, idiomas, agricultura, confecção e marcenaria) e atividades voltadas para o autoconhecimento que estimulem o desenvolvimento do potencial criativo como aulas de dança, yoga, música e oficinas de arte.

 

2 QUEM SÃO AS CRIANÇAS QUE NINGUÉM QUER?

Uma das maiores perplexidades quando do início do atendimento (ainda na PUC em 1995) era tentar responder como essas crianças abusadas sexualmente desde os 4 anos, prostituídas desde os 8 anos, viciadas em cola, cocaína ou crack, abandonadas pelas ruas desde os 3 anos,  crianças que viram mães e pais serem degolados, queimados, irmãos mortos pelo narcotráfico ou pela polícia - ou seja, crianças que estão expostas a todo um circo de horrores que, quando tão próximos de nós, em nada se assemelha ao que tomamos conhecimento pelos jornais, tv e literatura - resistem a isso tudo? Como não são todas psicóticas? Como conseguem ter esperança? Que destino psíquico lhes está reservado? 

A ser verdade, como afirma Goffman (1961), que a instituição é o lugar do desejo excluído, como trazer à tona a singularidade que tanto buscamos? Mais ainda, como fazê-lo quando, em nosso imaginário, no horizonte dessas crianças a esperança não tem lugar? Como atender às demandas urgentíssimas de atendimentos, resguardando o tempo de ação? Como seria se o trabalho estivesse a serviço de ''adaptar'' algumas crianças rebeldes? Que sentido cada criança dá à sua permanência na instituição?

Mas desde o primeiro contato já começa a lição e o aprendizado. Espertas, malandras, sedutoras e criativas (não há escola como a rua!) essas crianças sabem também como resistir aos embates e buscam, de diferentes formas, conseguir o que desejam. Se o pequeno Marcelo2 é o preferido porque é o caçula, nada como recrutá-lo para pedir o pedaço de bolo extra ou o bombom a mais. Se quero ser atendido logo, por que não dizer que Maria não vem porque está gripada ou tem prova na escola? Alguém ''pisou na bola?'' Que tal apontar o dedo para o Fabinho que está sempre ''aprontando merda'' mesmo? Quero ficar na cama do tio Cícero e da tia Eliete! Uma dorzinha de barriga é providencial. Extremamente observadoras e perspicazes, tais crianças são capazes de criar um saber muito próprio entre elas, que só compartilharão se você se fizer merecedor de confiança. É algo desse saber próprio às crianças jogar com a fragilidade do menorzinho, uma estratégia infantil para convocar nossa compaixão; mas é isso que foi 'recuperado' pelo sistema que produziu o deslizamento da palavra para o estigma do 'menor' de rua?

Nem sempre, entretanto, as estratégias são tão inocentes ou mesmo engraçadas como as descritas. Não podemos nos esquecer de onde vêm essas crianças e de tudo por que passaram - é preciso estar atento ao fato de que a rua e o abandono também ensinam que vale tudo para negar o desamparo e que, muitas vezes, a vingança contra o mundo é o único paliativo. Assim, nem sempre as mentiras são tão ingênuas ou inconsequentes. Roubos, falsas acusações de abuso sexual são, por vezes, recursos usados para dar ao mundo o troco pelo que receberam.

Segundo Stanislas Tomkiewicz (2001), durante muito tempo teria prevalecido a ideia de que a partir de um determinado nível de agressão sofrida pela criança, o indivíduo se tornaria forçosamente um delinquente, um psicótico ou, no mínimo, um inadaptado socialmente. Hoje, sem negar em qualquer momento os danos provocados, pensamos que não há como nos submetermos a tamanho determinismo.

Os pensadores da teoria da resiliência, contudo, afirmam de forma enfática que resiliência não significa ausência de sofrimento ou, mais precisamente, de sofrimento psíquico, sobretudo porque acreditam que resiliência aparece também em determinados contextos como sinônimo de adaptação social. Mas para eles seria necessário distinguir entre a readaptação social e a sobrevivência psíquica do sujeito propriamente dito. Resiliência como aqui compreendemos é a capacidade ''de sair-se bem, de viver e de desenvolver-se positivamente, de maneira socialmente aceitável, apesar do estresse ou de uma adversidade que está normalmente embutida no grave risco de um desfecho negativo'' (VANISTENDAEL apud CYRULNIK, 1999, p. 10, tradução nossa).

Como aponta Mannoni (1983), o lugar da psicanálise na instituição não deverá circunscrever-se ao atendimento às crianças, mas ampliar-se para a escuta dos educadores, uma vez que serão os adultos os suportes das angústias vivenciadas pelas crianças. Daí nossa especial atenção à Eliete, a Cícero e aos outros membros da casa/família. No caso da maioria dessas crianças, como pudemos observar, as ''invasões do ambiente familiar'' (WINNICOTT, 1975) favoreceram a intrusão continuada e patogênica nos seus processos de desenvolvimento.

