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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.65 no.3 Rio de Janeiro  2013

 

Representações sociais de mães sobre os direitos humanos*

 

Social representations of mothers about human rights

 

Las madres y las representaciones sociales sobre los derechos humanos

 

 

Pablo QueirozI; Cleonice CaminoII; Lilian GalvãoIII; Julian SantosIV; Natália PequenoV; Anderson MathiasVI

IDoutorando. Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIDocente. Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIIDocente. Departamento de Educação. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Estado da Paraíba. Brasil
IVDocente. Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Estado da Paraíba. Brasil
VMestre. Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
VIMestrando. Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi conhecer as Representações Sociais (RS) dos Direitos Humanos (DH) e dos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) de mães de classe média e baixa. A teoria adotada foi a das RS. Entrevistaram-se 120 mães pessoenses por meio de um roteiro com questões abertas sobre dados sociodemograficos e sobre os DH e DCA conhecidos. Os resultados, analisados por meio do ALCESTE, indicaram que mães de classe média mencionaram, como exemplos de DH, direitos sociais, individuais e de grupos, e, como exemplos de DCA, direitos sociais; mães de classe baixa mencionaram a violação de direitos e os direitos de convívio social, como DH e, como DCA, os direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e o direito de controlar seus filhos. Os DH, influenciados pelas classes sociais, organizaram-se em dois eixos, bem como os DCA. Os autores concluíram que os DH e os DCA conhecidos, assim como os eixos organizadores, foram influenciados pelas classes sociais nas quais as mães se inserem.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Representações Sociais; Mães.


ABSTRACT

The aim of this study was to know the Social Representations (SR) of middle and lower class mothers about Human Rights (HR) and Child and Adolescent Rights (CAR). The SR theory was adopted. The SR theory was employed in interviewing 120 mothers who live in João Pessoa were interviewed, by using an interview guide with open questions about sociodemographic caracteristics and the known HR and CAR. Results, obtained using ALCESTE, indicated that: middle class mothers mentioned, as an example of HR, social, individuals, and group rights, and as an example of CAR, social rights; lower class mothers mentioned, as HR, rights violation and social conviviality, and as CAR, Child and Adolescent Statue rights and the right to control their children; HR, influenced by social classes, were organized in two axes, as well as the CAR. The authors concluded that the known HR and CAR, and the organizing axes as well, were influenced by the social classes to which mothers belonged.

Keywords: Human Rights; Social Representations; Mothers.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue conocer las Representaciones Sociales (RS) sobre los Derechos Humanos (DDHH) y los Derechos del niño y el adolescente (DNyA), de madres de clase media y baja. La teoría adoptada fue la de las RS. Fueron entrevistadas 120 madres por medio de preguntas relativas a datos sociodemográficos y sobre los DDHH y DNyA conocidos. Los resultados, analizados a través de ALCESTE, indicaron que las madres de clase media verbalizaron derechos individuales, de grupos y sociales como DDHH y, como DNyA, los derechos sociales. Las madres de clase baja verbalizaron la violación de los DDHH y los derechos de convivencia social como DDHH y, los derechos del Estatuto de los niños y adolescentes y el derecho a controlar sus hijos como DNyA. Se observó que los DDHH y DNyA se organizaron en dos ejes según la clase social de las madres. Los autores concluyeron que las RS de los DDHH y DNyA así como sus ejes organizadores estuvieron claramente influenciados por las clases sociales de las madres estudiadas.

Palabras clave: DDHH; Representaciones Sociales; Madres.


 

 

Introdução

O estudo a ser apresentado a seguir teve como objetivos principais conhecer quais são os Direitos Humanos (DH) e os Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) conhecidos por mães de estudantes de dois diferentes contextos socioeducativos.

Os DH surgem em função de contextos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais. Bobbio (2004) resumiu a evolução histórica dos DH por meio da apresentação de quatro gerações de direitos: na primeira, estão os direitos às liberdades individuais e à propriedade, conquistados, sobretudo, na Revolução Francesa e na Guerra de Independência estadunidense, que culminou com as primeiras declarações de DH; na segunda geração, estão os chamados direitos sociais, como saúde e educação, que datam do início da idade moderna, com o surgimento do constitucionalismo; a terceira e a quarta gerações de direitos são contemporâneas e ainda não possuem definições bem estabelecidas. Lafer (2009) indicou que a terceira geração de direitos, provavelmente, estará relacionada aos direitos dos grupos minoritários e a quarta aos direitos relativos ao meio-ambiente.

Esses momentos históricos indicam claramente o interesse por tais direitos, entretanto a luta por sua implementação estende-se à atualidade. A constatação, especialmente por meio da mídia, de situações de sofrimento humano como fome, guerras, assim como deficiências no sistema educacional e de saúde, tanto como preconceitos contra diferentes grupos sociais e dificuldades de sobrevivência advindas da degradação da natureza, levam a refletir sobre a proposta das declarações de DH como algo fundamental para a promoção da justiça na sociedade.

Atualmente, é importante considerar a existência de grupos humanos que parecem estar mais expostos a essas situações de sofrimento e que têm menos condições de, sozinhos, lutarem por melhorias. As crianças e os adolescentes parecem constituir um desses grupos na medida em que ocorrem, frequentemente, em relação a eles, situações de exploração sexual e do trabalho, assim como situações de violência. Diante dessas situações, surge a Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente, que procura reafirmar os direitos desse grupo.

