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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.63 no.1 Rio de Janeiro  2011

 

ARTIGOS

 

Versão brasileira do “BITE” para uso em adolescentes1

 

Brazilian version of the “BITE” for use in adolescents

 

Versión brasileña de lo “BITE” para su uso en adolescentes

 

 

Rosana Christine Cavalcanti XimenesI; Viviane ColaresII; Tatiana BertulinoIII; Geraldo Bosco Lindoso CoutoIV; Everton Botelho SougeyV

IPós-doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Pernambuco. Brasil. rosanaximenes@gmail.com
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Pernambuco. Brasil. vivianecolares.upe@gmail.com
IIIMestranda. Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Pernambuco. Brasil. tatiana_bertulino@yahoo.com.br
IVDocente. Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Pernambuco. Brasil. gbosco@ufpe.br
VDocente. Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Pernambuco. Brasil. evertonbs@yahoo.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi traduzir para a língua portuguesa e adaptar o Bulimic Investigatory Test of Edinburgh - BITE em uma amostra de 109 adolescentes de 12 a 16 anos. Foram feitas tradução e retrotradução, adaptação transcultural, validação de face e aplicação da escala. Para a validação do questionário, foram obtidos os dados de coincidência observada e Kappa intra e interexaminador e o Alfa de Cronbach. A concordância observada e a análise do Kappa intra e interexaminadores variou de boa a excelente (CO – 88,9% a 100% e Kappa 0,60 a 1,0). A medida do alfa de Cronbach indicou um grau elevado de consistência interna (0,76), que garantiu a confiabilidade da escala. A tradução do BITE – versão para adolescentes mostrou boa equivalência linguística, conceitual e da escala, mostrando índices de precisão e validade de conteúdo.

Palavras-chave: Bulimia; Transtornos da alimentação; Estudos de validação.


ABSTRACT

This work aimed to translate the Bulimic Investigatory Test of Edinburgh - BITE into Portuguese and adapt it in a sample of 109 adolescents aged from 12 to 16. The methodological referential was translation and retro-translation, cross cultural adaptation, face validation and final version application. Statistical analysis methods were observed coincidence, intra and inter examiners kappa index and Cronbach´s alpha. Observed coincidence and intra and inter-examiners kappa analysis varied from good to excellent (OC - 88,9% to 100% and kappa 0,60 to 1,0). Cronbach´s alpha measure indicated a high degree of intern consistence (0,76), showing reliability of scale. Translation of BITE – Adolescent’s version showed a good linguistic, conceptual and scale equivalence, with precision indexes and content validity.

Keywords: Bulimia; Eating disorders; Validation studies.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue traducir al portugués y adaptar el Bulimic Investigatory Test of Edimburg - BITE en una muestra de 109 adolescentes de 12 a 16 años. Se hizo la traducción y la posterior traducción, adaptación cultural, validación y aplicación de la cara escala. Para validar el cuestionario, se obtuvo una coincidencia observada, kappa intra e inter-evaluador y el Alfa de Cronbach. El acuerdo observado y el análisis de kappa de intra e inter-evaluador variaba de buena a excelente (CO - 88,9% a 100% y kappa 0,60 a 1,0). La medida de la alfa de Cronbach indica un alto grado de consistencia interna (0,76), que garantiza la fiabilidad de la escala. La traducción de la BITE - versión para adolescentes mostró una buena equivalencia lingüística, conceptual y la escala, las tasas de proyección de la fiabilidad y la validez de contenido.

Palavra-clave: Bulimia; Trastornos de la conducta alimentaria; Estudios de validación.


 

 

Introdução

Os Transtornos Alimentares (TAs) – especialmente a Anorexia e a Bulimia Nervosas – têm recebido uma atenção crescente nas últimas duas décadas devido ao reconhecimento de sua prevalência e às dificuldades relacionadas ao seu tratamento. Os casos refratários estão frequentemente associados a altos índices de mortalidade: 15% desses pacientes falecem. Formas crônicas desses transtornos ocorrem em 25% desses pacientes, caracterizando-os por baixo peso crônico ou por acentuadas flutuações de peso. As complicações metabólicas (inclusive desnutrição), as sequelas psicológicas (transtornos de ansiedade ou de humor) e o isolamento social estão presentes em todos os casos (Nunes, 2006). Dessa forma, torna-se de fundamental importância o diagnóstico precoce, que, no caso dos TAs, pode ser feito por instrumentos específicos, como questionários e entrevistas clínicas estruturadas, mesmo quando aplicados por um não especialista (Garner, 2002; Moya, 2004).

