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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.64 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2012

 

ARTIGOS

 

Educação física escolar e sedentarismo infantil: uma análise comportamental1

 

Childhood sedentary lifestyle and physical education at school: a behavioral analysis

 

Educación física y el sedentarismo en la niñez: un análisis conductual

 

 

Natália Pinheiro OrtiI; Kester CarraraII

IMestranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).Bauru São Paulo. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Bauru.Paulo. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Cada vez mais, pesquisadores vêm se dedicando à análise do comportamento com o propósito de propiciar soluções para problemas sociais complexos. Entre estes, encontra-se o sedentarismo infantil, cuja prática é considerada um problema de saúde pública. Com o objetivo de identificar, descrever e analisar contingências a partir de relatos verbais no contexto da educação física escolar, expõe-se, neste artigo, uma pesquisa desenvolvida com três professores de educação física e seus 62 alunos. O resultado obtido introduz sugere a adoção de ações efetivas que podem nortear políticas públicas voltadas para a redução de riscos à saúde.

Palavras-chave: Sedentarismo infantil; educação física escolar; Análise comportamental da cultura.


ABSTRACT

There have been many researchers dedicating themselves to analyze behavior to get solutions to social problems. The practice of childhood sedentary lifestyle is a complex problem that evokes a public health concern. This article exposes a work field in which researches identify, describe and analyze verbal reports about effective contingencies at school. It introduces the practices of three teachers of physical education and their 62 students. The results suggest that actions that can support public policies toward mitigating health risks.

Keywords: Child sedentariness; Physical education at school; Cultural behavior analysis.


RESUMEN

Los investigadores se dedican cada vez más al Análisis del Comportamiento a fin de indicar soluciones a problemas sociales complejos. Entre éstos, se encuentra el sedentarismo infantil, cuya práctica es considerada un problema de salud pública. Con el objetivo de identificar, describir y analizar contingencias desde relatos verbales en el contexto de la educación física escolar, se expone, en este artículo, una investigación hecha a tres maestros y sus 62 pupilos. El resultado obtenido sugiere la adopción de medidas eficaces que pueden orientar las políticas públicas compartidas para reducir los riesgos de salud.

Palabras-clave: Niños sedentarios; Educación física; Análisis conductual de la cultura.


 

 

Introdução

Skinner manifestou consistentemente seu compromisso com a cultura e a sociedade ao longo de sua obra, registrando que a análise comportamental das práticas culturais é uma possibilidade concreta. Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1953/1989) esclarece que, sob o viés comportamentalista, a cultura consiste de um conjunto de variáveis arranjadas por membros da sociedade. Mais especificamente (Skinner, 1953/1989), assim enuncia o conceito:

No sentido mais amplo possível, a cultura na qual um indivíduo nasce se compõe de todas as variáveis que o afetam e que são dispostas por outras pessoas. O ambiente social em parte é o resultado daqueles procedimentos do grupo que geram o comportamento ético e a extensão desses procedimentos aos usos e aos costumes. (p. 392)

As práticas culturais são entendidas como operantes (verbais ou não) adquiridos como resultado de interações no contexto coletivo. Essa conceituação implica o grupo propiciar, de modo programado ou não, diferentes consequências para o comportamento de seus membros (Andery, Micheletto, & Sério, 2005). O modelo de seleção pelas consequências está apoiado em três níveis de análise: (a) o filogenético, que corresponde à evolução das espécies; (b) o ontogenético, dado pela aprendizagem operante individual; e (c) o cultural, que abrange a seleção das práticas culturais. Adicionalmente, de acordo com Abib (2001), a filogênese tem importantes implicações, tanto para o comportamento na dimensão ontogenética quanto para as práticas culturais. Essas implicações devem ser conhecidas para orientar um planejamento eficiente. Para o autor, a suscetibilidade dos organismos às consequências imediatas do comportamento foi selecionada pela história filogenética das espécies, de longo transcurso temporal e biologicamente transmitida. Essa característica constitui a base das condições corporais eficientes para o desenvolvimento da história ontogenética do comportamento. Além disso, a sensibilidade às consequências, enquanto característica biológica, estende seus efeitos para a dimensão cultural. Na história filogenética do homem, consequências imediatas tiveram, proporcionalmente, maior valor de sobrevivência e, por isso, são mais efetivas do que consequências atrasadas. Devido a essa efetividade e pelo viés da evolução, as espécies em geral, incluindo os humanos, tornaram-se mais sensíveis ao reforçamento por consequências imediatas do que por atrasadas, característica que provavelmente manterão, ainda, por longo período (Baum, 1999).

Desse dado evolutivo decorre que muitas práticas culturais são fortalecidas por seus efeitos imediatos, mesmo quando, no longo prazo, levam a graves problemas para os grupos sociais. Como exemplos de práticas culturais deletérias, é possível citar sedentarismo, dependência de drogas e violência, entre outras. Apesar de deletérias, a característica comum dessas práticas culturais é o fato de que elas são fortalecidas e mantidas por consequências reforçadoras imediatas (naturais ou condicionadas), que apenas geram uma punição no longo prazo. Apesar da ênfase dada à análise das práticas culturais por Skinner (1953/1989, por exemplo) e da amplitude e relevância do tema, apenas nos últimos anos a produção científica se acentuou nessa área. Atualmente, esse tipo de abordagem em Análise do Comportamento oferece contribuições significativas para intervenções em questões sociais abrangentes (Carrara, 2007, 2008), embora o aprimoramento de estratégias interventivas e conceitos centrais, como os de contingência e metacontingência, permaneçam em discussão.