A teoria das Representações Sociais (RS), de Moscovici (2003), indica que os conhecimentos partilhados socialmente têm o poder de orientar o pensamento e o comportamento das pessoas a respeito de diferentes temáticas. A partir disso, parece importante investigar como as pessoas têm se apropriado da proposta dos Direitos Humanos e dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Esse conhecimento poderá será útil para a realização de intervenções que promovam uma maior efetivação de direitos na sociedade, o que indica a relevância do presente estudo.

 

No que diz respeito às investigações em RS relativas aos DH, tendo por base uma articulação entre a teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici (2003) e a teoria psicogenética de Piaget (1932/1977), os trabalhos de Doise (2012) têm sido pioneiros. Com relação ao estudo das RS, Spini e Doise (1998) consideraram importante a verificação de três aspectos principais: a organização do campo representacional, os princípios organizadores das diferenças individuais e as ancoragens, referentes ao sistema de significados simbólicos.

A organização do campo representacional explora os aspectos comuns das representações, por exemplo, a forma como as pessoas leigas definem, estruturam, objetivam ou categorizam os conhecimentos científicos que circulam na sociedade. A pesquisa sobre os princípios organizadores indica as variações no valor atribuído pelas pessoas ou grupos a diferentes dimensões subjacentes ao campo representacional. Além do mais, as ancoragens (adequação de conceitos, ideias ou imagens não familiares ao pensamento comparando-as com categorias e imagens já existentes) podem ser divididas segundo três níveis de análise. No primeiro, há uma verificação de cunho psicológico dos posicionamentos individuais como atitudes ou valores. No segundo, há uma verificação psicossociológica de como as pessoas percebem as relações entre os grupos sociais. Por fim, no terceiro, há uma verificação sociológica do pertencimento de indivíduos a grupos com características específicas, como a condição socioeconômica e as afiliações políticas e religiosas (Spini & Doise, 1998). A seguir serão apresentados alguns estudos em que os aspectos principais das RS foram verificados.

Sobre o campo representacional do conhecimento dos DH, têm-se os estudos de Camino (2004), Camino, Galvão, Rique e Camboim (2006), Galvão, Costa e Camino (2005) e Santos (2009) realizados com amostras de, respectivamente, estudantes do ensino médio, adolescentes em conflito com a lei, adolescentes de instituições de ressocialização, que passavam o dia nas ruas, e funcionários de uma instituição de ressocialização. Os direitos mais mencionados nesses estudos foram: educação, liberdade, moradia, alimentação, lazer, saúde e trabalho. Já no tocante ao campo representacional do conhecimento dos DCA, destacam-se as pesquisas de Feitosa (2009) e Doise, Staerkle, Clémence e Savory (1998), com amostras de estudantes, e Santos (2009), com uma amostra de funcionários de uma instituição de ressocialização. Esses autores verificaram que os DCA mais citados foram: educação, lazer, moradia, alimentação e família.

No tocante aos princípios organizadores do conhecimento dos DH, Doise et al. (1998) verificaram a existência de três dimensões: na primeira dimensão, no polo positivo, constavam respostas relacionadas ao respeito aos direitos e, no polo negativo, respostas referentes à violação dos direitos; na segunda, no polo positivo, constavam respostas referentes aos direitos públicos, e, no polo negativo, direitos individuais; na terceira e última dimensão constavam respostas subjetivas, no polo positivo, e, no polo negativo, respostas objetivas. Já no que diz respeito aos princípios organizadores do conhecimento dos DCA, os autores verificaram três dimensões: a primeira delas contrastou uma visão positiva dos direitos, no polo positivo, com uma visão negativa (direitos violados), no polo negativo; a segunda dimensão contrastou direitos mais subjetivos, no polo positivo, a direitos mais objetivos, no polo negativo. Por fim, a terceira dimensão congregou respostas referentes ao crime, à violência e às guerras.

Em relação às ancoragens sociais dos DH conhecidos, Doise et al. (1998) verificaram que, na primeira dimensão, a visão de respeito aos DH relacionou-se positivamente a um aumento do nível de escolaridade e negativamente à busca de apoio religioso. Na segunda dimensão, o nível de escolaridade relacionou-se positivamente com a consideração de direitos públicos. E, na terceira dimensão, uma interpretação mais objetiva dos direitos relacionou-se ao nível de escolaridade, à inserção em cursos acadêmicos de maior prestigio e ao gênero masculino. Além disso, os autores verificaram a existência de uma correspondência entre os DH citados e os direitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). No que diz respeito às ancoragens dos DCA conhecidos, os citados autores verificaram, na primeira dimensão, uma relação entre uma visão positiva dos direitos e a participação em cursos de maior prestígio acadêmico; na segunda dimensão, uma relação entre os direitos concretos e o nível de escolaridade, e, na terceira dimensão, o efeito do apoio religioso. Ainda no que respeita às ancoragens dos DCA, Feitosa (2009) verificou que as respostas dos estudantes de ensino fundamental e médio sobre o conhecimento dos DCA ancoravam-se na idade e no contexto socioeducativo. Já Camino (2004) não verificou diferenças na ancoragem de respostas de crianças e adolescentes sobre o conhecimento dos DCA, nem em relação ao contexto socioeducativos, nem em relação à idade.

