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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.63 no.1 Rio de Janeiro  2011

 

ARTIGOS

 

Criatividade em aula: percepção de alunos de dois estados brasileiros

 

Creativity in classroom: perceptions of students from two Brazilian states

 

Creatividad en aula: percepciones de estudiantes de dos estados brasileños

 

 

Fernanda do Carmo GonçalvesI; Denise de Souza FleithII; Ana Clara Oliveira LibórioIII

IMestranda. Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Distrito Federal. Brasil. fernandajfmg@yahoo.com.br
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Distrito Federal. Brasil. fleith@unb.br
IIIMestre. Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Distrito Federal. Brasil. ana.clara.liborio@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi examinar a percepção do clima para criatividade em sala de aula nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática de 93 alunos de uma escola pública em Minas Gerais (MG) e 94 do Distrito Federal (DF), matriculados no 6º ano do ensino fundamental. A Escala sobre Clima para a Criatividade em Sala de Aula, utilizada neste estudo, avalia cinco fatores: suporte da professora à expressão de ideias do aluno, autopercepção do aluno com relação à criatividade, interesse do aluno pela aprendizagem, autonomia do aluno e estímulo da professora à produção de ideias do aluno. Os resultados indicaram diferenças significativas quando comparadas às percepções de alunos de MG e do DF nas duas disciplinas. Foi observado ainda que os alunos de MG avaliaram mais positivamente o clima de sala de aula para criatividade na disciplina de Matemática do que na de Língua Portuguesa. Não foram encontradas diferenças na percepção dos alunos do DF na comparação das duas disciplinas.

Palavras-chave: Criatividade; Sala de aula; Avaliação.


ABSTRACT

The purpose of this study was to investigate the perception regarding the classroom climate for creativity in the subjects of Portuguese Language and Mathematics of 93 6th grade students from a public school in Minas Gerais (MG) and 94 from a school in the Federal District (FD). The Scale of Classroom Climate for Creativity, used in this study, assesses five factors: teacher’s support to the student’s ideas expression, student’s self-perception with respect to creativity, student’s interest for learning, student’s autonomy, and teacher’s support to the student’s ideas production. The results indicated significant differences when compared the perceptions of students from MG and FD in both subjects. It was also noted that the students from MG assessed the classroom climate for creativity in Mathematics more positively than in the Portuguese Language. There were no differences in the perception of students from the FD comparing the two subjects.

Keywords: Creativity; Classroom; Assessment.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue examinar la percepción del clima para la creatividad en sala de aula en las disciplinas de Lengua Portuguesa y Matemáticas de 93 alumnos de una escuela pública de Minas Gerais (MG) y 94 de Distrito Federal (DF) inscritos en el 6 º año de la escuela primaria. Escala de Clima de Creatividad en Aula, utilizada en este estudio evalúa cinco factores: el apoyo del profesor para expresar las ideas del estudiante, el estudiante de la percepción con respecto a la creatividad, el interés de los estudiantes en el aprendizaje, la autonomía del alumno y el fomento del profesor para la producción de las ideas de los estudiantes. Los resultados indican diferencias significativas al comparar las percepciones de los estudiantes de MG y DF en ambas disciplinas. También se observó que los estudiantes de MG evaluaron de forma más positiva el clima de la aula para la creatividad en las matemáticas que en la Lengua Portuguesa. No hubo diferencias en las percepciones de los estudiantes de DF al comparar las dos disciplinas.

Palabras clave: Creatividad; Evaluación; En el aula.


 

 

Introdução

A criatividade tem sido foco de pesquisa de diversos estudiosos, por ser reconhecida como uma dimensão importante para o desenvolvimento humano (Alencar, 2002; Alencar & Fleith, 2003; Alencar & Martínez, 1998; Beghetto, 2009; Csikszentmihalyi, 1996; Mayer, 2006; Sawyer, 2003; Torrance, 1993). Segundo Novaes (1999), Alencar e Fleith (2003, 2008) e Virgolim (2007), o mundo vem passando por inúmeras mudanças e inovações nos últimos anos, caracterizando um momento de grande turbulência e incertezas, seja no mercado de trabalho, nas relações sociais, seja na sociedade de maneira geral. Por essa razão, a criatividade é apontada como um recurso precioso para lidar com os desafios da época atual.