Dentre os desafios existentes em um ambiente em constante transformação, aqueles decorrentes das próprias práticas culturais vigentes são cruciais para a sobrevivência da cultura. Nesse contexto, o sedentarismo apresenta-se como uma prática cultural que se mantém, também, por reforçadores imediatos individuais, apesar das evidências de prejuízos notórios em longo prazo. O sedentarismo é fenômeno multifacetado, por apresentar características que alcançam diversas áreas e disciplinas, como a psicologia, a antropologia, a biologia e a educação física. Sua complexidade, aliada ao fato de que constitui um grave problema de saúde pública, exige a gradativa integração de conhecimentos das mais variadas áreas. No caso da presente pesquisa, prioriza-se a análise dos aspectos comportamentais da questão, de maneira que este estudo pretende, no limite, constituir-se como estudo exploratório de pequena amostra de participantes e em situação bastante peculiar, qual seja, o contexto de aulas de educação física escolar.

Como critério de identificação de sedentarismo, Barros Neto (1997) o conceitua, genericamente, como ausência ou grande redução de atividade física. Do ponto de vista da medicina moderna, para não ser considerado sedentário, o indivíduo precisa gastar no mínimo 2.200 calorias por semana em atividades ocupacionais, sejam elas esportivas ou não. O maior problema é que o sedentarismo provoca o desuso dos sistemas funcionais: o aparelho locomotor e os demais órgãos e sistemas solicitados durante as diferentes formas de atividade física entram em um processo de regressão funcional, caracterizando, no caso dos músculos esqueléticos, um fenômeno associado à atrofia das fibras musculares e à perda da flexibilidade articular, além do comprometimento funcional de vários órgãos. Nessa perspectiva, Hallal, Bertoldi, Gonçalves e Victoria (2006) enfatizam que o estímulo à atividade física desde a infância deve ser uma prioridade em saúde pública. Alertam ainda para o fato preocupante de que a prevalência de sedentarismo é muito alta, tanto em países economicamente ricos quanto naqueles de renda média baixa, tendo como consequência um declínio na aptidão física, medida pela resistência cardiorrespiratória. Ao avaliar a prevalência de sedentarismo, caracterizado como menos de 300 minutos por semana de atividade física no deslocamento ou lazer, em 4.451 jovens de 10 a 12 anos, escolares e não escolares, representando todos os níveis socioeconômicos, em Pelotas (RS), através de um questionário dirigido às mães e outro aos jovens, Hallal et al. (2006) encontraram que 67% das meninas e 49% dos meninos daquela região são sedentários.

O sedentarismo, enquanto questão de saúde pública, é tratado por Ferreira e Najar (2005) através de uma revisão das características dos programas e campanhas de estímulo a estilos de vida ativos. Dada a abrangência e a importância do tema, o sedentarismo não pode ser visto como domínio de uma área do conhecimento específica, cabendo à psicologia, à educação física e à medicina, dentre outras áreas, a responsabilidade de estudar essa questão. Em relação a difundir a atividade física na perspectiva de promoção da saúde, Ferreira e Najar (2005) enfatizam a importância das intervenções na área de políticas públicas, uma vez que a possibilidade de o exercício físico contribuir positivamente para a saúde deve promover suporte a iniciativas que visam engajar populações em uma vida fisicamente ativa. Para os autores, parece não haver evidências que sustentem uma relação positiva entre maior conhecimento sobre os efeitos benéficos da atividade física e a manutenção de um estilo de vida fisicamente ativo. Dito de outro modo, embora esta seja importante, não basta a estratégia de "conscientização" a partir da informação para garantir que as pessoas se engajem em atividades físicas adequadas à boa saúde.

Um trabalho de revisão integral sobre o sedentarismo infantil, embora relevante, implicaria abranger a área médica, a sociologia, a antropologia, a educação física e muitas outras fontes de referências, o que não constituiu o objetivo do presente trabalho. Embora seja considerada a complexidade de múltiplas determinações desse fenômeno cultural, este trabalho dedicou-se a um exame circunstanciado pelas dimensões comportamentais das práticas culturais a ele vinculadas no contexto de uma situação de ensino.

Nesse contexto, a pesquisa aqui relatada teve como objetivo geral, nas condições e procedimentos a seguir descritos, identificar variáveis, no processo de educação física escolar, que parecem contribuir, sob a ótica comportamentalista, para a instalação e a manutenção de práticas culturais que caracterizam o sedentarismo infantil. Os dois objetivos que derivam dessa questão central foram: (1) caracterizar e descrever atividades de uma amostra de professores e seus alunos de educação física enquanto agentes da prática cultural a ser analisada; (2) identificar e descrever contingências que controlam as práticas educativas desses educadores por ocasião das aulas de educação física que ministram.

 

Método

Participantes

Participaram do projeto três professores de educação física de uma escola da rede pública de ensino de Bauru (SP) e suas três turmas do ensino fundamental, totalizando 62 crianças (22 da turma A; 25 da turma B e 15 da turma C), entre 9 e 10 anos. As turmas foram selecionadas a partir da indicação dos professores, da autorização da professores. Trata-se de amostragem de conveniência para estudo exploratório e sem objetivo de generalização imediata para a ampla e diversificada população afetada pelo sedentarismo. A estratégia de pesquisa implica a utilização de um derivativo do rotineiro delineamento de sujeito único da análise do comportamento, com a finalidade de coletar evidências preliminares sobre a dimensão comportamental do fenômeno do sedentarismo, neste caso identificando possíveis variáveis determinantes das práticas culturais que o caracterizam no contexto da educação física escolar. Nessa perspectiva,o estudo prioriza algumas informações qualitativas, procurando não avançar além de medidas de tendência central, plausíveis para parte dos dados.