Além das pesquisas aqui apresentadas, outras foram realizadas sobre os DH, a partir da abordagem de Doise (2012). Essas pesquisas tiveram como participantes estudantes universitários, estudantes do ensino médio, profissionais, crianças e adolescentes internos em instituições de ressocialização, professores e funcionários de instituições de ressocialização. Dentre essas, destacam-se aquelas cujos resultados apontaram para a família como uma instância importante na educação e provimento dos DH (Gouveia, 2007; Santos 2009; Paz, 2008).

De fato, a família deve ser considerada como uma instituição básica para a socialização porque nela ocorre um grande compartilhamento de conhecimentos sociais que possibilita a transmissão e a construção das RS. A esse respeito, é importante frisar que algumas pesquisas têm indicado que, dentro da família, o efeito da socialização de crianças e adolescentes é mais evidente quando realizada pelos pais (Grusec & Goodnow, 1994; Hoffman, 1975). A socialização de país e mães segue uma estrutura comum (García & Gracia, 2009; Martínez, García, Camino, & Camino, 2011) que está intimamente relacionada com a transmissão dos valores aos filhos (Martínez & García, 2007, 2008). Corroborando esses resultados, Camino e Queiroz (2008) verificaram que eram as mães que mais cuidavam dos filhos. Apesar dessas constatações, nenhuma pesquisa foi encontrada sobre a família como agente de socialização dos DH. Diante desse contexto, decidiu-se que seria relevante estudar o papel das mães na socialização em DH e, como um primeiro passo nessa direção, investigar as Representações Sociais (RS) de mães sobre os DH e os DCA. Dessa forma, o presente estudo constitui uma contribuição inovadora para a área da socialização em DH.

Na realização da investigação proposta, foram considerados aspectos já estudados nas pesquisas recém-apresentadas. Mais especificamente, foram examinados o campo representacional, os princípios organizadores e as ancoragens sociais do conhecimento dos DH e dos DCA. Em relação a esses aspectos, de acordo com os resultados observados, supõe-se que: 1) Os DH e DCA mais conhecidos sejam os sociais, como educação, saúde, alimentação, moradia e lazer, e os direitos individuais, como liberdade; 2) O campo representacional do conhecimento dos DH organiza-se em função de uma visão positiva versus uma visão negativa, direitos individuais versus direitos públicos e uma visão objetiva versus uma visão subjetiva dos direitos; 3) O campo representacional dos DCA organiza-se em função de uma visão positiva versus uma visão negativa e uma visão objetiva versus uma visão subjetiva dos DCA; 4) Os princípios organizadores dos DH ancoram no nível socioeducativo e na DUDH; e 5) Os princípios organizadores dos DCA ancoram no nível socioeducativo e na DDCA.

 

Método

Delineamento

Pesquisa de campo, de natureza exploratória.

Amostra

Participaram 120 mães de crianças e adolescentes, distribuídas igualmente, em função do tipo de escola (pública e privada) em que estudavam seus filhos. Para delimitar a amostra, utilizou-se como critério ter uma quantidade de participantes suficiente, considerando-se as variáveis sociodemograficas, para a realização de análises estatísticas dos textos das entrevistas.

Instrumento

Para a realização da presente pesquisa, foi criado um roteiro de entrevista semiestruturada, que continha 21 questões. Destas, serão consideradas, no presente trabalho, apenas as questões referentes aos: 1) dados sociodemograficos: nome, idade, trabalho, escolaridade etc.; 2) Direitos Humanos (Quais os direitos humanos que você conhece?); 3) Direitos da Criança e do Adolescente (Quais os direitos da criança e do adolescente que você conhece?).

Procedimento ético

Todos os procedimentos adotados nesta pesquisa seguiram as orientações previstas na Resolução 196/96 do CNS e na Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia.

Coleta de dados

Na coleta de dados, utilizou-se a técnica de amostragem por conveniência (Cozby, 2003). Inicialmente, foram entrevistadas as mães cujo acesso era mais fácil para os pesquisadores (como vizinhas ou conhecidas). No final de cada entrevista, as mães participantes foram solicitadas a indicar outras mães para contribuir com o estudo, formando, dessa maneira, uma rede de contatos. Os encontros aconteceram durante os finais de semana, nos horários e locais mais convenientes para as respondentes. As entrevistas foram gravadas e duraram, em média, 40 minutos. Em seguida, foram transcritas na íntegra.

Análise de dados

Os textos das transcrições das entrevistas foram analisados por meio do software denominado Analyse dês Lexèmes Co-ocurents dans les Énnoncés Simples d'um Texte (ALCESTE). Esse software refere-se a um programa que realiza análises quantitativas de dados textuais, que, segundo Camargo (2005), classifica os dados em função de campos lexicais ou contextos semânticos. Nos estudos realizados em Psicologia Social, esses contextos semânticos podem ser entendidos como campos representacionais.

Dentre as analises realizadas pelo ALCESTE, foram utilizadas: 1) estatísticas descritivas; 2) a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) ou clusters das classes de palavras encontradas, que apresentam os campos semânticos ou campos representacionais, em forma de dendrograma; e 3) a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), que permite visualizar, sob a forma de um plano Euclidiano, as oposições fatoriais resultantes da CHD. Na Análise Fatorial de Correspondência, a partir da leitura dos resultados, é possível nomear os eixos (Nascimento & Menando, 2006), compreendidos, no presente estudo, como sendo os princípios organizadores.

