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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.64 no.1 Rio de Janeiro abr. 2012

 

ARTIGOS

 

Os regimes da atenção na subjetividade contemporâneai

 

The attention regimens in contemporary subjectivity

 

Los regímenes de atención en la subjetividad contemporánea

 

 

Luciana Caliman

Docente. Departamento de Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória. Espírito Santo. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo traz uma análise do problema da atenção no contexto contemporâneo, no qual a atenção é vista como um bem individual, finito, raro e desejado e sua gestão é objeto de práticas e saberes, dentro e fora dos saberes psicológicos, médicos e científicos. O objetivo do artigo é investigar os regimes atuais que ditam as normas da gestão ótima de atenção. Analisa principalmente os trabalhos de Franck (1998, 1999), Morrison, Beck e Bouquet (2004), Bouquet (2005) e Davenport e Beck (1998), que versam sobre as formas de melhor direcionar e gerir a atenção de si e do outro no mundo contemporâneo. Na investigação da literatura, dois regimes de gestão da atenção são destacados: o empresarial e o da cultura da aparência. Conclui-se que tais regimes da atenção participam da constituição dos modelos de subjetividade das celebridades executivas empreendedoras e da aparência, nas quais a gestão da atenção de si e do outro surge como principal exigência de sucesso.

Palavras-chave: atenção; autogestão; subjetividades contemporâneas.


ABSTRACT

This article brings an analysis about the question of attention in the contemporary context, in which attention is seen as an individual, endless, rare and desired asset, whose management is object of practices and technical knowledge; self knowledge, specialist knowledge, in and outside psychological, medical and scientific know-how. This article's objective is to investigate the current regimens that dictate rules for optimal attention management. We mainly analyze works of Franck (1998, 1999), Morrison, Beck e Bouquet (2004), Bouquet (2005) e Davenport e Beck (1998), which deal with ways to better direct and administrate self-attention and attention to others on contemporary world. Two attention management regimens were stressed in the literature search: the business and the culture of appearance regimens. It is concluded that those regimens of attention contribute to set up the entrepreneurial and appearance executive celebrities subjectivity, in which the self-attention and attention to others management emerge as primary requirement for having success.

Keywords: attention; self-management; contemporary subjectivity.


RESUMEN

Este ensayo proporciona un análisis del problema de la atención en el contexto contemporáneo, en el que la atención es comprendida como un producto individual, finito, raro y deseado y su gestión es objeto de prácticas y saberes, tanto dentro como fuera de los saberes psicológicos, médicos y científicos. El objetivo del ensayo es investigar los regímenes actuales que indican las reglas de gestión óptima de atención. Analiza principalmente los trabajos de Franck (1998, 1999), Morrison, Beck y Bouquer (2004), Bouquet (2005) y Davenport y Beck (1998) que tratan sobre las maneras para mejor administrar y dirigir la atención de sí mismo y del otro en el mundo contemporáneo. En la investigación de la literatura, se destacan dos sistemas de gestión de la atención: el empresarial y el de la cultura de la apariencia. Se concluye que estos sistemas de la atención participan de la constitución de los modelos de subjetividad de las celebridades ejecutivas emprendedoras y de la apariencia, en la que la gestión de la atención de uno mismo y del otro surge como requisito principal de éxito.

Palabras-clave: atención; autogestión; subjetividades contemporáneas.


 

 

O interesse pelos estudos da atenção tem proliferado de forma surpreendente em diferentes campos do saber: há os que investigam a constituição do seu valor na história da psicologia, da percepção e da fenomenologia (Crary, 1999; Hagner, 2001, 2003; Wandenfels, 2004); no desenvolvimento da mídia e das tecnologias de atração e de entretenimento (Maye, 2005); na história das religiões (Moos, 2001); na história da observação científica e de seus objetivismos (Daston, 2000a, 2000b,); na história da patologia mental (Caliman, 2006, 2008).

Neste artigo, priorizamos a análise da literatura que versa sobre a atenção no espaço empresarial e na cultura das aparências (Frank, 1998, 1999). Na primeira, discutimos como, para um número cada vez mais numeroso de autores e consultores, a gerência da atenção vinculada à ênfase na necessidade de autogestão passou a ser vista como uma via privilegiada de acesso ao sucesso profissional, econômico e pessoal de uma nova figura antropológica: o eu empreendedor e gestor de si. Desde a década de 70, este tem sido um dos modelos de subjetividade característicos das sociedades democráticas do liberalismo avançado (Rose, 1999) e da competição generalizada (Ehrenberg, 1991).

Por outro lado, ao analisar a literatura sobre a gestão da atenção na cultura das aparências, demonstramos que a economia da atenção coincide com o predomínio da cultura da visibilidade ou das aparências, na qual ser e aparecer são dois nomes para a mesma coisa. Nessa cultura, as trocas intersubjetivas são capitalizadas e passam a alimentar uma economia que se nutre da necessidade existencial de atenção.