Instrumentos

Utilizou-se um roteiro de entrevista contendo 26 questões relativas a temas como formação acadêmica, exercício profissional, características das aulas e o conceito do professor sobre o papel da educação física escolar (EFE) na promoção da saúde e na redução do sedentarismo.

Outro instrumento utilizado foi uma ficha de registro de eventos antecedentes, respostas e eventos consequentes, compondo uma estrutura de dados para a análise funcional das aulas a serem observadas, num típico registro de análise funcional empregado na análise do comportamento.

Para a identificação da prevalência de sedentarismo foi realizada uma breve entrevista com cada aluno. Essa entrevista foi baseada em um roteiro de perguntas relativas à frequência e ao tipo de atividades físicas realizadas semanalmente. O mesmo roteiro também destacou questões sobre as predileções dos alunos ao participarem das atividades físicas. A conferência entre as respostas dadas pelos entrevistados com os itens do roteiro de entrevista permitiram constatar a compreensão, pelos alunos, das questões da entrevista. Ambos os roteiros de entrevista com professores e alunos não foram validados para diferentes segmentos de população, porque se trata de materiais dirigidos especificamente a itens que subsidiam a análise de práticas culturais da temática sedentarismo infantil; além de que, em se tratando de estudo exploratório, objetivam apenas a descrição e identificação de variáveis importantes para posteriores projetos de delineamentos culturais.

Procedimento

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da universidade a que se filiam os autores. Em seguida, a diretoria e os professores de educação física autorizaram a realização da pesquisa, através da assinatura dos termos de consentimento livre e esclarecido. Na primeira etapa do procedimento foi aplicado o roteiro de entrevista de caracterização. Oferecidas as instruções aos participantes e informadas as condições éticas da pesquisa, 62 crianças foram entrevistadas por período máximo de dez minutos cada. Os temas perguntados às crianças foram: (a) se a criança gosta das aulas e por quê; (b) qual a atividade realizada em aula da qual mais gosta; (c) se a aula de educação física é importante e por quê; (d) de que forma a criança faz o trajeto casa-escola-casa; (e) quanto tempo dura esse trajeto; (f) se faz algum tipo de atividade física fora da escola, qual atividade, quantas vezes por semana e por quanto tempo em um dia; (g) de qual atividade de tempo livre ou lazer a criança mais gosta e por quê; (h) quais atividades de rotina a criança faz quando não está na escola, quantas vezes na semana e por quanto tempo em um dia.

A segunda etapa do procedimento consistiu em entrevistas com os professores, orientadas conforme um roteiro de questões abertas dirigidas aos professores. Para assegurar a compreensão da pergunta pelo entrevistado, a entrevistadora, após ter ouvido a resposta geral do entrevistado, verificava se o conteúdo da resposta dada a cada questão correspondia às alternativas constantes no roteiro de perguntas da entrevista. Se as respostas obtidas soavam iguais ou equivalentes às alternativas, a entrevistadora passava para a questão seguinte. Se necessário, para se certificar da compreensão correta do conteúdo da resposta do professor, a entrevistadora parafraseava a resposta dada e lia para o entrevistado a alternativa do questionário que lhe parecia correspondente, para ser confirmada pelo participante.

A terceira etapa se refere à observação de campo. Nesta, embora a pesquisadora estivesse presente à primeira aula de cada turma, não realizou registros de dados, como estratégia para reduzir a probabilidade de que sua presença constituísse uma variável estranha que pudesse afetar o desempenho dos participantes. Depois dessa ambientação foram realizadas, com cada turma, três sessões de 50 minutos com a finalidade de identificar as condições antecedentes, as categorias de respostas e as consequências que compunham a interação professor-aluno.

 

Resultados

A apresentação e análise dos resultados consistiram de três etapas:

Etapa 1 - Identificação e caracterização da rotina de atividade física (incluindo lazer) e incidência de sedentarismo infantil a partir do relato da amostra de alunos.

De acordo com o critério proposto por Hallal et al. (2006), o índice médio de sedentarismo infantil encontrado na amostra que estudaram foi de 56,4%. As turmas A e B, analisadas nesta pesquisa, apresentaram altos índices de sedentarismo, com 68,2% (15 de 22 crianças) e 64% (16 de 25 crianças), respectivamente, enquanto a turma C apresentou índice de 40% (6 de 15 crianças) com sedentarismo. Além disso, nota-se que nessa turma 60% das crianças são fisicamente ativas, o que, invertendose a comparação, representa quase o dobro de crianças ativas encontradas nas outras turmas.

Em relação à rotina de atividades de tempo livre ou lazer, identificou-se que 54,8% (34 do total geral de crianças) têm como atividade preferida brincar (seja dentro ou fora de casa, sozinhas ou acompanhadas). Assistir televisão é a principal atividade de lazer de 19,4% (12) das crianças estudadas; 11,3% (7) dos participantes jogam videogame; outros 11,3% (7) praticam esportes como principal atividade de lazer, enquanto 3,2% (2) da amostra dizem que desenhar é seu principal passatempo. Ao serem perguntadas sobre se gostam das aulas, 82,3% (52 crianças) responderam que sim. observa-se uma especificidade nesse conjunto de dados, pois somente alunos da turma A (10 alunos) relataram não gostar das aulas, enquanto 100% dos alunos das turmas B e C afirmaram apreciar as aulas.