 

3 EM CONFLITO COM A LEI?

A terminologia politicamente correta empregada para designar os jovens que cometeram algum delito é ''adolescente em conflito com a lei''. A expressão por si só nos provoca várias reflexões. A primeira já parte da indagação -, quem de nós não está em conflito com a Lei, como bem indaga Marta Gerez Ambertin3. Quem, nos tempos contemporâneos de ''eus'' obesos e narcísicos, está disposto a regular o seu prazer em prol de uma consciência da dívida, do dever com as gerações passadas ou com o outro? E nesse sentido, a adolescência é modelo paradigmático para adultos que gozam com a eterna juventude.

É no reconhecimento da alteridade que podemos estabelecer os laços sociais e a solidariedade. Diferença e singularidade são pressupostos para a existência do laço social cujo traço identitário não seja o narcisismo... Neste sentido, poderemos observar como as subjetividades em nossa cultura são freqüentemente relançadas ao pólo narcísico, obscurecendo o pólo alteritário. Desta forma, nada impede que o outro seja instrumento de puro gozo para um eu obeso, que institui como forma de existência o uso e usufruto dos bens e do corpo do outro, esvaziando os valores que circulam no espaço social. (VILHENA, 2007).

Por outro lado é importante notar que a expressão adolescente em conflito com a lei já propõe um engajamento do social frente a um Eu em revolução (MARIN, 2002).

A maioria desses jovens, responsabilizados pela Justiça por suas infrações, não possui referências estáveis (estamos, deliberadamente, evitando o termo famílias desestruturadas), vive em estado de pobreza e miséria e é virtualmente invisível familiar e socialmente.

A identidade só existe no espelho e este espelho é o olhar dos outros, é o reconhecimento dos outros. É a generosidade do olhar do outro que nos devolve nossa própria imagem ungida de valor, envolvida pela aura da significação humana, da qual a única prova é o reconhecimento alheio. (VILHENA, 2007).

Freud (1915) nos dizia que o Eu só advém na alteridade e que o outro é o primeiro inimigo do eu. Mas, e quando não há esse outro ou esse é ausente? Uma forma de mantê-lo vivo é atacá-lo, daí a importância do posicionamento do adulto em face do jovem - do contrário este será lançado no desamparo. Em 1916, o autor assinala que os crimes são muitas vezes cometidos para aliviar o sentimento de culpa intenso provocado justamente pelas moções pulsionais. Como aponta Birraux (1997, p. 138, tradução nossa):

[...] a violência surge aí onde se experimenta o insuportável indizível: onde o pensamento e as palavras faltam para dizer o sofrimento, ou simbolizá-lo. Aí aonde a ameaça fantasmática do sucumbir narcísico força a que se faça mal ao mundo exterior. Não há violência que não se origine de um terrível sofrimento, quando saem de cena as forças de ligação em benefício da pulsão de morte.

Como já apontamos, são nefastas as consequências da invisibilidade - ser é ser visto, reconhecido pelo outro que lhe confere uma identidade. A existência, o sentir-se existindo impõe-se ao sujeito. Então podemos pensar a respeito de como alguém se sente existindo em uma condição ou situação em que o existir passa despercebido. Como é se sentir existindo quando se é ou está invisível?

Não há como escapar da busca desesperada de se fazer único, visível e reconhecido pelo mundo. ''Nos fenômenos da violência muitos adolescentes põem em cena uma destrutividade como que para constituir um objeto no ódio, argumentando a partir das carências objetais que pontuaram sua história.'' (RICHARD, 1997, p. 63, tradução nossa).

Existir é, antes de tudo, apresentar a própria imagem para o Outro. Quando não se vê algo, esse algo não existe -, ''ser é ser percebido''. Mas ser é, antes de tudo, ser para alguém. Ver e ser visto são duas faces da mesma moeda nos encontros humanos (VILHENA; SANTOS, 2000a). Um homem acontece decisivamente a partir do olhar de outro homem. Somente assim é que ele pode, realmente, assumir sua própria existência.

Em Privação e delinquência, Winnicott (1987, p. 256-257) afirma a importância do lar na constituição do sujeito:

Uma criança normal, se tem confiança no pai e na mãe, provoca constantes sobressaltos. No decorrer do tempo, procura exercer o seu poder de desunião, de destruição, tenta amedrontar, cansar, desperdiçar, seduzir e apropriar-se das coisas. Tudo o que leva as pessoas aos tribunais (ou aos hospícios, tanto importa para o caso) tem o seu equivalente normal na infância, na relação entre a criança e o seu próprio lar. Se o lar pode suportar com êxito tudo o que a criança fizer para desuni-lo, ela acaba por acalmar-se através de brincadeiras.

Para Winnicott (1983), a agressividade pode tomar vários caminhos, e esses caminhos estarão em estreita relação com a resposta ambiental: o desenvolvimento normal da capacidade de inquietude; a não capacidade para a inquietude e a formação do falso-self, ligado à questão da tendência antissocial, sendo as duas últimas alternativas patológicas.

Quando a criança perde a confiança no seu meio, ou seja, no seu lar, ela perde a liberdade por perder os limites que a conteriam. Diferente do que a maioria das pessoas pensa, diz Winnicott (1967, p. 257) que a criança não é livre quando perde seus limites ou a estrutura de seu lar, muito pelo contrário, ela vai em busca desses limites4, esticando cada vez mais seus braços para ver se encontra a sua mãe, aquela que um dia a conteve e não a contém mais, ''sem a qual enlouquecerá''.

