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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.65 no.3 Rio de Janeiro  2013

 

Homofobia familiar: abrindo o armário 'entre quatro paredes'*

 

Familial homophobia: opening the closet 'in the intimacy'

 

La homofobia familiar: abriendo el armario 'entre cuatro paredes'

 

 

Lívia Gonsalves ToledoI; Fernando Silva Teixeira FilhoII

IDoutora. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Assis. Estado de São Paulo. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Assis. Estado de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Historicamente, o dispositivo da sexualidade autoriza as famílias a serem as guardiãs das normas sobre a sexualidade de seus membros, garantindo a heteronormatividade a partir da exclusão de toda dissidência a essa norma, ou seja, por meio da homofobia. A partir de uma pesquisa que teve como participantes mulheres dissidentes da heteronormatividade, acessadas pela técnica snow-ball, com as quais foram realizadas entrevistas que produziram Narrativas de Histórias de Vida, analisadas à luz das teorias pós-estruturalistas, privilegiamos o estudo da manifestação da homofobia na família, desenvolvendo uma genealogia de seus efeitos detratores, mas também apontando os modos de resistência a esse processo. Esse locus de manifestação da homofobia, obscurecido pela intimidade do mundo privado, é ainda uma seara pouco discutida nos estudos nacionais e potencializa os danos causados pela discriminação nos espaços macrossociais. Apontamos, então, a família como um importante alvo de ação das políticas públicas que visam à defesa dos direitos humanos e civis, bem como a combater todo tipo de violência e discriminação.

Palavras-chave: Homossexualidade; Filhos LGBT; Família; Homofobia; Gênero.


ABSTRACT

Sexuality device authorizes families to become the guardians of its members' sexuality, ensuring the exclusion of any kind of dissidence from heteronormativity by means of reinforcement of homophobia. This paper presents the analyses of female participants who are dissident of heteronormativity. They were accessed through snow-ball technique and were interviewed. After transcribing their interviews, the researcher produced narratives of their lives with were corroborated with the participants. Data were analyzed from a poststructuralist perspective. By then, we privileged the study of the manifestation of homophobia in the family, developing a genealogy of their detractors effects, but also highlighting modes of resistance to it. This locus of manifestation of homophobia, obscured by the intimacy of the private world, is still a fairly discussed topic in national studies and maximizes the damage caused by discrimination in macro social spaces. We pointed out, then, family as an important target of action for public policies which aim the protection of human and civil rights, as well as all kinds of violence and discrimination.

Keywords: Homosexuality; LGBT Son/Daughter; Family; Homophobia; Gender.


RESUMEN

Históricamente, el dispositivo de la sexualidad le permite a las familias a ser los guardianes de las normas sobre la sexualidad de sus miembros, asegurando la heteronormatividad de suprimir todos los disidentes de esa norma, es decir, por medio de la homofobia. A partir de una encuesta que contó con mujeres disidentes de la heteronormatividad, las cuales fueron contratadas por la técnica de snow-ball y con las que se realizaron entrevistas que produjeron Narrativas de Historias de vida analizadas a la luz de las teorías posestructuralistas, privilegiamos el estudio de la manifestación de la homofobia en la familia, desarrollando una genealogía de sus efectos detractores, pero también señalando los modos de resistencia a este proceso. Este locus de manifestación de la homofobia, oscurecido por la intimidad del mundo privado, potencializa el daño causado por la discriminación en los espacios sociales macro. Señalamos entonces, la familia como un destino importante de la acción de políticas públicas destinadas a la protección de los derechos humanos y civiles, así como la lucha contra todo tipo de violencia y discriminación.

Palabras clave: Homosexualidad; Hijos LGBT; Familia, Homofobia; Género.


 

 

Introdução

Levando em conta aspectos sociais, morais, jurídicos, antropológicos e subjetivos, a homofobia pode ser entendida como todo um conjunto de práticas e discursos negativos a respeito do erotismo e performatividades de gênero (Butler, 2003) dissidentes da heteronormatividade. Segundo Miskolci (2009), a heteronormatividade "expressa as expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade" e é entendida como "um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo [para] aqueles que se relacionam com pessoas do sexo oposto" (p. 156). Assim, são vítimas da homofobia lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e todos aqueles que não se adequam à norma linear fêmea/feminina/mulher/heterossexual ou macho/masculino/homem/heterossexual. Muito mais que um medo ou uma fobia da dissidência da heteronormatividade, a homofobia é movida por um sistema de prazer baseado em crenças e valores advindos da pretensa superioridade da heterossexualidade e suas regulações de gênero diante de outras formas de expressão do erotismo ou da identidade de gênero. Trata-se, portanto, de um dispositivo regulatório da sexualidade acionado por discursos e ações que vão desde a sutil invisibilização e segregação a formas violentas de opressão e dominação.

Porém, um modo de homofobia obscurecido pela intimidade do mundo privado ainda não foi muito discutida nos estudos nacionais. Trata-se da homofobia familiar, que no Brasil apenas Modesto (2008) menciona em relatos de filhos(as) homossexuais e pais de homossexuais, sem uma análise mais profunda das relações de poder que agem sobre esses discursos. Segundo a historiadora Schulman (2010), a família é o primeiro lugar onde as pessoas, independentemente do modo como vivenciam o erotismo, aprendem a homofobia, seja no sentido de serem atores, seja no de serem vítimas da mesma. Para a autora, a homofobia familiar é um fenômeno que faz parte da vida da comunidade LGBT1 e que se configura como uma crise cultural ampla, visto que se trata de uma violência inequívoca, mas, ao mesmo tempo, negada e invisibilizada no mundo privado. A família cria punições sobre seus membros homossexuais que vão desde "pequenos desrespeitos a graus variados de exclusão, chegando a ataques brutais que deformam a vida da pessoa gay, ou até a crueldades diretas e indiretas" (Schulman, 2010, p. 70).