Todos os alunos da amostra foram questionados sobre quais seriam suas atividades preferidas dentre todas as realizadas nas aulas. 74,2% (46 alunos) das respostas foram categorizadas como jogos e esportes com bola, dentre os quais se destacaram o futebol, o basquete e a queimada. As brincadeiras que envolvem corrida e similares são as preferidas de 17,8% (11 crianças) da amostra, enquanto tanto as atividades de dançar quanto pular corda foram apontadas por 6,4% (4 crianças). Além disso, uma criança apontou o alongamento como atividade favorita. Diante da pergunta sobre se a educação física seria ou não importante, 95,2% (59 crianças) disseram que sim, enquanto apenas 4,8% (3 respondentes) disseram que não. Esse último índice é totalmente composto por alunos da turma A. Para aqueles que responderam que a educação física seria importante (95,2%, ou 59 crianças da amostra total), foi perguntado em seguida o motivo, sendo que 42% (24 alunos) disseram que a consideram uma aula importante porque há oportunidade de brincar; 42% (24 crianças) descreveram que a educação física na escola é importante porque é a aula na qual se aprendem jogos e esportes; 7,1% (4) disseram que a importância se deve à possibilidade de melhorar a saúde e o corpo. Outras explicações foram dadas por 8,9%(7) dos alunos.

Etapa 2 - Identificação de variáveis do relato dos professores sobre a formação e a prática docente da educação física escolar.

As entrevistas com os educadores, realizadas a partir do roteiro semiestruturado, subsidiaram tanto a caracterização da amostra de professores participantes quanto a identificação de variáveis contextuais relevantes para a compreensão da prática cultural do sedentarismo infantil. Esses resultados de caracterização são apresentados no Quadro 1, a seguir:

 


Quadro 1 - Clique para ampliar

 

Verifica-se que, enquanto os professores das turmas A e C têm experiência acumulada de pelo menos 15 anos, a professora da turma B trabalha na área há três anos. Em relação à escolha da área de atuação profissional, nota-se que a professora B escolheu trabalhar com EFE, enquanto os docentes A e C iniciaram sua carreira na área especificamente por falta de oportunidades em outras áreas de atuação. Enquanto os professores A e B relatam apreciar no trabalho aspectos próprios da EFE, como o público infantil e aspectos de desenvolvimento através do esporte, o professor C considera mais positivos aspectos secundários da rotina de trabalho, como flexibilidade de conteúdos e amizade no trabalho. Outras informações, além dos principais dados demográficos, contribuem para a caracterização dos professores quanto ao discurso a respeito de sua prática. Os relatos dos três professores sugerem que o principal fator para favorecer a adesão dos alunos é a obtenção de reforçamento natural, inerente à movimentação do corpo. Entretanto, relato da professora B sinaliza crer que reforçadores arbitrários devem ser planejados para aumentar a participação. Sobre os fatores que favorecem a preferência por atividades físicas no lazer e tempo livre, os três professores destacam a importância do apoio, regras e condições familiares favoráveis. Entretanto, os professores B e C destacaram o papel da estrutura física do bairro e da cidade que permitia o acesso às atividades que fossem incentivadas pela família, enquanto o professor A destacou o papel dos atletas de alto rendimento na geração de modelos e preferências por uma modalidade esportiva. Os três professores estabeleceram que a EFE tem um papel importante na promoção da saúde infantil, entretanto não seria um mecanismo suficiente para a diminuição do sedentarismo infantil, em função de variáveis como o tempo limitado das aulas na grade curricular e os papéis da família e do Estado na promoção de condições para o indivíduo se manter fisicamente ativo. Como estratégias didáticas para a EFE, os três professores destacaram a valorização da participação do aluno na atividade, mas o professor C relatou valorizar ainda mais as crianças que apresentam bom desempenho, enquanto o professor A relatou que a adesão depende muito mais do interesse dos alunos do que de serem ou não valorizados pelo professor. Quanto ao planejamento, os professores B e C relataram flexibilidade e diversidade, seja pela formação teórica e preferência dos alunos, enquanto o professor A relata rigidez quanto à escolha e monitoramento das atividades.

Etapa 3 - Categorização dos dados obtidos a partir da análise funcional das contingências que permeavam as interações entre professor e alunos presentes nas aulas.

As sessões de observação foram registradas de forma a descrever categorias que agrupam as contingências observadas nas aulas, de acordo com o tipo de procedimento comportamental predominantemente observado em cada interação: (a) reforçamento positivo, (b) reforçamento negativo, (c) extinção e (d) punição. Essa classificação procurou distinguir dois tipos diferentes de efeito, quais sejam, o aumento ou a diminuição da probabilidade de os alunos emitirem comportamentos "fisicamente ativos" em outros contextos (em casa, no bairro ou em instituições).

