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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.62 no.1 Rio de Janeiro abr. 2010

 

ARTIGOS

 

Ideal e autoridade na educação

 

Ideal and authority in education

 

 

Cristia Rosineiri Gonçalves Lopes Correa

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo aborda a problemática do Ideal em sua inscrição no campo educacional a partir de sua abordagem psicanalítica. A autora argumenta que a dimensão do Ideal na educação é paradoxal e verifica, nesta direção, o lugar que pode ocupar a noção de autoridade na reformulação dessa problemática.

Palavras-chave: Ideal; Autoridade; Educação; Freud; Lacan.


ABSTRACT

This article discusses the question of Ideal in its inscription in the educational field based on the psychoanalytic theory. The author posits that the role played by Ideal in education is paradoxical, and, in this sense, treats of the role played by authority in the reformulation of this question.

Keywords: Ideal; Authority; Education; Freud; Lacan.


 

 

UMA ABORDAGEM DO IDEAL DO EU

Freud (1914/1996) afirma que o que o sujeito projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido em sua infância na qual ele era o seu próprio ideal. Ou seja, o que o sujeito projeta diante dele como o seu ideal é a nova forma do seu Ideal do eu.

Freud observa ainda que não seria surpreendente encontrar um agente psíquico especial que realizasse a tarefa de assegurar a satisfação narcisista proveniente do Ideal do eu e que, para esse fim, observasse constantemente o eu real, medindo-o por aquele ideal. Essa hipótese de um agente psíquico especial que vigiasse e velasse pela segurança da satisfação narcisista proveniente do Ideal do eu conduzirá mais adiante no percurso de Freud à noção do supereu. Aqui já temos rascunhado em Freud a forte junção supereuóica no Ideal do eu.

Dessa maneira, minimamente falando, Freud reivindica nesse texto que

[...] o desenvolvimento do eu consiste num afastamento do narcisismo primário e engendra um vigoroso esforço para ganhá-lo novamente. Esse afastamento faz-se por meio de um deslocamento da libido para um Ideal do eu imposto pelo exterior, e a satisfação resulta da realização desse ideal (LACAN, 1953-1954/1986, p. 159).

Lacan endossa a referida abordagem do Ideal do eu feita por Freud no que institui o Ideal como um guia que se encontra para além da relação imaginária, no plano simbólico – “guia que comanda o sujeito” (LACAN, 1953-1954/1986, p. 166). E, nesse sentido, trabalha essa noção do Ideal do eu a partir da experiência da criança diante de sua imagem no espelho, definindo o eu ideal como concernente ao imaginário e o Ideal do eu ao registro simbólico. Nessa abordagem, o Ideal do eu diz da impotência primitiva do ser humano, na própria medida em que concerne a uma forma realizada, total: a miragem de si mesmo que só é vista fora de si. O Ideal do eu concerne a uma introjeção simbólica no que a regulação da imagem própria é comandada por ele. Nesse sentido, o Ideal do eu concerne à relação simbólica que define a posição do sujeito como aquele que vê. Relação simbólica que define o maior ou o menor grau de perfeição, de aproximação do imaginário no que a imagem que o sujeito vê no espelho pode ser tanto uma imagem nítida como uma imagem bastante fragmentada.

No seminário As formações do inconsciente, Lacan prossegue nessa direção argumentando que, de início, a imagem do corpo próprio, por figurar-se completa, fornece uma realidade virtual a ser conquistada pelo sujeito. Em jogo está o falo, o objeto imaginário com o qual a criança tem que se identificar para satisfazer o desejo da mãe (LACAN, 1957-1958/1999).

Nessa conquista primária da realidade, a formação do Ideal do eu “parte do referenciamento imaginário, mas se dirige ao simbólico quando o pai intervém para proibir, fazendo passar à categoria propriamente simbólica o objeto do desejo da mãe, de tal sorte que este deixa de ser somente um objeto imaginário” (LACAN, 1957-1958/1999, p. 235). “Este objeto, o falo, é então promovido ao estado de significante por ser correlativo à inscrição do Nome-do-Pai no campo do Outro” (BUZAN, 2008, p. 131). A formação do Ideal do eu resulta, então, da castração simbólica que consiste na lei proibitiva do incesto, na intervenção paterna para além do desejo da mãe; no que o pai opera como o significante do Nome-do-Pai. Nesse sentido, “o lugar do Ideal do eu é o lugar da criança desejada, tendo sido reconhecida em seu desejo” (LACAN, 1957-1958/1999, p. 270-271).

Buzan (2008, p. 132) argumenta que parece estar exatamente aí a problemática desta identificação, descoberta por Freud, concernente ao Ideal do eu.

Por um lado, ela introduz as marcas do desejo em decorrência da inscrição da lei. Por outro, sendo o desejo de incesto, num movimento de reconhecimento e recusa da castração, fato estrutural na constituição de todo ser falante, o sujeito, sem o saber, se utiliza das máscaras – Eu ideal e Ideal do eu – encobrindo o real do objeto, tal como aparece na fantasia e no sintoma neuróticos.