A partir disso, faremos uma discussão sobre a homofobia familiar apresentando algumas de suas formas de atuação, respaldando-nos em dados e análises de uma pesquisa (Toledo, 2013) realizada com dez mulheres que vivenciavam modos de vida dissidentes da normativa heterossexual, sendo, portanto, alvo de homofobia: Júlia (19 anos), Alexandra (20 anos), Aimée (23 anos), Lívia (29 anos), Rafaela (27 anos), Bárbara (30 anos), Solange (34 anos), Carla (42 anos), Helena (46 anos) e Milla2 (48 anos). Todas elas eram de classe média (5 de média-baixa, 4 de média e 1 de média-alta), raças/etnias diferenciadas (6 brancas, 2 pardas e 2 negras), de nível de escolaridade variado (médio, universitário incompleto, universitário completo) e de referências familiares de religiões diversas (evangélicas, católicas, espíritas e afrodescendentes). Uma delas era estudante do ensino médio, 1 de graduação, 1 de pós-graduação, 1 era funcionária pública, 5 eram funcionárias de empresas privadas e 1 era profissional autônoma. Todas residiam ou tinham passado grande parte de suas vidas em uma cidade pequena, com menos de 100 mil habitantes, no interior do Estado de São Paulo, cuja economia gira em torno do agronegócio e do comércio. De modo geral, há considerável invisibilidade e invisibilização das relações homoeróticas, além de difícil manutenção e/ou vivência do anonimato: "nas pequenas cidades 'todo mundo conhece todo mundo e se mete na vida de todo mundo'" (Silva, 2000, p. 25).

As participantes foram contatadas por meio da técnica snow-ball, a qual consiste em localizar pessoas que possam colaborar com indicações, criando redes de referências e, a partir delas, chegar ao público procurado. Tal técnica se relaciona "com a confiança implícita da informação trocada entre pessoas da mesma rede de relações" (Ministério da Saúde, 2000). É uma ténica "eficaz para alcançar populações de difícil acesso ou identificar populações que permanecem invisíveis quando utilizadas outras técnicas de amostragem" (Houtzager, Gurza Lavalle, & Acharya, 2004, p. 26). Os dados foram colhidos por meio de entrevistas semidirigidas, que abordaram aspectos diversos da vida, desde a infância até o momento em que as entrevistas foram realizadas, no ano de 2010. Tais entrevistas foram transcritas, e delas foram retirados focos temáticos que serviram para a construção de Narrativas de Histórias de Vida, que foram corroboradas com as participantes. O processo de construção das narrativas passou também por uma análise hermenêutica genealógica, em conjunto com as participantes. Dentre os diversos focos de temas que encontramos nas entrevistas, destacamos aqui a opressão homofóbica sofrida pelas participantes no contexto da família de origem.

Ainda em relação às participantes, é importante salientar que nem todas se autodenominavam "lésbicas", isto é, assumiam para si uma identidade sexual lésbica, mas todas se reconheciam como pessoas que vivenciavam atração e desejo erótico direcionados para pessoas do sexo feminino. Em função disso, optou-se neste trabalho pela utilização do conceito homoerotismo, em detrimento de orientação sexual ou identidade. Isto porque o homoerotismo, como propõe Jurandir Freire Costa (1992), descreve diversas possibilidades de práticas, atrações, sentimentos, fantasias e desejos entre pessoas de mesmo sexo, indo, portanto, além de uma identidade que por séculos foi estigmatizada. Esse conceito, ao ser usado no lugar de homossexualidade, nos permite uma amplitude maior de entendimento, tanto do desejo de pessoas que se relacionam com outras de mesmo biocorpo quanto de suas sexualidades.

 

A família como guardiã da sexualidade

De acordo com Foucault (1988), a partir do século XVIII, uma rede muito sutil de proliferação de discursos, saberes, prazeres e poderes sobre uma verdade sobre o sexo passou a funcionar, produzindo um dispositivo de controle sobre os indivíduos e as populações - o dispositivo da sexualidade, o qual corresponde a um conjunto heterogêneo de discursos, instituições, regulamentações, leis, enunciados científicos, proposições morais, etc., portanto, o dito e o não dito que produzem uma rede entre esses elementos (Foucault, 1979).

Especialmente a partir do início do século XIX, esse dispositivo passou a atuar pela inventividade e produção de métodos e procedimentos de controle, com o aparecimento das tecnologias médicas de sexo, veiculando, estrategicamente, rituais, tradições e modelos em nome da saúde, da felicidade e da produtividade. Segundo Miskolci (2003), a família burguesa, tida como modelo para as famílias proletárias, se apoiava nos preceitos científicos da época (médicos, pedagógicos e psiquiátricos). Diante da grande campanha contra a masturbação infantil na Europa, realizada entre os anos 1760 e 1780, baseada no temor do incesto, a família tornou-se vigilante da sexualidade infantil, e a presença de um especialista de fora da família, um médico (e mais futuramente um psiquiatria), se tornou necessária. Em meados do século seguinte, a categoria homossexual estaria sendo cunhada pela psiquiatria como sinônimo de uma identidade patológica, comparativamente à sexualidade tida como saudável: que se traduzia na vivência da heterossexualidade, dentro da instituição do casamento, sob um regime de monogamia e com vistas à reprodução. Considerada uma anormalidade e degenerescência, a chamada "inversão" ou o chamado "homossexualismo" passou, conjuntamente com outros "desvios" do modelo economicamente produtivo e biologicamente reprodutivo, a ser controlado pelo Estado e sua comparte, a família. "Em resumo, é no século XVIII que se inicia o mecanismo psiquiátrico familiar que desenvolver-se-á durante o século seguinte" (Miskolci, 2003, p. 111).

Apesar de suas mudanças estruturais, funcionais e hierárquicas, "a partir do século XVIII, e até nossos dias, o sentido de família se modificou muito pouco. Ele permaneceu o mesmo que observamos nas burguesias rurais e urbanas do século XVIII" (Ariès, 1981, p. 224). A partir da década de 1960 (Singly, 2000), novas mudanças ocorreram em diversos países ocidentais, sob influência das transformações políticas e sociais, no âmbito da sexualidade e da flexibilização das relações de gênero, o que fez reflexo na família moderna, produzindo uma horizontalização da relação homem-mulher e maior participação do pai na vida dos filhos. Acontecimentos pós 1960 - como o direito ao divórcio, técnicas médicas de reprodução assistida, mudanças na legislação - , articulados com os novos modos de organização social, conduziram a família a transformações.