Winnicott (1967, p. 256) prioriza como função materna primária a função especular e nos pergunta: ''O que o bebê vê ao olhar o rosto da mãe?'' E nos responde: ''Sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é a si próprio. A mãe olha para o bebê e aquilo que ela parece, relaciona-se com aquilo que ela vê.'' Ele também enfatiza que ''a fim de olhar criativamente e ver o mundo, o indivíduo, antes de tudo, deve ter internalizado a experiência de ter sido olhado''. Para Winnicott, ''o precursor do espelho é o rosto da mãe''.

Porém, há espelhos maternos bons, ou suficientemente bons, e espelhos maternos que se refletem em humores próprios, não refletindo o bebê e sim a mãe. E o bebê se depara com uma imagem que não entende e é forçado a entender cedo demais. Nessa superfície especular, o bebê vê um ''monstrengo'', por não ser ele, ou tampouco uma criação sua, e sim a expressão de u outro que ele não consegue ''alucinar'', pois foi a ele imposto como sendo sua imagem (VILHENA; MAIA, 2003)

Se o ambiente não tiver sido propício nem facilitador, refletem Novaes e Maia (2004), muito pelo contrário, se tiver sido intrusivo e ameaçador, a criança terá muito medo de ''ter comido o bolo'' e, de certo, o ''vomitará'' sem vivenciá-lo como seu, posto que acreditará tê-lo destruído quando o comeu. Mas se Winnicott está certo (e em nossa opinião ele está), essa criança continuará a procurar bolos até encontrar um que resista a seus ataques e ela possa comê-lo e internalizá-lo como sendo seu, e assim ela terá comido o bolo e continuará a tê-lo. Aqui Eros e Tanatos estarão unidos e a agressividade se transformará em algo criativo e criador de vida e não de uma casca, eco vazio de um ambiente em que a criança tenta em vão se ajustar e agradar sem nunca conseguir, ou a atuar sua agressividade em forma de destrutividade.

A comunicação ruidosa da agressividade é denominada por Winnicott de tendência antissocial. A tendência antissocial é um sinal de SOS (portanto de esperança) ao meio que se encontra em débito com a criança. Ela não é um diagnóstico, podendo ser encontrada tanto em indivíduos normais quanto em neuróticos ou psicóticos. Na tendência antissocial há uma necessidade que se exprime em uma externalidade, a culpa é do ambiente. Caracteriza-se por um elemento que compele o ambiente a tornar-se importante (MAIA, 2007).

 

4 REDESCRIÇÕES DA CLÍNICA

Em um congresso realizado em Budapeste, ao tratar das questões relacionadas ao futuro da Psicanálise, Freud (1919-1996, p. 210-211) aponta, como um caminho possível, o estabelecimento da clínica psicanalítica em ambientes institucionais.

É possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quanto o tem agora, à ajuda oferecida pela cirurgia [...] quando esse dia chegar, haverá instituições ou clínicas de pacientes externos, para as quais serão designados médicos analiticamente preparados. [....] no entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa.

O autor parece acenar para o fato de que, independentemente das possíveis exigências de mudanças na técnica e nos elementos que compõem o campo clínico, algo que é da essência da Psicanálise permanece. Quais são esses fundamentos que legitimam o trabalho como psicanalítico? Propomos que são os que se relacionam à escuta, à linguagem, à palavra, à subjetividade, ao desejo, ao sofrimento psíquico de pobres ou ricos, em consultórios particulares ou em instituições.

Por ocasião do 39º Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA), realizado em 1997, foi realizada uma mesa redonda que discutiu ''O Status Psicanalítico da Realidade Social'', apresentada pelos seguintes conferencistas: Julia Braun (Buenos Aires), Yolanda Gampel (Tel Aviv), Gertud Hardtmann (Berlim) e Marcello Viñar (Montevidéu). A discussão desse tema parece de máxima importância, pois procura religar a fantasia inconsciente à realidade externa, um dos principais problemas teóricos colocado para os debates sobre a ampliação da clínica.

Winnicott (2000) postula que, se não podemos fazer análise standard, somos analistas fazendo outra coisa. Sobre a especificidade do atendimento que realizamos, devemos refletir sobre o que seja ''fazer outra coisa'', nos mantendo analistas e, para assim o fazer, devemos, antes de tudo, tentar construir um pano de fundo não somente sobre o setting analítico, mas, e principalmente, sobre a existência humana.

Vemos, então, que a partir da inclusão da realidade social e do ambiente, tanto no processo de constituição do sujeito quanto no cenário da análise, o estudo dos processos psíquicos (nos campos teórico e clínico) vai adquirindo, cada vez mais, maior complexidade. Desde Freud até os autores pós-freudianos modernos e contemporâneos, essa questão se coloca permanentemente com maior ou menor ênfase.

Como apontam Vilhena (2006b) e Vilhena e Santos (2000a, 2000b), se a metapsicologia psicanalítica segue fundamentando a prática analítica com seus pressupostos básicos - aquilo que é inerente ao campo teórico: a tópica, a dinâmica e a economia do funcionamento psíquico -, essa mesma prática, paradoxalmente, frequentemente transcende a teoria e promove novas reflexões.