O argumento de Buzan nos conduz ao cerne do que Lacan (1969-1970/1996) sugere no seu seminário O avesso da psicanálise, quando nos dá indícios de que onde o discurso do mestre opera, o ideal está em jogo, no que o mestre é colocado no lugar do Ideal do eu.

De acordo com Lacan, o caso clínico de Dora (FREUD, 1901-1905/1996) evidencia que o pai idealizado ocupa o papel pivô, maiúsculo, papel mestre no discurso da histérica, na própria medida em que o que a histérica quer não é o gozo, mas o saber como meio de gozo. A histérica não quer gozar; ela quer saber, daí a dimensão do amor pelo pai, do pai idealizado, do saber idealizado. O discurso da histérica, como Dora o faz tão bem, tem o mérito de manter na instituição discursiva a pergunta sobre o que vem a ser a relação sexual. O Outro como lugar do saber recalcado é a resposta a essa pergunta (LACAN, 1969-1970/1996). Segundo Lacan (1969-1970/1996), o discurso da histérica revela a relação do discurso do mestre com o gozo, pois o saber vem ali no lugar de gozo.

Lacan nos diz ainda que encontramos no caso Dora o seu pai, pivô de toda a problemática, sendo propriamente um homem castrado quanto a sua potência sexual. Nessa direção, Lacan sugere que o pai idealizado é o pai castrado, mas sobre quem foi erigida uma idealização que mascara a verdade da castração e o institui como mestre para quem o sujeito dirige o amor (LACAN, 1969-1970/1996). “O pai a quem a criança recorre em sua infância, do qual sabe que é todo amor, que vai na frente, previne o que nela pode se manifestar de mal-estar” (LACAN, 1969-1970/1996, p. 93). Nesse sentido, o discurso do mestre concerne a uma forma de saber, que rejeita e exclui a dinâmica da verdade da castração no que recalca aquilo que habita o saber mítico. O pai de Dora é um pai idealizado e a madame K é quem pode sustentar o desejo dele. Com isso, Lacan parece sugerir que no Ideal trata-se de erigir uma idealização sobre a castração.

Entretanto, uma pergunta se impõe: O que significa uma idealização erigida sobre uma castração? Questão que parece estar no cerne da formação do Ideal do eu que concerne ao pai idealizado. Como bem marca Buzan (2008, p. 133), “a identificação, ao se estabelecer por um traço mínimo, deixa aparentar tratar-se de uma igualdade a serviço do Ideal do eu, velando o real da falta de objeto e a inexistência da relação sexual”.

O Ideal do eu é o pai idealizado para quem se dirige o amor – é o que podemos pensar a partir da abordagem feita por Lacan, do discurso do mestre. Outro problema com essa identificação parece se colocar porque o amor provoca “uma verdadeira subdução do simbólico, uma espécie de anulação, de perturbação da função do Ideal do eu” (LACAN, 1953-1954/1986, p. 166) na própria medida que o amor reabre a porta à perfeição por ser um fenômeno que se passa no plano do imaginário. “E se o Ideal do eu que vela o real da falta de objeto estiver no comando, há uma proliferação do imaginário que produz o mestre que é colocado no lugar de Ideal do eu. Lugar de um aprisionamento identificatório, de um gozo que não cede para dar lugar ao desejo como  causa” (BUZAN, 2008, p. 130); o que aponta o Ideal do eu concernente não apenas aos registros simbólico e imaginário como também ao registro do real; o Ideal do eu como um dado de estrutura (CORREA, no prelo).

Lacan (1967/2005), ao abordar a dimensão do Ideal na psicanálise em intenção e em extensão nos pós-freudianos que responderam desse lugar do Ideal instaurando um nefasto desvio, nos sugere com fina elegância que onde o Ideal do eu está em jogo, temos como contrapartida lógica a segregação do real das diferenças que tocam no real da castração (LACAN, 1967/2005).  Nesse sentido, a prática psicanalítica visa eticamente ao processo de desidealização, à queda do Ideal que mascara a verdade da castração, encobre o real do objeto, vela a inexistência da relação sexual e exclui as diferenças no que o Ideal traz em seu bojo o comando de padrões e preconceitos, prerrogando igualdade na busca cruel e desumana de amor, reconhecimento e garantia.