Segundo Borges (2009), tanto o modelo hierarquizado (patriarcal) quanto o modelo mais igualitário (moderno) não existem em estado puro, pois sabemos que as relações familiares no cotidiano oscilam em um movimento, às vezes confuso e contraditório, perpassando ambos os modelos, e que as mudanças ocorrem rapidamente apenas de modo superficial, mas a tradição permanece regulando as relações, convivendo juntos o moderno e o conservador. Por isso, historicamente, o dispositivo da sexualidade autoriza as famílias a serem as guardiãs da sexualidade de seus filhos e filhas, sendo seus membros autorizados a questionar e julgar o modo como vivenciam o erotismo (Donzelot, 1986). Um trecho da história de uma das participantes da pesquisa é bastante característico: [...] inesperadamente, a cunhada de Júlia pegou-a pelo braço e levou-a ao quarto falando que elas tinham que conversar. No quarto, sem motivo nem justificativa, sua cunhada impôs uma verdadeira confissão à Júlia, aproveitando da fragilidade de Júlia, questionando sobre seu erotismo: 'Já faz tempo que eu quero conversar com você, não precisa mentir pra mim. Você gosta de mulher? Está na dúvida? É só uma fase?'. Júlia [...] com o susto da pergunta, começou a chorar. Finalmente respondeu que era verdade sim. Sua cunhada ficou questionando-a, lembrando que Júlia já tinha namorado meninos, se ela não gostou, e Júlia, nervosa, mal conseguia falar. A cunhada de Júlia chamou o seu marido no quarto, irmão de Júlia, e contou a ele sobre a conversa que estavam tendo ali e a resposta de Júlia, sem sequer pedir autorização para ela. O irmão disse que não era, para ele, algo fácil de aceitar, que ele não era feliz de ela ser assim, mas que ele continuaria a amando e ela seria sempre a mesma Julinha para ele. A cunhada disse também que gostava muito dela, que a conhecia há algum tempo, e que Júlia continuaria sendo a mesma para ela, mas que era algo triste na família [...]. De modo meio contraditório, ele [o irmão] disse: 'Ela escolheu a opção sexual dela'. E foi assim que Júlia contou para o primeiro irmão sobre sua dissidência erótica - uma verdadeira imposição de admissão da sua dissidência, e a cunhada e o irmão ainda sentiram-se no direito de julgá-la (Baseado na narrativa de Júlia, 19 anos (Toledo, 2013, p. 234)).

Ainda, o fato de o membro homossexual ser do gênero feminino parece ser outro fator agravante, pois, como apontado por Rich (1986) e Badinter (1986), o que estrutura o papel das mulheres nas famílias (especialmente de classes médias) e a própria família nuclear enquanto bastião da heterossexualidade é a dependência e subordinação aos homens (Welzer-Lang, 2001) e a submissão das mulheres dentro do mundo doméstico. Isso está muito claro nos discursos das participantes:

Carla ficava muito dentro de casa, seu pai não a deixava assistir à televisão e nem sair para passear na rua com amigos. Ela ajudava sua mãe a cuidar dos irmãos e do serviço de casa, pois era a primogênita. Às vezes conversava com os vizinhos do portão da casa de seus pais, mas quando seu pai chegava do trabalho, imediatamente a colocava para dentro de casa. Ela e os irmãos mais novos apenas passaram a ter um pouco mais de liberdade quando Carla completou 18 anos [...] (Baseado na narrativa de Carla, 42 anos (Toledo, 2013, p. 136)).

Antes de conhecer sua primeira parceira, sua vida acontecia apenas dentro de casa, na Igreja, na escola, e, no máximo, ela podia ir ao cinema ou comer um lanche em uma lanchonete nas redondezas de sua casa. Morava com seu pai, sua mãe e a irmã mais nova. Quando saía, tinha que estar em casa no máximo às onze e meia da noite, e para ir à casa de alguém, sua mãe tinha que saber quem era a pessoa, conhecer a família e avaliar se Rafaela podia ou não ir. Era sua mãe quem escolhia suas amizades, e nunca ela própria. Assim ocorreu até os seus 23 anos (Baseado em narrativa de Rafaela, 27 anos (Toledo, 2013, p. 178)).

No geral, constatamos que todas as participantes, de um modo ou de outro, resistiram às normativas sociais atribuídas ao gênero feminino anteriormente descrito. Ou seja, procuraram sair de casa, estudar, trabalhar, prestar vestibular, morar em outra cidade, morar sozinhas, findar relacionamentos/casamentos heterossexuais e morar com uma companheira e, especialmente, buscar autonomia sobre seu desejo e sexualidade. Em certa medida, vê-se que o fato de vivenciarem o homoerotismo como dissidência à normativa heterossexual contribuiu para que não se submetessem aos padrões de opressão estabelecidos ao feminino. Tal modo de lidar com a homofobia familiar as empoderou para se desvencilharem das obrigações atribuídas ao feminino heteronormativizado, tais como a obediência aos pais, sobretudo ao pai, e aos laços familiares burgueses, como podemos observar no excerto da narrativa que se segue:

[...] e o clima pesou de novo. 'Você pensa que você é quem, você tá na nossa casa. Você tem que respeitar. Não pode trazer esse tipo de gente aqui. O que está acontecendo?'. E o meu pai: 'Você tá ouvindo o que eu tô falando? Você fica andando com esse tipo de gente. Você não era assim. Depois que você começou a conviver com esse tipo de gente, você começou a ficar desse jeito'. De responder, de ser mal-educada em casa. Aí eu falei: 'Então tá, vou sair de casa, a partir de amanhã eu não venho mais nessa casa' (Narrativa de Júlia, 19 anos (Toledo, 2013, pp. 227-228)).