Alguns exemplos são apresentados a seguir como ilustração do uso desses quatro procedimentos e seus respectivos efeitos sobre o comportamento dos alunos, especialmente o comportamento de adesão às atividades físicas durante a aula. São apresentados, na sequência, os quadros 2, 3, 4 e 5, exemplificando o tipo de manejo utilizado pelo professor:

 

 

As observações das aulas de cada turma de EFE, classificadas segundo as categorias já apresentadas, foram comparadas a fim de se estabelecer qual tipo predominante de procedimento comportamental cada professor adotou e em que proporção cada um dos quatro procedimentos foram usados. Para isso, foi considerado o total de contingências claramente explicitadas através do comportamento do docente, observadas e registradas em cada turma isoladamente. Em seguida, foi feita a análise percentual de cada procedimento em relação ao total de observações de cada turma. Os resultados são apresentados no Gráfico 1, a seguir:

 


Gráfico 1 - Clique para ampliar

 

Nota-se que o professor da turma A apresenta predominantemente o uso de punição (43%), seguido de reforçamento negativo (40%), reforçamento positivo (14%) e extinção (3%). Já a professora da turma B apresenta prioritariamente reforçamento positivo (67%), enquanto reforçamento negativo, extinção e punição são menos frequentes (11% cada). Na turma C reforçamento positivo e reforçamento negativo ocorrem na mesma proporção (35% cada), enquanto extinção (20%) e punição (10%) são procedimentos menos frequentes.

A seguir são apresentados os resultados referentes aos relatos dos professores sobre aspectos didáticos comparados às respectivas observações de tais aspectos nas aulas. Essa comparação, por um lado, contribuiu para a caracterização das variáveis contextuais presentes na EFE e, por outro, para avaliar a correspondência entre o relato verbal e os comportamentos dos professores em suas interações com os alunos em situação de ensino-aprendizagem. No Quadro 6, a seguir, observa-se uma síntese de aspectos das interações analisados.

 


Quadro 6 - Clique para ampliar

 

Verifica-se que no caso da turma A existem poucos procedimentos comportamentais que ocorrem com frequência e que aumentam a probabilidade de participação dos alunos nas aulas. Por exemplo, observou-se baixa frequência de atividades reforçadoras, em contrapartida à alta frequência de atividades aversivas. Adicionalmente, o professor dessa turma, muito frequentemente, apresenta correções contingentes às esquivas e erros de desempenho dos alunos. Como resultado da aplicação de tal combinação de procedimentos comportamentais, observa-se que há baixa participação dos alunos nas aulas. A esses dados acrescentam-se os resultados anteriormente relatados de que as únicas dez crianças que relataram não gostar da aula de educação física são alunos do professor A e 68,2% (15 entre 62) foram considerados sedentários. Por outro lado, as observações da turma B revelam resultados consideravelmente diferentes. A professora B apresenta tanto consequências reforçadoras positivas contingentes às participações dos alunos quanto apresenta correções contingentes aos erros e esquivas dos alunos. Como resultado, os alunos apresentam assiduidade às aulas. Todos os alunos da turma B relataram gostar da educação física, entretanto o índice de sedentarismo dessa turma também é significativo (64%, ou 15 crianças). O professor C também prioriza o uso de atividades reforçadoras positivas. Entretanto, não apresenta consequências reforçadoras positivas contingentes à participação dos alunos e tampouco apresenta correções contingentes aos erros e esquivas dos alunos. Como resultado, observa-se que há participação frequente dos alunos nas aulas, porém menor do que a participação observada na turma B. Todos os alunos da turma C relataram gostar da educação física; além disso, a turma C apresentou o menor índice de sedentarismo da amostra (40%, ou 6 crianças).

 

Discussão

Abordar o sedentarismo infantil como objeto de estudo sob a perspectiva da análise comportamental da cultura se faz relevante, por um lado, pela representatividade dos dados de várias pesquisas ressaltando a grande incidência do problema na população e, por outro, pela validade da tentativa de operacionalizar as relações comportamentais envolvidas na recorrência de uma prática cultural deletéria que exige a proposição de políticas públicas consistentes.

A respeito da incidência do sedentarismo infantil na amostra estudada (56,4% dos alunos), pode-se compreender quanto essa taxa é demasiadamente alta se comparada a 15% dos meninos e 26% das meninas considerados sedentários em uma amostra de crianças americanas entre 1988 e 1994, 19 a 25 anos atrás (Andersen, Crespo, Bartlett, Cheskin, & Pratt, 1998). Os dados de sedentarismo infantil encontrados nesta pesquisa são compatíveis com os achados de Hallal et al. (2006).

Pontuando que os participantes foram apenas três professores e 62 alunos (o que, embora permita caracterização relevante, limita generalização estatística), são apresentadas, a seguir, variáveis que caracterizam tais agentes e se revelam importantes para compreensão dos resultados sobre a adesão dos alunos na EFE e, consequentemente, seu papel na manutenção do sedentarismo infantil. Os resultados referentes à turma A são notadamente enfatizados nesta seção, uma vez que foi a turma que apresentou maior taxa de crianças sedentárias (68,7%), assim como menor valor reforçador positivo da EFE (também 68,7%). Nessa perspectiva, evidenciam-se, a partir dos resultados, variáveis contextuais e aspectos importantes a serem ressaltados:

(1) Predominância de atividades de lazer e tempo livre que demandam pouca ou nenhuma atividade física:

Os principais exemplos das atividades de lazer encontrados na amostra são assistir televisão, brincar dentro de casa, desenhar, jogar videogame. Em geral, as atividades incluem alguma movimentação, como, por exemplo, 54,8% das crianças brincam dentro ou fora de casa no tempo livre. Ocorre, porém, que, embora brincar seja uma atividade que cumpre numerosas outras funções importantes no desenvolvimento da criança, em geral ocorre com frequência insuficiente para cumprir o critério de fisicamente ativo de Hallal et al. (2006). Isso acontece na amostra estudada, da qual apenas 7,4% das crianças são classificadas como ativas pela frequência e duração de suas brincadeiras com bola e corrida. Em outros casos, como o de 19,4% das crianças estudadas, a principal atividade de lazer é assistir televisão, o que ocorre comumente por várias horas seguidas em um mesmo período do dia. Parece plausível conjeturar, adicionalmente, que em alguma medida as dificuldades de acesso a locais adequados para a atividade física constituam uma variável contextual que contribuiu para a manutenção do sedentarismo infantil.