 

5 O SETTING

O cenário da análise ganhou nova concepção a partir de Winnicott. Para ele, o trabalho analítico acontece na sobreposição de duas áreas do brincar: a do analista e a do analisando. Seguindo a concepção winnicottiana, diríamos que o conceito de uma área intermediária da experiência do sujeito, o espaço potencial, situa bem o lugar em que o trabalho clínico acontece.

Sem sombra de dúvida, não há como pensar em um setting tradicional quando atendemos em uma casa onde todos os espaços são habitados por crianças, jovens, por toda a família. Essa foi, sem dúvida, nossa tarefa mais árdua ao iniciar o atendimento na própria casa. As dificuldades financeiras impediam a construção de novos espaços. Era necessário criar! Assim o fizemos - pequenos depósitos e quartinhos de fundos foram gradativamente sendo transformados em consultório. Uma biblioteca e uma sala de informática foram isoladas dois dias na semana para servirem de sala de atendimento de acordo com a idade de nossos pacientes.

O setting, na verdade, éramos nós. Em nossa garantia de presença e constância nos dias marcados, observando os horários - duramente combinados em função dos distintos horários escolares das crianças e adolescentes - fomos gradativamente construindo um ''espaço terapêutico'' que quase transcendia o espaço físico. A garantia do sigilo e da possibilidade de escuta em um lugar tão ruidoso mostrou-nos que os pacientes estavam nessa empreitada conosco. Como Freud (1910) já nos indicava, atendendo seus pacientes não apenas em seu consultório, mas na casa desses, nas montanhas, em passeios a pé, quem garante fundamentalmente o estabelecimento do setting é a presença em pessoa do analista.

Certamente existem as peculiaridades. Não é difícil imaginar todos os ruídos de uma casa que abriga cerca de 70 crianças e jovens - mas em torno de nossos improvisados consultórios havia não apenas barulho, mas sim ruídos recheados de grandes indagações e curiosidades, sobretudo por parte das crianças mais novas, que, em sua maioria, entendiam a terapia como uma atividade extracurricular, portanto, um prêmio.

Eram constantes as interrupções durante a sessão. As batidas na porta sinalizavam as reivindicações daqueles que não haviam sido escolhidos e que gritavam a plenos pulmões do lado de fora do setting, pelos corredores ou agarrados em nossas pernas enquanto caminhávamos em direção ao carro anunciando nossa despedida: ''tia, também quero brincar''. Após viver longos períodos em situação de risco, encontrar um espaço para falar e criar é, certamente, uma condição saudada com alegria e satisfação por aquelas que a violência havia silenciado.

Nesses momentos, era, muitas vezes, difícil fazê-los compreender que a escassez de terapeutas (três) em relação à quantidade de jovens e crianças que moravam na casa impossibilitava que atendêssemos todos. Portanto, algum critério de escolha para o atendimento deveria ser usado. No caso, a mãe social analisava, juntamente com os terapeutas, os casos mais graves e com maior possibilidade de prejuízo emocional.

Com o intuito de amenizar um pouco esse sentimento de rejeição recorrente e tão familiar, permitíamos que essas crianças brincassem em nossos carros. A brincadeira consistia em fingir que as crianças estavam sendo adotadas. Para tal, escondiam-se antes no porta-malas do carro juntamente com as caixas de doações que frequentemente levávamos para a instituição. A brincadeira era interrompida e as crianças desciam do porta-malas quando cruzávamos os portões da instituição.

Dessa forma, conseguíamos, minimamente, contornar o sentimento de exclusão entre as crianças que não eram atendidas, posto que não compreendiam a falta de um encontro particular com os psicólogos como um sinal de saúde. Ao contrário, enxergavam nos escolhidos alvo de predileção e investimento afetivo dos terapeutas.

 

6 A TRANSFERÊNCIA

E o que dizer do vínculo transferencial? Iniciamos nosso trabalho falando da distinção entre estudar a aldeia e estudar na aldeia. Também é na transferência que trabalhamos. Se ela não é estabelecida a priori - como em nossos consultórios particulares ou mesmo em instituições - no Santa Clara, vamos construindo esse vínculo passo a passo. É preciso, sempre, ter em mente que a confiança é um processo muitas vezes extremamente custoso para esses jovens. Não há nada em suas vidas pregressas que indique a idéia de que uma relação de confiança mútua possa ser estabelecida. Nesse sentido, o que observamos é que quanto mais tempo essas crianças e jovens experimentarem uma vivência familiar mais confiável, mais facilmente estabeleceremos o vínculo.

Winnicott (1975) defende a tese de que somente o acolhimento sustentador (holding) e os cuidados cotidianos dispensados pelo ambiente maternante suficientemente bom (handling) garantem o sentimento de continuidade de ser do bebê, possibilitando-o sair do estado de não-ser para a realização do ser, sendo que ser, na concepção de Winnicott, é ser primordialmente no e do mundo.