 

Resultados

Caracterização da amostra

A amostra foi constituída por mães de alunos de escolas públicas e privadas, residentes em diferentes bairros da cidade de João Pessoa, no Estado da Paraíba (Brasil). 31,67% dessas mães moravam em bairros considerados de classe média: Altiplano, Bessa, Cabo Branco, Miramar; 45,83% residiam em bairros considerados de classe baixa (Valentina, Timbó, Jacaré, Mangabeira), e as demais não informaram. No que se refere à renda, 55% das mães disseram que a renda familiar não era superior a quatro salários mínimos; 40% das participantes disseram que a renda familiar era superior a quatro salários mínimos, as demais não informaram a renda.

Em relação à idade, 15,83% das mães tinham idades de 20 a 30 anos; 30,83% de 30 a 40 anos; 37,5%, de 40 a 50 anos, e as demais mães tinham idades superiores a 50 anos de idade.

No tocante à escolaridade, 0,83% das participantes da pesquisa eram analfabetas; 23,33% não completaram o ensino fundamental; 5% apenas concluíram o ensino fundamental; 0,92% não concluíram o ensino médio. Note-se que constam desses níveis de escolaridade apenas as mães cujos filhos estudavam em escolas públicas. 18,33% das mães tinham o ensino médio completo; 6,67%, o nível superior incompleto; 28,33% concluíram o ensino superior, e 8,33% tinham feito pós-graduação. Nesse último nível de ensino constavam apenas mães cujos filhos estudavam em escolas particulares. As demais participantes não informaram seus níveis de escolaridade"

Na discussão dos resultados, as mães que tinham até o nível médio de escolaridade incompleto e com renda mensal inferior a quatro salários mínimos foram consideradas como mães de classe social baixa. Aquelas que, por sua vez, tinham nível de escolaridade médio completo ou superior e tinham renda familiar acima de quatro salários mínimos foram consideradas como mães de classe média.

Conhecimento dos direitos humanos

Campo representacional e ancoragens sociais

Nos resultados referentes ao conhecimento dos direitos (Quais os Direitos Humanos que você conhece?), verificou-se um total de 4.414 ocorrências de palavras, com 904 palavras distintas, tendo, em média, 5 co-ocorrências por palavra. Após a restrição das palavras aos seus radicais, obtiveram-se 116 palavras reduzidas e analisáveis e o corpus foi reduzido a 188 Unidades de Contexto Elementar (UCE).

Na apreciação da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), verificou-se que foram consideradas 61% do total de UCE, dispostas em cinco classes: a primeira, com 19 UCE; a segunda, com 31; a terceira, com 13; a quarta, com 12, e, por fim, a quinta, com 39 UCE.

A partir da Tabela 1, que apresenta o dendrograma da CHD, pode-se verificar: as classes obtidas por meio das análises, as porcentagens das UCE em cada classe, as palavras mais representativas dessas classes e as relações hierárquicas que apresentam.

As classes obtidas, considerando as oposições significativas e os exemplos associados a essas oposições, foram interpretadas e nomeadas como se segue:

- Direitos Sociais (Classe 5) - essa classe congregou exemplos de direitos sociais. São exemplos de falas dessa classe: "1 - Educação, saúde, direitos básicos; 2 - Direito à educação, saúde, lazer".

- Direitos Individuais (Classe 3) - nessa classe constam exemplos de direitos relacionados às primeiras declarações de DH que se referiram a uma não intervenção do Estado na vida das pessoas. Por exemplo: "1 - Direito de liberdade, de ir e vir, de expressão; 2 - Direito à vida, à liberdade de expressão".

- Crítica à Violação dos Direitos (Classe 2) - essa classe incluiu as falas da mães que relataram situações em que as pessoas não tinham acesso aos direitos ou tinham dificuldades para obtê-los. Exemplos: "1 - Tem gente que está penando até hoje e está ai com mães que não têm emprego, com pais que fazem bico, tudo isso; 2 - Às vezes a gente vai procurar os direitos da gente e não têm direitos. Esses órgãos públicos quando a gente precisa de um advogado, nesse fórum também, é outra burocracia".

- Aspiração de Direitos necessários ao Convívio Social (Classe 4) - essa classe reuniu as falas que mencionaram os direitos necessários para uma boa convivência entre as pessoas e os grupos. Exemplos: "1 - o respeito, a dignidade, a tolerância, a paciência, ou seja, tudo que pode facilitar a convivência da gente com outras pessoas; 2 - eu acho que o respeito, a solidariedade, a comunhão com as pessoas".

- Reconhecimento da Implementação de Direitos de Grupos Específicos (Classe 1) - essa classe englobou as falas que mencionaram os direitos de grupos específicos. Exemplos: "1 - O direito do idoso, o estatuto do idoso, o direito da cor; 2 - O direito da mulher, das crianças e dos adolescentes".

No tocante à análise da CHD, é possível observar, na Tabela1, o dendrograma das classes obtidas. O conjunto das classes foi denominado de Representações Sociais dos Direitos Humanos. Nesse conjunto, constataram-se dois blocos: um, formado pelas classes 2, 4 e 1, denominado de Avaliação da Prática dos Direitos Humanos, que se distancia do outro, denominado de Conhecimento dos Direitos, formado pela aproximação das classes 5 e 3. O bloco denominado Avaliação da Prática dos Direitos Humanos subdividiu-se em dois agrupamentos: um, formado pela classe 2, intitulado Crítica à Violação dos Direitos, que se distancia do outro, denominado de Implementação dos Direitos. Este, por sua vez, está formado pela aproximação das classes 4 e 1, denominadas, respectivamente, de Aspiração de Direitos Necessários ao Convívio Social e Reconhecimento da Implementação dos Direitos de Grupos Específicos. O outro bloco, denominado Conhecimento dos Direitos, encontra-se Formado pela aproximação das classes 5 e 3 que foram intituladas, respectivamente, de Direitos Sociais e Direitos Individuais.