 

UMA ABORDAGEM SOBRE A AUTORIDADE

Freud (1913/1996) constrói um mito a partir de certas ideias teóricas de Darwin, de Atkinson e, particularmente, de Robertson Smith combinadas com as descobertas da psicanálise. De Darwin, Freud tomou de empréstimo a hipótese de que, em épocas primevas, o homem vivia em pequenas hordas, cada uma das quais sob o domínio de um macho poderoso que gozava de todas as mulheres e expulsava os filhos de casa, que assim não usufruíam de nenhuma delas. De Atkinson, Freud acolheu a ideia do assassinato desse macho poderoso, o chefe da horda, o pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. O grau de privação dos filhos expulsos pelo pai chegou a tal ponto que esses filhos do pai, logo irmãos entre eles, retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal. “Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhe teria sido impossível fazer individualmente” (FREUD, 1913/1996, p. 145). Freud reivindica em seu mito que a ambivalência subjacente na relação dos filhos com o pai foi o determinante desse crime. “De um lado, os filhos odiavam o pai, que representava um obstáculo ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também” (FREUD, 1913/1996, p. 146). Em decorrência dessa ambivalência de sentimentos dos filhos em relação ao pai, após o terem assassinado e devorado, ou seja, satisfeito o ódio que sentiam por ele e o anseio de identificação com ele, o amor pelo pai até então recalcado ganha a cena sob a forma do remorso. O sentimento de culpa dos filhos diante do ato parricida usando o procedimento de “obediência adiada” interditou as mulheres que até então tinham sido interditadas pela existência real do pai. Eles mesmos interditaram o acesso ao gozo, que tinha se constituído o motivo do parricídio, na medida em que “o pai morto se tornou mais forte do que o fora vivo” (FREUD, 1913/1996, p. 146).

E, finalmente, baseado na teoria totêmica de Robertson Smith, Freud (1934-1938/1939 presumiu que, subsequentemente, a horda paterna cedeu lugar ao clã fraterno totêmico. Freud argumenta que a proibição do incesto encontra o seu fundamento no fato de que os desejos sexuais não unem os homens, mas os dividem. Embora os irmãos tivessem se reunido em grupo para se livrar do pai, todos eram rivais uns dos outros no que concernia às mulheres. Caso não instituíssem a lei proibitiva do incesto, e todos, de igual modo, renunciassem às mulheres que desejavam e por quem assassinaram e devoraram o pai, a nova organização desembocaria em uma batalha de todos contra todos, pois cada filho pretenderia o lugar do pai e, com isso, pretenderia todas as mulheres para si. E, ademais, nenhum dos filhos era forte o suficiente para assumir com êxito o lugar que fora do pai. Diz Freud, além disso, que, ainda por muito tempo, os sentimentos fraternais sociais continuaram a exercer uma profunda influência na organização da sociedade. No que eles garantiam a vida uns dos outros, os irmãos estavam reivindicando que a nenhum deles devia se repetir o destino trágico do pai. Nesse sentido, no que diz respeito à interdição do assassinato, o marco inicial foi a proibição, fundamentada na religião, contra a morte do totem. Depois, houve a proibição socialmente fundamentada contra o fratricídio. Nesse momento em que a horda fraterna substituiu em primeira instância a horda patriarcal, a sociedade estava organizada com base na cumplicidade do crime comum. Foi somente muito mais tarde que a proibição deixou de circunscrever-se aos membros do clã, alcançando a forma imperativa do mandamento universal: ‘Não matarás’.

A partir disso, Freud reivindica que a pretensão de ser o totemismo considerado uma primeira tentativa de religião baseia-se no tabu referente a tirar a vida do animal totêmico. O animal impressionou os filhos como um substituto natural e óbvio do pai; mas o tratamento que se impuseram dar a ele expressava mais do que a necessidade de exibir o remorso. Podiam tentar, na relação com esse pai substituto, suavizar o causticante sentimento de culpa, provocar uma espécie de reconciliação com o pai. O sistema totêmico foi, por assim dizer, um pacto com o pai, no qual ele lhes prometia tudo o que uma imaginação infantil pode esperar de um pai – proteção, cuidado e indulgência – enquanto, por seu lado, os filhos comprometiam-se a respeitar-lhe a vida, isto é, não repetir o ato que causara a destruição do pai real. “O totemismo, além disso, continha uma tentativa de auto-justificação: ’Se nosso pai nos houvesse tratado da maneira que o totem nos trata, nunca nos teríamos sentido tentados a matá-lo.’. Desta maneira, o totemismo ajudou a amenizar a situação e tornou possível esquecer o acontecimento a que devia sua origem” (FREUD, 1913/1996, p. 48). Ainda referenciado a Robertson Smith, Freud reivindica que a atitude emocional ambivalente dos filhos para com o pai permaneceu em vigor durante a totalidade do seu desenvolvimento posterior. De um lado, um animal específico foi colocado em lugar do pai, como totem, e era encarado como ancestral e espírito protetor, e não podia ser ferido ou morto. De outro, uma vez por ano, toda a comunidade masculina se reunia em uma refeição cerimonial, em que o animal totêmico (adorado em todas as outras ocasiões) era despedaçado e devorado em comum. “Ninguém podia ausentar-se dessa refeição: ela era a repetição cerimonial da morte do pai, com a qual a ordem social, as leis morais e a religião haviam iniciado” (FREUD, 1934-1938/1939, p. 145).