(2) Modelos fisicamente ativos e orientações dos pais dos alunos:

Em função da especificidade e limites da pesquisa, não fez parte da investigação a coleta de dados junto aos pais dos alunos. Entretanto, no relato dos professores apareceram alguns elementos referentes ao que acreditam ser influência e/ou responsabilidade dos pais sobre a prática de atividades físicas dos filhos. O professor A acredita que a influência das orientações e expectativas dos pais tem papel importante sobre a participação em atividades físicas em geral, assim como relata que é da família a responsabilidade sobre a saúde e sedentarismo dos filhos. O professor C relata que os exemplos fisicamente ativos e regras familiares têm relevante influência no engajamento dos filhos em comportamentos fisicamente ativos.

A despeito da polêmica que existe sobre em que medida os diferentes agentes sociais- pais, escola, comunidade, governo - são responsáveis pela manutenção da prática de sedentarismo infantil (Martins Junior, 2004), parece compreensível que tanto professores quanto pais desempenhem um papel decisivo na definição dos padrões de atividades de lazer das crianças (Martinez-Gonzales et al., 2001). No Estado de São Paulo, o nível de atividade física dos pais pode ser uma variável contextual que provavelmente atua modificando em alguma medida a probabilidade de que os filhos sejam ativos ou sedentários. Matsudo et al. (2002) aplicaram a versão 8 do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) na forma reduzida, contendo perguntas em relação à frequência e duração da realização de atividades físicas pelos participantes na semana anterior à aplicação. Os dados são de 2.001 indivíduos de 14 a 77 anos de idade (953 do sexo masculino e 1.048 do feminino), com o cuidado de corresponder a uma amostra estratificada quanto ao gênero, grupo etário e nível socioeconómico. Os achados demonstraram que o sedentarismo adulto foi maior nas classes A (55,3%) e E (60%), porém os autores afirmam que a prevalência de sedentarismo é alta em quaisquer das faixas etárias investigadas e deve ser alvo de programas preventivos.

(3) Formação e prática profissional pelo uso do controle aversivo:

Inequivocamente, algumas variáveis provavelmente relacionadas à formação profissional do educador físico escolar não foram consideradas nesta pesquisa, em face do delineamento adotado e dos limites de controle de variáveis estranhas. Entretanto,o relato verbal do professor A apresentou elementos que possivelmente se relacionam com a formação profissional e as concepções de infância, desenvolvimento e aprendizagem que compõem seu repertório enquanto professor. Verbalizações como "Explicação é dada; fazer certo depende dos alunos", "Tenho alta exigência de disciplina com os alunos porque só se educa com firmeza", dentre outras, revelam prováveis contingências de esquiva do professor para lidar com problemas, além de regras que influenciam o padrão de comportamentos coercitivos do professor em aula. Dito de outro modo, a prática profissional do professor A parece ser determinada, em parte, por um controle verbal de regras equivocado sobre as possibilidades de manejo e interação com crianças, mas que gera reforçamento negativo individual ao professor (geralmente diminuindo ou encerrando comportamentos dos alunos aversivos ao professor). Parece provável que esse repertório caracterize predomínio de controle aversivo na percepção dos alunos, observado nas aulas da turma A (Quadro 6), o que tem efeito provável de diminuir o valor reforçador da EFE e da prática de atividades físicas para tais alunos (o que ocorre com 68,7% dos alunos da turma A, e justamente não ocorre nas turmas B e C, nas quais todos os alunos relataram gostar das aulas e onde os procedimentos de controle aversivo ocorrem em frequência muito baixa ou inexistente). Essa hipótese parece concordar com resultados de pesquisa sobre coerção na relação professor-aluno em contexto de sala de aula, na qual Viecili e Medeiros (2002) examinaram, por meio de observação direta e sistemática, os comportamentos de coerção e estimulação positiva dos professores em relação aos comportamentos de alunos entre 8 e 12 anos do ensino fundamental, com e sem história de fracasso escolar. Além de encontrar resultados com relação à diminuição dos comportamentos esperados de participação na aula dos alunos mais punidos, essa pesquisa demonstra que a utilização incorreta e por critérios equivocados da punição por parte do professor pode levar, como discute Skinner (1972), ao fortalecimento do comportamento indesejado, seja pelos efeitos colaterais da coerção (Sidman, 1989/1995), seja no tocante ao desperdício de oportunidades de fortalecimento de uma resposta mais adequada para o contexto.