Princípios organizadores

No que tange aos princípios organizadores dos DH conhecidos pelas mães, é possível identificá-los a partir dos resultados de uma Análise Fatorial de Correspondência (AFC), realizada pelo ALCESTE. A AFC das diferentes classes, conforme Figura 1, mostra, no plano Euclidiano, os princípios correspondentes aos eixos horizontal e vertical e as polaridades referentes a esses princípios.

O princípio organizador denominado Vivência dos Direitos, localizado no Eixo 1 da Figura 1, é formado por elementos das classes que compõem esse eixo, apresentando uma porcentagem elevada da inércia total (63%). No mapa, observa-se que os elementos estão relacionados a uma experiência das mães de ter seus direitos violados, portanto, uma experiência negativa. No lado negativo, encontram-se elementos relacionados a uma experiência positiva das mães com os direitos. Dentre os elementos do lado negativo, pode-se destacar a classe socioeconômica média das mães e direitos individuais, como a liberdade. Assim, pode-se dizer que os elementos dispostos no Eixo 1 organizaram-se em função de uma experiência positiva e de uma experiência negativa das mães em relação aos direitos.

No Eixo 2 da Figura 1 encontra-se o princípio denominado Abrangência dos Direitos e os elementos das classes que o compõem representam 37% do qui-quadrado total. No lado positivo do eixo, observa-se que os elementos das classes estão relacionados ao Reconhecimento da Implementação dos Direitos de Grupos Específicos. No lado negativo, os elementos das classes estão relacionados ao conhecimento de Direitos Individuais. Assim, a polarização indicada no Eixo 2 pode ser explicada pelo fato dos elementos agrupados no lado positivo referirem-se ao reconhecimento da prática de direitos associada a grupos específicos, enquanto os do lado negativo referirem-se ao conhecimento de direitos individuais.

Na Figura 1, referente à AFC, verificou-se que os elementos relacionados às classes Aspirações de Direitos Necessários ao Convívio Social (Classe 4) e Direitos Sociais (Classe 5) encontravam-se espalhados por todo o espaço Euclidiano, razão pela qual não foram apresentados na Figura 1, nem considerados na nomeação dos princípios.

Conhecimento dos direitos da criança e do adolescente

Campo representacional e ancoragens sociais

Também foram analisadas, por meio do ALCESTE, as respostas das mães à questão: "Quais são os Direitos da Criança e do Adolescente que você conhece?". Nos resultados, observou-se um total de 8.482 ocorrências de palavras, com 1.367 palavras distintas, tendo, em média, seis ocorrências por palavra. Depois que as palavras foram coligadas aos seus radicais, obtiveram-se 211 palavras reduzidas e analisáveis, e o corpus foi reduzido a 287 Unidades de Contexto Elementar (UCE).

Na análise da Classificação Hierárquica Descendente, constatou-se que, para essa classificação, foram consideradas 87% do total de UCE, dispostas em quatro classes: a primeira, com 945 UCE; a segunda, com 1.643; a terceira, com 675, e, por último, a quarta, com 1256 UCE. Na Tabela 2, que apresenta o dendrograma da CDH, podem-se verificar as classes obtidas, bem como as palavras mais representativas de cada uma delas e a forma como as classes apareceram agrupadas.

As classes obtidas, considerando-se as oposições significativas e os exemplos associados a essas oposições, foram interpretadas e nomeadas como se segue:

- Direitos da Criança e do Adolescente identificados no ECA (Classe 3) - nessa classe foram alocadas as falas que mencionaram, mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como exemplos de direitos nele contidos. Exemplos: "1 - A gente tem que ler o Estatuto da Criança e do Adolescente, então não posso dizer que conheço todos, mas a gente lida o tempo todo com essa história do cuidar; 2 - Conheço o estatuto da Criança e do Adolescente, não posso dizer que conheço em profundidade, mas posso dizer que conheço bastante (...)".

- Direitos Sociais das Crianças e dos Adolescentes (Classe 2) - essa classe englobou as respostas das mães que mencionaram exemplos de Direitos Sociais que as crianças e os adolescentes deveriam ter. Exemplos: "1 - (...) a importância dela estar na escola hoje, (...) direito de ter uma boa alimentação, uma boa saúde, acho que tudo isso está relacionado; 2 - Moradia, educação, saúde, proteção, família, não sei se necessariamente religião, acho isso".

- Direito de controlar os Filhos (Classe 1) - nessa classe estão os discursos que consideraram que os direitos da criança e do adolescente dificultam a educação dos filhos e que é necessário saber educá-los, sobretudo, por meio do diálogo. Exemplos: "1 - Ele está com direito de tudo e a gente não está com direito de nada, então eu acho que saber falar com ele com meu filho no caso, e ele tem que saber falar comigo, para saber me responder, porque se eu for deixar; 2 - Não deixar fazer o que quer comigo, não maltratar e sempre respeitar meu filho, saber conversar com ele para não chegar a um ponto de ele dizer o que eu tenho que fazer".