Embora não exista um consenso quanto à definição do termo criatividade, especialistas da área concordam que esse fenômeno implica a emergência de algo novo ou o aperfeiçoamento de produtos já existentes (Alencar & Fleith, 2003; Amabile, 1989, 1996; Csikszentmihalyi, 1996; Sternberg & Lubart, 1991, 1996). Diversos pesquisadores, desde a segunda metade do século passado, têm ressaltado a importância do ambiente para a promoção da habilidade criativa, especialmente da escola (Alencar & Fleith, 2003, 2008; Csikszentmihalyi, 1996; Dias, Enumo & Junior, 2004; Getzels & Jackson, 1962; Sternberg & Lubart, 1991, 1996; Virgolim, Neves-Pereira & Fleith, 2000; Torrance, 1993, 2004). Inclusive, vários documentos oficiais, como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Ministério da Educação, 1997), preconizam a necessidade de capacitar alunos para solução de problemas por meio do pensamento lógico, da criatividade, da intuição e da análise crítica de situações e problemas.

No entanto, o potencial criativo ainda tem sido pouco estimulado no contexto escolar. Conforme ressaltam Wechsler (2002), Martínez (2006) e Alencar (2007), embora sejam reconhecidas a importância da criatividade e a necessidade de promover a sua expressão, têm-se constatado oportunidades limitadas de estímulo e uso do potencial criativo nas redes de ensino. O sistema educacional de diversos países tem sido criticado pela fragilidade no desenvolvimento global de seus alunos, entre eles o desenvolvimento do potencial criativo, que não só é desconsiderado como também é atrofiado por práticas inibidoras de ensino (Alencar, 2001).

Nos Estados Unidos, Schacter, Thum e Zifkin (2006) realizaram uma pesquisa com alunos e professores do 3º ao 6º ano do Ensino Fundamental para analisar a relação entre comportamentos de ensino criativo e desempenho escolar. Os autores concluíram que a maioria dos professores investigados não implementava estratégias de ensino promotoras do potencial criativo dos alunos. Ademais, os resultados obtidos revelaram que as turmas com elevado índice de alunos com baixo desempenho escolar eram as que menos recebiam estimulação para a criatividade. Por outro lado, foi verificado que os alunos cujos professores implementavam estratégias favoráveis à criatividade em sala de aula apresentavam melhor desempenho escolar.

Gentry, Rizza e Owen (2002) compararam a percepção de professores e de seus alunos em relação ao desenvolvimento de atividades desafiadoras e estratégias educacionais no estímulo da autonomia do aprendiz em sala de aula. Os professores avaliaram esses aspectos de forma mais positiva quando comparados a seus alunos, revelando divergência de percepções entre docentes e discentes.

Com o intuito de avaliar se o ambiente de sala de aula propiciava o estímulo à criatividade, Fleith e Alencar (2006) averiguaram a percepção de alunos de 4º e 5º anos do ensino fundamental de escolas públicas e particulares. Os resultados revelaram uma percepção positiva por parte dos alunos acerca do clima de sala de aula para habilidade criativa. A dimensão interesse pela aprendizagem obteve a melhor avaliação por parte dos alunos, refletindo uma visão positiva do ambiente escolar e do prazer em aprender. Por outro lado, o fator relativo à autonomia do aluno foi o que obteve a média mais baixa, sugerindo que, no sistema escolar, essa característica era pouca estimulada.

Também Castro (2007) examinou a criatividade e as barreiras pessoais à expressão dessa habilidade entre professores com mais e menos experiência docente do 5º ano do ensino fundamental de escolas públicas e particulares. Neste estudo, investigou-se ainda a percepção do clima de sala de aula para criatividade entre os alunos desses professores. De acordo com os resultados, os alunos de professores mais experientes consideraram que recebem maior suporte da professora à expressão de ideias e perceberam de forma mais favorável o clima de sala de aula no que diz respeito ao interesse pela aprendizagem. Os alunos de escolas particulares se consideraram mais criativos e avaliaram o clima de sala de aula mais favorável à sua autonomia quando comparados aos alunos de escolas públicas. As autoras alertam para a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento da criatividade em sala de aula, tanto no ensino fundamental quanto nos cursos de formação docente. De acordo com Castro, muitas vezes esses profissionais não encontram espaço, tempo ou oportunidades de exercitar sua criatividade, interferindo no desenvolvimento da criatividade dos alunos.

