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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.61 n.3 Rio de Janeiro dez. 2009

 

RELATO DE PESQUISA

 

Avaliação de competências profissionais e formação de psicólogos

 

Professional skills assessment and the training of psychologists

 

 

Roberto Moraes CruzI; Viviane SchultzII

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar o desenvolvimento de competências profissionais relacionadas ao processo de formação em Psicologia e ao campo de trabalho do psicólogo. Foi construído um inventário de competências profissionais de psicólogos e graus de importância a elas atribuído, composto por 132 itens organizados em 16 categorias e aferidos por meio de uma escala ordinal de cinco pontos, submetido antes de sua aplicação a um processo de validação semântica e de conteúdo. Participaram 102 sujeitos (21 a 64 anos), sendo 71,6% do sexo feminino, dentre professores, estagiários e psicólogos egressos de um curso de Psicologia da região Sul do Brasil. Destacaram-se como competências essenciais para a atuação profissional dos psicólogos: manter sigilo dos dados fornecidos pelo seu cliente, atuar em equipes multiprofissionais e assumir responsabilidade pelos resultados do seu trabalho. De uma forma geral, as competências imprescindíveis à atuação do psicólogo mostram-se relacionadas à dimensão ética profissional, à comunicação e ao relacionamento social e profissional.

Palavras-chave: Competências profissionais; Formação profissional; Medida psicológica.


ABSTRACT

This research aimed to evaluate professional skills related to the education process in Psychology and the psychologist's work field. An inventory of the psychologists' professional qualifications and their levels of importance were constructed, involving 16 categories, 132 items and an ordinal scale of five points. This inventory was submitted to a process of semantic and content validation.The sample consisted of 102 individuals (21 to 64 years old), 71.6% of which were females, and was made up of professors, interns and psychologists that attended an undergraduate Psychology course in a Brazilian Southern institution. The qualifications that stood out among the ones that were considered essential for the psychologists' work are: to maintain secrecy about the information given by the clients, to be part of multiprofessional staffs, and to take responsibility for their work results. In general, the qualifications that are indispensable for the psychologist's work proved to be related to the professional ethics dimension, to the communication contexts and to the social and professional relations.

Keywords: Professional qualifications; Academic qualifications; Psychological measure.


 

 

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar a relação entre a qualidade da formação de psicólogos, tal como percebida por professores, alunos, concluintes e egressos de um curso de Psicologia de uma instituição pública de ensino superior da região Sul do país,, e o desenvolvimento de repertórios de competências profissionais, tomando como base o estado da arte das pesquisas realizadas neste âmbito e os indicadores profissionais da Classificação Brasileira de Ocupações (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2002).

A necessidade de investigar o desenvolvimento de competências profissionais relacionadas ao processo de formação em Psicologia e às necessidades do campo de trabalho do psicólogo é um aspecto científico orientador, não somente da atualização dos programas político-pedagógicos dos cursos de Psicologia, mas certamente da avaliação do grau de satisfatoriedade com e resolubilidade da intervenção dos psicólogos quando no exercício da atividade profissional. Dessa necessidade científica e social decorre o interesse em construir um instrumento de medida dos graus de importância atribuídos a competências profissionais de psicólogos, o qual reflita expectativas dos estudantes que estão em processo de formação e, também, represente um feedback do exercício profissional, por parte dos professores e profissionais, com base em suas respectivas trajetórias de trabalho.

Este artigo pretende discutir quais competências são mais enfatizadas na formação dos acadêmicos do curso de Psicologia, levando em consideração aquelas apontadas pelos participantes da pesquisa como importantes para a atuação desse profissional perante as demandas do mercado de trabalho.

 

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA

De uma forma geral, no âmbito da formação profissional, a geração de necessidades sociais, econômicas e tecnológicas, cada vez mais aceleradas, exigem processos de aprendizagem que salientem ou especifiquem competências profissionais (DESAULNIERS, 1997). Com a globalização da economia e a crise do desemprego, Ramos (2002) aponta a necessidade de reformular o sistema de educação profissional, aproximando este das tendências produtivas, proporcionando aos jovens aberturas menos traumáticas para o mundo do trabalho. Para Matos (2000), o curso de formação do psicólogo deve constituir uma plataforma para o desenvolvimento de profissionais capazes de responder, ao mesmo tempo, às necessidades de aperfeiçoamento da ciência psicológica e ao atendimento de necessidades sociais.