As mudanças sociais em relação à desigualdade de gênero e estigmatização do homoerotismo trouxeram transformações nos modos de existência das participantes. Mesmo que ainda vagarosamente, observamos que nos últimos cinco anos a mídia vem abrindo mais espaço para a visibilização do homoerotismo, sobretudo devido aos debates e discussões políticas junto aos órgãos federais. E, apesar das limitações estruturais da maioria das organizações LGBT dos grandes centros urbanos, há proposições que vão desde a criminalização dos atos homofóbicos até a promoção de cursos de direitos humanos, capacitação de profissionais e atendimento qualificado à população dissidente (Avelar, Brito, & Mello, 2010). Isso permitiu, a partir dos anos 2000, que esse modo de vivência do erotismo fosse visto como uma possibilidade na vida de muitas mulheres, trazendo inclusive a expectativa de exercerem o direito de expressão afetiva homoerótica em público, enfrentando todas as consequências dessa atitude.

Se eu não puder andar de mãos dadas com você, que é a minha namorada, porque eu acho que o outro não vai gostar de me ver andando de mão dada com você, eu tô só alimentando pra que ele continue achando isso. Então, eu tô andando de mão dada com você não é porque eu quero que ele veja que eu estou de mão dada com você. É porque, no momento, eu quero você junto comigo, eu quero sentir sua mão, eu quero você perto de mim (Narrativa de Alexandra, 20 anos (Toledo, 2013, p. 218)).

Depois de tanto falar com Lena sobre o direito que elas tinham de se expressar em público, um dia esteve com ela em uma lanchonete em Assis, e Lena lhe pediu um beijo. Carla ainda questionou se ela tinha certeza, e ela disse que sim. Beijaram-se em público. Parecia ser uma busca de espaço para Lena, um teste para sentir a reação de quem estava ao redor. Ninguém ao redor fez comentários, e isso pode ter sido encorajador para Lena [...] (Baseado na narrativa de Carla, 42 anos (Toledo, 2013, p. 148)).

 

Necessidade de aceitação da(o)s filha(o)s

De acordo com Singly (2000), "é no espaço onde circula o amor que se constrói uma grande parte da identidade pessoal dos indivíduos" (p. 14). Desse modo, é preciso o reconhecimento de alguém a quem atribuímos importância e sentido para que nos sintamos seres autênticos, para que nos sintamos existentes. Segundo o autor, é na família, independentemente de sua forma, que se consolida esse sentido nas sociedades contemporâneas.

Assim, a necessidade de aceitação e reconhecimento por parte da família está totalmente aderida aos modos de subjetivação dos sujeitos, e o vínculo idealizado como estruturador da família moderna é um vínculo afetivo de amor. O que observamos é que o ser humano necessita de reconhecimento e, por isso, a família, com todas suas transformações e justamente por conta delas, permanece sendo uma instituição de grande peso para os sujeitos do momento histórico atual.

Entre as participantes da pesquisa, vemos que a possibilidade de rompimento com a família de origem é um dos aspectos mais estressantes e deprimentes no processo de descoberta e aceitação (pelo sujeito) e revelação (para os outros) de sua vivência do erotismo dissidente da heterossexualidade. Para elas, a homofobia familiar era a pior forma de discriminação que puderam experienciar. Vemos exemplos de relatos das participantes da pesquisa, com lembranças muitas vezes carregadas de sentimentos: "Ele disse: 'Você é o maior desgosto que eu tive na minha vida'" (Rafaela, 27 anos, referindo-se a seu pai (Toledo, 2013, p. 191)); "Eu acho que talvez o preconceito maior que eu tive, o que doeu mais, foi o da minha própria mãe" (Helena, 46 anos (Toledo, 2013, p. 124)); "A minha mãe pôs ele pra fora de casa, falou que preferia um filho no caixão que um [filho] gay [...] Se eu tivesse assumido primeiro, eu que tinha ouvido isso" (Carla, 42 anos (Toledo, 2013, pp. 342-343)); "Ela disse: 'Não, você não é minha filha, você sempre gostou de meninos, você era feliz antigamente'" (Júlia, 19 anos, referindo-se a sua mãe (Toledo, 2013, p. 224)); "Não, porque eu não aceito uma coisa dessas. Isso é coisa de monstro [...] Pouca vergonha, onde já se viu, o homem foi feito para mulher e a mulher para o homem" (Aimée, 23 anos, referindo-se a seu pai (Toledo, 2013, p. 200)).

Em geral, quando a dissidência erótica de um filho ou filha é descoberta por um membro da família, quando esse filho ou filha revela sua dissidência erótica para a família ou quando a expressa publicamente, de modo que a família tome conhecimento, na melhor das hipóteses o que ocorre é uma "homofobia liberal", conforme expressão de Borrillo (2010). Fundada sobre o mito da "escolha de vida privada", na homofobia liberal se revela uma lógica excludente: a vivência do homoerotismo não é vista como legítima, mas tolerada - e tolerar algo é uma forma de manter esse algo sempre como inferior (Schulman, 2010) - ; o homossexual é aceito desde que anulado.

Como fortalecedor da conservação do homoerotismo em segredo, Mason (2002) diz que mantemos um tipo de fidelidade familiar que, por um lado, é relativa ao carinho natural que sentimos pelos membros de nossa família. Por outro, é uma lealdade inconsciente que nos faz ser fiéis aos modos de comportamento da família de forma quase automática, fazendo-nos manter segredos com a ausência de perguntas e pelo 'não falar' a respeito de certo assunto. Nossa dependência literal, quando crianças, demanda uma estreita adesão às regras implícitas do nosso sistema familiar, desenvolvendo em nós o potencial para sermos fiéis às regras da família e guardar segredos que garantam seu funcionamento. Porém, quando adolescentes, isso muda, pois "parte do processo de amadurecimento é trair nossa lealdade infantil às nossas famílias, rompendo as regras e depois criando uma lealdade adulta" (Mason, 2002, p. 47).

Desse modo, vemos que se processa entre as participantes um sentimento ambíguo em relação à revelação de sua orientação homossexual para a família. Isto é, se por um lado o desejo de reconhecimento em sua autenticidade é grande, o que se demonstra quando vemos que a maioria das participantes deseja a simples possibilidade de falar de si de modo sincero em suas famílias (o que legitima o direito à existência), por outro lado há nelas o temor do desmoronamento dos laços familiares e da traição à fidelidade familiar com a revelação da dissidência da heterossexualidade. Esta fala é expressiva nesse aspecto:

Eu penso que, se eu contar, eles [irmãos de Júlia] podem muito bem conversar com os meus pais e a situação toda mudar. Ficar muito melhor pra mim. Mas, ao mesmo tempo que eu penso, eu falo: 'Putz. Será que eu não posso acabar com tudo isso?'. [...] acabar com todo esse carinho que a gente tem um pelo outro. Posso estragar a família por causa disso (Narrativa de Júlia, 19 anos (Toledo, 2013, p. 232)).