A despeito do fato de etnólogos posteriores terem unanimemente rejeitado as hipóteses de Robertson Smith e terem divergido dele completamente, e, com isso, Freud ter-se defrontado com violentas censuras por não ter alterado suas opiniões expressas em Totem e tabu em edições posteriores de seus livros,Freud sustentou essa construção até o final de sua vida. Em Moisés e o monoteísmo,ele ratifica essa construção e promove o assassinato do pai primevo como a experiência traumática original, que apesar de recalcada deixou traços permanentes, os quais podem ser comparados a uma tradição, que diante de outras situações traumáticas que acionem o trauma original faz com que o processo seja repetido outras vezes. Nesse sentido, Freud reivindica que se a religião de Moisés foi inicialmente rejeitada e semiesquecida, irrompendo posteriormente como uma tradição, isso se deveu ao assassinato de Moisés. O assassinato de Moisés é outra construção de Freud que se fundamenta em uma tradição que versava sobre a morte violenta desse grande homem, que indiscutivelmente instituiu o monoteísmo e se manteve como uma autoridade para o povo judeu e, por isso, no lugar de pai para esse povo. Freud presume que o assassinato e o efeito retardado da autoridade desse pai assassinado que foi Moisés estavam sendo repetidos pela segunda vez. Em outras palavras, Freud (1934-1938/1939) reivindica que quando Moisés trouxe ao povo a ideia de um deus único, essa não constituiu uma novidade, mas significou a revivescência de uma experiência das eras primevas da família humana, que há muito se desvanecera na memória consciente dos homens.

Entretanto, como pensar essa autoridade? A autoridade em questão concerne ao pai vivo da horda que privava os filhos do gozo das mulheres e ao grande líder de um povo a quem ele escolheu para dar uma direção que foi Moisés, ou concerne a uma posição a que eles acederam após terem sido não somente mortos como também assassinados? Quando os filhos são castrados? Quando não podem usufruir das mulheres que o pai retém para ele, ou quando assassinam o pai? E quais as consequências que poderíamos extrair dessa resposta, se houver, para pensarmos a autoridade no âmbito educacional? No que a autoridade na educação consiste e no que uma prática cujo operador seja a autoridade difere daquela que se sustenta na dimensão do Ideal?

Poderemos dar um passo a mais, imprescindível no percurso a ser feito para tentar responder a essas questões, se abordarmos a dimensão do Ideal e da autoridade na educação.

 

A DIMENSÃO DO IDEAL E DA AUTORIDADE NA EDUCAÇÃO

No que diz respeito à dimensão do Ideal no campo educacional, impõe-se aqui uma observação na noção de transferência. A partir da abordagem lacaniana (LACAN, 1960-1961/1992), transferência é transferência de saber, e como efeito dela surge o amor, amor ao saber. Mas, dado o caráter do amor como escamoteação do desejo, ela se apresenta como resistência ao desejo como desejo do Outro, na medida em que comporta em sua estrutura uma dimensão idealizante. Sob transferência, o sujeito supõe saber no analista; dirige o seu amor para ele como lugar de saber e nesse movimento o coloca no lugar de Ideal do eu. Cumpre dizer que o Ideal do eu, por ser um dado de estrutura, é ineliminável e, assim, inevitavelmente ocupará esse lugar no fenômeno da transferência. O que importa, a partir disso, será a posição do analista diante dessa idealização no sentido de sustentar uma prática desde o início que vise a partir de um longo e doloroso percurso a uma queda do Ideal na vida do sujeito, podendo ele aceder a uma posição desejante.

Freud (1921/1996) prossegue e avança em sua abordagem do Ideal do eu argumentando que a identificação concernente ao Ideal do eu fundamenta-se em uma identificação com o pai, tomando-o como seu Ideal, identificação que antecede ao complexo de Édipo.

Além disso, Freud argumenta nesse mesmo texto que quando o sujeito está amando, o objeto amado fica livre de críticas e se torna supervalorizado. Freud conclui que tal tendência concerne à idealização,que em muitas formas de escolha amorosa consiste em o sujeito utilizar-se do objeto como sucedâneo para algum inatingido Ideal do eu dele mesmo.  Esse processo de idealização implica, de um lado, a sublimação do objeto colocado no lugar do Ideal do eu e, de outro, a desvalorização do eu diante desse Ideal, desembocando no sacrifício do eu como consequência natural. O objeto consome o eu que apresenta traços de humildade e de danos causados a si próprio (FREUD, 1921/1996), uma verdadeira posição de assujeitamento. Esse primeiro momento diz de uma euforia e entusiasmo que a idealização comporta, provocando uma verdadeira subdução do simbólico, submetendo o sujeito a uma posição de “fascinação” e “servidão” em relação ao objeto colocado no lugar do Ideal do eu.