A configuração do cenário analítico constitui tarefa complexa. A redescrição da clínica tem sido uma questão importante para a Psicanálise contemporânea em geral, e para a brasileira em particular. Isso ocorre, a nosso ver, em conseqüência dos desafios colocados pela crescente penetração da Psicanálise na universidade, mas também pelo fortalecimento das lutas sociais pela saúde coletiva, diante da  pauperização da população e da precarização dos direitos humanos e sociais, em nosso país. Percebemos, cada vez mais, a busca de dispositivos analíticos que possam atender a uma diversidade de situações que caracterizam a Psicanálise atualmente, a despeito de onde se exerce sua localização. Seja no consultório particular, seja na comunidade, o psicanalista hoje se depara com muitos desafios.

Segundo Safra (1995), a clínica atual se depara com problemas mais da ordem do onto do que do psicológico. Isso significa que não se trata mais apenas de uma escuta do desejo que se desvela na situação transferencial. Digamos que ao analista, hoje, cabe mais realizar um trabalho de construção em oposição ao de decifração. Deparamo-nos com indivíduos que ainda não se constituíram como seres em marcha, como dizia Winnicott; indivíduos que andam em busca da criação de um self pessoal: ''Buscam existir para que então possam, quem sabe, vir a ter algum desejo'' (SAFRA, 1995, p. 14).

 

7 O ATENDIMENTO

Se, no texto freudiano, as entrevistas preliminares possuem um caráter diagnóstico, em nosso trabalho as crianças já nos são encaminhadas por apresentarem algum tipo de problema. Isso se torna, particularmente especial, quando há a solicitação de um laudo para o Ministério Público5. Quando isso ocorre, há um trabalho feito com o jovem que, via de regra, sabe que está ''em apuros'' com a Justiça ou que a mesma está buscando protegê-lo.

Partimos do pressuposto de que não há como negar a existência da instituição e de que a mesma, assim como o jovem, também está sujeita às exigências da Justiça. Assim, trabalhamos o motivo da demanda de um laudo, que pode ser em virtude de um delito cometido, de uma devolução de adoção, de abusos cometidos ou de outras razões diversas.

As avaliações são feitas com pleno conhecimento das crianças e dos adolescentes de que há uma solicitação do Ministério Público. Acompanhamos o processo e, quando necessário, participamos da audiência. Até o presente momento, o que temos observado na maioria dos casos é que, pela primeira vez, os jovens se sentem protegidos pela lei e podendo contar as suas histórias - muito provavelmente porque a aldeia onde vivem faz com que a Justiça também lhes represente -, ao contrário dos colegas que vivem nas ruas ou nas instituições ditas socioeducativas, que ainda não se distanciaram o suficiente do modelo do reformatório.

Para Simone Couraud (1997, p. 122, tradução nossa), em sua análise do processo de julgamento de jovens criminosos

[...] constata-se nestes jovens uma falta de referências, tanto externas quanto internas, que tornavam difícil sua inscrição social por meio de uma história pessoal, familiar, social, de um passado, de um futuro. O estudo dos testes projetivos e das entrevistas mostra um fracasso na representação das imagens parentais.

O importante no trabalho é que autora assinala que no processo de julgamento é dada a voz ao jovem, permitindo-lhe fazer um relato de sua vida, de sua relação com a vítima, refletir sobre a passagem ao ato, interrogar-se a si próprio, viver a culpa, responsabilizar-se e, talvez assim, deixar de ser vítima, submetido a um Outro insuportável. A importância da palavra de um sujeito que sofre e pede reconhecimento mesmo que seja para pagar a sua culpa6.

A partir daí buscamos abrir possibilidades de uma demanda de atendimento para a construção conjunta entre paciente e analista, de forma a permitir que os sintomas apresentados deixassem de se referir exclusivamente aos ''problemas'' em questão, sem, contudo, deixar de lado a possibilidade de que, muitas vezes, a concretude dos mesmos pode levá-los aos porões das instituições socioeducativas do Estado.

Com relação ao temor de voltar para os abrigos, esse é um sentimento que serve, constantemente, de instrumento para o terapeuta mostrar ao paciente a importância do cumprimento de certas normas instituídas pela família social - condição fundamental para a permanência no local. Ao contrário do que ocorre nas chamadas instituições socioeducativas, onde impera a lei do cão, na instituição em questão, buscamos mostrar que as regras possuem coerência. A lei e as normas impostas, bem com os direitos e deveres instituídos para cada membro da casa, visam a organizar, proteger e, sobretudo, a garantir a integridade dos mesmos.

Outro aspecto relevante e que merece destaque refere-se à relutância de jovens e crianças em lidar com o fato de algumas famílias biológicas não manterem contato ou não procurarem a casa para verem seus filhos. Nesses casos, notou-se um tipo comum de defesa erigida com o intuito de minimizar psiquicamente mais esse trauma: diante da frustração de ver seus companheiros recebendo a visita de pais, parentes ou cuidadores pregressos, aqueles que não eram procurados culpabilizavam seus pais adotivos, ou seja, os responsáveis pela família social em questão, pelo impedimento dessa aproximação.

A racionalização sobre o desaparecimento das famílias nos era contada por meio de histórias que não se sustentavam quando investigadas, pois o conteúdo das mesmas abordava desde ligações telefônicas proibidas até cartas das famílias de origem para o paciente, que não puderam ser resgatadas ou teriam sido omitidas - sem qualquer motivo aparente.