Outro reforçador do desejo de aceitação do homoerotismo que os dissidentes sexuais muitas vezes exigem ou prefeririam ter de suas famílias é o amor conjugal. Isto é, além do reconhecimento como pessoa, é também o reconhecimento do casal que é desejado. Ocultar uma relação sexual eventual com uma pessoa com quem não se criaram vínculos pode ser simples, mas excluir alguém importante para nós das diversas instâncias de nossas vidas (família, vizinhança, círculo de amizades, trabalho etc.), além de quase impossível, nem é desejável. Quando não são reconhecidas as uniões homossexuais, as(os) companheiras(os) são vistas(os) como apenas "colegas de quarto", ou "aquela(e) amiga(o) com quem divide o apartamento"; pessoas que possuem um relacionamento estável são tratadas como se fossem solteiras, e como se não tivessem as responsabilidades e compromissos de uma pessoa comprometida com outra; precisam negociar constantemente em que momento devem expor seu relacionamento, permanecendo em vigilância excessiva sobre si e sua(seu) parceira(o); e muitas vezes a(o) parceira(o) fica excluída(o) de eventos familiares. Solange não colocava o seu relacionamento com uma mulher como algo à parte de sua vida, como fazem muitos dissidentes da heterossexualidade que vivem no armário, mas como algo que atravessava diversas instâncias de sua vida, assim como qualquer pessoa que vivencia a heterossexualidade faz com suas parcerias. "Você quer que a pessoa compartilhe tudo com você. Eu acho que onde não cabe a pessoa que está comigo, não me cabe também" (Narrativa da Solange, 35 anos (Toledo, 2013, p. 157)).

Podemos ver algo semelhante no trabalho de Saraiva (2007), no qual seus entrevistados, antes de se assumirem, tinham uma vivência homoerótica que se restringia ao sexual. Eles "relatam a intrínseca relação entre o assumir-se gay e o estabelecimento de uma conjugalidade homoerótica" (Saraiva, 2007, p. 73). Ou seja, o envolvimento, o laço afetivo, é um forte disparador na busca por se assumir e pelo reconhecimento da família. Tal como aponta o autor, "há uma intrínseca relação entre amor e verdade" (p. 76). Ainda, Nunan (2007) fala que o reconhecimento legal, familiar e social dos relacionamentos homossexuais, além de reduzir os processos de exclusão, aumenta a estabilidade de tais relacionamentos e leva "a uma melhora na saúde física e mental desse setor da população" (p. 50).

 

A dificuldade de aceitação dos pais

Para cumprir com as premissas da heteronormatividade, as famílias investem pesadamente, e de modo inconsciente, para que seus filhos e filhas se tornem heterossexuais e façam as correspondências das performances de gênero correspondentes ao seu sexo biológico, através do dispositivo da sexualidade, com estratégias diversas de enaltecer e valorizar experiências e modos de existência que julgam levar à heterossexualidade e banir o que julgam levar à dissidência sexual e/ou de gênero; por isso, o controle e a vigilância. Havia uma pressão familiar muito grande para que Rafaela namorasse e, segundo ela, seus familiares já deviam desconfiar de sua dissidência erótica, instigando-a a arrumar logo um namorado. Seu pai dizia que se ela começasse a namorar, lhe pagaria uma faculdade, ou lhe daria uma carteira de motorista, e reclamava: 'O que os vizinhos devem estar pensando de você? Com 21 anos você ainda não arrumou namorado' (Baseado na narrativa de Rafaela, 27 anos (Toledo, 2013, p. 180)).

Tal como apontado por Modesto (2008), as reações dos pais frente à revelação da filha ou do filho acerca de sua orientação homossexual são diversas, e cada conjunto de reações depende de cada caso: os tipos de vínculos entre pais e filha(o), os sentimentos que afetam os membros da família entre si, a relação entre os irmãos, o comprometimento com os fundamentalismos religiosos, com o moralismo social, com a tradição, com a ética e valores de respeito aos direitos humanos, à autonomia e às decisões individuais, entre outros aspectos.

A reiteração da heteronormatividade no discurso familiar pode se manifestar de formas distintas, e em graus variados, indo desde o total silenciamento de qualquer coisa que se refira à diversidade sexual e de gênero, passando à produção de estigmas diversos que operam sobre as pessoas que não se enquadram em tal norma, chegando a casos de segregação do membro da família de forma simbólica ou real, e mesmo a violências físicas e até a assassinatos.

Entre as participantes da pesquisa, observamos que o processo de revelação/descoberta do homoerotismo para/pelos pais é bastante turbulento, sendo atravessado por controle, vigilância, perseguição, invasão de privacidade, proibições, ameaças, chantagens e até agressões: "Meus pais investigavam minha vida, fuçavam em minhas coisas, meus cadernos, minha agenda, minhas gavetas, escutavam na linha do telefone o que eu conversava com qualquer pessoa" (Narrativa de Lívia, 29 anos (Toledo, 2013, p. 18)). Ou ainda:

Com toda a perseguição da família de ambas, o relacionamento foi ficando difícil. Os pais das duas conversaram entre si para proibirem o encontro entre as meninas e os pais de Giseli arrumaram um namorado para ela e obrigaram-na a namorá-lo, o que finalmente levou ao fim do relacionamento. Havia uma forte argumentação de que o que as meninas faziam 'era loucura' (Narrativa de Solange, 34 anos (Toledo, 2013, p. 153)).

Todos os aspectos citados são verdadeiras violências psicológicas cometidas contra as pessoas homoeroticamente orientadas em suas famílias, mas não podemos esquecer que, muitas vezes, acompanha essas ações a violência verbal e física. O pai de Rafaela perguntou: 'Você é mesmo sapatão? Fala pra mim se você é sapatão. Fala na minha cara'. E Rafaela respondeu: 'Eu sou lésbica'. Quando ela disse isso, seu pai pegou no seu pescoço e começou a enforcá-la. Rafaela estava já ficando sem ar, sem conseguir falar direito. E sua mãe gritou para ele parar, com medo de Rafaela denunciá-lo (Baseado na narrativa de Rafaela, 27 anos (Toledo, 2013, p. 186)).