Nos últimos vinte anos, foram publicados vários tipos de instrumentos de avaliação na língua inglesa, específicos para esses transtornos em indivíduos adultos. Entre esses, estão o “Eating Attitudes Test” (EAT) (Garner & Garfinkel, 1979); o “Eating Disorders Inventory” (EDI) (Garner et al., 1983); o “Clinical Eating Disorders Rating Instrument” (CEDRI) (Palmer et al., 1987); o “Bulimic Investigatory Test” (BITE) (Henderson & Freeman, 1987); a “Interview for Diagnosis of Eating Disorders” (IDED) (Williamson, 1990); a “Structured Interview for Anorexia and Bulimia Nervosa” (SIAB) (Fichter et al., 1991); o “Eating Disorder Examination” (EDE) (Fairburn & Cooper, 1993). Essas escalas fornecem informações gerais sobre a sintomatologia dos TAs; algumas possibilitam o diagnóstico e a avaliação da psicopatologia do quadro alimentar, outras, o rastreamento dessas patologias (Cordás & Neves, 2000; Moya, 2004). No Brasil, apenas a versão reduzida do EAT, conhecida por EAT-26, foi traduzida e validada (Nunes et al., 1994; 2005).

Em psiquiatria infantil existem poucos instrumentos diagnósticos desenvolvidos e validados. Com relação aos transtornos alimentares, não existe, no mundo, nenhum instrumento diagnóstico para estudo epidemiológico validado com o uso de amostra clínica, planejado especificamente para a faixa etária infanto-juvenil. Alguns pesquisadores, como Bryant-Waugh et al. (1996) e Carter; Stewart; Fairburn (2001), produziram instrumentos diagnósticos de TAs, que são adaptações daqueles planejados para adultos, visando ao uso em crianças e adolescentes. No entanto, sabemos que a patologia alimentar nessa faixa etária possui características muito próprias: crianças com 7-8 anos ainda não apresentam a capacidade de pensamento abstrato e autoavaliação, habilidades necessárias para responder a itens, por exemplo, que determinem ideias supervalorizadas a respeito de peso e forma do corpo. Além disso, muitas questões são direcionadas a estabelecer as frequências de determinados comportamentos pela criança, que pode não estar desenvolvida suficientemente para estimá-la ou não ser autorizada a manifestar esses comportamentos em função da supervisão dos adultos (Bryant- Waugh et al., 1996; Moya, 2004).

Dessa maneira, é fundamental o desenvolvimento de um instrumento diagnóstico de anorexia e bulimia específico para crianças e adolescentes, na medida em que permita o diagnóstico precoce e acurado de indivíduos doentes numa faixa etária na qual existe sua maior incidência (Hoek & Hoeken, 2003; Busse & Silva, 2004). O diagnóstico na fase inicial da doença certamente favoreceria a resposta ao tratamento, impedindo que crianças e adolescentes evoluíssem para indivíduos adultos cronicamente doentes, difíceis de tratar e com altos índices de morbidade e mortalidade. Esse instrumento também possibilitaria a realização de pesquisas nessa faixa etária, estabelecendo populações com diagnóstico confiável. Outra grande utilidade seria a possibilidade de se realizarem estudos epidemiológicos no Brasil, para detectar TAs nessa faixa etária, bem como dimensionar a magnitude do problema, o que orientaria a estruturação adequada de programas de prevenção e de serviços de assistência, destinados a atender demandas da população brasileira (Moya, 2004).

A grande maioria dos instrumentos de rastreamento e diagnóstico de TAs em crianças e adolescentes é adaptação de ferramentas para avaliação em adultos, validados, originalmente, na língua inglesa (Moya, 2004). Apenas o EAT-26 passou por uma tradução e adaptação para uso em adolescentes (Bighetti et al., 2004).