No que concerne à análise da CHD, é possível verificar, na Tabela 2, o dendrograma das classes obtidas. A classe Direito de Controlar os Filhos (classe 1) separou-se, num primeiro contraste, do restante do corpus. Deste segundo agrupamento, emergiram duas classes contrastadas entre si: Direitos da Criança e do Adolescente Identificados no ECA (classe 3) e Direitos Sociais da Criança e do Adolescente (classe 2). A principal oposição encontrada foi entre a classe 1 e a classe 2.

Princípios organizadores

No que diz respeito aos princípios organizadores dos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) conhecidos pelas mães, é possível identificá-los por intermédio dos resultados da AFC (Figura 1), que, conforme Figura 2, mostra as oposições resultantes da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), organizadas por eixos.

No Eixo 1 da Figura 2 foi identificado o princípio chamado Relação Mãe-Filho que indica que os elementos das classes que compõem esse eixo representa 74% da inércia. No seu lado positivo, observa-se que os elementos das classes estão relacionados a uma visão restrita dos DH, que contempla, apenas, o direito das mães de controlarem seus filhos. No seu lado negativo, encontram-se os elementos das classes relacionados a uma visão mais ampla dos direitos da criança e do adolescente, que contempla uma maior variedade de direitos. Assim, considera-se que as respostas dispostas no Eixo 1 organizaram-se, por um lado, em função dos direitos das mães e, por outro, em função dos direitos dos filhos.

O Eixo 2 da Figura 2 foi chamado de Fonte de Conhecimento dos Direitos e indica que os elementos das classes que compõem esse eixo representa 26% da inércia. No quadrante superior esquerdo, nota-se que os elementos das classes estão relacionados aos direitos sociais das crianças e dos adolescentes que foram divulgados por meio da mídia e dos amigos, que são fontes mais amplas de conhecimento sobre os DCA. No seu lado negativo, verifica-se que elementos das classes estão relacionados aos direitos sociais das crianças e dos adolescentes que foram propagados por meio da divulgação do ECA, que é uma fonte de informação específica. Desse modo, pode-se considerar que os elementos dispostas no Eixo 2 organizaram-se, por um lado, em função de fontes de informação mais amplas, e, por outro, em função de fontes de informação mais restritas sobre os DCA.

 

Discussão

A suposição do presente estudo em relação ao conhecimento dos direitos era de que os direitos mais conhecidos pelas mães fossem os sociais - educação, saúde, moradia, alimentação e lazer - e os individuais. Essa suposição foi verificada: os direitos sociais e individuais constam, respectivamente, das classes 5 e 3 do dendrograma apresentado na Tabela 1. Nessa figura verifica-se que as UCE referentes aos direitos sociais são as mais numerosas enquanto as referentes aos direitos individuais figuraram entre as mais baixas. O fato de os direitos sociais e individuais confirmarem a suposição levantada corrobora os resultados encontrados nas pesquisas de Camino (2004), de Santos (2009), de Galvão et al. (2005), de Paz (2008) e de Doise et al. (1998). Acredita-se que a razão desses resultados se repetirem em tantas pesquisas encontra-se no fato de as lutas pelas conquistas desses direitos serem as mais antigas e no fato desses direitos gozarem de uma grande divulgação na sociedade. Tais direitos constam das principais propostas de candidatos a cargos políticos, são alvo de muitos dos programas sociais estabelecidos pelo governo, aparecem nas lutas sindicais etc.. Esses resultados também podem ser explicados pelo fato de os direitos sociais não serem devidamente assegurados, apesar de considerados básicos. A esse respeito, constata-se, no Brasil, a baixa qualidade do atendimento à saúde, o precário sistema de ensino, os índices elevados de pessoas sem teto, a falta de alimentação adequada e a falta de lazer para muitos.

No tocante, apenas, aos direitos individuais, o fato de eles se referirem, sobretudo, ao direito de ir e vir, parece ter a ver com a situação de violência das cidades que limita o gozo desse direito. Além disso, deve-se considerar que as mulheres - as mães, no caso desta pesquisa - têm uma historia de lutas, sobretudo pelos direitos relativos à liberdade, entre os quais se pode destacar a liberdade de expressão, tolhida pelos ideais machistas arraigados na sociedade ocidental.

Além dos achados que confirmam a suposição levantada sobre o campo representacional do conhecimento dos direitos, os dados do presente estudo revelam uma preocupação das mães com relação à prática dos direitos. Nesse sentido, verificou-se, por um lado, críticas às violações de direitos (classe 2), e, por outro lado, uma avaliação positiva dos direitos almejados (classe 4) e dos direitos já implementados (classe 1).

No que se refere à Violação dos Direitos é importante considerar que essa é a segunda maior classe em quantidade de UCE. Julga-se que a essa presença maciça da menção relativa à violação dos direitos pelas mães tem a ver com a própria vivência dessas mães em seu cotidiano e com a constante veiculação, por meio da mídia, de notícias sobre o desrespeito aos direitos.

No tocante à classe denominada Aspiração a Direitos necessários ao Convívio Social, considera-se que essa aspiração se explica pela vivência das mães que, em seu cotidiano, buscam evitar situações de conflito ou nas quais não se sentem bem tratadas, nas diferentes instituições sociais.