No processo de desconfiança e revelação do homoerotismo de uma filha ou um filho, corroborando o que Sedgwick (2007) fala sobre os códigos contraditórios do armário, as famílias acabam por exigir, direta ou indiretamente, que a pessoa homossexual se autorrevele e, após a revelação, clara ou indiretamente, exigem que o membro homossexual se auto anule. Esse comportamento que surge

na família, e também em outros espaços de participação social (como em alguns grupos religiosos, na sala de aula, entre os colegas de trabalho), exclui as pessoas homossexuais de qualquer participação de comunicação sobre elas mesmas e sobre como são tratadas, para se defender ou retrucar, e qualquer tipo de reconhecimento ou representação de suas experiências. É o que Schulman (2010) chama de evitação: "a forma mais comum de homofobia e a mais fácil de ser executada" (p. 74), produzindo uma verdadeira desumanização normativa e regular. Um dos modos de expressão seria, por exemplo, o tratamento diferenciado entre irmãos:

Se meu irmão for viajar, se minha irmã mais velha for viajar ou minha outra irmã for viajar, minha mãe e meu pai, eles têm que falar com eles todo dia, pra saber se tá tudo bem, como é que tá, tal. Se eu passar uma semana e não ligar, eles também não me ligam. [...] hoje eu acredito que eu sou deixada de lado justamente por isso [relacionar-se com mulheres]. Eles não querem saber nada da minha vida (Narrativa de Solange, 34 anos (Toledo, 2013, p. 156)).

Ainda na evitação, o fato de um membro homossexual frequentemente ser excluído dos eventos familiares ou ter excluída parte central de sua vida (como sua relação de casal) é visto como normal e sem intercorrências. Tal como afirma Castañeda (2007), "não é apenas o parceiro que é anulado: trata-se de uma negação pura e simples dos sentimentos, das necessidades afetivas, e da vida cotidiana e social do filho ou da filha homossexual" (pp. 117-118). De acordo com Mason (2002), o desejo de proteção dos membros da família de uma verdade dolorosa pode se tornar uma verdadeira barreira para a intimidade. É importante lembrar que guardar segredos vergonhosos pode resultar em isolamento e, consequentemente, distanciamento e angústia para pais e para filhos. De acordo com a autora:

Quando os segredos são revelados, temos menos a esconder e podemos ser mais espontâneos e mais vulneráveis. [...] Arriscamo-nos a perda da confiança no relacionamento; enfrentamos sentimentos de raiva, desapontamento, mágoa, alívio, tristeza e fúria. Contudo, quando arriscamos mais de nossa parte humana, sentimos nossa conexão humana natural (Mason, 2002, p. 53).

Aceitar as expectativas e demandas sociais e familiares para manter o homoerotismo em segredo pode limitar a vida do indivíduo, gerando um isolamento pessoal muitas vezes opressivo (Sanders, 1994). Outra reação dos pais é desqualificar a autoridade da pessoa homossexual de falar de sua sexualidade, infantilizando-a e tomando para si a competência de falar sobre o desejo da(o) filha(o), segundo afirmações ouvidas pelas participantes, especialmente as mais jovens: "Você não sabe o que está dizendo!; Você não é assim!"; "Você está passando por uma fase!; Você ainda não teve experiências heterossexuais o suficiente para ter certeza" (Toledo, 2013, p. 357). Como nos lembra Sedgwick (2007): "No processo de auto-revelação gay [...] questões de autoridade e de evidência podem ser as primeiras a surgir. [...] Intensa é a resistência a ela e o quanto a autoridade sobre sua definição se distanciou da própria pessoa gay - ele ou ela" (pp. 37-38).

Todas essas dificuldades de aceitação da dissidência da heteronormatividade vivenciada por uma filha ou filho precisam ser ressignificadas a partir do luto da heterossexualidade. As mães e pais de homossexuais geralmente experimentam sentimentos de culpa, considerando o fato como um 'castigo', responsabilizando-se, como se tivessem 'falhado' na educação deles, ou culpando alguém por 'transformar' sua filha ou seu filho em homossexual. Também são comuns os sentimentos de decepção e sofrimento pelas expectativas da heterossexualidade (noivado, casamento, netos nos moldes tradicionais) rompidas. Assim, precisam elaborar o luto de uma filha ou um filho heterossexual, o luto por si mesmos (pelo que seriam tendo uma filha ou um filho heterossexual) e pelos planos e sonhos que tiveram que 'matar' ou transformar. Castañeda (2007), baseada em Elisabeth Küble-Ross (1969), descreve o processo de luto:

[...] o luto compreende necessariamente uma série de reações que são normais quando sofremos uma grande perda afetiva. Assim passamos pela negação ('não é verdade, não estou acreditando'), a raiva ('como podem ter feito isso comigo?'), a barganha mágica ('talvez eu pudesse fazer alguma coisa para evitar'), a depressão ('minha vida não tem mais sentido'), a culpabilidade ('deveria ter agido de outro modo') e, enfim, a aceitação ('eu fiz o melhor que pude, não há mais nada a fazer') (p. 91).

Tanto em relação à pessoa que toma consciência de seu homoerotismo quanto em relação à mãe ou o pai que tomam consciência do homoerotismo de uma filha ou um filho, encontramos esses processos, não necessariamente todos e nessa ordem. Por fim, a dificuldade de aceitação e reconhecimento da dissidência da heterossexualidade não está baseada apenas na dificuldade de assumir as práticas sexuais entre iguais. Segundo Foucault (2004), as relações homossexuais não apenas subvertem a regra sexual, pois o homoerotismo não é apenas composto de práticas sexuais, mas os homossexuais subvertem também a lei dos relacionamentos, a lei do amor, da composição da conjugalidade e, por conseguinte, da família. Por isso, vê-se a dificuldade de aceitação do casamento entre homossexuais, bem como da homoparentalidade (família formada por casal homossexual). Ou seja, segundo a perspectiva heteronormativa, compreende-se que o desejo de estabelecer uma relação sexual com quem quer que seja é um ato de escolha, por isso fala-se tanto em opção sexual. Tal ato, na verdade, pode acontecer a qualquer pessoa. Mas não o amor. Este é visto como sagrado, sublime e verdadeiro apenas quando acontece (não é escolha) entre pessoas de sexos diferentes.