(4) Valorização do desempenho X valorização da participação:

Uma variável contextual revelada no relato dos três professores foi a avaliação de participação e desempenho dos alunos. O professor A afirma na entrevista que avalia a participação dos alunos, mas estima que bom desempenho também seja importante e desejável nas aulas. Entretanto, foi possível observar nas aulas que o procedimento de valorização era contingente à precisão ou agilidade do desempenho, mas não foram observadas consequências de valorização da participação de alunos cujo desempenho apresentava rendimento físico menor. Além disso, frequentemente o professor A se comportava criticando os erros do desempenho dos alunos a cada jogada executada. No caso dessa turma, não se observava adesão consistente dos alunos às atividades propostas. Parece razoável considerar que a baixa adesão às atividades físicas pelos alunos possa ter uma correlação com a prática docente de valorização do desempenho quanto ao rendimento físico, em detrimento da valorização da participação. Em outras palavras, provavelmente a valorização prioritária ou exclusiva do desempenho na atividade constitui prática que não garante aumentar a adesão dos alunos, enquanto a valorização da participação, independentemente do desempenho, parece favorecer a adesão. Entretanto, o reforçamento positivo contingente à participação dos alunos deve ser ponderado, no contexto da presente amostra, como condição favorável mas não necessária para adesão dos alunos às atividades, visto que tal procedimento ocorria na turma C, enquanto não ocorria na turma B, ainda que todos os alunos de ambas as turmas relatassem satisfação com as aulas e ambas as turmas tenham apresentado frequência alta de participação nas aulas. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006) e Korsakas (2002), a maioria das atividades físicas, dentro e fora da escola, ocorre em esportes que se tornam competitivos pelo alto grau de especialidade que impõem e constituem atividades que acabam por ser abandonadas após a formação escolar, porque são direcionadas apenas aos jovens mais "atléticos", com alto desempenho. Isso descaracterizaria o aspecto educativo da EFE, na medida em que o desempenho cada vez mais modelado passaria a ser o objetivo final, em detrimento do princípio da participação e desenvolvimento humano no contexto de aprendizagem dessa disciplina.

(5) Inflexibilidade no planejamento das aulas e desconsideração da preferência dos alunos com relação às atividades:

Outra variável contextual importante em relação aos docentes diz respeito ao planejamento das aulas. Foi enfatizado pelo professor A, cuja turma apresentou as maiores taxas de sedentarismo (68,7%), o seguimento rígido do planejamento de fundamentos pré-desportivos para as aulas, o qual acompanha a turma por um bimestre ou trimestre inteiro. Observa-se que o professor A desconsidera de seu planejamento as atividades apontadas como as mais reforçadoras para as crianças, enquanto os professores B e C priorizam no planejamento a inserção de atividades eleitas pelos alunos como divertidas ou agradáveis e possivelmente esse procedimento esteja relacionado ao relato de satisfação e alta frequência de adesão às atividades nas duas turmas. Oliveira (2004) argumenta que os professores têm muita dificuldade de planejar e sistematizar as aulas, pois enquanto todas as outras disciplinas têm conteúdos previamente sistematizados para cada série, a EFE não os tem, o que, na prática, ocasionaria muitas dúvidas e atuação em sala sem sequência ou articulação adequada. O autor ainda ressalta que a EFE tem como objeto de estudo o movimento humano e, por isso, precisa levar em consideração a estruturação e construção do movimento, as manifestações lúdicas e esportivas, a expressão corporal em ritmo e a relação entre movimento e saúde, categorias que permitem grande flexibilidade de planejamento pedagógico e variabilidade de atividades importantes. Em conformidade, Papalia et al. (2006) relatam que a Academia Americana de Pediatras, desde 1999, ressalta que um programa de EFE para todas as crianças deve envolver a aquisição de habilidades que fazem parte de diversos esportes e atividades físicas, de forma que possam compor um repertório vitalício para estilos de vida ativos. Sallis, Prochaska e Taylor (2000), em pesquisa realizada com 1.504 adolescentes do 4&º ao 12&º ano de escolaridade, salientam os mesmos aspectos e reforçam a enorme importância e impacto que o prazer e o divertimento na disciplina de educação física poderá ter nos hábitos de atividade física. Assim, em consonância com os achados da presente pesquisa, fica clara a necessidade de se repensar o papel interventivo dos programas da disciplina de educação física, nomeadamente o vinculado à alteração dos objetivos e conteúdos a ensinar, de maneira a conseguir manter altos níveis de participação, motivação e prazer pela prática de atividade física.

 

Considerações finais

As variáveis contextuais discutidas anteriormente foram aquelas que, tanto pelos resultados obtidos nesta pesquisa quanto pela literatura científica, tiveram maior relevância na hipótese descritiva de variáveis que atuam na educação física escolar e podem se relacionar ao sedentarismo infantil na amostra estudada. Dessa forma, ao considerar a turma A como aquela que apresenta a maior taxa de crianças sedentárias (68,7%) e que apresenta o total de alunos insatisfeitos com a educação física, tem-se que, predominantemente, as contingências envolvendo professor e alunos foram (Quadro 6): (a) Atividades reforçadoras positivas para os alunos com frequência muito baixa ou inexistente; (b) Atividades em alguma medida aversivas para os alunos com frequência alta; (c) Não há apresentação de consequências reforçadoras positivas contingentes à participação dos alunos; (d) Apresentação de correções contingentes a erros ou esquivas dos alunos com frequência muito alta; (e) Participação dos alunos em aula com frequência variável e, via de regra, relacionada a reforçamento negativo. Entretanto, se faz relevante identificar que a turma C, cuja professora tinha como procedimentos predominantes nas aulas o reforçamento positivo, a flexibilidade na atribuição de atividades e pouca frequência de controle aversivo, também apresentou um alto índice de alunos sedentários (64%). Nesse sentido, os dados de relatos e observações sugerem que, para além do arranjo particular de contingências utilizado, esse aspecto, embora não constitua uma explicação exaustiva do complexo fenómeno do sedentarismo, revela variáveis relevantes para a adesão ou não às atividades físicas. Especificamente no contexto da escola, os procedimentos de planejar atividades da preferência (positivamente reforçadoras) dos alunos e o emprego de baixa frequência de atividades consideradas aversivas constituem parte das condições adequadas para mais consistente engajamento dos alunos em atividades físicas não sedentárias.