Em outro estudo, Alencar e Fleith (2008) verificaram a percepção de professores do ensino fundamental sobre barreiras quanto ao estímulo à criatividade discente. As barreiras mais mencionadas estavam relacionadas aos alunos (elevado número de crianças em sala de aula e estudantes com dificuldade de aprendizagem). Para testar novas práticas pedagógicas, também foram relatados obstáculos, como insegurança, falta de autonomia na forma de conduzir as atividades docentes e desconhecimento sobre o tema.

Libório (2009) comparou a percepção de alunos do 6º ano do ensino fundamental em relação à ocorrência de práticas que contribuem para o desenvolvimento da habilidade criativa em distintas disciplinas. Nas disciplinas em que se observaram maior flexibilidade e menos regras, como Educação Física e Inglês, foram verificados resultados mais favoráveis ao estímulo à criatividade, segundo percepção dos alunos. Nessas turmas os professores falavam em um ritmo mais pausado e interrompiam suas explicações para dirimir dúvidas e ouvir observações dos alunos. Estes, por sua vez, estavam mais propensos a atender às solicitações do professor e demonstravam maior interesse e envolvimento com a aprendizagem. As disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática obtiveram as médias mais desfavoráveis no estímulo à criatividade de acordo com a avaliação dos alunos. Em um estudo recente, Pinheiro-Cavalcanti (2009) notou que alunos do 5º ano do ensino fundamental com alto desempenho escolar apresentaram percepção mais favorável à sua autonomia e ao desenvolvimento do interesse pela aprendizagem. Também foi constatada uma correlação positiva entre motivação intrínseca e interesse pela aprendizagem. De acordo com a pesquisadora, a elevada motivação intrínseca para aprender e a percepção favorável do clima de sala de aula para criatividade podem ser atribuídas à sensação de sucesso e bem-estar, que geram confiança nas próprias capacidades e coragem para vencer desafios, superar dificuldades e ter persistência.

Pinheiro-Cavalcanti indica em seu estudo a necessidade de mudanças no paradigma educacional brasileiro vigente, que compromete e inibe o desenvolvimento do ambiente escolar favorável à criatividade e tende a homogeneizar e universalizar o ensino, desconsiderando a dimensão criativa. Segundo as autoras, “existe de fato uma resistência das escolas, em geral, em trabalhar o desenvolvimento dos componentes curriculares de modo articulado com estratégias de estímulo à criatividade e à motivação para aprender dos alunos” (p. 174).

Os estudos e pesquisas apresentados sugerem os benefícios do uso da criatividade no bem-estar emocional, na relação professor-aluno, no interesse dos alunos pela aprendizagem e no desempenho escolar. No entanto, também, foi constatada a necessidade de maior estímulo da habilidade criativa no contexto educacional. Conforme Fleith e Alencar (2005), a avaliação da sala de aula no estímulo dessa habilidade torna-se fundamental para verificar a influência do ensino na sua promoção ou inibição e, assim, propor estratégias mais efetivas que possibilitem o seu desenvolvimento. Nesse sentido, este estudo teve como objetivos examinar e comparar a percepção dos alunos de Minas Gerais (MG) e do Distrito Federal (DF) sobre o clima para criatividade em sala de aula para as disciplinas de Língua Portuguesa e de Matemática.

Com base na avaliação da extensão com que a criatividade é estimulada em sala de aula, estratégias de intervenção poderão ser planejadas no sentido de se promoverem o estabelecimento de condições favoráveis ao desenvolvimento e expressão do potencial criativo no contexto escolar.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 187 alunos do 6º ano do ensino fundamental, sendo 93 de uma escola pública de Minas Gerais e 94 de uma escola pública no Distrito Federal. Os alunos de Minas Gerais tinham em média 11,44 anos, e 49 (52,7%) eram do gênero feminino e 44 (47,3%) do masculino. A idade média dos alunos do Distrito Federal era de 11,96 anos. Quarenta e nove (53,8%) eram do gênero feminino e 42 (46,2%) do masculino (três participantes não informaram o gênero). As duas escolas foram selecionadas pelo fato de as autoras terem acesso às instituições. Contexto da Escola de Minas Gerais

A escola na qual ocorreu a pesquisa é um colégio de aplicação. Esse tipo de colégio caracteriza-se por estar ligado às faculdades e/ou universidades e atrelado à (a) preocupação com a formação de docentes, (b) investigação científica no contexto educacional, e (c) experimentação de novas práticas pedagógicas (Frangella, 2000).