Segundo Meghnagi, Ajello e Cevoli (1992), a formação profissional deve centrar-se em preparar as pessoas para atividades específicas, não isolando essas atividades de um sentido de finalidade e de significado geral, e ensinando os estudantes a construir capacidades mais imediatas, mas que ofereçam condições de desenvolvimento e adequação a contextos que se modificam constantemente, possibilitando-lhes agir de forma reflexiva perante a diversidade de situações. Conforme Kuenzer (1985, p. 114), a formação profissional refere-se ao processo de "treinamento básico, conhecimento ou formação escolar necessários para o exercício da função", que podem ser vivenciados no sistema formal de educação e/ou no treinamento em trabalhos de menor grau de complexidade.

Para Felippe (1993), a graduação em Psicologia é caracterizada por três elementos que devem funcionar de modo integrado e complementar: a formação básica, fundamentada nos pontos de vista epistemológico, histórico e metodológico; a pesquisa, caracterizada por um exercício intensivo de construção de um projeto de trabalho, elaboração de ideias, recurso às formulações teóricas de outros autores, e teste de realidade, reflexão e síntese; e, por fim, o terceiro elemento na formação do psicólogo são as práticas em Psicologia, que se resumem atualmente às oportunidades de estágio. Conforme Trépos (1992), um dos princípios da formação profissional é a integração, proporcionada pela competência, entre conhecimentos sobre o objeto e a ação.

O principal problema que os alunos de graduação em Psicologia enfrentam no curso, de acordo com Meghnagi, Ajello e Cevoli (1992), é o fracionamento do conhecimento apropriado, o que acaba fazendo com que tenham uma percepção inadequada de seu objeto de estudo. Além disso, de acordo com Manfredi (1998), na formação profissional do psicólogo ocorre, normalmente, a supervalorização do conhecimento teórico, em detrimento do conhecimento prático. Assim, há, atualmente, uma valorização da educação formal no discurso acerca do conhecimento teórico (elaborado, sistemático e de caráter técnico-científico), e a consequente desvalorização do conhecimento prático. Porém, Dolz e Ollagnier (2004) sustentam que a apropriação do conhecimento teórico não é suficiente para julgar que o conhecimento prático seja eficaz; no cotidiano de trabalho, valoriza-se o conhecimento obtido por meio da experiência, ou seja, por meio da prática do trabalho.

Dessa forma, a graduação em Psicologia, como afirma Matos (2000), deve pressupor e garantir uma formação científica sólida, que promova a superação da dissociação entre teoria e prática, vinculando a capacidade de conhecimento da realidade social e científica com a possibilidade de transformação delas mesmas. Segundo Cruz e Souza (2006), construir a inserção profissional no mundo do trabalho implica não apenas no saber, e sim no saber-fazer. Diante das transformações do mundo atual e das diferentes exigências do trabalho e da profissão, é necessário desenvolver competências essenciais para agir de forma eficaz, segura, consequente e antecipatória, visando reduzir riscos para si e para os outros. Em sentido geral, saber cuidar da inserção e do desenvolvimento profissional, no contexto das transformações do mundo do trabalho e no da organização dos espaços vitais de aprendizagem e de interações humanas.

 

DIMENSÕES E CONCEITOS DE COMPETÊNCIAS

O termo competências apresenta diversos sentidos e definições dentro de determinado contexto e espaço temporal (PERRENOUD, 2004). Por se tratar de um termo multidimensional, diversos tipos de competências podem ser descritas, conforme figura 1: 

• Competências profissionais (capacidade de utilizar os conhecimentos e as habilidades adquiridos para o desempenho em uma situação profissional);

• Competências ocupacionais (habilidade para desempenhar atividades no trabalho dentro de padrões de qualidade esperados);

• Competências básicas (capacidade de abstração, boa comunicação oral e escrita, raciocínio lógico, capacidade de prever e resolver problemas do processo e do produto);

• Competências tecnológicas (conhecimento das técnicas e tecnologias de uma profissão ou de profissões afins);

• Competências interpessoais (capacidade de negociar, decidir em equipe, comunicar-se);

• Competências participativas (capacidade de organizar seu trabalho de modo cooperativo e solidário, disposição para assumir responsabilidades).