Na década de 1980, houve um aumento no interesse dos pesquisadores sobre a prevalência da Bulimia Nervosa (BN), que teve seu critério diagnóstico independente naquela época, na 3a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-III) da APA. Russell (1979), em artigo clássico, foi o primeiro a definir e distinguir a BN como categoria independente da anorexia nervosa (AN), propondo três critérios básicos: impulso irresistível de comer excessivamente; evitação dos efeitos de engordar da comida pela indução de vômitos e/ou abuso de purgativos, e medo mórbido de engordar.

Os pesquisadores Henderson e Freeman (1987) perceberam que havia a necessidade da criação de um questionário com maior sensibilidade para detectar indivíduos com sintomatologia de BN. Além disso, esse instrumento precisaria ser uma ferramenta testada, capaz de explorar por completo os sintomas e comportamentos associados à BN. Dessa forma, o questionário “Bulimic Investigatory Test”, Edinburgh (BITE) (Henderson; Freeman, 1987) foi desenhado e validado para identificar indivíduos com compulsão alimentar e avaliar os aspectos cognitivos e comportamentais relacionados à BN. O questionário pode ser aplicado tanto em estudos epidemiológicos, para identificar casos subclínicos em populações, quanto como um instrumento de screening, para utilização em ambulatórios de TAs, durante o tratamento, para avaliar a severidade do caso e verificar a resposta ao tratamento (Henderson & Freeman, 1987).

Para preencher os requisitos de validação de conteúdo, as questões do instrumento foram desenvolvidas com base na literatura (Palmer, 1979; Russel, 1979; Bruch, 1973) e nos critérios do DSM-III. Essas questões foram ainda adaptadas após discussão com um grupo de 17 pacientes (10 controles e 7 com BN). Foram feitos dois estudos piloto, sendo o primeiro com o objetivo de realizar a validação de face e o segundo, para a validação do BITE segundo a sensibilidade e confiabilidade. Em seguida, o estudo procedeu em quatro fases, sempre com um grupo controle e outro diagnosticado com BN, para preencher os aspectos de validade de critério.

Os critérios adotados como padrão ouro foram o DSM-III, o EAT e o EDI, nos quais foi obtida a validade concomitante e também foi feita sua validade preditiva. Os autores concluíram que a escala apresentou um alto poder de discriminar sujeitos com característica de BN e alto grau de confiabilidade (a = 0,96157, na escala de sintomas e 0,62342 na escala de severidade, demonstrando um alto grau de consistência interna) (Henderson & Freeman, 1987).

Dessa forma, em sua versão final, o BITE inclui duas escalas: uma de sintomas (30 itens sim / não, com escore variando de 0 a 30) e outra de gravidade (3 itens dimensionais). Esses dois escores podem ser adicionados para produzir um escore total. Na escala de sintomas, um escore elevado (= 20) indica um padrão alimentar muito perturbado e a presença de compulsão alimentar com grande possibilidade de bulimia; escores médios (entre 10 e 19) sugerem padrão alimentar não-usual, necessitando de avaliação por uma entrevista clinica, e escores abaixo de 10 estão dentro do limite da normalidade. Na escala de gravidade, um escore > 5 é considerado clinicamente significativo e = 10 indica elevado grau de gravidade. O instrumento apresentou adequadas propriedades psicométricas no estudo original (Cordás & Neves, 2000).

O instrumento foi traduzido para o português como Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo (Cordás & Hochgraf, 1993) e está validado em população brasileira (Nunes, 2003). É recomendável que os sujeitos respondam ao questionário considerando seus comportamentos nos últimos três meses. No entanto, o teste foi traduzido para o português baseado na versão validada em adultos de Henderson; Freeman (1987), o que dificultaria a sua interpretação em alguns itens quando aplicado em populações de adolescentes. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi traduzir para a língua portuguesa e adaptar o BITE, avaliando sua confiabilidade por meio da consistência interna dos seus itens em uma amostra de adolescentes de ambos os gêneros, estudantes de escolas públicas na cidade de Recife.

 

Metodologia

Diversos trabalhos discutem as metodologias e dificuldades das traduções transculturais em psiquiatria e psicologia. Na verdade, não há um consenso entre os autores de qual seria a metodologia para realizar as traduções, e alguns pesquisadores utilizam seus próprios métodos (Carvalho et al., 1993).