A noção da atenção como recurso limitado e cada vez mais desejado encontra-se no centro do que alguns autores têm chamado de economia da atenção (Frank, 1998; Davenport e Beck, 1998). Para os autores que analisam a economia da atenção ou, como preferimos chamar ao longo deste artigo, os analistas da atenção, teóricos e/ou homens de negócio que escreveram sobre a gestão da atenção, como Georg Franck (1998) em seu livro A economia da Atenção (Ökonomie der Aufmerksamkeit), parece não haver dúvidas de que o que todo mundo mais deseja, e o que é sempre sentido como escasso, é a atenção. Os defensores da ideia que vivemos em uma época marcada pela necessidade de gestão da atenção e pela ameaça de seus déficits são Franck (1998, 1999), Morrison, Beck e Bouquet (2004), Bouquet (2005) e Davenport e Beck (1998). Alguns deles fazem parte das empresas de consultorias e escolas de negócios mais conceituadas do mundo. Allen Morrison, por exemplo, é professor de Gerenciamento Global e Estratégias da IMD. No relatório especial sobre a educação de negócios da Finantial Times Executive Education de 16 de maio de 2005, a IMD é classificada como a segunda melhor e mais importante escola de negócios do mundo. Todo ano, mais de 5.500 executivos, representando cerca de 70 nacionalidades diferentes, são matriculados nos seus Programas de Desenvolvimento Executivo.

Entretanto, a discussão sobre a existência de uma economia da atenção, que moldaria as subjetividades contemporâneas, não se limita aos trabalhos dos autores citados. Ao mesmo tempo, ela também não é unificada. O que se compreende por atenção, por economia e o que se acredita ser uma performance de sucesso é extremamente diverso. Todavia, todos esses estudos compartilham um aspecto fundamental: a percepção de que, cada vez mais, cresce à importância dada a atenção e a auto-gestão na cena contemporânea, no mesmo momento em que o culto da performance e da eficiência tem se generalizado e a figura do empresário executivo se transformado em um dos mais poderosos modelos subjetivos de nossos tempos (Ehrenberg, 1991).

No mundo dos negócios, o interesse pela atenção está direcionado para dois aspectos: a autogestão da atenção e a atração da atenção do consumidor. O primeiro vincula-se ao desenvolvimento de estratégias de otimização da atenção dos trabalhadores gestores. Quando o outro lado do mercado é enfatizado, o que visa atrair a atenção, impera a lei da competição: nem todo produto é capaz de atrair ou comprar a atenção do espectador-consumidor.

A literatura que investiga as tecnologias de atração da atenção constitui, por si só, um vasto campo de pesquisa. Neste artigo, eles não serão analisados. Nosso foco direciona-se para o primeiro aspecto comentado: a autogestão da atenção do trabalhador. A história das tecnologias de manejo da atenção do empregado não é nova. Como nos trabalhos de Foucault (1987, 2001), ela poderia ser lida através da análise do poder disciplinar exercido sobre o corpo individual e coletivo. Mas, quando esse trabalhador é transformado na figura do autogestor autônomo e liberal, uma mudança ocorre. Em certo sentido, se continuamos falando de tecnologias de controle, elas deixam de ser exercidas apenas por instâncias externas para serem internamente geradas: elas passam a ser pós-disciplinares (Caliman, 2002). A nosso ver, nesse processo, a autogestão foi redefinida através da linguagem da auto-gerência da atenção.

 

Os regimes da atenção no universo empresarial

As primeiras características da economia da atenção no universo empresarial são a sua finitude e raridade. Smith (1992) chama essa interpretação de psicoeconômica. Ela predominou no discurso psicológico e médico do século XIX e da primeira metade do século XX, quando o corpo era compreendido como um sistema de energia fechado, que distribuía diferentemente suas forças de acordo com o controle da atenção. Para Smith (1992), o ponto de vista psicoeconômico continua presente até os dias de hoje e veremos que é ele que, na maioria das vezes, alimenta a discussão sobre a economia da atenção no universo empresarial.

Além de limitada, a atenção é descrita como um bem valioso e fundamental para o mundo empresarial. O livro The Economy of Attention: Understanding the New Currency of Business (Davenport & Beck, 1998) ganhou o prêmio The Library Journal Award tornou-se referência no campo. É nesses termos que os autores iniciam esse famoso livro sobre a economia da atenção: "A compreensão e o gerenciamento da atenção são os determinantes mais importantes do sucesso no mundo dos negócios" (p.3). Para Davenport e Beck (1998), gerência eficiente da atenção e sucesso econômico e profissional são dois nomes para a mesma coisa.

Esses homens de negócio, que são também analistas da atenção, dizem para os seus clientes, também homens de negócio, que nas últimas décadas do século XX o paradigma econômico e mercadológico passou por uma mudança. Consequentemente, a forma de gerenciar uma empresa também precisa mudar. Nessa mudança, a dinâmica da atenção e da autogestão individual são fatores que devem ser obrigatoriamente analisados.

Peter Drucker, autor que ficou conhecido internacionalmente como o pai da administração do pós-guerra, no mundo administrativo, destaca que essa mudança ocorreu nos últimos 30 anos do século XX. Drucker (2006, 2000) explica que a necessidade de gerenciamento de si é específica de uma conjuntura na qual planejar o futuro, um futuro cada vez mais distante no tempo, tornou-se um valor fundamental. Giannetti (2005) também demonstra, com exuberância de detalhes, que no século XX, essa conjuntura foi fortalecida pela diminuição da taxa de natalidade e pelo aumento da expectativa de vida. Percorrendo outro caminho, os analistas das sociedades do risco também admitem que nunca antes foi experimentada tamanha necessidade de busca de certezas e controle dos acontecimentos futuros através do autocontrole e gestão de si (Caliman, 2002; Castel, 1987; Douglas, 1992; Ericson & Doyle, 2003; Rose, 2004).