Entretanto, Freud argumenta, tomando a hipnose como referência, que na dimensão idealizante a resistência pode se colocar, a despeito da submissão sugestiva. Essa abordagem freudiana do Ideal do eu nos sustenta no cerne da nossa discussão, no ponto em que estamos, a saber, a dimensão do Ideal na prática educativa.

A abordagem lacaniana da transferência como suposição de saber tem o mérito de decantar a transferência como um dado estrutural do sujeito diante do Outro e não como um fenômeno exclusivamente clínico – elemento já presente no texto do Freud (1912/1996). E isso introduz consequências para outros campos em que é sensível o lugar ocupado pelo Outro, como, por exemplo, o campo da educação, em que o professor é solicitado pelo aluno a responder no lugar de quem sabe. Sob transferência, o aluno supõe saber no professor, dirige seu amor para ele como lugar de saber e, nesse movimento, coloca-o no lugar de Ideal do eu. E se o Ideal do eu se constitui em uma dimensão ineliminável da transferência, cumpre dizer novamente que o que importa, a partir disso, será a posição do professor diante dessa idealização no sentido de sustentar uma prática que não seja pautada no Ideal que impossibilita a transmissão.

Lacan (1960-1961/1992) argumenta que o amor comporta o caráter de escamoteação do desejo como desejo do Outro. Daí, se como efeito dessa suposição de saber surge o amor, o amor ao saber e, nesse movimento, o aluno coloca o professor no lugar de Ideal do eu, consequentemente essa posição de assujeitamento comporta resistência e a aprendizagem não avança.

Almeida (2001) acredita que a relação professor-aluno pode (re)produzir, segundo as leis do funcionamento do inconsciente, uma relação transferencial imaginária, especular, na qual o aluno-falo submete-se à Lei do desejo do mestre, para ser reconhecido e amado, na qualidade de eu-ideal, por este Outro, suposto tudo saber, tudo poder. Ao projetar no aluno suas fantasias (de reparação, de onipotência ou quaisquer outras) e ao "seduzi-lo" para que ele lhe responda desde uma posição subjetiva de assujeitamento, o professor estará atualizando, ele mesmo, sua própria condição subjetiva em face do desejo e da castração. O que está em jogo é o que representa este ou aquele aluno no inconsciente do professor, na sua "constelação de insígnias", e de que lugar, imaginário ou simbólico, ele responde ao desejo de saber do aluno ou à sua obstinação de nada querer saber.

No campo educacional, a dificuldade de aprendizagem, em conjunto com a indisciplina dos alunos, vêm sendo denominadas “fracasso escolar”. Este fenômeno atinge 50% a 70% das crianças e adolescentes encaminhados aos serviços públicos de saúde (CABRAL; SAWAYA, 2001). Frequentemente, o surgimento das dificuldades de aprendizagem é explicado por teorias sociopolítico-econômicas, déficits orgânicos e cognitivos dos sujeitos que têm no seu fundamento uma dimensão idealizante, produzindo, como contrapartida lógica, a segregação. A fina sugestão de Lacan na proposição (LACAN, 1967/2005) de que onde o Ideal está operando temos como contrapartida lógica a segregação, a exclusão das diferenças adquire alcance e consistência no campo educacional, no qual é patente a dimensão do Ideal em jogo. O comando do Ideal em inumeráveis práticas educativas remonta à introdução do discurso da ciência no ambiente escolar, que introduz novos significantes para as crianças com dificuldades, como, por exemplo, entre inúmeras entidades patológicas, crianças portadoras de dislexia. Essa via diagnóstica introduz como consequência lógica a segregação do aluno que não se adapta às categorias e medidas padronizadas que engessam o conceito de normalidade concernente à entidade em questão e, por isso, não interessa a esse saber científico escutá-lo na sua diferença em relação ao Ideal de normalidade. Esse aluno, que está fora do Ideal, somente interessa a esse saber como objeto de estudo.

Conforme Santiago (2005), a abordagem organicista designa como causa dos problemas de aprendizagem as disfunções neurológicas ligadas ao desenvolvimento do sistema nervoso central, como, por exemplo, a disfunção cerebral mínima, categoria cuja aplicação não poupa a segregação.

Ainda segundo a autora, a abordagem instrumental cognitivista localiza a causalidade das dificuldades escolares nas disfunções concernentes a um desses quatro processos psicológicos, a saber: o pensamento, a linguagem, a memória e a percepção, perpetuando padrões e, consequentemente, a segregação no campo escolar, como ilustra a criança diagnosticada com transtorno de déficit de atenção seletiva, na medida em que ela é excluída do conjunto daquelas que satisfazem o Ideal terapêutico da normalidade no que concerne à função em jogo.

Santiago (2005) pensa que a psicologia clínica atribui a causa dos problemas de aprendizagem aos conflitos emocionais e problemas na estruturação familiar, promovendo a família ideal como condição para o desenvolvimento afetivo normal do sujeito infantil. O que essa prática produz como consequência lógica é a exclusão das crianças que não têm uma história familiar que atenda a esse ideal.