A partir deste e de outros estudos realizados na perspectiva da análise comportamental da cultura, é possível ressaltar como consenso a constatação da dimensão imensamente mais complexa da análise de práticas culturais em comparação a análise do comportamento individual, em face dos recursos teórico-tecnológicos até aqui disponíveis. Alguns obstáculos fizeram parte da realização desta pesquisa e confirmaram a especulação que existe na literatura sobre importantes questões metodológicas para a análise de práticas culturais em diversos contextos, como, por exemplo, o desenvolvimento e/ou validação de novos métodos de coleta e análise de dados referentes à identificação das variáveis controladoras de práticas culturais, assim como o avanço no desenvolvimento teórico e conceitual que busca esclarecer diferentes processos comportamentais que sobressaem em fenómenos sociais e suas implicações para o delineamento de políticas públicas.

Apesar da reiterada complexidade da análise de práticas culturais, notou-se que a realidade estudada é claramente passível de intervenções que tenham como foco modificar práticas culturais, para além de alterar comportamentos individuais. Como mostram os dados, a formação profissional de cada docente revelou-se bastante distinta, e certamente essa variável exerce influência no comportamento dos alunos de forma particular em cada caso. Dentro da perspectiva de que a formação docente se revela no seu estilo (comportamental) de docência e influencia o comportamento dos alunos, parece haver indícios de que a realização de atividades reforçadoras positivas para os alunos em associação a uma baixa frequência de atividades aversivas aumenta a participação em aula. Embora este estudo tenha características predominantemente descritivas e, nessa perspectiva, haja limitações quanto a afirmar em que medida essa variável influencia o desenvolvimento de repertórios de atividades físicas em outros contextos, parece possível e seguro, examinando os dados obtidos, considerar que a redução de estratégias reforçadoras positivas, combinada com a ampliação de controle aversivo, constituem variáveis indiretamente determinantes da baixa satisfação e baixa frequência de adesão dos alunos às aulas de educação física, o que consequentemente exerce algum impacto no sedentarismo infantil. Além disso, abrese, concretamente, a possibilidade, mediante capacitação do professor, de utilização sistemática de novas estratégias baseadas no critério de seleção por consequências (preferencialmente positivas) do comportamento. Apesar da variabilidade encontrada na (limitada) amostra estudada, sabe-se que as políticas públicas precisam reduzir idiossincrasias para que sejam aplicáveis a contextos variáveis, através de procedimentos que possam ser usados por muitos agentes comportamentais - no caso do presente estudo, os professores de EFE. Em vista dessa necessidade, é relevante que as mesmas variáveis sejam avaliadas em outras amostras, a fim de aceitá-las ou rejeitá-las em número mais amplo de situações, seja como determinantes da prática cultural do sedentarismo infantil ou como relevantes para a proposição de políticas públicas para reduzir sua incidência. É nesse sentido que se ressalta a dimensão exploratória da presente investigação, que buscou identificar variáveis que provavelmente influenciam o comportamento de professores de educação física em interação com seus alunos suscetíveis à recorrência da prática cultural do sedentarismo infantil. Obviamente, a realidade social é muito maior do que os exemplos do recorte analisado, uma vez que muitas outras variáveis sociais atuam na determinação da ocorrência do sedentarismo enquanto prática cultural. Entretanto, os dados obtidos sugerem a possibilidade do estudo de delineamentos culturais, com resultados que possam ser úteis no caso da redução do sedentarismo infantil enquanto problema de saúde pública. Angelo (2003) compreende que o encontro entre as áreas de saúde, psicologia, esporte e atividade física é necessário, destacando que o desenvolvimento de programas que visem atender habilidades físicas da população é imprescindível para prevenção e inibição de fatores de risco que contribuem para surgimento de doenças crónico-degenerativas. Como agravante, Parsons, Power, Logan e Summerbell (1999) apontam que a maioria das doenças associadas ao sedentarismo se manifesta na vida adulta; entretanto, há evidências consistentes de que seu desenvolvimento se inicia na infância e adolescência. Sugerem ainda que a atividade física seja um fator de proteção na infância para prevenção de obesidade na vida adulta. Portanto, planejar contingências, imediatas e de longo prazo, no âmbito das práticas culturais, parece constituir contribuição auspiciosa da análise comportamental da cultura para tais finalidades.

 

Referências

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Endereços para correspondência
Natália Pinheiro Orti
natiorti@yahoo.com.br

Kester Carrara
kester@fc.unesp.br

Submetido em: 17/06/2012
Revisto em: 13/02/2013
Aceito em: 14/02/2013

 

 

1 Análise comportamental da cultura constitui uma expressão consolidada na literatura da análise do comportamento, que se refere ao exame de práticas culturais pelo viés teórico-epistemológico comportamentalista. Assim, a expressão, no presente trabalho, apresenta-se de acordo com a formulação skinneriana do conceito de cultura, naturalmente distinto do conceito sociológico ou antropológico.
2 O símbolo "SR+" utilizado no texto é parte de literatura corrente em Análise do Comportamento. Sinaliza reforço positivo ou procedimento de reforçamento positivo, conforme o caso.