Quais são os laços que afetam a família, quais são os afetos que enlaçam a família?

Por muito tempo na história, a vinculação familiar se manteve por laços mais econômicos e de propriedade do que afetivos e, mesmo que a atual família moderna seja produzida para vincular seus membros a partir de laços de afeto baseados no amor (respeito, carinho, solidariedade, proteção), vemos o reflexo de outros modos de ligação permanecer na família de várias participantes da pesquisa.

O primeiro que citaremos aqui diz respeito à vinculação de ordem financeira. Singly (2000) faz referência a duas dimensões do processo de individualização que diferencia a idade adulta da juventude: a autonomia e a independência. A dificuldade no processo de individualização é o que cria estruturas de poder da família sobre um membro jovem. Atualmente, "tudo se passa como se, nas sociedades contemporâneas, o modelo de identidade pessoal, completa, só pudesse ser elaborado muito tardiamente e os jovens adultos sofressem por não conseguir chegar a essa conjunção entre autonomia e independência" (Singly, 2000, p. 19). Segundo o autor, essa demora a atingir a independência e a autonomia está no prolongamento da escolaridade e nas dificuldades na obtenção de um primeiro trabalho estável. E em relação às mulheres, há um agravante: enquanto nas gerações precedentes os homens tinham acesso a essa independência econômica muito mais rapidamente, a maioria das mulheres era inativa profissionalmente. Isso ainda desponta na dificuldade das mulheres em se desprender das amarras de controle da família, podendo reivindicar a vivência de uma sexualidade não normativa.

Vemos o reflexo das ligações de ordem financeira na família de quase todas as participantes, sem distinção de idade, quando seus pais diziam para controlar o exercício do homoerotismo: "Você tá morando na minha casa e você vai ter que fazer o que eu quero" (Narrativa de Júlia, 19 anos (Toledo, 2013, p. 236)); ou "Ela falou: 'Se você ficar com ela, você esquece que você tem mãe, e eu te deserdo. Você não pega nada do que eu tenho'" (Narrativa de Helena, 46 anos (Toledo, 2013, p. 124)); e ainda: "Ela dizia assim: 'Enquanto você morar comigo, eu mando em você. Você só vai ter sua liberdade a partir do momento que você casar'" (Narrativa da Milla, 48 anos (Toledo, 2013, p. 113)). Ou seja, o fato de ainda não terem conquistado a independência financeira fazia delas subjugadas ao poder dos pais sobre a autonomia de seus desejos pertinentes à vivência do erotismo. Borges (2009) fala que isso pode ser reflexo do temor dos pais e mães da perda do vínculo com a(o) filha(o); assim, forçam-na(o) a manter o vínculo. Entretanto, ao afirmarem a dependência da(o) filha(o), instaura-se aí a obrigação dela(e) de fazer, portanto, o que os pais querem, subordinando os sentimentos e necessidades das(os) filhas(os) aos dos pais. Essa estratégia de controle desvincula pai/mãe e filha(o) dos laços afetivos de amor, mostrando que, na sociedade heteronormativa, o amor aos filhos e a responsabilidade parental em relação a estes estão, muitas vezes, condicionados ao respeito às regras impostas pelo dispositivo da sexualidade e pelo capital.

De acordo com Sedgwick (2007), a revelação da própria orientação homossexual para amigos e familiares pode chegar a dois fins: o afeto entre as pessoas fazer a pessoa que recebe a notícia do segredo rever a própria homofobia, desconstruindo-a, ou, ao contrário, a homofobia desestabilizar a relação afetiva.

E quando não é acolhida(o) pela família, ou quando se exige que a(o) homossexual permaneça no armário, muitas vezes o peso dessa desestabilização e não reconhecimento faz muito homossexuais afastarem-se de suas famílias de origem. Assim, lésbicas e gays que revelam sua homossexualidade têm que criar um novo referencial familiar. "[...] têm que construir, com dificuldade e sempre tardiamente, a partir de fragmentos, uma comunidade, uma herança utilizável, uma política de sobrevivência ou resistência" (Sedgwick, 2007, p. 40). É comum, por exemplo, que homossexuais formem verdadeiras famílias de amigos ao serem rejeitados por suas famílias de origem. Várias experiências das participantes ilustram esse distanciamento. Devido à homofobia familiar, uma delas fugiu da casa de seus pais na adolescência, mas voltou, e buscava sair novamente o mais breve que pudesse; outra saiu da casa dos pais para morar em uma república de estudantes; outra foi fazer faculdade em uma cidade bem longe de onde moravam seus pais; mais uma fugiu da casa dos pais para dar continuidade ao seu relacionamento e foi morar com a namorada; outra era recorrentemente excluída e oprimida na casa de seus pais e também visava sair de casa assim que tivesse condições; duas delas foram, por um tempo, proibidas de entrar na casa dos pais; e três delas não haviam ainda se assumido para os pais no momento da pesquisa. Porém, o que vemos é que a homofobia familiar promove o rompimento de laços familiares. Segundo Schulman (2002), "usualmente, a família é o refúgio das crueldades da cultura. Se a família é a fonte da crueldade, a sociedade mais ampla é o refúgio da família" (p. 76).

Frequentemente, muitos homossexuais se afastam de seus familiares ao conquistarem sua independência material. E, também, comumente, muitos permanecem ligados à sua família por uma ilusão de vínculos de amor "naturais", mas que em realidade são vínculos financeiros e de dominação sobrepostos por uma homofobia familiar consentida, que exige que o membro homossexual se anule. "A fidelidade familiar mantém os segredos [...] intactos, não importando seu poder debilitante" (Mason, 2002, p. 44). Desse modo, não é apenas a homofobia familiar que faz o membro homossexual ocultar sua dissidência, mas a tentativa de proteção dos laços e idealizações familiares.