Principalmente nos Estados Unidos da América, uma mudança significativa na organização do trabalho esteve no centro do processo acima comentado. Rose e Miller (1995) demonstram que, na década de 70, uma nova identidade do trabalhador se constituiu no cerne de uma agenda programática americana que defendia as esferas democráticas, criativas, inovadores e produtivas do trabalho. O novo modo de gerir o ambiente de trabalho deveria ser compatível com as premissas do governo democrático. Diferentemente do que as antigas organizações do trabalho defendiam, o trabalhador não deveria ser visto como um organismo psicofísico ajustável ao ambiente da fábrica ou da empresa, mas como um indivíduo singular e ativo, que buscava sua realização pessoal e existencial no trabalho. Na nova empresa, a maximização da produtividade e da eficiência deveria coincidir com o alcance da satisfação pessoal individual. Nesse país, eficiência tornava-se sinônimo de autodisciplina e desenvolvimento pessoal do executivo. A partir da década de 70, o trabalhador americano passou a ser visto como o indivíduo que, com seu empreendedorismo, sustentava o mundo econômico. As palavras de Drucker (2006) resumem bem como, a partir de então, o desenvolvimento pessoal do executivo em direção à eficiência passava a ser visto como a única forma pela qual os objetivos organizacionais e as necessidades individuais eram alcançados:

Somente a eficiência executiva pode possibilitar que nossa sociedade harmonize suas duas necessidades: a necessidade da organização de obter do indivíduo a contribuição que ela necessita e a necessidade do indivíduo de ter a organização como um instrumento na realização de seus propósitos (Drucker, 2006, p. 174).

Em sua análise sobre a constituição do culto à performance na sociedade francesa, Ehrenberg (1991) demonstra que o processo de profissionalização da vida, como o autor prefere chamar a generalização da lógica empresarial, do consumo, da competição e da ênfase na auto-gestão se deu no decorrer da década de 80. Também lá, o modelo identitário do empreendedor eficiente e competitivo, que venceu na vida pelo seu esforço individual e pela autodisciplina, tornava-se um emblema social e pessoal. O modelo da identidade empreendedora deveria ser incorporado pelo empregado e pelo empregador. Em ambos, o desejo individual de ser criativo e autônomo, de lutar pelo melhoramento de si e pelo desenvolvimento de suas capacidades deveria ser estimulado e conduzido de forma produtiva. E, na linguagem psicológica e organizacional da época, a autogestão e a mestria da atenção tornavamse vias privilegiadas de acesso ao alcance de tais ideais.

No mundo empresarial, o interesse pelos estudos da atenção ganhava um novo colorido. A maximização da produtividade e a satisfação pessoal se encontravam em sua gestão ótima. Bouquet (2005) demonstra que, na segunda metade do século XX, com o intuito de melhorar a qualidade de vida do trabalho e fazer bom uso do capital humano, passo a passo com a pesquisa psicológica, a literatura gerencial assumiu um desafio: compreender como as pessoas deveriam agir para não serem sobrecarregadas pela explosão informacional. Nessa mesma época, a análise dos processos atentivos crescia em importância no campo psicológico (Rosseló, 1993; Mialet, 1999). A atenção era vista como a função responsável por selecionar as informações de maior prioridade. Além disso, alguns autores descreviam o funcionamento atentivo nos mesmos termos do processo de tomada de decisão. Para a cúpula empresarial, responsável por decidir os rumos da empresa, direcionar a atenção para os pontos mais relevantes e saber o que fazer com eles tornava-se uma habilidade fundamental.

 

A autogestão empresarial da atenção e seus déficits

Na nova lógica do empreendedorismo, empregado e empregador passaram a ser descritos como trabalhadores do conhecimento e da informação (Drucker, 2000; Teixeira, Silveira, Neto & Oliveira, 2005). Foi nessa cultura que o gerenciamento ou gestão de si tornou-se um pré-requisito para o alcance do sucesso. Nos termos da economia da atenção, essa capacidade é também descrita como a habilidade de autogestão da atenção. Os analistas da atenção acreditam que o trabalhador gestor deve ser antes de tudo um mestre na gerência da sua própria atenção. Na economia empresarial da atenção, o defeito atentivo não é necessariamente a incapacidade de se concentrar em um determinado aspecto. O problema do gestor executivo reside na direção ineficiente da atenção.