Já no que se refere ao Reconhecimento da Implementação dos Direitos de Grupos Específicos, acredita-se que a frequência expressiva (esses direitos foram mais referidos que os direitos individuais e do que os direitos de convívio social) desses direitos nos resultados do presente estudo e sua presença pouco expressiva nos estudos anteriores (Camino, 2004; Doise et al. Savory, 1998; Galvão, Costa e Camino, 2005; Santos, 2009) deva-se à influência mais evidente na atualidade de políticas públicas e movimentos sociais voltados para os grupos minoritários.

Em relação às ancoragens, a suposição era de que o conhecimento dos DH ocorreria, sobretudo, em função das classes sociais e dos direitos contidos na DUDH. Essa suposição também foi verificada. No tocante às ancoragens das classes referentes aos direitos sociais (classe 5), aos direitos individuais (classe 3) e aos direitos de grupos específicos (classe 1), verificou-se que as mães que mencionaram esses direitos pertenciam à classe média, o que, no presente estudo, significa que gozavam de escolaridade de nível superior e de uma condição econômica igual ou superior a seis salários mínimos. Tal pertencimento explica o maior conhecimento formal dos direitos por essas mães, mesmo em relação aos mais recentes, como os direitos de grupos específicos. A suposição de que essas mães possuem um conhecimento formal dos DH é corroborada pelo fato de que os direitos sociais, individuais e de grupos específicos citados por elas estão em consonância com os direitos difundidos pela DUDH. Nesse contexto, é importante considerar os resultados da pesquisa de Doise et. al (1998) que mostram a influência do nível de escolaridade e do nível social no conhecimento e importância atribuída aos direitos.

No que se refere aos direitos sociais e de grupos específicos, a indicação da mídia como ancoragem social leva a crer que o destaque dado a essa classe decorre da frequente veiculação de informações sobre esses direitos nos meios de comunicação, sobretudo televisivos, e da exposição da classe média à mídia, principalmente, no que tange os telejornais. Quanto a mídia ser considerada uma fonte de informação sobre os DH, os resultados obtidos por Fernandes e Camino (2006) e por Santos (2009) confirmam os achados do presente estudo. Em relação, especificamente, aos direitos sociais, pode-se inferir que, pelo fato de terem sido as mães de adolescentes que manifestaram esse conhecimento, o mesmo revela uma preocupação dessas mães em relação à saúde, educação e alimentação de seus filhos, na medida em que esses direitos são frequentemente negligenciados pelos adolescentes dessa classe, e que as mães são conscientes de sua responsabilidade como agentes de socialização.

Quanto às ancoragens dos conteúdos das classes referentes à Crítica à Violação dos Direitos e Aspiração de Direitos Necessários ao Convívio Social, verificou-se que elas estão associadas à mães de classe social baixa. Para explicar essa associação, deve-se considerar que isso ocorre pelo fato dessas mães terem poucos direitos assegurados e serem mais vulneráveis às situações de violação de direitos por depender, quase que exclusivamente, do governo. Observa-se, ainda, que as representações sociais de mães de classe baixa referem-se sempre à ausência de direitos, seja pela denúncia de sua violação, seja pela expressão do desejo de que alguns direitos sejam implementados. Ainda, julga-se que o fato de altas taxas de violência serem verificadas mais frequentemente na população de condição socioeconômica baixa explica a ancoragem relacionada a essa classe e, ademais, os pobres, em geral, são os que mais têm seus direitos violados e não são tratados de forma digna pelos que gozam de maior poder aquisitivo.

Em relação aos Princípios Organizadores, a suposição do presente estudo era de que o campo representacional do conhecimento dos DH se organiza em função de uma visão positiva versus uma visão negativa dos direitos, e de direitos individuais versus direitos públicos. Essa suposição foi, em parte, confirmada: verificou-se a existência de um princípio organizador referente, por um lado, a uma visão positiva dos direitos e, por outro, a uma visão negativa, ambas construídas a partir da vivência das mães. Destaca-se que esse princípio também foi encontrado por Doise et al. (1998) numa amostra de estudantes. Essa verificação parece confirmar o pressuposto das thematas da teoria das RS que concebe a construção das representações sociais a partir da conjunção de ideias antagônicas (Moscovici, 2003). Além disso, confirma o pressuposto de que a construção das RS tem a ver com a apropriação de conhecimentos do mundo reificado, considerando as peculiaridades e vivências do dia-a-dia de cada grupo social.

Verificou-se ainda a existência de um segundo princípio organizador referente à Abrangência dos Direitos: em um polo, o princípio se referiu a direitos individuais, e, no outro polo, aos direitos de grupos específicos. Esse fato parece indicar a complementaridade de uma perspectiva voltada para o individual por uma perspectiva voltada para o coletivo. Nesse sentido, e considerando que as lutas mais antigas foram pelos direitos individuais, acredita-se que se pode falar de um avanço na conceituação dos DH como algo que deve ser universalizado.

Sobre os resultados referentes ao conhecimento dos DCA, supôs-se que se destacam os direitos sociais e individuais. Essa suposição foi, em parte, confirmada: as mães citaram direitos sociais nas classes Direitos da Criança e do Adolescente Identificados no ECA e Direitos Sociais da Criança e do Adolescente, porém não citaram os direitos individuais. A referência a direitos sociais nos resultados relativos aos DCA corrobora os achados de et al.(1998), Feitosa (2009) e Santos (2009).