A competência não é um conhecimento adquirido. Possuir conhecimento e habilidades não significa ser competente, pois é possível ter conhecimento sem saber aplicá-lo (BRONCKART; DOLZ, 2004). Logo, as competências não são asseguradas por diplomas, não são inatas e, ainda, não são totalmente dominadas, já que são construídas ao longo da vida do trabalhador, sendo formadas com base em aprendizagem em ambientes formais e informais.

Para Scottini (1998), competências descrevem habilidades ou capacidades humanas para realizar algo. A noção de competência assinala, segundo Dolz e Ollagnier (2004), um saber integrador que responde às especificidades de um contexto da ação. Já Libâneo (2004) destaca que competências são as capacidades, habilidades, qualidades, e atitudes relacionadas a conhecimentos práticos e teóricos que possibilitam a um profissional exercer adequadamente a sua profissão. É, ainda, para Bronckart e Dolz (2004), uma tentativa de redefinir e de organizar os objetos e objetivos dos procedimentos de uma formação, assim como as capacidades exigidas dos aprendizes e de seus formadores.

As competências são construídas por meio de processos de aprendizagem influenciados por três conjuntos de capacidades humanas: conhecimentos (informação, saber o quê e saber o porquê), habilidades (técnica, capacidade e saber como) e atitudes (querer fazer, identidade e determinação) (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001). São essas três dimensões que geram a capacidade de atuar, fundamentada na inteligência e personalidade das pessoas (FLEURY; FLEURY, 2001). Compreender o processo de desenvolvimento de competências é estar "de acordo com as situações, experiências vividas e aprendizagens transformadas em conhecimentos e habilidades que, por sua vez, são a base para a formação de atitudes, construindo a capacidade de atuar" (CRUZ; PEREIRA; SOUZA, 2004, p. 25).

Conceitos de Competências Profissionais

Um conjunto de conceitos sobre competências profissionais tem sido apresentado na literatura especializada. Com base nisso, foi construída, com os conceitos de competências profissionais formulados por diferentes autores, uma tabela comparativa (Tabela 1).

É possível identificar, nos conceitos sobre competências profissionais pesquisados, uma alusão ao conjunto de aprendizagens construídas ao longo da vida, baseadas em capacidades cognitivas, afetivas e de mobilização de habilidades de adaptação e socialização. No âmbito desta pesquisa, considera-se competências profissionais o repertório de comportamentos e habilidades cognitivas, sociais e emocionais que o psicólogo necessita para atuar com êxito em sua atividade profissional.

Visto isso, é necessário avançar no debate sobre o papel das competências no processo de formação profissional, ora descritas na capacidade de atuar, ora no repertório de comportamentos profissionais que delineiam a qualidade da atividade desempenhada ou, ainda, na relação entre as exigências requeridas pelas atividades do posto de trabalho e o desempenho profissionalmente legitimado.

Medida e Avaliação de Competências Profissionais

No âmbito das competências profissionais, avaliar pressupõe a comparação entre o que se espera do indivíduo em termos de realização do trabalho (resultado esperado) e a sua atuação efetiva (trabalho realizado), e também a existência de algum mecanismo de acompanhamento que permita corrigir desvios para assegurar que a execução corresponda ao que foi planejado (LUCENA, 1977; ALURY; REICHEL, 1994). Sendo assim, a avaliação refere-se a um processo que envolve atividades de planejamento, de acompanhamento e de avaliação propriamente dita (GUIMARÃES, 1998).

Realizar um estudo sobre as variáveis definidoras da competência profissional permite identificar os comportamentos percebidos e valorizados socialmente como relevantes ao desempenho de uma ocupação ou profissão. A construção de medidas e processos de avaliação de competências profissionais tem se tornado, especialmente nos últimos dez anos, uma tradição importante em pesquisas no âmbito da Psicometria e da Psicologia do Trabalho (CRUZ, 2004).