Dessa maneira, o discurso da ciência como fonte de um déficit do sujeito constitui-se nas práticas educativas como um mandamento Ideal que comanda o processo ensino-aprendizagem com o professor no lugar do Ideal do eu do aluno, produzindo como consequência lógica a exclusão das diferenças.

Nesse caso, como poderíamos pensar o manejo da transferência no campo educacional para que o processo educativo não consista em modelar o sujeito em função de ideais pessoais, de acordo com o eu do educador? Para que a dimensão do Ideal na transferência não se constitua em um obstáculo à possibilidade de transmissão nesse campo?

 

DISCUSSÃO

Embora Freud, em Totem e tabu, pareça sugerir em alguns pontos que o pai castrador era o pai vivo que impedia os filhos do gozo por puro capricho e despotismo, ele, por outro lado, deixa-nos entrever que o pai castrador é o pai assassinado quando ele argumenta com um rigor impecável que o pai morto se torna mais forte do que vivo (CORREA, 2009). Lacan, fiel ao espírito freudiano, argumenta, então, que a castração como enunciado de uma interdição só adveio quando do assassinato do pai, quando de um comum acordo entre os filhos em renunciar ao que motivou o assassinato.

Portanto, segundo Lacan, o operador estrutural é o pai morto que interdita o gozo, que tem o gozo sob sua guarda, que guarda o gozo como reserva, a saber, o pai assassinado de Totem e tabu que se situa para além do mito de Édipo. Daí podemos concluir que a autoridade concerne ao pai morto e assassinado. Que é somente a partir do estatuto de operador estrutural, de pai simbólico, que é justamente “o pai morto que só se alcança a partir de um lugar vazio e sem comunicação” (LACAN, 1969-1970/1996, p. 90) que o lugar da autoridade se institui.

Entretanto, no campo educacional, na contramão da autoridade, temos a dimensão do Ideal que traz no seu bojo a busca do amor, da liberdade, do pensamento autêntico, do contínuo devir.

Hegel a partir de Kant prerroga que um homem só pode realizar a sua liberdade se viver em um mundo de homens livres como ele e que, como ele, aplicam os preceitos da razão prática (CHÂTELET, 1994). Na solução que Hegel dá ao problema da verdade, a saber, a coincidência entre o pensamento e o seu objeto, ou o ser, Hegel pede que se reflita sobre o fato de que o ser não é imobilidade, mas devir. O ser é devir. No devir trata-se de um movimento que acontece e que remete o ser ao nada, na própria medida em que o “ser” constitui o nada. E o devir nessa perspectiva é a verdade, simultaneamente do ser e do nada. Trata-se de que há história, há devir. Não se pode ignorar esse aspecto do ser. O ser devém (CHÂTELET, 1994).

A meu ver, a abordagem hegeliana do ser como devir, sugerindo no seu fundamento a possibilidade da superação das contradições e, com isso, a possibilidade da síntese, da desalienação, do pensamento autêntico e da liberdade fundamenta uma grande quantidade de estudos no campo educacional concernidos à uma abordagem não idealizante da educação na vertente da nefasta segregação introduzida pela escola da excelência, com os seus padrões rígidos de cognição e comportamento tanto na porta de entrada como na possibilidade de continuidade de estudo nesse tipo de escola. Tais estudos prerrogam em oposição à escola da excelência, a escola para todos que tem como mérito certo nível de intervenção em nefastas consequências troduzidas pela dimensão idealizante.

Larrosa (2006) sugere que o olhar apropriador na educação é o olhar que toma, que divide e que não acolhe o que é, mas sim o que deveria ser,construindo a realidade analiticamente e a partir do ponto de vista de sua manipulação possível. Mas os olhos dadivosos na educação não dividem nem projetam a vontade de dominação e, por isso, encontram um mundo que revela sua plenitude e sua verdadeira realidade, seu ser como é, sua independência, sua inacessibilidade e seu mistério. Por isso, com esse olhar, o “vivenciar o existente” não é mais julgar ou valorar as coisas, não é se apropriar do que existe, mas é um deixar aparecer o existente em seu ser, em sua plenitude e em seu distanciamento, isto é, em sua verdade (LARROSA, 2006).

Sugere ainda, nessa mesma direção, que na educação trata-se de chamar o sujeito para ir além de si mesmo, para tornar-se outro, dentro de um projeto de contínua recriação, autenticidade e liberdade. Não há lugar para intimidação, para pedir para vencer nem sequer para convencer, para a pretensão de se apoderar daquele que escuta. Sugere uma educação que não suporta o modo imperativo nem a imitação. Na relação com a matéria de estudo, o sujeito é levado para si mesmo por meio da ressonância. Se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim alguém vai sendo levado à sua própria forma (LARROSA, 2006) “(...) as palavras do mestre só ao se converterem em silêncio deixam um vazio no qual o discípulo possa criar um lugar para si (...)” (LARROSA, 2006, p. 92).