A tarefa inicial imposta aos adeptos do credo econômico que buscam se tornar celebridades executivas empreendedoras (Caliman, 2006) é saber identificar, no dia a dia da empresa e na multiplicidade de aspectos que chamam a sua atenção, o que é mais importante. Acredita-se que a atenção funciona como um filtro seletivo que exige habilidade, adquirida ou naturalmente herdada, para que seja bem empregada. Ela deve ser eficiente e criativamente utilizada. O segundo passo é a transformação da ideia escolhida em ação. Não é suficiente selecionar e reconhecer os interesses dignos de atenção, é preciso persistir neles e transformá-los em ações bem sucedidas. Para tanto, a crença na escolha atentiva inicial deve ser mantida. O indivíduo deve confiar na sua decisão e acreditar que ela é a mais correta. Teoricamente, os atentos sabem para onde dirigir sua atenção, são tenazes em sua manutenção e são homens de ação. Eles também sabem quando devem mudar de alvo. O executivo deve estar consciente do foco de sua atenção e ser capaz de sempre redirecioná-lo quando outro aspecto mais importante surgir.

Quando ouvimos falar da atenção nos termos acima descritos, o que está em questão não é apenas a habilidade de manter a mente focada por longo tempo em uma questão, aspecto ou ideia, mas a capacidade de intuir ou descobrir em qual aspecto se deve estar concentrado e o que fazer com ele. A atenção é identificada à capacidade de focalização e concentração da mente, mas também ao discernimento necessário ao ato de deixar o resto de lado. A primeira pergunta que ela consciente ou inconscientemente impõe é: o que é prioridade para você? Quando a resposta dada é produtividade, tudo o que não esteja aí incluído, que não se vincula a esse objetivo, que não colabora com ele é um competidor que deve ser eliminado. Além disso, feita a escolha e persistindo nela é preciso saber o que fazer com ela. A atenção não se identifica exatamente com o tempo gasto no lidar atento com determinada coisa. O melhor uso da atenção exige um resultado que seja bom, eficiente e criativo.

Quais habilidades Henry Ford, Akio Morita, Bill Gates, Jack Welch, respectivamente, fundadores da Ford, da Sony, da Microsoft e o CEO - chief executive officer - da General Electric, teriam em comum? Para os analistas da atenção, eles são celebridades executivas porque resolveram bem os dois problemas que perturbam o mundo empresarial. São, antes de tudo, mestres da atenção: especialistas na gerência de sua própria atenção e da atenção do mercado; líderes celebrados no culto das personalidades de sucesso que, como Drucker (2000) nos lembra, caracteriza o universo empresarial dos trabalhadores do conhecimento. Para tanto, devem ser exemplos de celebridades executivas capazes de: 1) focar sua própria atenção; 2) atrair a forma correta de atenção para eles; 3) dirigir a atenção daqueles que os seguem; 4) manter a atenção dos seus clientes (Davenport & Beck, 1998).

Quando a gerência da atenção é descrita como um portal privilegiado, capaz de nos transportar para o mundo do sucesso, a gestão ineficiente da atenção passa a ser o signo mais fiel do fracasso. Esse é um aspecto que está no coração da economia da atenção. No mundo dos negócios, o fracassado é o desatento incapaz de gerenciar sua própria atenção e ação, incapaz de direcionar sua energia mental para os fins corretos e mais importantes, de realizar os planos futuros que ele mesmo propôs. Nele, as habilidades que definem uma celebridade executiva, e supostamente disponíveis em todo trabalhador-gestor, estão, por algum motivo, ausentes.

No mundo executivo, as ineficiências e os desperdícios da atenção são vistos como irresponsabilidades não permitidas ou como deficiências que devem ser tratadas. É dito que elas têm um alto custo para a empresa e para toda a organização. Elas precisam ser resolvidas e todos os métodos disponíveis devem ser empregados em sua solução. Caso contrário, a produtividade é diminuída, o pertencimento do trabalhador ao seu coletivo é ameaçado e seu sentimento de realização pessoal colocado em questão.

Muitos analistas da atenção acreditam que o problema da desatenção (ou da falta de atenção produtiva) se intensificou com a expansão da internet. Nas sociedades de informação, a disparidade entre a produção de conhecimento e sua codificação eficiente tornou-se patológica. Uma das formas de "déficit de atenção" resultantes dessa constelação foi descrita por um estudo do grupo Reuters Business Information no qual 1.300 empresários de diferentes nacionalidades foram entrevistados (Davenport & Beck, 1998). A nova patologia, que acometia todos eles, era descrita como a síndrome da fadiga informacional (information fatigue syndrome), uma patologia caracterizada no mundo empresarial pela incapacidade de tomar decisões; irritabilidade, medo e aflição; presença de dores musculares e estomacais; sentimentos constantes de letargia e desamparo; dificuldades em dormir ou manifestação de sono interrompido com episódios de pânico; e falta de energia e entusiasmo para atividades de lazer. Em outro estudo do mesmo grupo, outra forma de síndrome relacionada ao excesso informacional era a tradução equivocada: dependente/dependência de informação (information-addiction), também caracterizada pela incapacidade de tomar decisões. O problema era causado pela necessidade de sempre mais e mais informações para sustentar as resoluções a serem tomadas.

O problema da desatenção tornou-se tão sério no mundo empresarial que alguns autores começam a falar de um Distúrbio do Déficit de Atenção Organizacional (Organizational ADD), por vezes acompanhado de um tédio corporativo. Seus sintomas são o aumento na probabilidade de perda da informação chave no processo de tomada de decisão; a substituição do tempo de reflexão pela simples troca de informação; o aumento da dificuldade em atrair e manter a atenção de outros quando necessário; e a diminuição da habilidade de concentrar a atenção quando ela é requisitada (Davenport & Beck, 1998).