Neste estudo, o BITE foi submetido ao processo de tradução e retrotradução, ou seja, traduzido do inglês para o português por três tradutores independentes, nativos em país de língua portuguesa, com domínio da língua inglesa e membros de uma equipe multiprofissional do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco.

As traduções foram confrontadas e, por fim, foi obtida uma versão do teste. Em consenso com os tradutores, procedeu-se, a seguir, à retrotradução, ou seja, o BITE foi traduzido novamente, agora para o inglês, por um tradutor nativo em país de língua inglesa que possuía domínio da língua portuguesa e experiência na tradução de textos na área de saúde. Esse profissional não foi informado dos objetivos dessa tradução. Sendo assim, a escala original e a originada da retrotradução foram submetidas ao julgamento de uma pesquisadora de vivência internacional, ligada à Universidade de Pernambuco e à Universidade Federal de Pernambuco, formalizada com a temática, para avaliar a adequação entre elas, sem haver diferenças semelhantes para sua aprovação, procedendo-se à adaptação transcultural, feita com a presença do comitê de revisão, composto por todos os tradutores. Obteve-se, então, a primeira versão em português.

Para verificar o entendimento e a questão semântica dos itens do BITE traduzido para a língua portuguesa, foi realizada uma validação de face numa amostra intencional de 30 adolescentes de ambos os sexos, estudantes de uma escola pública estadual na cidade do Recife, com idade entre 12 e 16 anos que responderam ao teste. Foram excluídas, por perguntas feitas pelos próprios pesquisadores, adolescentes que estivessem realizando algum tipo de dieta ou tratamento para emagrecer, ou que tivessem alguma preocupação excessiva em controlar o peso ou a busca de um corpo perfeito. As dúvidas apresentadas pelos adolescentes voluntários foram anotadas por escrito para ajuste das palavras ou expressões definidas pela tradução de cada escala, além de mudanças na estrutura do questionário que facilitariam a compreensão deste. Obteve-se, então, a segunda versão em português.

Confirmada a versão em português do BITE, foi realizado um estudo piloto em 130 estudantes de ambos os gêneros, estudantes de duas escolas públicas estaduais da cidade de Recife, com idade entre 12 e 16 anos, que foram escolhidos aleatoriamente por sorteio. Essa amostra correspondeu a 20% da amostra de um estudo maior (Ximenes, Couto & Sougey, 2010), apresentando 15% de perda nos questionários válidos, totalizando, assim, 109 estudantes compondo a amostra final. O teste, que é autoadministrável, foi aplicado nas escolas, em uma sala de aula, apenas com a presença das pesquisadoras e do aluno, e recebeu a anuência dos pais, ou seja, uma carta solicitando permissão aos pais para a aplicação do teste. Após o consentimento dos pais e do adolescente, cada um respondeu ao questionário BITE, individualmente.

Com a finalidade de verificar a confiabilidade teste-reteste, o instrumento foi aplicado uma primeira vez por uma pesquisadora (examinadora A) em 109 adolescentes e após sete dias, tempo recomendado por Henderson; Freeman (1987), aconteceu o reteste, quando 54 adolescentes foram reavaliados pela examinadora A e 55, por outra pesquisadora (examinadora B). Dessa forma, obtiveram-se os dados de coincidência de Kappa com intervalo de confiabilidade de 95,0% para o Kappa populacional. A margem de erro considerada nos testes estatísticos foi de 5,0%.

Em seguida, foram obtidos os dados de coincidência observada e Kappa intra e interexaminador e o Alfa de Cronbach. A avaliação da confiabilidade foi realizada através do cálculo da consistência interna pela obtenção do Alfa de Cronbach, que consiste essencialmente na média das correlações múltiplas entre cada item de uma escala e todos os outros itens da escala.

Após o processo de tradução e adaptação nos 109 adolescentes, o instrumento foi utilizado numa pesquisa populacional que avaliou, entre outros objetivos, a prevalência de comportamentos sugestivos de BN em 650 estudantes da rede pública estadual, na faixa etária de 12 a 16 anos, na cidade de Recife, Brasil (Ximenes, 2008; Ximenes; Couto; Sougey, 2010). Esse estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco e aprovado sob o protocolo de número 192/06.