Vale dizer que os responsáveis pela instituição estimulam e viabilizam qualquer intenção de contato dos membros da casa com seus parentes. Quando tal não ocorre, é resultado de tentativas infrutíferas de aproximação, ou seja, as próprias famílias não demonstram interesse em responder aos chamados das crianças e jovens. De qualquer forma, qualquer que seja a situação, tudo é conversado e explicado entre os moradores da casa.

Somados aos relatos, vinham as queixas cujo denominador comum era, em síntese: a dureza no cumprimento dos afazeres domésticos, no rendimento e no desempenho das regras e normas instituídas naquela família e, por fim, a cobrança na colaboração das tarefas coletivas (ex: os jovens ajudarem nos cuidados com as crianças mais novas). Isso tudo, na opinião dos pacientes, redundava em uma avaliação muitas vezes severa e não condizente com a transgressão cometida.

Esbarramos com um paradoxo intrigante: se tudo lhes é dito, por que então os pacientes insistem em repetir que estão impedidos de reencontrar seus entes queridos? Por que parecem não registrar a versão oficial dos fatos? Talvez pelo fato de a situação ser muito dura de encarar? Uma das características dessa instituição, conforme mencionado anteriormente, é o fato de não possuir obstáculos que impeçam qualquer um de ir e vir à hora que desejar.

Sendo assim, por que, embora se sentissem instigados a procurar seus parentes biológicos, não saíam na busca do que acreditavam ser uma verdade escondida ou, quem sabe, de regras menos rígidas? Por que optavam por ficar? A resposta era percebida por meio de um escuta sensível e atenta de nossos pacientes, pois quando indagados, notávamos que, em vez de portas escancaradas, buscavam acolhimento, suporte, continente e enquadramento. Quem sabe, pela primeira vez na vida, para quem até então era despossuído de um lar, experienciar ser parte integrante de uma família suscitasse a fantasia de uma disputa imaginária entre duas famílias desejando assumi-lo?

Uma vez detectada a verdadeira origem das queixas, tentávamos, ao longo das sessões, desconstruir essa crença, a fim de minorar a angústia e muitas vezes o desespero dos pacientes que não entendiam a razão de não conseguirem rever seus parentes. Da mesma forma, apesar de clamarem por limite e contenção da sua agressividade, sofriam, aventando a hipótese de serem rejeitados novamente.

A estratégia pela qual optamos foi a realização de sessões conjuntas entre a criança/jovem e os pais da família social. O encontro era promovido de forma que lhes fosse assegurado o amor parental (dos pais atuais); servia também para mostrar-lhes sua capacidade de construir e intensificar novos vínculos afetivos.

Uma ponderação não menos importante consistia em transmitir-lhes a ideia de que, em muitos casos, entregar o próprio filho aos cuidados de outra pessoa pode ser compreendido como um ato de preocupação com o bem-estar da criança. Portanto, não significa, necessariamente, um abandono. Ao contrário, pode estar associado ao desamparo e à precariedade dos próprios pais.

Desfeita a ideia de haver um impedimento na reaproximação com as famílias de origem tinha início uma das tarefas mais árduas do processo analítico - como lidar com a dor e com o inexorável luto que deveria ser elaborado para que aquele sujeito conseguisse sentir-se integrado e comprometido com outra família?

Posto de outra forma, o que nossos pacientes não suportavam era a ideia de terem sido abandonados, indagando-se, constantemente, o que haviam feito de errado para terem sido alvo do desinvestimento do amor e dos cuidados parentais. O que parece, segundo apontam os estudos com órfãos, ser uma questão subjetiva recorrente.

Entendemos a fabulação criada como uma defesa erigida, inconscientemente, para não reviver mais uma vez o sentimento de abandono. De forma análoga, deslocar para os pais adotivos sentimentos como desamor e incapacidade para criar os filhos, foi compreendido como uma forma de autopreservação, na medida em que estariam negando, ou ainda, protegendo-se de reviver uma experiência bastante dolorosa e angustiante - a rejeição e o consequente sentimento de desamparo primordial.

Em suma, trabalhamos com todo o universo que contempla a educação e a readaptação de meninos e meninas que, anteriormente, viviam em situação de risco na rua, em abrigos ou em instituições e que não estavam condicionados às normas de uma família comum.

Para trabalhar, nesse contexto, a referência a Winnicott se tornou interessante e adequada, principalmente porque o autor parte da dialética sujeito/ambiente como fundamental no desenvolvimento emocional do ser humano.

Por meio de sua perspectiva, podemos trabalhar as situações contraditórias, complexas e paradoxais que dinamizam a clínica ambulatorial, sem a necessidade de resolvê-las de uma forma excludente ou reducionista. Assim, torna-se possível conceber as ações terapêuticas que aí acontecem como transformadoras tanto da realidade subjetiva quanto institucional, em um campo transferencial que comporta vínculos simultâneos estabelecidos entre paciente/analista/instituição, em constante movimento (SANTOS, 2005).

Para Winnicott (1975), a própria transferência cria uma região intermediária que reproduz a área de ilusão estabelecida, em tempos primevos, entre a mãe e o bebê, possuindo o mesmo caráter ilusório agora criado pelo par analista/analisando. O importante nessa perspectiva é que ao tomarmos o campo transferencial como um campo complexo, podemos, aí, incluir a presença da instituição e de seus elementos primordiais.