Parte dessa tradição revela uma tendência aos estudos empíricos, centrados em análises de casos, especialmente em tipos de ocupações profissionais (MEGHNAGI; AJELLO; CEVOLI, 1992). Outra parte dessa tradição de pesquisas tem se dedicado a discutir a natureza e os problemas conceituais que envolvem a definição do construto competência social e profissional (SCHWARTZ, 1998; REY, 2002).

Na tradição descritiva e experimental da Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia Educacional americana da segunda metade do século passado, o estudo das habilidades e capacidades humanas privilegiou dimensões objetivas, observáveis e, portanto, mensuráveis, dos comportamentos humanos, pois subjacente a essa abordagem estava a suposição de que as manifestações observáveis da conduta são as únicas passíveis de serem estudadas e analisadas. Características e aspectos subjetivos, não manifestos, só poderiam ser hipotetizados e inferidos com base nas dimensões objetivas e constatáveis empiricamente. Partindo dessas premissas, essa tradição de pesquisas atribuiu importância central à construção de instrumentos estatisticamente padronizados de aferição e mensuração dos atributos indicativos da presença ou ausência de determinadas habilidades e ou capacidades. Do ponto de vista teórico e metodológico, tais capacidades e/ou habilidades são definidas com base em padrões de competência preestabelecidos, que os próprios pesquisadores elegem como parâmetros para a construção dos instrumentos de mensuração. De maneira paradoxal e, muitas vezes, até tautológica, as definições de capacidades e habilidades expressam, de modo operacional e observável, os atributos e as dimensões constitutivas dos construtos (MANFREDI, 1998).

Goldberg et al (1974, p. 25), num dos estudos pioneiros sobre a avaliação das competências profissionais, define o termo competência como o grau de racionalidade profissional, isto é "da eficácia e eficiência no desempenho em certa profissão" ou da "percepção inteligente dos fins" e, ainda, da "adequação funcional dos meios aos fins". Segundo Desaulniers (1997, p. 53) "a construção da competência baseia-se nos saberes que constituem a qualificação profissional", pois o desenvolvimento de competências profissionais implica em articular saberes diante de desafios encontrados no trabalho, sem perder de vista a necessidade de aferir essa competência a partir dos seus resultados.

Com base nessa discussão teórico-metodológica sobre o conceito e as dimensões de análise de competências no mundo do trabalho, o presente estudo tem por objetivo avançar no conhecimento da relação entre competências profissionais e o processo de formação dos psicólogos à medida que sinaliza dimensões e comportamentos valorizados profissionalmente que têm relação direta com a atuação profissional. Parte-se da expectativa de poder avaliar as competências profissionais na atuação de psicólogos com base em três segmentos envolvidos: professores, alunos e egressos do curso de Psicologia de uma instituição pública de ensino superior da região Sul do país, de forma a auxiliar na compreensão das relações entre a formação e o desenvolvimento de competências profissionais. Os resultados desse estudo, certamente, poderão auxiliar na realização de uma avaliação crítica do processo de formação profissional e de produção de expectativas para o trabalho, gerados em nossa universidade e em seu entorno social.

 

MÉTODO

Caracterização da População e Local de Pesquisa

Participaram desta pesquisa 28 professores do curso de Psicologia de uma instituição pública de ensino superior da região Sul do Brasil (de um total de 42), 36 estagiários que realizaram seus estágios curriculares entre os anos de 2006 e 2008 (de um total de 120) e 38 psicólogos egressos da mesma universidade, que atuam como profissionais há pelo menos um ano após o término da graduação. A participação foi voluntária e envolveu contatos previamente agendados, tendo em vista a necessidade de comunicar os objetivos da pesquisa e de realizar a aplicação do instrumento de coleta de dados.