Além da vinculação financeira, o próprio segredo em torno do homoerotismo pode estruturar a família, tornando-se o grande representante dos seus laços de união. A revelação dos segredos sugere outras formas de subjetivação, que têm a ver com ser verdadeiro, respeitar as emoções, tentar viver de modo livre, conforme os desejos. Nesse contexto, revelar que há um membro homossexual na família denota romper laços simbólicos que ligam a família unida segundo as normas da heteronormatividade, fazendo-a deixar de se sentir família, pois perde o laço que a estrutura - corresponder ao referencial do modelo heteronormativo. Essa família heteronormativa, tais quais as famílias de todas as participantes, não admite sair do referencial com a evidenciação do membro dissidente sexual; nelas, não se suporta a ideia de ter que refazer a vida a partir da constatação de que não só existem pessoas dissidentes da heteronormatividade, mas também que elas estão em nossas famílias, podendo ser a filha, o filho, o marido, a esposa e qualquer outro membro. A partir disso vemos que o armário homossexual tem maior aderência em famílias que já estão habituadas a conviver com a mentira e que se estruturam a partir dela. Do mesmo modo, vemos que a vinculação pela via financeira tem maior aderência às famílias que costumam comprar os segredos, habituadas a viver dessa maneira.

Saving-Williams (2001) diz que o modo como cada família aceita a dissidência erótica de seu membro vai depender de como a família se relaciona com esta pessoa antes mesmo de saber ou não de sua dissidência erótica. O modo de aceitação pela família também estará relacionado ao tipo de dissidência, já que o impacto da revelação varia conforme o grau de visibilidade e exposição em que a filha ou o filho coloca a família no contexto social - até que ponto a "não heterossexualidade" é "vista" pelos vizinhos, amigos e outros parentes.

Assumir a dissidência erótica para as pessoas com quem se tem vínculos afetivos concretizados é uma situação atravessada pelo medo da rejeição. Mas quando a rejeição pela(o) filha(o) já é uma situação instalada, o erotismo dissidente se torna somente mais um bode expiatório de alto valor para que a rejeição da(o) filha(o) pelos pais se torne ainda mais profunda:

O que faz as pessoas gays bodes expiatórios ideais em uma família é que nela estão sozinhas. Muitas vezes, ninguém no interior da família é como elas ou se identifica com elas. Elas se tornam uma tela projetora, o terreno em que todos os outros depositam suas deficiências e ressentimentos. Além disso, ninguém está olhando. Ninguém de fora irá intervir, porque há a percepção de que os assuntos de família são privados e intocáveis. A estrutura familiar e sua intocabilidade predominam. Então, porque a pessoa gay não tem apoio total de sua família, ela por sua vez se torna o bode expiatório ideal (Schulman, 2010, p. 76).

Ou seja, a família usa o membro dissidente da heteronormatividade como saída perfeita para o escoamento dos afetos que enlaçam cada tipo de família, produzindo laços que afetam todos os membros. Em resumo: são modos de relação que produzem sentimentos e sentimentos que produzem modos de relação.

 

Conclusão

Segundo Schulman (2010), o impacto da homofobia sobre a pessoa homossexual irá depender dos sistemas de apoio consistentes e confiáveis que a pessoa consegue acessar (familiares, amigos e profissionais esclarecidos, informações positivas na mídia sobre a diversidade sexual, entre outros), que possibilitem intervenções ativas na discriminação sofrida. Também depende do quão comprometida é a sua família no reforço da homofobia. Contudo, no contexto desta pesquisa, observamos que as famílias ainda vivem de acordo com o dispositivo da sexualidade do século XIX, exercendo controle sobre seus membros de modo a manter a compulsoriedade da heterossexualidade. Dentre as participantes, apenas aquelas que não assumiram a sua dissidência erótica para seus familiares não sofreram ataques homofóbicos diretos da família. Ainda que, de modos indiretos, todas elas percebiam que esse modo de vivência do erotismo não era aprovado ou considerado desejável e que, caso revelado, elas poderiam passar por todos os percalços vividos pelas participantes que contaram para seus familiares sobre seu homoerotismo. O ato de não contar já evidenciava tal apreensão.

Segundo Santos, Brochado Júnior e Moscheta (2007), a homofobia familiar potencializa os danos causados pela discriminação social sofrida nos espaços macrossociais; afinal, sabemos que a violência doméstica é fator preponderante na violência social. Apontamos então a família como um importante alvo de ação de políticas públicas que visem à defesa dos direitos civis de pessoas dissidentes da heteronormatividade, bem como a minimização das vulnerabilidades dessa população a todo tipo de violência e discriminação.

A prática da homofobia pode ser inibida quando o agressor percebe que a vítima detém algum capital social ou poder, ou que alguém se importa com a forma como ela é tratada, devido ao receio das consequências da agressão, uma vez que "uma intervenção mostra aos perpetradores que alguém de preocupa com a vítima, o modo como ela é tratada e o que será dela" (Schulman, 2010, p. 75). Assim, se uma das maiores preocupações de pais e mães de homossexuais é sobre a violência a que o filho possa estar vulnerável no cotidiano (Santos et al., 2007; Borges, 2009), ao invés de tolerar seus filhos homossexuais ou de exercer sobre eles discriminações e violências - tudo aquilo que vai contra ao exercício da parentalidade - , esses pais e outros familiares deveriam buscar aprender com as diversidades e dificuldades delas consequentes e acolher seus filhos e ajudá-los a lidar com o preconceito, importar-se (Butler, 1993, 2000) com eles.

 

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 Endereço para correspondência:
Lívia Gonsalves Toledo
liviagtoledo@gmail.com
Fernando Silva Teixeira Filho
fsteixeirafilho@gmail.com

Submetido em: 09/04/2013
Revisto em: 25/07/2013
Aceito em: 26/07/2013

 

 

* Artigo relativo à pesquisa de doutorado da autora, "Será que eu tô gostando de mulher? : vivências do erotismo entre pessoas de biocorpo feminino em cidades do interior paulista", orientada pelo coautor, no PPG em Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), defendida em 2013, com apoio da FAPESP.
1 Trata-se do acrônimo de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.
2 Todos os nomes são fictícios, visando proteger a identidade das participantes.