Em nossas tentativas de acolhimento e enquadre da angústia desse contingente de meninos e meninas, naquilo que consiste os desafios da clínica psicanalítica, seu método e sua técnica apropriados ao ambiente institucional, acreditamos ser adequado mencionar um dispositivo clínico winnicottiano que nos pareceu, posteriormente ao trabalho realizado, em perfeita consonância com as estratégias utilizadas na abordagem desses casos, circunscritas nesse espaço/ambiente e com as especificidades descritas.

Tal dispositivo é uma perspectiva de trabalho clínico pouco conhecida: trata-se de um modelo para a teorização do acompanhamento terapêutico. O conceito de placement foi formulado por Winnicott como uma modalidade de atendimento clínico e é uma modalidade de intervenção em que a noção de lugar é fundamental, pois nela o ser humano precisa encontrar um lugar que tenha sido oferta de um outro para que se inicie o processo de constituição do self.

O acompanhante terapêutico fornece ao paciente, fundamentalmente, um lugar no mundo, a partir do qual possa se inserir na comunidade humana para destinar-se em direção a um horizonte existencial possível.

Existir na alternância dos estados de integração e não integração no tempo-espaço potencial constitui um dos paradoxos do viver humano. E o indivíduo, advindo desse paradoxo, guardará dentro de si um si mesmo central, para sempre imune ao princípio de realidade e para sempre silencioso: o verdadeiro self.

 

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Freud, em 1912, escreveu Totem e tabu. Segundo ele, os quatro ensaios dessa obra representam uma primeira tentativa de aplicar o ponto de vista das descobertas psicanalíticas  ao campo da Psicologia Social. Para além dessa proposta, Freud enfatiza a importância da pesquisa multidisciplinar, criando interfaces da Psicanálise com outros campos de conhecimento. Trata-se de um estudo sobre a vida mental e os processos psíquicos que a norteiam, realizado a partir de um ponto de vista contextualizador. Neste ensaio, Freud reafirma, mais uma vez, a importância de se pensar o homem historicamente, no cerne de seu meio ambiente cultural, atravessado pelas vicissitudes do tempo e do espaço que constituem sua realidade psíquica.

Em um trabalho anterior (VILHENA et al., 2004) nos indagamos: o que se propõe a fazer, na prática, um terapeuta de crianças, senão instituir espaços e limites, estimular e conter, mas, sobretudo, proporcionar uma relação de confiança capaz de promover a integração e a organização dos afetos e do pensamento?

Os desafios que alguns casos apresentam, por exigirem especial criatividade no manejo das situações, levaram-nos a buscar, nas ideias de Winnicott, o referencial capaz de organizar nosso pensamento, bem como sustentar e promover, no atendimento, um holding/continente para nossas ansiedades.

Analogamente, buscou-se, em bibliografia pertinente, subsídios que nos permitissem demarcar que a questão da clínica psicológica institucional deve estar voltada para o campo clínico e, simultaneamente, promover uma redescrição do cenário analítico, ante a multiplicidade de contextos no interior dos quais a Psicanálise se desenvolve na atualidade.

A clínica, de acordo com Vilhena e Santos (2000a, 2000b), não pode ser esvaziada de sua dimensão política, uma vez que um verdadeiro processo de apartação clínica pode ser observado a partir da noção de população carente e/ou desfavorecida (VILHENA, 2006b). Tal posicionamento parece importante ser ressaltado visto que, primeiramente, afasta a possibilidade de, no âmbito do trabalho institucional, ignorar-se a presença da instituição e os reflexos que essa impõe ao desenvolvimento do processo analítico.

Em segundo lugar, inscreve o trabalho psicanalítico em uma vertente ética, uma vez que sugere que a analisabilidade deve ser definida a partir de cada caso em particular e não em termos apriorísticos, quer seja esse baseado em referenciais linguísticos ou em classes sociais. Em outras palavras, buscamos fazer emergir a capacidade que alguns seres humanos possuem de, a partir da exclusão, experimentarem um grau tal de desterritorialização e ainda assim serem  capazes de criar cadeias discursivas diferentes das anteriores, vivenciadas em seu mundo extramuros. (SANTOS, 2005).

O momento atual parece agudizar a dialética entre a identidade e a alteridade, conduzindo-a a um paroxismo. O encontro com o Outro não é mais uma possibilidade de deixar-se afetar e de permitir-se novas interações, mas uma ameaça em potencial (PELBART, 2003). Nos fundamentalismos cotidianos inventa-se e recria-se o perigo e o inimigo - bandido, favelado, traficante, pivetes -, para que se possa oferecer segurança e defesa e ilusão de ordem.

Nunca é demais relembrar que os discursos sobre esses jovens frequentemente clamam por encarceramento e morte. De fato, ''menores'', criminosos, loucos e habitantes do mundo da rua são menos valorizados que os restos que despejamos diariamente em nossas lixeiras, já que deles não se espera reaproveitamento, ou seja, nem sequer são recicláveis. São o ''refugo humano'', os que não produzem nem consomem (BAUMAN, 2004) e pouco lugar têm merecido no universo da polis, que deveria ser o de todos nós.