Instrumento, Procedimentos de Coleta e Análise de Dados

A primeira etapa da elaboração do instrumento foi caracterizar as principais contribuições teóricas e metodológicas ao estudo de competências profissionais, buscando articulá-las com as características do processo de formação em Psicologia. O resultado desta primeira etapa permitiu identificar 16 categorias (atitudes e comportamentos) definidoras de competências profissionais dos psicólogos: 1) Tomar decisões e iniciativas; 2) Relacionar-se social e profissionalmente; 3) Liderar (coordenar); 4) Comunicar-se social e profissionalmente a partir da escrita; 5) Comunicar-se social e profissionalmente a partir da fala (verbal, oral); 6) Avaliar problemas e processos psicológicos; 7) Realizar atendimento e tratamento clínico; 8) Intervir em demandas sociais; 9) Utilizar técnicas para intervir em grupos e organizações; 10) Responsabilizar-se por seus atos pessoais e compromissos sócio-profissionais; 11) Dominar conhecimentos da área; 12) Pesquisar e participar de eventos científicos; 13) Ensinar e capacitar; 14) Investir e desenvolver suas próprias capacidades, habilidades e interesses; 15) Demonstrar afeto e cuidado; 16) Realizar orientação, processos de mediação e acompanhamento.

Com base nessas categorias foi construído um inventário com 206 itens, que passou por um processo de validação semântica e de conteúdo por especialistas em psicometria, professores e psicólogos de diferentes ocupações profissionais, a fim de aperfeiçoar o grau de pertinência e compreensibilidade dos itens em relação às dimensões consideradas. Nessas análises, foram eliminados 61 itens (concordância menor que 60%) e alterados por aglutinação ou sintetização outros 30 itens. A versão final do inventário apresentou 132 itens, em uma escala ordinal de cinco pontos (não é importante, pouco importante, importante, muito importante e imprescindível), à qual foi adicionada a opção "não compete ao psicólogo". Os dados obtidos foram organizados e analisados conforme as categorias previamente definidas do instrumento de coleta de dados, e em planilhas eletrônicas (softwares Access e Excel).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados de identificação dos participantes da pesquisa são apresentados na Tabela 2. A composição etária da amostra apresentou-se variada, entre 21 e 64 anos (média igual a 33,4), com predominância do sexo feminino (71,6%).

 

 

Entre os participantes da pesquisa, 27,5% são professores do curso de Psicologia de uma instituição pública de ensino superior da região Sul do país; 35,3%, estagiários que realizaram seus estágios curriculares entre os semestres de 2006.2 e 2008.1 e 37,3% psicólogos egressos da mesma universidade que atuam como profissionais há pelo menos um ano após o término da graduação.

Algumas das competências foram apontadas pela população como não condizentes com a atuação do psicólogo. Dentre os participantes, 70,6% referiram que utilizar terapias alternativas (não oficialmente aceitas) no tratamento psicológico não compete ao psicólogo, assim como impor suas ideias ou forma de trabalho aos clientes (47,1%) e buscar suprir necessidades espirituais (41,2%). O primeiro resultado não corrobora o entendimento de Luz (2005), que afirma serem os psicólogos os profissionais que mais se destacam pela busca da formação em diferentes terapias alternativas.

A Tabela 3 mostra, sinteticamente, a tendência da percepção de competências conforme o grau de maior ou menor importância atribuído pelos participantes, excluindo o que não foi referido como de competência do psicólogo.

A competência expressar aborrecimento diante de uma crítica foi identificada por 58,4% da população como sendo sem ou com pouca importância para a atuação do psicólogo, e por 37,6% como sendo algo que não compete a esse profissional. A proximidade nas respostas do grau de sem ou com pouca importância com a opção não compete ao psicólogo também foi identificada em outras competências como: aceita opiniões contrárias para evitar problemas, indicado por 52,0% como sendo sem ou com pouca importância, e 26,5% como algo que não compete ao psicólogo e, compartilhar assuntos pessoais com colegas do trabalho, expresso por 20,6% dos participantes como algo que não compete aos psicólogos e por 56,9% como uma competência sem ou com pouca importância. Durante o processo de formação profissional, segundo Desaulniers (1997), algumas ações devem enfatizar o desenvolvimento de habilidades que configurem o desempenho do trabalhador, como a flexibilidade às mudanças e diante do inusitado.

Conforme a Tabela 3, dentre as competências apontadas pelos participantes da pesquisa como sendo sem importância ou com pouca importância, as que mais se destacaram foram: investigar o comportamento animal (58,8%), expressar aborrecimento diante de uma crítica (58,4%), compartilhar assuntos pessoais com colegas do trabalho (56,9%), indicando, de um lado, a valorização de uma postura profissional e, de outro, o menor reconhecimento da necessidade da investigação científica do comportamento animal na formação do psicólogo.