Além dos resultados acima referidos, os achados do presente estudo indicam uma preocupação das mães com o controle dos comportamentos dos seus filhos, conforme a classe Controlar os Filhos. Como nenhum dos estudos que consideram o conhecimento dos direitos da criança e do adolescente (Doise et al., 1998; Feitosa, 2009; Santos, 2009) indicou resultados semelhantes, julga-se que os obtidos aqui se relacionam com o fato de a amostra ter sido constituída por mães. Assim, considera-se a presença desses direitos como uma expressão do entendimento que as mães têm de que a punição é uma forma eficaz de evitar os comportamentos socialmente indesejáveis de seus filhos.

A suposição de que o conhecimento dos DCA ancoraria nas classes sociais das mães foi verificada. Verificou-se que as mães que mais contribuíram para a constituição da classe Direitos da Criança e do Adolescente Identificados no ECA (1990) residiam num bairro de nível social baixo, chamado Timbó, o qual, conforme verificação dos autores no web site da prefeitura, tinha um Programa Governamental de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) divulgava o ECA (1990) .

Os direitos constituintes da classe Direitos Sociais da Criança e do Adolescente ancoraram em mães de nível social médio e nas informações da mídia e dos amigos. Considera-se que a explicação para as ancoragens na classe média e na mídia é a mesma dada para a ancoragem social dos direitos sociais dos DH. Quanto à explicação das ancoragens nos amigos, é algo a ser investigado. Deve-se notar que os direitos citados pelas mães, com exceção do de controlar os filhos, estão em consonância com a DDCA.

As ancoragens sociais do Direito de Controlar os Filhos indicam que as mães que mais contribuíram com discursos para a formação dessa classe, que teve o maior percentual de UCE (63,39%), eram de nível social baixo. Com base nessa ocorrência, julga-se que as mães desse nível social são mais propensas ao uso de técnicas coercitivas (Hoffman, 1975). Interpretação que é reforçada pelo fato das mães não mencionarem os direitos individuais dos filhos e considerarem que o ECA (1990) delega um excesso de liberdade às crianças e aos adolescentes, o que limita a autoridade dos pais e dificulta a educação.

No que tange aos princípios organizadores dos DCA, a suposição de que o campo representacional dos direitos se organizaria em função de uma visão positiva versus uma visão negativa e de direitos objetivos versus direitos subjetivos não foi verificada. O campo representacional do conhecimento dos DCA foi organizado em função de dois eixos: Relação Mãe-Filho - que inclui direitos sociais referentes aos filhos, em um polo, e o direito das mães de controlarem seus filhos, no outro polo - e, Fonte de Conhecimento acerca dos DCA: em um polo consta a mídia como fonte de informação, e, no outro, o ECA (1990). O primeiro desses eixos pode ser explicado pelo fato de as mães reconhecerem os direitos dos seus filhos, mas considerarem que sua supervisão é indispensável. Já o segundo pode ser explicado pela importância de fontes diferenciadas de informação - ampla e específica - na veiculação dos DCA.

 

Considerações finais

Em relação aos DCA conhecidos, chama atenção a relação de oposição verificada entre os direitos das mães e os direitos dos filhos. Esse resultado confirma o pressuposto de Bobbio (2004) de que os direitos, por serem históricos, podem apresentar conflitos entre si, pois a presença de um pode implicar na ausência do outro. Outro aspecto relevante é o fato de a escola aparecer como ancoragem social do conhecimento dos DH de mães de nível social médio, mas não no de mães de nível social baixo. Diante desse resultado, pode-se supor que as escolas públicas, onde a maior parte da população de classe baixa estuda, não tem divulgado de forma satisfatória os DH. Com vistas a confirmar essa suposição, julga-se importante investigar de que maneira as diferentes escolas têm contribuído para a divulgação dos DH. Ainda com respeito ao conhecimento dos DH, destaca-se o fato de nenhuma menção ter sido feita aos direitos relacionados ao meio-ambiente. Esse resultado é surpreendente quando se sabe que, em vários estudos, com diferentes amostras, inclusive com amostras de mães, existem indicações de que esses direitos são conhecidos e julgados importantes (Biaggio, Souza, Monteiro, & Camino, 2009; Camino, 2012; Vikan, Camino, & Biaggio, 2007).

Ao considerar os resultados da presente pesquisa, de uma forma geral, verifica-se que eles apresentam um panorama dos direitos conhecidos por mães de diferentes contextos sociais. Esse panorama pode favorecer a construção de medidas educativas em relação à divulgação e conscientização das mães e cuidadores a respeito dos DH e dos DCA. Além disso, possibilita a construção de instrumentos psicológicos a serem utilizados na avaliação de programas de intervenção desenvolvidos para a promoção do conhecimento dos direitos.

Em relação às limitações deste trabalho, observa-se que ele se restringiu, apenas, ao pensamento das mães. Assim, considera-se importante que o presente estudo possibilite novas investigações sobre a socialização materna sobre os DH e o impacto dessa socialização nos filhos. Investir para que esses desdobramentos se tornem possíveis parece ser algo promissor.

Por fim, cabe destacar o acesso às participantes entre as dificuldades encontradas para a realização do presente estudo. Tendo em vista que elas raramente se reuniam em grupo ou se encontravam no ambiente escolar, tiveram de ser entrevistadas em suas residências, em diferentes bairros da cidade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
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Submetido em: 21/02/2013
Revisto em: 21/09/2013
Aceito em: 17/11/2013

 

 

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