Os diagnósticos dos déficits de atenção amedrontam o mundo econômico em suas três formas: na desatenção do consumidor, do trabalhador gestor e da organização. As conclusões dos analistas da atenção coincidem em um aspecto: o déficit de atenção é um dos grandes inimigos do sucesso empresarial. A gerência da atenção é uma necessidade fundamental para todo ramo profissional que trabalha com as relações humanas. Ou a empresa e seus empregados aprendem a lidar com essa preciosa e limitada fonte ou estarão em apuros. Como para todo problema pressagiado, várias soluções são criadas, o mercado dos que oferecem respostas para o déficit atentivo prolifera e se diversifica a cada dia. Ele também é uma parte importante da economia da atenção.

 

O mercado das soluções

As vozes dos analistas da atenção não são uníssonas e as soluções que elas oferecem são diversas. Na maior parte das vezes, as diferenças resultam do que se acredita ser a força influente na gestão e direção da atenção. Quando o trabalhador gestor é visto como o verdadeiro responsável pela direção eficiente de sua atenção, são sugeridas técnicas de desenvolvimento pessoal. Diferentemente das antigas estratégias opressivas de maximização da produtividade, na maior parte das vezes, essas tecnologias são desejáveis e vistas com bons olhos pelo trabalhador. Elas prometem ajudar na descoberta do eu e no desenvolvimento da consciência de si. Na lógica do gestor empreendedor, o indivíduo é vinculado subjetiva e emocionalmente à sua produtividade. Por assim ser, ele está ativamente engajado na busca de sua maximização. Algumas empresas oferecem para outras empresas aulas de yoga, de meditação, de gerenciamento comportamental, de redução de estresse e de autocontrole. A opção do coaching, que se tornou famosa, é uma forma de treinamento pessoal na qual um profissional, normalmente da área psicológica ou administrativa, ajuda o gestor a descobrir seus objetivos profissionais e as melhores estratégias para alcançá-los. O encorajamento e o reforço diário são partes importantes desse processo. O incentivo ao cuidado do corpo também está em crescimento no mercado das soluções para o problema da atenção e da autogestão. Outros têm preferido a alternativa medicamentosa.

O mercado neurobiológico da atenção tem interessado à cúpula empresarial e sido incorporado especialmente no dia a dia dos CEOs. Não é novidade que o mundo organizacional quase sempre funcionou como um laboratório de manipulação e controle da atenção. Nele, as técnicas de direcionamento e de maximização da atenção são há muito tempo usadas e estão em proliferação na economia da atenção atual. Mas, elas ganharam uma nova face com a incorporação dos avanços da pesquisa neurofarmacológica e cerebral.

Há algum tempo medicamentos psico-estimulantes como a Ritalina e o Modafinil, prescritos para os portadores do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, têm chamado a atenção dos executivos, trabalhadores do conhecimento e, principalmente, universitários (Ehrenberg, 1991; Farah, 2004; Racine & Illes, 2006; Singh, 2005). Em setembro de 2004, a revista The Economist informou que ao menos 40 novas drogas cosméticas estavam em desenvolvimento e já eram anunciadas. Na lista, estavam incluídos medicamentos que prometiam ser mais efetivos que a Ritalina e de menor potencial aditivo como o Provigil e o Alertec que, nos EUA, em 2003 alcançaram o número de US$290 milhões em vendas (Caliman, 2008). Com suas promessas de melhora da performance atentiva e da eficiência no trabalho, tais medicamentos se tornaram parte fundamental da economia da atenção.

A esperança quase ficcional dos atuais analistas da atenção é que os avanços da biologia molecular e das ciências do cérebro possam, num futuro próximo, auxiliar na produção e comercialização das melhores tecnologias de análise, rastreamento e controle da atenção. Essa esperança diz respeito não apenas às pílulas estimulantes. Ela abrange todo arsenal das tecnologias cerebrais e dos novos campos neuros como a neuroeconomia, a neuroeducação e a neurofitness: a neuroeconomia é um ramo de estudos recente que investiga como o cérebro interage com o ambiente externo na produção do comportamento econômico; a neuroeducação investiga as funções cerebrais relevantes para o processo de aprendizagem; a neurofitness tem por objetivo desenvolver estratégias e técnicas de rejuvenescimento cerebral. Nelas, a crença que a gestão da atenção tem suas bases na neurofisiologia cerebral individual é intensificada e utilizada como um mecanismo de gestão institucional da atenção (Weston, 1985).

Quando se acredita que o direcionamento e o gerenciamento da atenção dependem da estrutura organizacional e institucional, outras soluções são oferecidas. O melhor exemplo é a análise de Bouquet (2005). O estudo é um dos raros que olha para a ação do topo da gerência e busca revelar o que ela faz no processo de decisão e aplicação dessas decisões. O objetivo de Bouquet (2005) era formular um novo conceito de mindset através da observação do comportamento individual dos CEOs das grandes empresas multinacionais voltadas para o mercado global (Morrison, Beck & Bouquet, 2004). O que estes executivos realmente fazem e como eles gastam seu tempo? Essa era a pergunta do autor e foi ela que inspirou a construção de uma análise comportamental-externalista do funcionamento cognitivo dos líderes empresariais. Em seu estudo, o tempo e o esforço gasto com determinada coisa eram medidos pela avaliação da ação direcionada para o objetivo em questão.