Das competências consideradas como importantes para a atuação do psicólogo, algumas receberam maior destaque, como realizar trabalho de estimulação neuropsicológica (53,0%) e realizar orientação profissional para adolescentes (52,0%). Outras competências também se destacaram no grau de importância, como participar de entidade de classe (Conselho, Sindicato, Associação) e conselhos municipais, estaduais ou federais (51,0%); orientar pais na educação dos filhos (51,0%) e acompanhar o desenvolvimento de profissionais em formação (51,0%). Sendo assim, os participantes da pesquisa apontam como importantes aquelas competências relacionadas a categorias como: realizar atendimento e tratamento clínico; realizar orientação, processos de mediação e acompanhamento; intervir em demandas sociais; e ensinar e capacitar, o que requer do psicólogo conhecimento e habilidades que o auxilie a atuar dessa forma.

Com base nos resultados apresentados na Tabela 3, são profissionalmente competentes (grau de muito importante e imprescindível) os psicólogos que mantêm sigilo de dados fornecidos pelo seu cliente, item do inventário de competências que obteve concordância de 100% entre os participantes. Esse resultado corrobora a pesquisa realizada por Mattos, Shimizu e Bervique (2008) ao afirmar que uma das principais qualidades de um psicólogo são a discrição e manutenção do sigilo profissional e, em contrapartida, a atitude mais condenável a de não manter o sigilo profissional.

Em seguida, aparecem: atuar em equipes multiprofissionais, com 87,3%; assumir responsabilidades pelos resultados do seu trabalho, com 87,1%; demonstrar interesse em aprender novas informações sobre o trabalho do psicólogo, e expressar-se com objetividade, coerência e clareza, citados por 86,3% da população. Outra competência considerada muito importante ou imprescindível pelos participantes foi utilizar teorias psicológicas no exercício profissional (85,3%), o que vai ao encontro de Desaulniers (1997), quando este afirma que durante o processo de construção de competências alguns procedimentos são necessários, como, por exemplo, articular o conhecimento científico com a prática. Isso sugere que são competências essenciais para a formação profissional do psicólogo aquelas relacionadas à responsabilidade por seus atos pessoais e compromissos sócio-profissionais. Segundo Brandão e Guimarães (2001) e Fleury e Fleury (2001), ser competente é saber assumir responsabilidade diante de situações de trabalho, assumindo os riscos e consequências de suas ações. Além disso, o psicólogo competente precisa relacionar-se social e profissionalmente, competência essa referida por Deffune e Depresbiteris (2002) como aquela que proporciona ao trabalhador atuar em diversas atividades, em vários postos de trabalho, e em equipes.

 

CONCLUSÕES

Com base nessa pesquisa, pode-se avaliar as atitudes e comportamentos construídos no processo de formação que define as competências profissionais dos psicólogos, possibilitando, com a participação de seus formandos, maior reflexão sobre o futuro do curso de Psicologia dessa instituição pública de ensino e sua reforma curricular, visando à inovação dos processos de formação e a construção de competências.

Dos resultados obtidos depreende-se a necessidade de uma reforma curricular que dê ênfase às competências identificadas como importantes e imprescindíveis para a atuação do psicólogo no mercado de trabalho, principalmente aquelas relacionadas à dimensão ética do profissional, assim como a dimensão relacionada à comunicação e ao relacionamento social e profissional. Além disso, percebe-se a necessidade de que o curso de Psicologia dessa instituição aperfeiçoe as competências políticas e educativas na formação acadêmica.

Por fim, a continuação desta pesquisa, no intuito de promover a participação de egressos e professores de outras instituições de ensino, no âmbito dos cursos de Psicologia, certamente contribuirá para a ampliação da compreensão sobre as competências profissionais dos psicólogos no mundo do trabalho e os desafios a serem enfrentados na formação acadêmica.

 

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Endereço para correspondência
Roberto Moraes Cruz
E-mail: robertocruz@cfh.ufsc.br

Viviane Schultz
E-mail: vivischultz@yahoo.com.br

Submetido em: 04/07/2009
Revisto em: 04/10/2009
Aceito em: 21/10/2009

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