A Figura 1 mostra a versão final do questionário utilizada na pesquisa e a Figura 2, a forma de avaliação dos resultados da escala, segundo os critérios de Henderson; Freeman (1987) e Cordas; Hochgraf (1993).

 

 

 

 

Resultados

Os resultados do estudo sobre coincidência são apresentados na Tabela 1. Nessa tabela, nota-se que o menor percentual da concordância observada foi 88,9% e o menor valor de Kappa foi de 0,60, indicando que a concordância variou de boa a excelente. Na análise intraexaminador o menor percentual de coincidência observada correspondeu a 88,9%, enquanto o valor de Kappa foi, no mínimo, igual a 0,73.

 

 

Os dados sobre o BITE foram coletados em 109 alunos, nos quais o Alfa de Cronbach (Cronbach’s alfa) foi obtido como forma de avaliar a consistência interna ou a confiabilidade dos dados. Essa medida foi igual a 0,76 (superior a 0,75, valor considerado apropriado para esse critério), o que indica um valor elevado e, portanto, um grau elevado de consistência interna.

O questionário, em seguida, foi aplicado em 650 alunos de 12 a 16 anos, estudantes de escolas públicas estaduais na cidade de Recife. A maioria, 402 alunos (61,8%), foi considerada negativa para sintomas de BN, através do BITE; 237 (36,5%) tinham escore médio e 11 (1,7%) tinham escore elevado (Gráfico 1).

 

 

Nessa fase, foi realizado novamente o teste-reteste em 10% da amostra e recalculada a concordância observada, o valor de Kappa e o Alfa de Cronbach. O menor percentual da concordância observada foi 95,9% e o menor valor de Kappa foi 0,90, indicando que a concordância foi excelente. A medida do Alfa de Cronbach atingiu o valor de 0,90, indicando um grau elevado de consistência interna.

 

Discussão E Conclusão

Com o objetivo de padronizar sistemas diagnósticos e escalas para uso em diversos países, faz-se necessário que a versão original do instrumento seja traduzida para o idioma da população na qual será aplicada.

Em geral, testes psicológicos e escalas psiquiátricas são desenvolvidos com linguagem singular e voltados para um determinado contexto cultural. Nesse sentido, alguns problemas podem surgir com relação a sua generalização, suas propriedades psicométricas, uso de expressões idiomáticas e interpretações baseadas em escores, quando esses instrumentos são utilizados em grupos de pessoas diferentes daqueles para os quais foram originalmente criados. Fatores como linguagem e cultura têm uma influência importante na validade e confiabilidade de tais testes. Portanto, se determinado instrumento foi desenvolvido para um grupo particular de indivíduos com idioma e cultura específicos, a tradução para outro idioma requer inúmeros cuidados.

Uma vez feita a tradução, existem poucas garantias de que as propriedades psicométricas do instrumento permaneçam constantes. Nesse caso, faz-se necessária a validação para uso na nova população a ser estudada.

O processo de tradução e adaptação de um instrumento, em alguns aspectos, necessita inclusive que sejam refeitos os estudos de confiabilidade e validade no novo contexto. De acordo com Freitas et al. (2001), a busca pelo máximo de equivalência entre o instrumento original e sua versão traduzida deve guiar todo o processo de maneira a evitar formas, muitas vezes sutis, de distorção. Atenção ainda maior deve ser dada quando o fenômeno a ser avaliado é subjetivo, como são os fenômenos psicopatológicos. Para estes autores, as maiores dificuldades na tradução relacionam-se às formas coloquiais e às expressões idiomáticas empregadas no instrumento original. Esses problemas podem ser resolvidos por consenso entre os autores, muitas vezes priorizando a adaptação à cultura brasileira em detrimento da equivalência semântica, como foi realizado nesta pesquisa.

Neste estudo, a tradução e a retrotradução do BITE para a língua portuguesa foram realizadas de maneira cuidadosa e satisfatória, por uma equipe multidisciplinar de saúde, com experiência no tema, com o propósito de adaptar esse instrumento para a língua portuguesa, respeitando os valores socioculturais da população brasileira de adolescentes.