Freire (2005) critica a visão “bancária” ou opressora da educação, na qual o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda em uma das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui a alienação da ignorância, que consiste em atribuir a ignorância ao outro. O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, rígidas e invariáveis, ocupando sempre o lugar de quem sabe, contrário aos educandos que serão sempre os que não sabem. O educador se põe frente aos educandos com sua antinomia necessária. Reconhece na absolutização da ignorância daqueles a razão de sua existência. Os educandos, alienados, à maneira do escravo na dialética hegeliana do senhor e do escravo, reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador, mas diferentemente do escravo na referida dialética, não chegam a descobrir-se educadores do educador (FREIRE, 2005).

Nessa perspectiva, Freire prerroga a educação libertadora ou problematizadora, que trata de uma conciliação que implica a superação da contradição educador/educando de modo tal que ambos tornem-se, simultaneamente, educadores e educandos. Na concepção opressora, não há possibilidade de ocorrer essa superação, pois se trata da “cultura do silêncio”. Pelo contrário, a educação opressora mantém e estimula a contradição. Nesta abordagem, os homens são vistos como seres da adaptação, do enquadramento, em uma direção que impossibilita o desenvolvimento em si da consciência crítica que possibilitaria a sua inserção no mundo, como transformadores deste, em uma posição de sujeito e não de assujeitados (FREIRE, 2005). Essa visão anula ou minimiza o poder de criação dos educandos, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade. Pensar autenticamente é perigoso e por isso essa abordagem opressora tenta fazer dos homens o seu contrário: o autômato, que é a negação de sua ontológica vocação de ser mais. Freire então defende que na perspectiva libertadora trata-se de abordar os homens como seres da busca cuja vocação ontológica é humanizar-se, ao se dar conta da contradição em que a educação opressora pretende mantê-los e lutar por sua libertação e, nessa direção, buscar o pensamento autêntico. Pensamento autêntico resultante da desalienação e da liberdade em vez de recebimento passivo do saber doado. Enquanto a concepção opressora, para manter a contradição, nega a dialogicidade como essência da educação e se constitui como antidialógica, não é possível a educação libertadora realizar-se sem superar a contradição entre o educador e os educandos. E também não é possível para ela realizar-se fora do diálogo, pois é por meio deste que resulta um novo tema: não se trata mais do educador do educando, nem do educando do educador, e sim do educador-educando com o educando-educador. Nessa direção, o educador já não é o que somente educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, educa também (FREIRE, 2005). “Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 2005, p. 79). Para Freire, o educador, na concepção opressora, identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos, na própria medida em que estes devem adaptar-se às determinações daquele.

Entretanto, destas abordagens que, como já foi referido, têm o mérito de intervir em nefastas consequência que inegavelmente a dimensão idealizante introduz, ressalta que esse tipo de  abordagem, ao tentar escapar do Ideal, paradoxalmente continua no Ideal, a saber, o Ideal da igualdade, da desalienação, da autenticidade e da liberdade.

Jerusalinsk (1999) em um artigo concernente a uma abordagem crítica ao Ideal de inclusão encerrado em todo e qualquer projeto de escolarização de crianças psicóticas na escola comum nos adverte como um falso igualitarismo pode acabar em segregação.

De fato, como Freire sugere, autoridade e liberdade não se coadunam. Aliás, a autoridade também não se harmoniza nem com a igualdade nem com a desalienação nem com a autenticidade, pois se tratam de ideais, e a autoridade está na contramão dos ideais. E Freire, assim como Larrosa e todos que se mantêm nessa perspectiva, parece preferir a via dos ideais.

Arendt (1954/2007), concernida em definir o conceito de autoridade, diz que esta consiste em uma força externa, de fora, que transcende a esfera política, da qual as autoridades derivam sua “autoridade”. A autoridade prescinde da violência, tratando-se na autoridade de uma obediência voluntária fundada na desigualdade. Essa rigorosa pontuação de Arendt aproxima-se bastante do que a psicanálise diz sobre a autoridade, a saber, como um lugar que se institui “somente a partir do estatuto de operador estrutural, de pai simbólico, que é justamente o pai morto que só se alcança a partir de um lugar vazio e sem comunicação” (LACAN, 1969-1970/1996, p. 90).

Em uma direção contrária, o Ideal prerroga a igualdade e exclui as diferenças, tocando no gozo. Nesse ponto que concerne ao gozo que o Ideal introduz, impõe-se aqui nos reportarmos ao que Lacan (1959-1960/1991) ao abordar o Ideal do amor ao próximo propõe: que o recuo diante do mandamento Ideal: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo” é a mesma coisa que a barreira diante do gozo, e não seu contrário, tratando nesse Ideal de uma crueldade insuportável. Partindo disso, e da reivindicação feita na proposição da segregação como consequência lógica de um Ideal em jogo, pensamos que essa consequência não se restringe ao Ideal do amor ao próximo; que trata-se de uma crueldade insuportável no assujeitamento a todo e qualquer Ideal.