O colégio foi criado em 1965 e está vinculado a uma universidade federal. A escola atende cerca de 1.100 alunos desde a educação infantil até o ensino médio, bem como alunos do curso de educação de jovens e adultos e uma turma de curso de Especialização em Prática Interdisciplinar. O quadro docente é composto por 61 professores efetivos em regime de dedicação exclusiva e 28 professores substitutos.

O colégio tem como filosofia a formação do cidadão crítico, criativo e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa, livre e fraterna.

No momento, quatro projetos estão em fase de implementação no colégio, em parceria com cursos de graduação da universidade federal: atendimento psicoeducacional a alunos com dificuldades escolares, orientação vocacional, prevenção de uso de substâncias psicoativas e projeto de identificação e desenvolvimento de estudantes superdotados. A instituição federal explicita que o objetivo do colégio é manter um ensino de qualidade, dando ênfase à pesquisa, à extensão e ao atendimento a estagiários da universidade pública.

Contexto da Escola do Distrito Federal

A escola do DF é uma instituição pública distrital. Foi inaugurada em 1977 e atende alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Possui cerca de 900 alunos, sendo a maioria residente da própria comunidade. O quadro docente é composto por 41 professores. A instituição visa à educação integral do aluno, na qual metodologias libertadoras e trabalhos diversificados são valorizados pelo corpo docente, por meio de trabalhos em grupo, debates, pesquisas científicas, laboratórios, oficinas, música e arte.

A escola tem como filosofia a formação do aluno de forma integral, valorizando-o como ser humano, único, diferente, mas com igual direito de acesso à informação e à cidadania. A escola, nesse sentido, deve construir um ambiente reflexivo e dinâmico, que possibilite a formação de pessoas críticas e conscientes, com vistas à sua inserção em uma totalidade. Isso se desenvolve, necessariamente, mediante o conhecimento teórico aliado à experiência prática do que se está construindo.

A escola possui vários projetos, dentre os quais destacam-se o de práticas artísticas e desportivas, reciclagem e solidariedade, e valores e virtudes para o desenvolvimento da ética e cidadania. Também foi implementado em 2008 um projeto cujo objetivo é desenvolver uma parceria entre a escola e os pais, visando ao envolvimento da família no processo socioeducativo proposto pela instituição, entendendo que a família é um dos atores fundamentais no processo de formação dos alunos como cidadãos.

Instrumento

A escala é composta de 22 itens e tem por objetivo identificar fatores associados à criatividade em sala de aula, segundo a percepção de alunos do 5º e 6º anos do ensino fundamental. Uma escala de frequência de 5 pontos é utilizada para a resposta aos itens: (1) nunca, (2) poucas vezes, (3) algumas vezes, (4) muitas vezes e (5) sempre, na qual o aluno irá assinalar com um X a frequência que mostra melhor o que acontece em sua sala de aula (Fleith & Alencar, 2005). Os coeficientes de fidedignidade da escala variam de 0,55 a 0,73.

Essa escala avalia cinco fatores: suporte do professor à expressão de ideias do aluno (Fator 1); autopercepção do aluno em relação à criatividade (Fator 2); interesse do aluno pela aprendizagem (Fator 3); autonomia do aluno (Fator 4); e estímulo do professor à produção de ideias do aluno (Fator 5). O Fator 1 é composto por cinco itens (ex.: a professora dá atenção às minhas ideias, eu tenho chance de participar de várias atividades). O Fator 2 inclui quatro itens (ex.: eu me acho criativo, eu uso a minha imaginação). O Fator 3 compreende seis itens (ex.: os trabalhos que faço são divertidos, eu gosto da matéria ensinada). Quatro itens compõem o Fator 4 (ex.: eu procuro fazer as tarefas de maneiras diferentes, eu posso escolher o que quero fazer). O Fator 5 contém três itens (ex.: a professora me pede para pensar em novas ideias, a professora me pede para tentar quando eu não sei a resposta de uma questão).