No entanto, em relação à questão linguística do BITE, a maior dificuldade encontrada ao confrontar as três traduções foi quanto ao tempo verbal da língua inglesa para a portuguesa e algumas palavras traduzidas diferentemente do inglês para o português. Porém, esse fato foi evidenciado em apenas cinco questões (nos 05, 06, 09, 32 e 33), particularmente na palavra “jejum”, substituída por “ficar sem se alimentar”; a expressão “comer compulsivamente”, substituída por “comer em exagero e não conseguir parar”; e na questão “seu peso flutua mais que 2,5 quilogramas em uma semana?”, que na versão deste estudo ficou como “Seu peso aumenta ou diminui mais que 2 quilos e meio em uma semana?”, quando comparada com a versão de Cordás; Hochgraf (1993).

Outra modificação feita foi na estrutura do questionário, quando se optou por colocar todas as questões em um único quadro, tornando o seu aspecto visual menos extenso, facilitando a participação do adolescente.

A escolha por amostra de adolescentes de ambos os gêneros se deu pelo fato de que, apesar de a prevalência ainda ser considerada maior entre mulheres, o aumento do número de casos de TAs em homens tem sido observado por diversos autores (Willi & Grossman, 1983; Szmukler, 1985; Marchi & Cohen, 1990; Abott et al., 1993; Herzog et al., 1993; Fisher et al., 1995; Mahan; Stump, 1998; Caldeira; D’Ottaviano-Napole & Busse, 1999; Morandé Celada & Casas, 1999; Appolinário; Claudino, 2000; Pop-Jordanova, 2000; Cordás, 2001; Jones et al., 2001; Leite & Pinto, 2001; Campos, 2002; Marin, 2002; Ximenes, 2004).

Neste estudo foi feita a escolha por escolas públicas como locais de estudo dos adolescentes. Isso porque há relatos mais recentes de que o aparecimento de sintomas de TAs independe do nível socioeconômico, como o de Nunes (2006), quando afirmou que, recentemente, diversos autores têm questionado a associação dos TAs aos estratos mais altos da sociedade e demonstrado que ela não é tão consistente quanto se pensava. Favaro; Ferrara; Santonastaso (2003) ainda adicionaram que tanto a classe social quanto o status profissional e a educação não são associados com o aumento do risco para o desenvolvimento de TAs. Essa associação também não foi observada no estudo de Ximenes (2004).

Os resultados do estudo sobre coincidência e análise intraexaminador revelaram que a concordância observada variou de boa a excelente. Os resultados encontrados na consistência interna do teste foram muito satisfatórios, com o valor de Alfa de 0,76 (superior a 0,75), o que indica um valor elevado e, portanto, um grau elevado de consistência interna, considerado apropriado para uso em população brasileira de adolescentes.

Por fim, a versão da escala foi aplicada em uma amostra populacional de 650 adolescentes, alcançando um valor de prevalência de sintomas superior a estudos anteriores entre adolescentes (All-Adawi et al., 2002; Bhugra et al., 2003; Miotto et al., 2003; Vilela et al., 2004; Rodriguez-Cano; Beato-Fernandez & Belmonte–Liario, 2005; Tseng et al., 2007), que utilizaram a mesma escala, no entanto, com a sua versão validada em português na população adulta, o que poderia comprometer os resultados.

A validade de um construto reflete a habilidade de um instrumento de medir um conceito abstrato ou construto. Refere-se a uma ampla abordagem de variedades que são utilizadas quando o que se quer medir é algum atributo ou qualidade que não é definido operacionalmente, ou seja, um construto hipotético é mais do que algo que possa ser prontamente observável. A validade de um construto de um instrumento indica se ele efetivamente mede um conceito teórico específico.

Sendo assim, a tradução e adaptação do BITE – versão para adolescentes mostrou boa equivalência linguística, conceitual e da escala, além de a versão e adaptação serem consideradas apropriadas, independente do examinador, podendo, assim, ser utilizadas para avaliação de sintomas de BN.

 

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Submetido em: 29/04/2010
Revisto em: 27/12/2010
Aceito em: 30/12/2010

 

 

1 Este texto refere-se à pesquisa apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil e pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE),Pernambuco, Brasil

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