Tomando o Ideal do amor ao próximo como paradigma na abordagem do quão cruel pode ser um ideal (CORREA, 2007) no campo educacional, podemos dizer que no Ideal em jogo na educação a junção supereuóica é muito forte. Nesse sentido, pensamos ser plausível argumentar que um Ideal educacional pode constituir-se em um mandamento supereuóico e, por conseguinte, trazer em sua estrutura o caráter de uma lei insensata que o comando do supereu evoca. Por essa  possibilidade, o Ideal educacional mantém-se sob o império da pulsão de morte que silenciosamente amarra o sujeito em uma posição de assujeitamento e, por isso, masoquista (CORREA, 2007). No que cede de seu desejo, sob o imperativo do Ideal educacional, o aluno não persevera tomando o real da diferença como causa e se apreende como presa de um gozo masoquista.

A psicanálise desvela que o gozo como mal constitutivo do sujeito, das ações humanas – o mal radical em Freud, concernente ao real –, que o surgimento do Ideal visa manter distância, não é de maneira alguma afastado. “Pois o sujeito goza mesmo assim” (CORREA, 2007, p. 139). Goza nas insatisfações, inibições, privações e interdições, produtos de uma ética pautada no Ideal, em que  esta ética, buscando a garantia e o amor do Outro, demanda inesgotáveis renúncias pulsionais e sacrifícios; prescreve mandamentos, regras, padrões, medidas e diretrizes que não suportam a “inadequação” e exclui as diferenças; e goza nas queixas que as insatisfações pulsionais introduzem.

Como uma possível conclusão, a partir do que foi abordado aqui neste artigo, reivindicamos que pelo fato de o aluno supor saber no professor e o instituir no lugar do Ideal do eu, não necessariamente por definição, o professor está no lugar de autoridade.

Reivindicamos também que o Ideal que visa em sua natureza a afastar o gozo, recobrindo a castração pela via do amor, desemboca paradoxalmente no gozo, no sacrifício. Por isso, uma ética educacional pautada em Ideais por si só é ineficaz e desumana. E é justamente porque se trata do real que o Ideal tenta recobrir, de um impossível que insiste em retornar, que uma ética educacional pautada na autoridade pode se inscrever como única saída nesta hiância colocada pelo paradoxo introduzido pelo Ideal; e constituir-se em uma prática que escute as diferenças sem segregá-las. Todo e qualquer projeto de inclusão das diferenças tomado em sua radicalidade como visa a escola para todos, no que busca a igualdade, incorre também na prática da segregação, pois trata-se de escutar e não de incluir as diferenças. Conforme Arendt reivindica, a crise na educação é uma crise da autoridade. E, sendo assim, tal ética educacional pautada na autoridade tem de se fundamentar não no diálogo, na relação entre iguais como sugere Freire, mas na diferença entre o professor e o aluno, pois novamente como Arendt argumenta, e está no cerne da psicanálise, na autoridade trata-se de uma relação fundada na desigualdade e na diferença, e não na igualdade como reivindicam os Ideais. Uma prática que vise transmitir e não modelar o aluno de acordo com o eu do educador.

A alienação do desejo do sujeito ao desejo do Outro é dado de estrutura. No entanto, a operação de separação, como Lacan (1964, 1964a) bem marcou, no que ela introduz o desejo em sua função separadora (Lacan, 1964a, p. 207), introduz uma saída da “sobredeterminação”. A via do desejo, única saída do ponto mesmo do vel da alienação, introduz uma margem de liberdade para o sujeito desejante. É com essa margem de liberdade que a psicanálise pode operar para que o sujeito desejante possa  livrar-se psicanaliticamente do “Seja feita tua vontade!” referente ao desejo do Outro, que  se pode colocar tão absoluto, mais pode  aproximar-se de um mandato sem cair no ideal da liberdade. Margem de liberdade que confere a possibilidade da invenção, do inédito, do estilo, sem incorrer no ideal do pensamento autêntico, dada a alienação estrutural do desejo do sujeito ao desejo do Outro. Essa margem de liberdade conferida pela operação de separação se apresenta a partir da transmissão da castração abordada por Freud (1934-1938/1939) em Moisés e o monoteísmo. No entanto, como Julien (2002) nos diz, Freud salva o pai e é preciso ousar nessa questão e ir com Freud além de Freud para que possamos avançar nesse ponto. É preciso ir além do pai e não salvá-lo para que possamos aceder à referida margem de liberdade.

Em suma, o que é privilegiado nesse artigo é que no Ideal educacional trata-se de uma degradação da autoridade do professor, daí é possível concluir que no campo educacional o Ideal está na contramão da autoridade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Cristia Rosineiri Gonçalves Lopes Correa
E-mail:crlopes2001@yahoo.com.br

 

Recebido em: 24/06/2009
Revisto em: 14/12/2009
Aceito em: 18/12/2009

 

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