O estudo de Bouquet (2005) se distingue dos outros porque ele analisa as estruturas atentivas organizacionais criadas para auxiliar o trabalho dos líderes empresariais. Em sua categorização, ele distingue três formas de atenção: individual; social ou situacional; e estrutural. Todos os fatores implicados nestas três esferas da atenção interferem na forma como os indivíduos tomam suas decisões. O autor demonstra que, quando se trata do direcionamento da atenção dos líderes de uma empresa, diferentes mecanismos e estratégias institucionais estão em jogo. Eles são sempre específicos e diferenciam-se de acordo com a empresa e com o aspecto que se quer fazer notar. De acordo com Bouquet (2005), a decisão de dedicar mais tempo e esforço a determinado assunto ou questão não é suficiente. É preciso que uma estrutura organizacional e social, que facilite e auxilie o esforço da atenção, seja criada. O autor sublinha que a compreensão da direção da energia mental inclui a análise de um sistema organizacional complexo e não apenas das preferências e experiências pessoais.

Na literatura analisada, a separação entre gestão interna e externa da atenção é quase sempre substituída pela oposição entre o controle pelo indivíduo e o controle pela instituição. Ou a atenção é externamente controlada ou ela depende da força individual, que tem suas origens no sistema neurológico, no esforço da vontade ou em outra instância interna. A análise de Bouquet (2005) é menos aquela das oposições entre as esferas externas e internas da gestão da atenção porque enfatiza as relações de interdependência entre os indivíduos e seus espaços de vida e, neste caso, seus espaços de trabalho. A crítica é direcionada às teorias da escolha racional que acreditam que apenas o dever, a tradição e a rotina explicam o que os tomadores de decisão fazem e por que direcionam sua atenção para certos aspectos. Para esse autor, é necessário integrar os aspectos da atenção no interior de uma teoria-prática múltipla que inclua as estruturas simbólicas de reconhecimento social, a determinação ambiental e ecológica e os determinantes internos.

Muito mais poderia ser dito sobre a economia da atenção na qual a performance do sucesso é aquela das celebridades executivas. Por hora, destacamos apenas um de seus aspectos: nessa economia é fato inquestionável que a gestão da atenção está intimamente relacionada ao alcance do sucesso econômico. O indivíduo atento é a celebridade executiva empreendedora. O problema que ameaça a produtividade nas sociedades de informação, tal como elas são descritas pelos teóricos da atenção, deriva dos excessos que ela mesma produz e da paralisação da ação que esses excessos eventualmente causam. Ao mesmo tempo, como Drucker (2000) destaca, trata-se da produtividade individual ou empresarial numa sociedade na qual planejar o futuro tornou-se um valor e uma exigência.

Na economia empresarial da atenção, a produtividade do gestor, que todo trabalhador do conhecimento (Drucker, 2000) acredita ser, depende da habilidade de planejar o futuro mais próspero, da criação de estratégias eficientes que viabilizem seu alcance e, por fim, da execução do plano criado. Para Drucker (2000), o recurso econômico básico no mundo contemporâneo não é o capital, nem os recursos naturais ou a mãode-obra. Ele é o conhecimento. Os principais grupos sociais da sociedade do conhecimento serão os trabalhadores do conhecimento - executivos que sabem como alocar conhecimento para usos produtivos. Essa é a conjuntura econômico-social que valoriza o modelo existencial do gestor executivo e desqualifica aqueles que, por algum motivo, não se enquadram nele. É também nela que vemos se desenvolverem estratégias de otimização da atenção que, em prol da maior produtividade e eficiência, investem na extrapolação dos limites do corpo e do cérebro do trabalhador gestor.

A definição de atenção como uma fonte escassa, que tem por função limitar a informação que chega até nós e decidir eficientemente o que fazer com ela, é a mais corrente na sociedade da informação e da gestão do futuro. No tópico seguinte, analisamos outra forma de compreensão da economia da atenção. Embora ela se diferencie da economia empresarial da atenção, em alguns aspectos elas se encontram e dialogam. Em ambos os casos, a gestão da atenção está intrinsecamente vinculada à constituição de modelos subjetivos. Se, na economia das celebridades executivas, ela ajuda a criar o modelo das celebridades executivas, na economia da atenção na cultura da aparência, ela participa da constituição das celebridades da aparência. Veremos que, nela, os desatentos poderiam ser mais bem descritos como (des)atendidos.

 

Os regimes da atenção na cultura da aparência

Na análise das celebridades executivas, vimos que a relação entre atenção e produtividade é tecida no interior da lógica das sociedades democráticas do liberalismo avançado e incorpora um tipo específico de modelo subjetivo: o eu empreendedor. A gerência da atenção é vista como um instrumento necessário ao aumento da produtividade e ao alcance da satisfação pessoal do trabalhador. Mas, para Franck (1998, 1999) o vínculo entre atenção e produtividade não é o que realmente caracteriza a economia da atenção em sua forma mais pura. O autor acredita que o excesso de informação, a crescente competição pela atenção, a diminuição do tempo livre e a constituição do culto das celebridades definem a economia ou a economização (Ókonomisierung) da atenção. Acrescenta ainda que a mudança no significado e no desejo de privacidade e o declínio da importância dos bens materiais são características que definem a economia pura da atenção.