Procedimentos

Os dados desta pesquisa são provenientes do banco de dados de dois estudos anteriores realizados pelas próprias autoras. Ambas as pesquisas foram aprovadas pelo Comitê de Ética e os responsáveis pelos participantes preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido. Tendo em vista que no 6º ano do ensino fundamental os alunos cursam várias disciplinas ministradas por diferentes professores, optou-se em concentrar a pesquisa nas matérias de Língua Portuguesa e Matemática por constituírem disciplinas centrais na formação do aluno. Foi marcado previamente um horário para a aplicação do instrumento com os professores. A aplicação, com duração de cerca de 20 minutos, foi coletiva e os professores se retiraram da sala de aula. Foi assegurado aos participantes do estudo o caráter confidencial de suas respostas. A disciplina de Língua Portuguesa foi avaliada por três turmas em MG (a mesma professora era responsável pelas turmas) e três no DF (uma professora era responsável por duas turmas e outra professora por uma turma). Já a de Matemática foi avaliada por três turmas de MG e apenas uma do DF.

Análise de Dados

O programa SPSS (Statistic Package for Social Science) foi utilizado para efetuar a análise dos dados. Para atender os objetivos de pesquisa foi utilizada uma análise de variância univariada (Anova). As variáveis dependentes foram os cinco fatores medidos pela escala de percepção sobre o clima de sala de aula. As variáveis independentes foram estado e disciplina.

 

Resultados

Resultados preliminares considerando a disciplina de Língua Portuguesa apontaram que as médias mais altas foram apresentadas no Fator 2 (autopercepção do aluno em relação à criatividade) tanto para o grupo de MG quanto do DF. O Fator com média mais baixa foi o 4 (autonomia do aluno), para ambos os estados, e entre os alunos de MG esse fator recebeu pontuação abaixo do ponto médio de corte da escala (ver Tabela 1).

Os resultados da Anova indicaram diferenças significativas entre alunos dos dois estados em relação ao Fator 1 (t[157] = 2,10; p = 0,04) e ao Fator 3 (t[152] = 2,56; p = 0,01). No primeiro fator, relacionado ao suporte da professora à expressão de ideias do aluno, os alunos de MG apresentaram uma percepção mais positiva quando comparados aos do DF. Já no Fator 3, os alunos do DF avaliaram de forma mais satisfatória seu interesse pela aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa.

Quanto ao clima de sala de aula para criatividade na disciplina de Matemática, os resultados revelam que as médias mais altas foram no Fator 1 (suporte da professora à expressão de ideias do aluno) e Fator 3 (interesse do aluno pela aprendizagem) para os alunos de MG. Já entre os alunos do DF, a média mais alta foi no Fator 2 (autopercepção do aluno em relação à criatividade). A média mais baixa em ambos os estados foi no Fator 4, que está relacionado à autonomia do aluno (ver Tabela 2).

Os resultados da Anova indicaram diferenças significativas entre os estados em relação ao Fator 1 (t[51] = 3,25; p = 0,002) e ao Fator 3 (t[52] = 3,66; p = 0,011). Nesses dois fatores os alunos de MG apresentaram uma percepção mais positiva do clima de sala de aula para criatividade em Matemática quando comparados com alunos do DF.

Também foi comparada a percepção dos alunos de MG acerca do clima de sala de aula para criatividade, considerando as disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa. Foram encontradas diferenças para quase todos os fatores: Fator 1 (t[184] = 1,99; p = 0,048), Fator 3 (t[183] = 3,58; p = 0,001), Fator 4 (t[180] = 2,67; p = 0,008) e Fator 5 (t[183] = 2,81; p = 0,005). Os alunos apresentaram uma percepção mais positiva desses fatores na disciplina de Matemática (ver Tabela 3). Já em relação à percepção dos alunos do DF quanto às duas disciplinas, os resultados não indicam diferenças significativas ao se comparar o clima de sala de aula para criatividade em Língua Portuguesa e em Matemática (ver Tabela 4).

 

Discussão

Os resultados indicaram, de maneira geral, que os alunos percebem o clima para criatividade em sala de aula como positivo. A maioria das médias nos fatores avaliados ficou acima do ponto médio de corte da escala (entre “algumas vezes” e “muitas vezes”). Os Fatores 2 e 3 foram, com maior frequência, percebidos de forma mais favorável pelos alunos. Observa-se que esses fatores estão relacionados a aspectos associados aos próprios alunos (a autopercepção do aluno com relação à própria criatividade e o envolvimento do aluno com o trabalho escolar). Isso sugere uma visão positiva do seu potencial criativo, das tarefas e atividades realizadas em sala de aula e, principalmente, do prazer em aprender.