Em nossa cultura ou reconhecemos no Outro um semelhante e, nesse caso, conferimos a ele os mesmos atributos de humanidade que encontramos em nós, ou vemos no diferente o sujeito portador de características desabonadoras, menos ''humano'' do que nós e, portanto, passível de violências e atos que justificam sua discriminação.

Convém relembrar que o sujeito só abdica de determinados lugares porque a cultura lhe oferece algo em troca -, um lugar no mundo dos homens. Uma possibilidade de criar projetos de vida, o direito de pertencer a um grupo, de ter condições dignas de sobrevivência e o direito de ser visto. Se o acordo que estaria implícito para o ingresso do homem na cultura falha, ou se torna insuficiente, corre-se o risco, dentre outras coisas, da reinstauração da Lei de Talião -, olho por olho, dente por dente -, das apatias, do fanatismo religioso ou do sofrimento doentio que exacerba aquilo que é próprio da dor de existir (VILHENA, 2006b).

Em sua teorização sobre o narcisismo, Freud (1914) sublinha a necessidade de que condições mínimas de investimento libidinal sejam feitas sobre o corpo da criança para que ela crie um projeto de vida possível e se reconheça como parte da cultura. Contudo, permanece também o risco (que todos continuamos mantendo pela vida afora) de que os sujeitos se encurralem no sofrimento atroz daquilo que Freud enunciou como sendo o narcisismo das pequenas diferenças. 

Evitamos o Outro porque ele é irredutível em trazer sua dessimetria, sua diferença. Ele mostra que não formamos um todo harmônico, uma totalidade. O inaudito, o disruptivo não pode ser esconjurado pela vida pacificada e nem tampouco poderá ser duradoura uma paz que não pode ser conseguida senão ignorando ou abafando gritos.

Nosso compromisso é, então, buscar afirmar a vida em momentos de não vida, de parafrasear Brecht quando nos diz ''que nada é impossível'' e daí extrair subsídios para uma prática clínica transformadora cujo compromisso político se faz em ampliar seus campos de atuação.

Desde os primórdios da construção do saber psicanalítico, Freud (1932, p. 185) preconizou o contato com os pacientes -, a clínica -, como o campo precursor e eternamente revitalizador da teoria:

Como sabem, a psicanálise originou-se como método de tratamento; ela o desenvolveu muito, mas não abandonou seu chão de origem e ainda está vinculada ao seu contato com os pacientes para aumentar sua profundidade e se desenvolver mais. As informações acumuladas, de que derivamos nossas teorias, não poderiam ser obtidas de outra maneira.

Como aponta Khan (1977, p. 353), Freud enfrentou os fatos clínicos pelo que eles eram, posteriormente, tentando descobrir teorias que pudessem fornecer alguma espécie de base explanatória. Para o autor, corremos o risco de nos encapsular nas teorias que fazem sentido, sem permitir que nossa experiência clínica as questione, com receio do desconhecido e da ousadia. Para o autor é preciso lançar-se em novos caminhos, tantos clínicos quanto investigativos, de forma a não permitir que a Psicanálise se paralise nos dogmas dos seguidores de Freud.

Nunca é demais relembrar que Freud, ele mesmo, era um inventor constante da Psicanálise, um saber que é, além de um método de investigação, uma prática psicoterápica que ele foi o primeiro a teorizar e a oferecer ao mundo ocidental e que não cessa de crescer, desde o final do século XIX, à parte e à custa de todos os desafios enfrentados.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Joana de Vilhena Novaes
E-mail:joananovaes@terra.com.br

Junia de Vilhena
E-mail:vilhena@puc-rio.br

Ana Cleide Guedes Moreira
E-mail:acleide@uol.com.br

Maria Helena Zamora
E-mail:zamoramh@oi.com.br

Submetido em: 02/09/2008
Revisado em: 20/11/2008
Aceito em: 24/12/2008

 

 

1 O trabalho faz parte de uma pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por intermédio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD), firmado entre a PUC-Rio e a Universidade Federal do Pará (UFPA). O atendimento clínico é realizado e coordenado por Joana V. Novaes e conta com a participação de estagiários do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS). A Família Santa Clara é um dos projetos do LIPIS, da PUC-Rio, que tem a colaboração entre seus pesquisadores de Joana V. Novaes, Ana Cleide Guedes Moreira e Maria Helena Zamora. Uma versão resumida deste trabalho foi apresentada no III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental em setembro de 2008 na Universidade Federal Fluminense (UFF-Niterói).
2 Os nomes foram modificados para preservar o sigilo.
3 Comunicação pessoal.
4 Alguns autores, como Melman (1992, p. 46) são mais enfáticos, afirmando que ''é na medida em que não houve castração no seio da família que o jovem vai provocar de modo concreto o bastão da polícia.''
5 O Ministério Público busca, com frequência, saber os danos psíquicos causados em jovens em situações de abuso e que cometeram infrações.
6 Há uma interessante discussão do tema na dissertação de Alexandre Theo de Almeida Cruz (2007), psicólogo do Ministério Público de Belém.

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