Para Franck (1998, 1999) a história da economia da atenção não é nova, mas atinge seu ápice nos dias de hoje ao se tornar autossuficiente. O mercado atual se alimenta essencialmente do desejo de possuir a atenção do outro e essa é a mudança econômica mais significativa dos últimos tempos: o meio converteu-se em fim. Para o autor, o século XX, especificamente a segunda metade, propiciou o surgimento de uma economia na qual a captura da atenção tornou-se um objetivo em si e sua troca um mercado autossuficiente. O que realmente importa é o ganho da atenção. Sustentando esta economia está o desejo existencial de receber e dar atenção.

Na lógica da economia pura da atenção, o ater-se a e o ocupar-se com do observador direcionam-se para o que, num movimento de vai e vem, retorna para aquele que vê a possibilidade de ser visto pelo outro e de para ele existir. A visibilidade, a aparência e a imagem estão no centro da descrição da economia da atenção - ela coincide com o predomínio da cultura visual. Nada que não seja mostrado, tornado público e aparente pode tornar-se objeto de interesse. O que não aparece não existe. O mesmo ocorre em nível individual. No interior da economia pura da atenção, do indivíduo bem sucedido espera-se uma postura expressiva, explícita, comunicativa. Ele deve ser capaz de mostrar suas qualidades e suas particularidades da melhor forma possível. É sugerido que quanto mais seus desejos e suas características peculiares são explicitados, mais ele irá chamar a atenção do outro. Um espaço pequeno é reservado para os incapazes de comunicação e expressão, para o sujeito reservado e tímido.

Em outras palavras, o espectador da economia da atenção não é o voyeur que se delicia com o ato de ver sem ser visto. Ele quer tornar-se objeto do ater-se e do ocupar-se de outro. Trata-se de uma lógica existencial na qual a troca de atenções ou a troca com o outro é resumida ao âmbito das aparências ou do aparecer. Em certo sentido, nessa versão a economia da atenção se confunde com a sociedade da aparência e da visibilidade na qual aparência e essência se confundem (Ortega, 2006). Na economia da atenção descrita por Franck (1998, 1999) há pouco espaço para o desejo de não ser visto. Parte-se da premissa que todo e qualquer indivíduo e instituição que dela deriva ou que nela se constitua deseja ser visto. Nessa economia, o excesso de atenção recebida não é uma vigilância indesejável. Nela, quase nunca ouvimos falar de uma possível esfera opressora da atenção. O controle exercido pelo panóptico foucaultiano não estaria presente.

Duas formas de passividade incomodam o espectador da nova lógica atentiva. Em alguns momentos, o que o perturba é a impossibilidade ou a dificuldade de escolher o que ele quer ver. Isso inclui a quantidade exorbitante de informação inútil que é obrigado a digerir. Em certo sentido, no centro da crítica de Debord (1994) à sociedade de espetáculo, encontramos uma forma similar de passividade. Ela nos fala do poder da manipulação mercadológica e midiática da atenção do expectador, do que ele vê, deseja e percebe no mundo. Mas, outra forma de passividade, talvez ainda mais poderosa, afeta o espectador da nova economia da atenção e se refere à árdua tarefa de se fazer notar. O quadro se agrava em uma época na qual os exemplos Big Brothers estão por todos os lados dizendo que o alcance da fama não é impossível. Contrariamente, é dito que o segredo do sucesso está bem debaixo dos olhos de qualquer um.

Mas o que há de mais importante na tese da expansão da economia da atenção é a ênfase no seu aspecto intersubjetivo. Os analistas da atenção também dizem que, mais do que o desejo de fama, a busca pela atenção do outro é a necessidade de estabelecer com ele conexões. A nova economia da atenção não desconsidera sua dinâmica relacional e conectiva, ela se utiliza desse aspecto: o desejo vital e existencial de estabelecer com o mundo e com os outros homens trocas atentivas é comercializado. Para que seja interessante, o fluxo de informação deve correr em mão dupla.

A economia da atenção é, como toda outra economia, baseada em relações de trocas. Ao analisar a dinâmica da indústria atentiva, Davenport e Beck (1998) listam pelo menos quatro princípios que devem estar na base das tecnologias de captura da atenção: relevância, engajamento, comunidade e conveniência. A oferta do sentimento de troca relacional e da possibilidade de integração a uma rede social de pertencimento são fatores chaves no comércio atentivo. Um conselho dado por muitas empresas de consultoria diz que uma das formas mais eficientes de capturar a atenção de alguém é estar atento a ela. Essa premissa é levada tão a sério que o atendimento personalizado tem sido uma das estratégias privilegiadas na conquista de novos clientes.