Por outro lado, o Fator 4 apresentou as médias mais desfavoráveis nas duas disciplinas, segundo os alunos de ambos os estados. Esses resultados estão em consonância com pesquisas anteriores em que aspectos relacionados à autonomia são pouco percebidos em sala de aula (Cavalcanti, 2009; Fleith & Alencar, 2006; Libório, 2009). Essas autoras advertem sobre a necessidade da promoção da emancipação, iniciativa e autonomia nos alunos, que são insuficientemente estimuladas em um contexto que ainda privilegia a passividade e dependência dos alunos e o controle do professor sobre as atividades em sala de aula. É interessante observar que essa situação já foi apontada em pesquisas realizadas há mais tempo (Alencar & Fleith, 2004; Fleith, 1990; Fleith, Renzulli & Westberg, 2002), revelando que poucas mudanças efetivamente ocorreram no contexto educacional ao longo do tempo.

Os resultados indicaram ainda diferenças de percepção entre alunos de MG e alunos do DF em relação ao suporte da professora à expressão de ideias do aluno (Fator 1) e interesse do aluno pela aprendizagem (Fator 3). Em relação à disciplina de Língua Portuguesa, no Fator 1, a avaliação dos alunos de MG foi mais satisfatória do que a dos do DF. Já no Fator 3, os alunos do DF tiveram uma percepção mais positiva. Em relação à disciplina de Matemática, os Fatores 1 e 3 foram mais bem avaliados pelos alunos de MG. Uma das possíveis razões para os participantes desse estado terem avaliado melhor a maioria desses fatores é o tipo de escola em que estudam. O colégio de aplicação se diferencia pelos seus principais objetivos, que são o fomento à investigação científica no contexto educacional e a experimentação de novas práticas pedagógicas. Além disso, essa instituição adota como filosofia a formação do cidadão crítico e criativo. Nesse contexto, o professor pode se sentir encorajado e instigado a usar estratégias educacionais diferenciadas em sala de aula que estimulam, em maior grau, a habilidade criativa de seus alunos.

A comparação da percepção do clima de sala de aula para criatividade entre as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática por estado revelou diferenças. Os alunos do DF percebem da mesma maneira o clima para criatividade em sala de aula nas duas disciplinas. No entanto, entre os alunos de MG, os resultados indicaram diferenças significativas na avaliação das disciplinas em quatro dos cinco fatores. A disciplina de Matemática foi mais bem avaliada quando comparada à de Língua Portuguesa. O único fator em que não houve diferenças diz respeito à percepção do aluno em relação à sua própria criatividade. Esse resultado sugere que a imagem que o aluno tem de si mesmo sobre seu potencial para criar não varia conforme a disciplina. Já os demais fatores parecem variar de acordo com cada disciplina e conduta do professor responsável. Esses achados reforçam a importância e a influência dos educadores na promoção da habilidade criativa dos estudantes em sala de aula.

No entanto, faz-se necessária uma investigação para avaliar a conduta desses educadores em sala de aula. Sugere-se, então, uma pesquisa com observação em sala de aula para investigar em que extensão as práticas pedagógicas implementadas estimulam a criatividade. Cabe destacar, também, conforme Alencar e Martínez (1998) indicam, a necessidade de se considerarem o contexto e a cultura das instituições e de onde estão inseridas. Embora essa advertência tenha sido feita pelas autoras, em seu estudo, considerando diferentes países, essa preocupação também é válida dentro do Brasil, que possui uma ampla área territorial e regiões com características e necessidades distintas, inclusive no âmbito educacional.

Por essa razão, para aprofundar o conhecimento acerca do clima para criatividade em sala de aula, recomenda-se a replicação desta pesquisa em outros estados do País, em diversas disciplinas curriculares, a fim de se verificarem similaridades ou discrepâncias. Esses estudos poderão fornecer informações acerca do panorama educacional brasileiro no que diz respeito a fatores estimulantes e inibidores à criatividade. Ademais, os resultados desses estudos poderão subsidiar o planejamento e o desenvolvimento de estratégias favoráveis à criatividade de acordo com a necessidade de cada estado ou região.

 

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Submetido em: 01/02/2010
Aceito em: 20/12/2010

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