Nessa forma de economia, a atenção se confunde com a própria existência individual e esta é uma existência relacional. Mas, onde está depositada a atenção? Onde ela pode ser armazenada? Ao longo da história, filósofos, psicólogos, psiquiatras e cientistas se debruçaram sobre essas perguntas. Os teóricos da economia da atenção também se ocupam delas. Atentos ao seu aspecto intersubjetivo, alguns preferem falar de um não lugar da atenção. Ela só pode estar em algum espaço relacional, entre sujeitos que estabelecem uma conexão entre si. Ela só pode ser observada ou sentida no momento em que essa conexão é estabelecida. De fato, a economia da atenção em seu aspecto puro teve início quando esse fator conectivo foi capitalizado e comercializado.

A economia da atenção promete suprir a necessidade de trocas atentivas, mas a mantém sempre viva por nunca cumprir definitivamente sua promessa. Quase sempre uma troca existencial ilusória e artificial é oferecida. Na lógica da economia pura da atenção, as trocas reais têm sido substituídas por trocas ilusórias. Em seu nível existencial, o crescente desejo de receber e dar atenção, que a alimenta, é característico de um momento no qual trocas humanas significativas tornaram-se raras.

 

Conclusão

A primeira constatação que resulta da análise das economias atentivas é que o interesse atual pela gestão da atenção não é único. Ele também não é gratuito. No discurso econômico da produção e da eficiência, da aparência e das celebridades, no discurso saudável da wellness ou da mindfulness, na ênfase somática e na reciclagem ocidentalizada das filosofias orientais, encontramos um imperativo: a necessidade da gerência da atenção. Todos eles dizem que sua gestão é fundamental ao alcance do sucesso pessoal e interpessoal, mesmo que os significados de sucesso na vida sejam totalmente diversos, mesmo que a gestão da atenção nunca seja a mesma coisa.

A economia da atenção atual possibilita a aliança entre as aspirações democráticas do processo de humanização do trabalho; o modelo de subjetividade do empreendedor gestor de si; as tecnologias da nova cultura psicológica e neuropsicológica; e a cultura visual da aparência. Em suas malhas, essas esferas criam relações diversas e se reafirmam. Mas o que caracteriza a economia da atenção atual é apenas a satisfação de um certo narcisismo imagético centrado em um certo sentimento de vaidade e culto da performance eficiente? Ou, como acredita Franck (1998, 1999), retrata um momento no qual a ênfase na atenção a si e na captura da atenção possibilita a criação de uma nova ética das trocas? O eu empreendedor, autônomo e responsável que o modelo das celebridades executivas reafirma é apenas mais uma fonte de frustração existencial e opressão política ou pode ser o modelo dos verdadeiros homens de ação?

Respostas positivas a essas perguntas não seriam completamente contraditórias. Uma das características mais marcantes da história ocidental do sujeito atento e de seus duplos é que eles sempre ocuparam espaços transitórios entre políticas de subjetivação criadoras e totalizadoras (Caliman, 2006). Neste sentido, o momento atual não parece ser diferente, embora muitas vezes assistamos o predomínio das faces mais opressivas da economia da atenção.

Nos tópicos deste artigo exploramos alguns dos aspectos que fizeram com que o controle e a gestão da atenção fossem colocados no centro da economia existencial e econômica da atualidade. Nela, a falha da mestria da atenção é a condenação ao insucesso e à inexistência. O desatento se identifica com o sujeito não produtivo, incapaz de autogestão. O sujeito incapaz de chamar a atenção do outro é também um símbolo do fracasso na economia atual da atenção. Antes de ser um desatento, ele é um desatendido, mas ele assim o é por não ser capaz de ater-se suficientemente à tarefa de se fazer notar. A ele é dito que a culpa de seu insucesso é dele e somente dele, de sua falta de persistência e competência.

Na economia descrita, não há limites para as exigências de atenção. E, na busca por maximização, todo indivíduo será um pouco desatento. Por outro lado, a psicofarmacologia afirma que logo não haverá barreiras para a intensificação da atenção, que seus limites corporais e cerebrais foram parcialmente eliminados. Mas ela também nos lembra que o sonho do controle da atenção através do controle do corpo e do cérebro pode ser uma ilusão e que suas consequências éticas, políticas e cognitivas são ainda desconhecidas.

A interrogação ética e política que a análise das economias da atenção nos impõe diz respeito a modelos subjetivos que elas reafirmam e ajudam a constituir e os valores que eles reforçam. Em nossas sociedades, o culto à performance e à aparência, que sustentam os novos perfis de indivíduos atentos, têm sido fonte de novos sofrimentos e angústias (Freire, 2004). O que está em jogo não é apenas a capacidade ou habilidade de ser atento, mas a direção da atenção e da ação para valores sociais, econômicos e políticos específicos, tais como o aumento da produtividade e da visibilidade e a capacidade de autogestão. Embora não possamos negar a importância de tais valores, é preciso lembrar que a importância excessiva que nossa sociedade lhes confere demanda de nós um olhar alerta e desconfiado para seus efeitos totalizadores.

 

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Endereços para correspondência:
Luciana Caliman
calimanluciana@gmail.com

Submetido em: 26/08/2011
Revisto em: 03/05/2012
Aceito em: 03/05/2012

 

 

i Este artigo refere-se à pesquisa de doutorado desenvolvida no Instituto de Medicina Social IMS/UERJ e no Instituto Max Planck de História das Ciências, Berlim, com apoio da FAPERJ e do DAAD.